Hide The Petals escrita por JennyMNZ


Capítulo 5
O Clã




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кинули прямо в яму
камень во рту вместо кляпа
чёрное-чёрное небо
падает сверху, я слепну
крик застывает в горле
больше тебя не помню
белые-белые зубы
целуют меня в губы
(ic3peak feat. ghostemane – яма)

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Por sorte, nos dias seguintes, Wang Wook não parece ser tão invasivo quanto antes.

Ele ainda fica pairando ao redor dela, claro. Hae Soo sente seu olhar às vezes quando ela caminha pelo pátio na sua residência, mas nunca o vê. Ela se pergunta se ele está se escondendo à distância ou se está numa sombra por perto, e ela também se questiona se é melhor assim: nunca o vendo, mas sempre sob seus olhos vigilantes.

E bem, ele provavelmente nem está lá, e é só a paranoia fazendo ela ver e sentir coisas. Ainda assim, ela não pode deixar sua guarda baixa por nenhum segundo. Porque, embora ele não esteja sendo tão invasivo quanto antes, a presença de Wook é constante na sua vida.

Toda vez que ela anda pela residência, não importa o quão cedo ou o quão tarde, ela arrisca se encontrar com ele. Mas ficar presa o dia todo no quarto a deixa sufocada, então ela corre o risco assim mesmo, e às vezes eles se encontram.

Ela o cumprimenta educadamente com uma breve mesura quando eles cruzam caminhos, mas não o olha nos olhos, não tenta puxar conversa, não fica mais tempo que o necessário perto dele. Ela nem lhe dirige a palavra, a menos que ele tenha um convidado ao seu lado. Ela age como agia no Damiwon, depois de ter decidido deixar eles e tudo que eles tiveram para trás.

Hae Soo não vai deixá-lo se aproximar de novo.

Se era uma bonequinha que ele queria, uma bonequinha ele iria ter.

De vez em quando, o 8º Príncipe era convidado para um jantar formal na casa de alguém, ou então ele mesmo oferecia um banquete para seus aliados políticos. Nessas ocasiões ela não tem escolha a não ser ir, ficar ao lado dele com uma aparência impecável e uma postura incólume, sentar perto e obedecer seu marido como é seu dever. Ela tinha que cumprimentar todos com cortesia, seja como convidada ou anfitriã, mas sem nunca deixar a máscara cair.

Sua máscara é sua sobrevivência.

De vez em quando ele também insistia que eles tivessem uma refeição juntos, e ele sempre dava um jeito de conseguir o que queria. Ela tentou se recolher nos seus aposentos mais cedo para evitar que ele a chamasse, mas acabou que ele foi parar no quarto dela para jantarem juntos. Ela tentou se esconder na montanha no quintal de sua casa, e ele esperou acordado, sentado à mesa cheia de comida intocada, e fez os servos esperar de pé até que a senhora da casa voltasse.

No fim das contas, ela decidiu simplesmente ficar sentada lá e não se mover, não comer, que nem ela tinha feito na sua noite de núpcias, que nem ela fazia quando eles saiam juntos. Ela só olhava fixamente para a mesa enquanto ele tagarelava sem parar sobre coisas que ela não se importava.

Mas ser uma boneca era cansativo.

Ficar presa naquela casa era cansativo.

Ficar atenta e vigilante, com medo de que a qualquer momento o 8º Príncipe poderia tentar fazer algo com ela, era cansativo.

Ela já está exausta, e apesar de não ver Wook o tempo todo, ela não sabe quanto tempo mais ela consegue viver assim.

Naquela casa, que antes era o melhor lugar para se viver, os minutos pareciam ser longas e torturantes horas, os dias passavam como semanas, e seu primeiro mês no lugar pesava sobre ela como uma década.

E claro, seu marido não era o único a quem ela tinha que agradecer pela estadia desagradável na residência. Hae Soo também tinha as intrigas da Princesa Yeon Hwa e todo o clã Hwangbo para tornar a vida dela ainda mais insuportável.

 

❊❊❊

 

— Você não tem classe mesmo. — Essas são as primeiras palavras que a Princesa lhe diz desde o seu casamento, quase um mês depois dela ter se mudado para a casa do 8º Príncipe.

O tom de censura não é um surpresa para Soo, já que a mulher nunca tinha gostado dela; nem mesmo as palavras de repreensão, já que ela nunca tinha esperado que sua cunhada fosse apreciar algo que ela fizesse. Mas ainda assim, a reclamação vem do nada, pois Soo tem certeza que sua forma ao servir o chá tinha sido perfeita, sua postura ajoelhada no chão do mirante é mais que apropriada, e ela não consegue ver o porquê dela não ter classe.

A mulher parece notar sua confusão, mas isso só a irrita ainda mais. Sua sobrancelha treme e seus lábios franzem em descontentamento quando ela explica de um jeito melhor.

— Você age como uma estranha com seu próprio marido por causa de outro homem. Isso é muito vulgar.

Ela poderia rebater, é claro. Ela poderia dizer que a Princesa está errada, e que ela só está agindo como uma estranha com o 8º Príncipe porque ela odeia tudo no homem, e não exatamente porque ainda gosta do 4º Príncipe. Ela poderia listar todos os motivos por que Yeon Hwa não tinha o direito de dizer que ela não tinha classe, mas ela sinceramente não acha que vá fazer diferença, então ela apenas sorri e pergunta em um tom provocativo.

— Gongjunim, — sua voz é doce quando ela fala, — Você anda observando a vida privada de um casal?

O queixo da mulher cai em choque com a resposta de Hae Soo, ela pisca algumas vezes, tenta reorganizar seus pensamentos para poder voltar a lhe dar uma bronca, e finalmente explode.

— Eu não posso tolerar essa situação, por isso estou intervindo.

— Então você decidiu fazer algo vulgar para poder me acusar de ser vulgar.

Aparentemente ninguém nunca tinha chamado Yeon Hwa de vulgar, pois a mulher parece estar aterrorizada pela palavra. E também parece que esse tipo de ofensa é pior do que ser lembrada de ser a causa da morte de seu irmão, já que seus olhos se arregalam e seu rosto fica rubro quando Soo usa a lógica distorcida da mulher para se livrar dela.

Na verdade é bem divertido e satisfatório encontrar uma fraqueza na máscara arrogante e perfeita da nobre desprezível.

No entanto, a Princesa persevera – apesar da oh, terrível humilhação – e as palavras de Soo falham em afastá-la.

— Meu irmão faria qualquer coisa pela família, — Yeon Hwa argumenta, tenta apelar para os laços familiares, como ela realmente se importasse com isso, — Eu não sei por que você não pode cooperar com ele, pelo menos ter um pouco de respeito.

— Bem, perdoe-me, Gongjunim, mas parece que você não tem nada pra fazer além de espiar minha vida privada.

A Princesa não consegue pensar numa resposta, e ela luta para encontrar as palavras certas e dignas.

— Você é uma Hwangbo agora.

— Ainda assim, meu casamento não tem nada a ver com você.

Soo está sendo meio atrevida, mas ela não está muito a fim de se preocupar com sua imagem. Sua pele se calejou depois de sofrer tanto em tão pouco tempo, e ela prefere usar ofensas mais simples para fazer Yeon Hwa gaguejar enquanto tenta contra-atacar.

— Você está tratando meu irmão como se ele fosse um monstro.

— Talvez ele seja. Talvez vocês todos sejam. Talvez eu também seja um, — Soo ri e sacode sua xícara, fazendo um redemoinho com o chá, — Ainda assim, não consigo ver como isso poderia ser da sua conta, nem que poder você tem pra fazer algo a respeito.

Soo bebe seu chá calmamente, saboreando a bebida aromática enquanto a mulher continua tentando humilhá-la.

— Você acha mesmo que vai conseguir alguma coisa agindo desse jeito? Acha mesmo que ele não vai se divorciar de você?

— Na verdade, é isso que eu quero, — ela esclarece as coisas para sua cunhada, erguendo uma mão para tentar explicar o mal-entendido, — Mas eu já tentei. Parece que xingá-lo não é o bastante para fazê-lo se divorciar de mim.

— Você acha que não vai se arrepender.

— Se tem alguma coisa de que eu me arrependo, Gongjunim, — Soo responde com um sorriso amargo, seu tom impróprio deixando a Princesa transtornada mais uma vez, — Foi de ter pisado nessa sua casa. Agora saia daqui, antes que eu faça algo que você vá se arrepender.

 

❊❊❊

 

 — Huanghu, — Hae Soo se curva educadamente diante da mulher, que nem ela fez quando era só uma criança conhecendo uma Rainha pela primeira vez. Dessa vez, no entanto, ela não tem medo de fazer ou dizer algo errado. Ela não tem nem medo de ser mandada para a prisão nem nada do tipo. Os anos em Goryeo pareciam passar como décadas, e Hae Soo se sente uma anciã em comparação com a garota inocente que ela costumava ser.

Ela se senta na frente da sogra quando a mulher lhe indica que o faça com um movimento da mão. Depois de quase dois meses vivendo na casa do 8º Príncipe como sua esposa, essa é a primeira vez que Shinjeong toma a iniciativa de se sentar para uma conversa civilizada e aberta. E também em particular, então deve ser algo sério.

No entanto, por um momento, só há silêncio no quarto que um dia foi de Myung Hee. Diferente de quando ela está na presença do 8º Príncipe, ela mantém o rosto erguido, esperando que os olhos perspicazes da mulher acabem de analisá-la e que ela finalmente fale.

— Eu sou contra esse casamento, como você já deve saber, — a Rainha declara sem rodeios e então franze o cenho de leve, — E bem... Agora eu não acho mais que você esteja contente. Você pode ser honesta.

Ela não estava planejando fingir, pra início de conversa, nem mentir para o clã Hwangbo, então Soo não hesita em declarar sua indignação num tom de voz afiado.

— Não estou, Huanghu.

A Rainha fica em silêncio mais uma vez e meneia a cabeça num sinal de compreensão, olha para ela com olhos calmos e serenos. Ela tem uma aura de gentileza e paciência, como se estivesse sempre tranquila, sempre calma, sempre acessível. A Rainha parece ser gentil, mas Soo sabe que aqueles olhos são como as profundezas do oceano. Shinjeong tem uma presença tranquilizadora e relaxante, mas ela é ilegível, insondável, e, diferente da Rainha Yoo, é quase impossível saber o que ela está pensando ou tramando. É impossível ver o que espreita por trás daqueles olhos calmos e gentis.

Ela tem um controle perfeito das suas expressões, mas Soo sabe que ela a observa como se observasse uma peça num jogo de tabuleiro. Nesse momento, ela está usando sua voz calmante e seus olhos tranquilizadores para avaliar Hae Soo, para calcular qual movimento será mais vantajoso e como ela pode usá-la melhor.

Gentileza é a máscara de Shinjeong.

Depois que sua avaliação acaba, ela finalmente fala de novo, com um tom materno e preocupado, como se elas fossem confidentes de longa data. 

— Sua falecida prima uma vez me pediu para aceitá-la como nora. — A revelação é uma amarga surpresa para Hae Soo, mas ela não demonstra e espera a mulher terminar de falar, — Tenho certeza que pode entender minha relutância em fazer isso, especialmente depois que sua família a deu em casamento para o rei e você cortou seu pulso.

Hae Soo pode entender. Ela realmente pode. Ela nunca tinha guardado rancor contra as pessoas que só assistiram quando ela foi levada para o palácio pela primeira vez. E ela nunca tinha esperado que ninguém a apoiasse depois que ela se infligiu uma cicatriz. Dadas as circunstâncias, na verdade era uma surpresa que houvesse pessoas ao lado dela – ela estava pronta para ser destruída sozinha. Ela estava disposta a apostar sua própria vida naquela hora, e não queria que ninguém fizesse o mesmo, então ela entendia o lado de quem a abandonou depois que ela se tornou uma dama da corte.

Hae Soo realmente podia entendê-la, mas ela não está a fim de ser compreensiva, nem de ser respeitosa com a mulher que trazia palavras de perdão.

— Se veio aqui para repreender meu comportamento, é melhor ir direto ao ponto, Huanghu.

— Não vim aqui para isso. — A voz da mulher perde um pouco de sua cordialidade quando Soo a rejeita rapidamente, mas suas palavras ainda são educadas e acolhedoras, — Eu já estive numa situação parecida com a sua. E posso dizer com certeza que você não vai conseguir sozinha. Você vai continuar sendo um alvo do Rei, a não ser que consiga apoio. Ela pausa e lança outro olhar cauteloso para a menina, procurando um sinal de fraqueza ou um indício de pedido de socorro. — Os Hwangbo estão dispostos a lhe apoiar, desde que você lhes dê um herdeiro.

Leva um segundo pra Hae Soo registrar aquelas palavras. Leva um momento para ela ter certeza que não está sonhando nem alucinando. E quando ela percebe que sim, ela realmente ouviu o que achou que tinha ouvido, Soo ri, sem nem conseguir se conter, achando ridículo que a Rainha tenha acabado de sugerir que ela tenha um filho do 8º Príncipe. Como se ela não tivesse sido casada contra sua vontade, como se a mulher não tivesse acabado de dizer que não aprovava a união dela com seu filho.

— E depois que o herdeiro nascer, quanto tempo vocês vão levar pra me descartar?

Shinjeong não demonstra surpresa com sua fala sarcástica, e só pergunta calmamente.

— Por que nós a descartaríamos?

— Porque eu sou uma ameaça para o seu filho. — O sorriso de Soo cresce conforme ela continua a falar, — Se o Rei perder a paciência e surtar, exigir minha cabeça por regicídio um dia, eu vou acabar arruinando o 8º Príncipe também.

A Rainha não nega. Ela conhece Hae Soo o bastante para saber que a jovem está familiarizada com o estado da corte e com os conflitos entre os clãs, então ela não ousa dizer que esse não é o caso. Mas ela coloca suas mãos entrelaçadas sobre a mesa e se inclina para mais perto, como se estivesse propondo um acordo imperdível, o único salva-vidas que Soo pode esperar receber.

— Se você conceber, o clã será obrigado a protegê-la. Mas se você recusar, o clã vai continuar pressionando Wook ao divórcio.

Há uma leve ameaça nas palavras da mulher, mas Soo apenas continua a sorrir e responde dando de ombros, inabalada pela grandiosa oferta.

— Na verdade, é isso que eu quero.

Shinjeong franze o cenho com a reação de Soo, como se ela fosse uma variável desconhecida na sua equação. Como se sua nora fosse outro oceano, outro par de olhos calmos e ilegíveis, o que faz Soo refletir se os poucos anos que ela passou no palácio de Goryeo a treinaram para ter um bom controle sobre suas expressões também.

Apatia se tornou a máscara de Hae Soo.

E sua máscara é densa e sólida, ao ponto de esconder seus sonhos e ideais inocentes, ao ponto da mulher na frente dela ter que perguntar o que seria óbvio para uma mulher do Século XXI.

— Você queria ficar com ele antes, o que a impede agora?

Soo imita a linguagem corporal da mulher, se inclina para mais perto e fala num tom calmo, lógico e argumentativo.

— Huanghu, você escolheu seu marido? Você o amou alguma vez, ou foi amada por ele? Se pudesse recusá-lo, você o recusaria?

— É uma grande honra ser escolhida como Rainha. Ou a esposa de um príncipe, aliás, — a rainha Hwangbo não hesita antes de responder, seus olhos ficam mais ácidos quando ela continua, — Só uma tola cortaria o próprio pulso para evitar isso.

— Então você queria mesmo o poder! Entendo. Que bom pra você. — ela não pestaneja nem vacila com a ofensa, embora sua voz fique mais grave que antes, — Mas, como sua filha sabe muito bem, não há nada tão revoltante quanto ser dada em casamento contra sua vontade para alguém que você não quer ter laço nenhum. E ainda assim, você não a criticou por agir em defesa própria.

— Yeon Hwa ia ser mandada como refém...

— E eu não fui? — Ela interrompe a mulher  com irritação, sem se importar com aparências e etiqueta apropriada, — Eu sou refém do Rei, que quer controlar seus irmãos. Eu sou refém do 8º Príncipe, que não me permite ficar com ninguém além dele. Eu sou refém dos Hwangbo, que estão desesperados por um herdeiro e culpam minha Unnie por você não ter netos.

— Então você recusa minha ajuda.

— Já que sua ajuda envolve eu deixar o 8º Príncipe me tocar, sim, recuso.

— Nesse caso, escute meu aviso. — A Rainha sibila, e sua postura não deixa mais espaço para negociação, — Eu não vou permitir que você arruine meu filho.

— Seu filho já está se arruinando, Huanghu, — Hae Soo não consegue segurar o riso, — Ele já está se arruinando há muito tempo, e você nem notou.

 

❊❊❊

 

 — Eu não posso ficar com todas, — Soo recusa a serva com um sorriso gentil. A garota para de se mover; suas mãos, que carregam uma vasilha cheia de pêras recém-compradas, congelam.

Ela ama pêras, por isso ela tinha pedido que a garota fosse no mercado e arranjasse algumas, mas aquele tanto de pêras empilhadas na bandeja é demais pra ser só um lanche. Soo não conseguiria comer todas nem em um dia.

Os olhos da serva se arregalam quando ela começa a se perguntar se cometeu um erro mortal. O seu olhar vasculha todos os cantos do quarto, tentando encontrar alguém que a ajude, mas elas estão sozinhas. Então, tremendo, ela fala com uma voz baixa e assustada.

— Wangjanim disse para sempre comprar o dobro para a senhora.

— Eu não consigo comer o dobro, — ela suspira pacientemente, pegando um outro prato para colocar metade das pêras que Daeun lhe ofereceu, — O tanto que eu pedi vai ser o bastante.

— Perdoe-me, Buin. — Os olhos da garota lacrimejam e seu pânico se torna desespero, e ela se curva profundamente, falando com um tom submisso, — Isso não vai se repetir. Por favor, poupe minha vida.

— Está tudo bem, Daeun-ah, — Hae Soo consegue segurar a risada e apenas sorri de leve com a reação da menina, — Eu só não consigo comer tudo.

— Mas Wangjanim disse...

— Wangjanim não vai comer, vai? — Soo pausa seus movimentos e, ao lembrar de incidentes anteriores parecidos, decide passar um pequeno comando, — Mesmo que ele mande você comprar o dobro de comida, ele não pode me forçar a comer tudo. Eu sei meus limites.

O tom cálido de Soo faz as lágrimas desaparecerem e a garota refletir calmamente nas suas palavras. 

— Então eu não preciso comprar o dobro de comida?

— É melhor. Mas não se preocupe. Eu não vou comê-las, mas não vou desperdiçá-las, — ela oferece o prato com as frutas frescas restantes, — Pegue essas pra você.

A garota congela e entra em pânico mais uma vez.

— Buin, eu não posso.

— Pode sim. É um presente da sua senhora.

— Buin, isso não é apropriado.

— E se eu ordenar que você as pegue?

— Eu não posso aceitar, — a garota recusa mais uma vez, embora seus olhos traiam suas palavras, sua boca ficando cheia de água só de ver a fina iguaria, e então murmura baixinho, — Elas foram tão caras...

— Então divida com as outras meninas.

— Mas, Buin...

— Ninguém vai saber se a gente não contar, não é?

Hae Soo coloca o prato à força nas mãos da menina, deixando-a sem escolha a não ser aceitar. E quando a serva para de protestar, ela sabe que seu presente foi aceito.

Daeun deixa o quarto com um sorriso largo, e Soo segue sua forma com os olhos enquanto ela se afasta. Ela pega uma pêra da pilha e começa a comê-la calmamente, finalmente deixando os músculos faciais relaxarem e o sorriso gentil se apagar seu rosto.

Embora ela não converse muito com seu marido e sua família, ela é aberta e falante com os servos e guardas da residência. Para não morrer de tédio e solidão naquele lugar, ela vinha tentando pelo menos fazer alguns conhecidos, pessoas que estariam dispostas a jogar conversa fora durante suas vidas ocupadas.

Ela era sempre gentil. Sempre atenciosa.

Ela conhece um capitão dos sentinelas chamado Byungchul, que conta histórias de sua esposa e filha quando ele está mudando de turno. Dois velhinhos, Gunwoo e Minsoo, que cuidam do jardim, gostam de compartilhar seus conhecimentos sobre ervas e plantas. Kijung, o responsável pelo armazém, encanta com notícias de terras além-mar e países circunvizinhos enquanto esperam os homens levarem os produtos para a despensa. Até mesmo as meninas que trabalham na cozinha, que sempre entram em pânico quando ela aparece por lá, também gostam de tê-la por perto, de ensinar novas formas de preparar comidas e bebidas. 

Ela é sempre aberta com eles. Ela não age como uma nobre, e sim como se todos eles fossem iguais. Ela escuta com atenção as suas dores e diz palavras de conforto e de encorajamento quando necessário.

Acontece que apatia não é a única máscara de Hae Soo. 

A família de Byungchul é de Seokyeong, então ele sempre menciona algo sobre o estado do novo palácio, e isso é o mais perto que ela pode chegar de ter notícias sobre o 4º Príncipe. Gunwoo e Minsoo também são bem versados em venenos e antídotos. Kijung sempre a atualiza com a situação nas fronteiras e as relações entre Goryeo e os países aliados. As meninas na cozinha não lhe oferecem muita informação de fora, mas ela consegue acompanhar as fofocas do palácio.

Quanto às servas que a atendem pessoalmente, Soo as testa. Ela observa seus comportamentos e suas palavras com cuidado, então ela começa a notar certas ações que ela costumava ignorar quando era mais nova. Ela sabe quem é uma espiã e quem é inocente. Ela sabe quais delas a trairiam se a situação chegasse a níveis extremos – seja por necessidade ou por ganância.

Depois de um tempo, ela aprende a reconhecer o padrão das que eram culpadas.

(Ela não quer pensar em Chae Ryung. Ela não vai pensar em Chae Ryung.)

Ela não toma nenhuma medida. Ela não tem poder para tal. Mas ela age mais cuidadosamente perto das que ela sabe que não são leais – nunca se apega a elas, nunca deixa que elas vejam nada atrás de suas máscaras, nunca permite que elas se aproximem demais, que fiquem por tempo demais.

As que ela sabe que são de confiança – as servas mais velhas que vieram para a residência com sua Unnie, algumas das que o Rei lhe concedeu do Damiwon, e até mesmo umas mais inocentes e fofoqueiras – estão numa lista mental que Soo revisa com cuidado todos os dias, minuciosamente.

Ela não vai deixar que o passado se repita nunca mais.

Ela mastiga a pêra devagar. Ela nem estava com fome, ela só queria fazer um novo teste com a nova garota, Daeun. A jovem serva que sorri vivamente e lamenta dramaticamente, que é sempre exagerada, que sempre se esforça para dar mais do que tem, carregar mais do que pode segurar, só para deixar a vida das pessoas um pouco melhor. Igual a Soobin, a serva que a carregou das escadas no seu primeiro dia naquele lugar, que a ajudou a se trocar e disse ao Príncipe que ela não poderia se juntar a ele no desjejum. Igual a garota que Hae Soo foi quando ela ainda era Go Hajin.

Se ele acha que vai conseguir enganá-la e fazê-la baixar a guarda só por trazer alguém que se comporta como ela se comportava no passado, então ele claramente subestima o que alguns anos no Damiwon como serva do Rei podiam ensinar a uma pessoa.

Na sua lista mental, Hae Soo risca o nome de Daeun.

 

❊❊❊

 

— Nós vamos para o palácio hoje. Apronte-se, — o 8º Príncipe diz sem cumprimentá-la. Ele parou de cumprimentá-la depois que ela passou a recusar-se a responder e simplesmente ignorá-lo. Então ele só diz o que quer, e ela obedece aos seus desejos sem todo o protocolo desnecessário.

— Qual é a ocasião? — Ela só pergunta por causa das servas que vão ter que vesti-la. 

— Won-ah vai dar um banquete de aniversário, nós fomos convidados.

— E quem mais estará presente?

Wook hesita e a observa com um olhar cauteloso, o que a deixa mais nervosa, o que a faz se sentir mais como um troféu do que uma pessoa, como se ele preferisse matá-la do que deixar que outro a tivesse.

— Você quer saber se So vai?

Soo consegue esconder o arrepio e o leve tremor de suas mãos, consegue até encará-lo com um olhar sem vida; sua voz soa fria e indiferente quando ela fala.

— Eu duvido que o 4º Príncipe ligue para o dia de nascimento do 9º Príncipe, muito menos que ele venha para o seu banquete. Eu apenas quero saber quem estará presente para me vestir de acordo.

A resposta parece apaziguá-lo, e ele responde num tom satisfeito.

— Só alguns irmãos e uns amigos dele.

— O Rei também vai?

— Não é provável que ele vá. Pyeha anda muito ocupado com a mudança da Capital. — Seu olhar alarmado retorna e ele analisa a reação dela às suas próximas palavras, — Muitos problemas aconteceram em Seokyeong recentemente. Existem até rumores de rebelião.

A calma de Soo não se abala e ela serve mais uma xícara de chá com tranquilidade e bebe vagarosamente. Ela está ciente desses problemas há meses. Ele não pode abalá-la com rumores antigos.

Mas é claro, ele não sabe disso.

— Os outros também irão levar suas esposas? — Ela faz outra pergunta, sem se importar com o comentário desnecessário.

— Sim, você não será a única. Vista suas melhores roupas e deixe todos deslumbrados.

Ele sorri calorosamente para ela antes de sair e isso a enoja até o osso. Faz a pela dela se arrepiar e seu estômago se revirar de raiva. Tira qualquer vontade que ela poderia ter de ir para a festa de aniversário do 9º Príncipe. 

Quando as servas lhe trazem suas roupas, Soo pede que elas troquem por algo mais simples, menos joias, uma maquiagem mais sutil e um penteado menos extravagante. Ela está ciente da fofoca que vai se espalhar entre as mulheres de alto posto na corte se ela aparecer com uma roupa comum, e ela sabe que ele quer que ela seja o centro das atenções hoje. Então ela vai se assegurar que o desejo dele se realize.

Soo não liga para a competição boba entre a nobreza, e ela não liga para a obrigação de honrar seu marido e aparecer com um figurino estonteante.

O 8º Príncipe sabe disso muito bem, então ele não manda ela se trocar quando ela vai se encontrar com ele. 

Na festa, Soo não fala nada. E pra falar a verdade, ela não precisa. Ela não é próxima de nenhum dos convidados, embora esteja familiarizada com os rostos que visitavam o Damiwon com frequência. Ela está acostumada a ficar em silêncio enquanto eles se divertem, e a se misturar com o cenário e passar despercebida.

Ela também consegue prestar atenção discretamente e ouvir a conversa dos convidados. E ela é muito boa nisso.

Depois que a refeição acaba e os presentes são entregues, Wook começa a seguir alguns dos homens para uma sala com mais privacidade. Ela olha em volta e vê todas as mulheres indo para uma mesa menor ouvir os músicos. E já que não vai ter nada que valha a pena ser ouvido, as mulheres já discutindo sobre qual conto elas vão ouvir hoje, ela se vira para seu marido, desejando ser dispensada.

— Posso ir para o Damiwon? — Ela pergunta com uma voz neutra, e imediatamente se justifica, antes que o olhar de antes volte, — Quero um pouco de chá.

— Tudo bem. Eu vou buscá-la ao fim do dia. Não vá se perder.

Ela ignora sua tentativa de fazer graça e simplesmente meneia com a cabeça para sinalizar que entendeu e imediatamente se retira do salão. As outras nem percebem que ela saiu, nem sequer ligam, e quando ela se afasta ainda consegue ouvir o barulho de risadas.

Os sons festivos a fazem lembrar da festa de aniversário do 10º Príncipe, anos atrás. E a lembrança faz seu coração se partir mais uma vez dentro do peito. E continua doendo quando ela chega no Damiwon, o lugar repleto de suas melhores e piores memórias. Ela ignora a nostalgia dos eventos que ela vivenciou naquele lugar e marcha diretamente para a piscina onde ela viu o sol de Goryeo pela primeira vez.

(Foi também onde ela viu a cicatriz dele pela primeira vez.)

A água está calma e plácida, uma vez que não há uma única lufada de vento para ondular sua superfície, e ela começa a brincar de imaginar o que aconteceria se ela entrasse lá dentro e se afogasse de novo.

Eu morreria? Ou eu só voltaria pra de onde eu vim?

Eu poderia reencontrá-lo lá?

E se ele pulasse na água comigo, a gente viajaria juntos?

O objetivo principal de Hae Soo quando ela chegou em Goryeo era viver, sobreviver. Mas não só viver, viver como ela quisesse viver. E apesar de seu desejo ser fruto da vida que ela tivera em Seoul, ela podia dizer que todo mundo naquele lugar meio que queria o mesmo. Mesmo agora, à beira do desespero, o único desejo dela não era o de morrer, não era o de voltar, mas simplesmente viver como ela quisesse viver.

Não deveria ser tão difícil.

Ela se perde nos seus próprios pensamentos e reflexões, então ela não nota que alguém se aproximou até que ouve um chamado.

— Agassi, é você?

Soo está surpresa, mas de um jeito bom. É por isso que, quando ela se vira, ela nota que está sorrindo. Um sorriso honesto e aberto dessa vez, um que ela não usava há muito tempo. Uma expressão espontânea depois de ver uma pessoa familiar e querida depois de tanto tempo.

— Você precisa parar de me chamar desse jeito, — ela reclama com Chae Ryung, mas seu tom é leve e faz a garota sorrir também.

— Essas novas roupas ficam maravilhosas em você, — Chae Ryung diz e se aproxima, seus olhos brilhando quando ela admira a mulher à sua frente com alegria e reverência, — Eu sabia. Hanboks finos e delicados combinam mais com você, Agassi.

— Está dizendo que suas roupas não são finas e delicadas? — Soo arqueia uma sobrancelha e fala num tom grave, o que faz Chae Ryung ter um leve ataque de pânico.

— Não, eu não ousaria.

— Está tudo bem, — ela ri e a garota faz bico, — Eu estava com saudade de implicar com você.

— Que maldade, Agassi.

— Por favor, me ature. Eu venho me sentindo solitária desde que me mudei do palácio. Eu queria que o 8º Príncipe não tivesse te mandado pra cá.

Ele tinha feito aquilo para agradá-la, e isso a irritava. Suas raízes do Século XXI não podiam deixar de fazê-la ver o ato como uma desumanização da serva; como se Chae Ryung fosse como todos os outros presentes que ele lhe deu numa tentativa de reconquistá-la. Sua nova mentalidade da era Goryeo permite que ela fique pasma com a mente deturpada e maliciosa do Príncipe, e com o quão facilmente ele trata as pessoas como peões para manipular o jogo ao seu favor.

Logo, o sorriso dela não dura muito tempo. E seu humor radiante por rever sua irmãzinha logo se turva, sua expressão fica mais sombria quando ela volta a observar as águas que a trouxeram para aquele caos.

Ao lado dela, Chae Ryung fica torcendo seus dedos ao ver sua antiga senhora se sentindo angustiada, mesmo que ela não saiba exatamente por que ela está inquieta agora. E ela hesita, lutando para encontrar as palavras.

— Agassi, — a dama da corte falou depois de uma longa pausa, — Você está feliz?

—O que é ser feliz, Chae Ryung-ah? — Os olhos de Soo não se desviam do mesmo ponto fixo, fazendo suas palavras soarem ainda mais melancólicas, — Eu sempre quis saber...

Outro momento de silêncio, uma vez que Chae Ryung não pode deixar de levar a pergunta de Hae Soo a sério, e diligentemente pensar e encontrar uma resposta adequada.

— Quando eu era criança eu me sentia mais feliz quando estava com a barriga cheia, a noite era quente e toda a minha família estava do meu lado. Então acho que ser feliz é estar satisfeito, estar confortável, desfrutando da companhia de quem gosta de você. — A explicação é simples, porque Chae Ryung é uma moça simples. Depois de sintetizar suas ideias, ela olha com pena para sua antiga Sanggung, — Então, Agassi, você está feliz?

— Nada disso me falta.

— Não, não falta. O 8º Príncipe tem uma posição segura. Ele também tem as melhores comidas na sua mesa, e os tecidos mais caros para suas roupas. Até os servos dele são bem cuidados. Qualquer mulher ficaria alegre por ser sua esposa. Além do mais, ele a estima muito, então você não precisa temer ser rejeitada e envergonhada por não cumprir seus deveres de esposa. — A voz de Chae Ryung treme, como se ela estivesse tentando segurar as lágrimas, se sentindo ainda pior enquanto se prepara para fazer a mesma pergunta pela terceira vez, — Mas ainda assim, eu preciso perguntar: Você está feliz, Agassi?

Dessa vez Hae Soo olha de volta para a moça e vê seus olhos chorosos e cheios de lágrimas, então não pode evitar um sorriso amargo.

— Se eu mentir, você finge que acredita?

— Você não deveria ter que fingir.

— E você não deveria ter que se vender como escrava para alimentar sua família. — Soo suspira, lamentando as coisas que as pessoas precisam enfrentar, as dificuldades que as fazem tomar o caminho errado e decisões das quais vão se arrepender mais tarde.

Ela lamenta por Chae Ryung e se afasta da piscina natural, a dama de corte seguindo-a logo atrás, como ela costumava fazer quando sua Unnie ainda estava viva e elas viviam juntas como irmãs.

— Eu já parei de pensar em ser feliz. Eu só quero sobreviver, — Soo finalmente responde a garota, embora não diretamente, e sua resposta a deixa mortificada.

— Agassi, o 4º Príncipe...

— Está bem longe daqui. E mesmo que não estivesse, eu não poderia ficar com ele.

— Então, sozinha...

— Não se preocupe comigo, Chae Ryung-ah, — Soo a interrompe mais uma vez, dessa vez afetuosamente, — Eu posso não estar feliz, mas eu estou bem. Eu vou ficar bem. Você já me viu sair de situações piores, não?

A dama da corte acena e parece que ela está prestes a dizer algo quando sua expressão muda e ela se curva em reverência. Os passos atrás de Soo se silenciam e ela se vira para ver em que direção sua vida vai virar agora.

— Lady Hae Soo, — o Eunuco Real fala com o seu habitual tom autoritário e ao mesmo tempo respeitoso, — o Rei a convocou.

Ela ouve Chae Ryung arfar baixinho, mas Hae Soo apenas meneia a cabeça friamente, indicando que ela vai proceder como ordenado.

— Mostre o caminho.

 

❊❊❊

 

— Mandou me chamar, Pyeha? 

— Ah, que ótimo! Você chegou! — O sorriso de Jeongjong parece tão maníaco quanto sempre e seus olhos estão frenéticos, mas seu tom está um pouco mais agudo, como se ele realmente estivesse feliz em ver Hae Soo novamente, — Perturbar a menina nova não tem tanta graça comparado a você.

— Já não teve sua graça quando me mandou embora?

— Mas agora que você se foi, a graça se foi também. Mesmo que meu 8º irmão esteja em êxtase agora.

BAM! Yo bate com violência na mesa, fazendo o bule e as xícaras chacoalharem e balançarem, derramando o líquido e fazendo ela se encolher num reflexo. Sim, ele ainda é louco e ele ainda a assusta, especialmente porque ele pode ir de feliz a insano a qualquer momento.

— Me diga, como ele planeja me depor agora? — O tom dele é raivoso, perigosamente irado, e faz ela se arrepender de ter saído de perto do 8º Príncipe enquanto ele continua suas exigências, — É a mesma estratégia de antes? É veneno? Beba.

Ele pega a xícara e marcha na direção dela, levando o recipiente até os lábios dela ao ordenar. Hae Soo usa toda sua determinação para não gaguejar as próximas palavras.

— Pyeha, é proibido.

— Qual o problema? — O Rei não ergue a voz dessa vez, o que faz com que o tom de ameaça de sua voz a intimide ainda mais, — Você estava muito ousada agora há pouco, e agora vai vacilar por causa de uma xícara de chá?

— Não me é permitido beber algo servido para o Rei.

— Beba, ou veneno vai ser o menor de seus problemas.

Wang Yo não lhe dá a chance de recusar de novo, ele simplesmente a agarra com firmeza e força a xícara de chá goela abaixo. Hae Soo engole o líquido quente, lutando para aguentar quando ele vira a xícara ainda mais, até estar vazia. Ela cai quando ele a solta. Ela engasga e tosse, tentando respirar direito, mas nada mais acontece.

— Então não é veneno! — Ele está feliz de novo e volta com tranquilidade para seu assento; ele se serve de mais uma xícara de chá, saboreando-a como se fosse uma tarde ensolarada e agradável, — Eu imaginei que alguém com pelo menos um pingo de inteligência não usaria o mesmo truque duas vezes.  Não... O truque de Wook vai ser algo diferente. Algo mais sofisticado.

Soo seca o seu rosto, e não olha para ele quando murmura.

— É o mesmo truque.

— Hãn?

— O truque dele não é veneno, — ela fala um pouco mais alto dessa vez, encarando a xícara na mão do Rei e desejando sinceramente que houvesse veneno no chá, um que demora um pouco mais para agir, — Esse truque é do 9º Príncipe. E da sua mãe.

— Você não tem medo mesmo, não é? Me fale, qual é o truque dele?

— O 8º Príncipe não suja as mãos. Ele tem uma imagem de gentil e sábio. Ele não quer que outros o chamem de assassino e traidor.

— Eu já sei disso, — o Rei baixa a xícara com um estrondo, um sinal de impaciência, — Qual é o truque dele?

— Ele usa os outros. — Os olhos dela finalmente se encontram com os dele, e ele sustenta o olhar, — Ele usou o 9º Príncipe para envenenar o falecido Rei. Ele usou o 4º Príncipe para se livrar do 10º Príncipe. E até usou você para emitir a ordem.

Há um longo momento de silêncio arrepiante antes de Yo desdenhar e dizer, afrontado.

— Wook me usou?

— Então foi você mesmo que teve a ideia de encarregar seu quarto irmão? — Soo se senta no chão, sem ligar para decoro ou etiqueta, e ergue uma sobrancelha enquanto continua a lhe perguntar, — Não foi uma sugestão que lhe fizeram?

Ela nem precisou se esforçar tanto para descobrir isso; e quando descobriu, ela não ficou surpresa. Jeonjeong também não parece surpreso.

— Muito bem, você tem um ponto. Mas quem ele está usando dessa vez?

— Jin Gyesok, — ela dá o nome imediatamente e o Rei pausa, obviamente confuso, antes de continuar seu interrogatório.

— O irmão do meu sogro? Por que ele? Ele já tem parentesco com o Rei.

— Mas você planeja se divorciar de sua esposa, não?

— Então Wook quer que eu case com Yeon Hwa?

— Até parece. Ele quer ser Rei, não o irmão da Rainha, — ela diz casualmente, como se Wook fosse o único na história insatisfeito com sua posição, — Você roubou o que ele queria das mãos dele, duvido que ele se contente com tão pouco. Ele vai atacar você.

A ameaça é sutil, mas não perturba Jeonjeong nem um pouco, seu sorriso não falha por um segundo, completamente relaxado e à vontade.

— Isso é fácil de resolver. Só preciso executar Jin Gyesok.

— Daí o 8º Príncipe vai achar outra marionete. Ele passou muito tempo planejando; não acho que Jin Gyesok seja a única carta que ele tem no jogo.

E ela não está errada, nem mentindo. Soo tem certeza que Jin Gyesok e Wang Wook estão tramando alguma coisa juntos, embora ela não tenha provas, embora ela nem saiba ao certo o que é que eles estão fazendo. Ela só tem seus olhos, sua presença invisível e sua experiência no Damiwon pra confirmar que sua informação está correta. Ela já foi até mais além e descobriu que, embora importante, Jin Gyesok na verdade pode ser facilmente descartado.

Ela já viu outros, muito mais do que ela esperava, mas certamente muito menos do que a paranoia de Yoo o fez acreditar. E ela quer todos eles fora do caminho antes do 4º Príncipe finalmente agir para tomar o trono.

Mas é claro, esse detalhe ela não vai se dar ao trabalho de mencionar. 

— Se você estiver mentindo...

— Por que eu mentiria? Se o 8º Príncipe conseguir o trono, serei prisioneira dele para sempre.

— Então você vai me apoiar? — Yo pergunta com interesse genuíno o que aterroriza Hae Soo ainda mais.

— Não seja tolo. Eu só apoio a mim mesma, — Soo ri e se levanta com postura, elegância, — Eu desprezo você, mas agora sua permanência no trono me beneficia mais do que a do meu marido. Foi só por isso que eu te ajudei.

— Então, — o sorriso de Wang Yo fica ainda mais sinistro, um brilho perverso familiar no fundo de seus olhos, — Você estaria disposta a me ajudar um pouco mais?

 

❊❊❊

 

— Soo-yah, — seu marido a chama e faz um gesto para que ela se aproxime dos dois homens sentados à mesa, — Venha, junte-se a nós.

Soo não se surpreende com o súbito convite, e já se prepara para mais uma tarde entediante que teria que passar em silêncio com o 8º Príncipe e seu convidado. No entanto, quando ela vê quem foi que acabou de chegar, ela não pode deixar de sorrir calorosamente, apesar de não ser tanto quanto seria se eles estivessem a sós.

— Saudações, Wangjanim. E bem-vindo de volta a Songak.

— Não precisa ser tão formal com ele por minha causa. Eu sei que são próximos como irmãos, — Wook, que está sentado diretamente à frente do homem sorri como um anfitrião cordial e toca no seu ombro quando fala. Mas o leve toque de ciúmes não passa despercebido pelo convidado, nem pelos servos, — Fiquem à vontade para conversarem como no passado.

— Está tudo bem, hyungnim, — Wang Baek Ah intervém, comentando casualmente, mas salvando-a de uma conversa embaraçosa, — Soo não é mais tão enérgica quanto antes, desde que foi nomeada Sanggung do Damiwon.

— Não há necessidade de relembrar o passado, — Soo abana a cabeça levemente e seu sorriso some. Mas ainda assim, seus olhos mostram que ela está contente; sua expressão não está tão fria como nos últimos três meses.

Mas, por ser seu amigo próximo, Baek Ah não pode simplesmente ignorar sua cara de derrota e a escuridão que a cerca.

— Não se preocupe, Soo-yah. Ainda temos boas memórias dos velhos dias, não temos? Vamos tentar fazer um futuro melhor para que tenhamos dias como aqueles de novo.

Ela sabe que ele tem boas intenções, mas ela não se anima ao falar. 

— Essa casa está tão vazia agora.

— Baek Ah virá nos visitar a partir de agora. — Wook se intromete na conversa, mas dessa vez Soo está muito surpresa e feliz para se irritar, — Ele vai te fazer companhia para você não se sentir entediada.

— Obrigada, Wangjanim. — Sim, a coisa mais apropriada a se fazer seria agradecer seu marido, mas ela sabe que foi Baek Ah quem pediu permissão primeiro, que é quem está realmente fazendo isso por ela, então é para ele que ela dirige suas palavras.

— Mas embora eu queira muito ficar mais tempo hoje, ainda tenho que cumprimentar o Rei. — O Príncipe começa a fazer menção de que vai se retirar, e está prestes a se despedir quando Wook fala.

— Você acabou de chegar de Seokyeong, não foi? Alguma notícia de So?

O sorriso otimista desaparece do rosto de Baek Ah e ele franze o cenho, hesitando por alguns segundos antes de responder lentamente, os olhos caídos.

— Não. Ele não quis me ver.

— Oh? — Wook arregala os olhos de surpresa fingida, — Eu sempre achei que vocês fossem bem próximos.

— Hyungnim é meio volátil, — seu irmão murmura antes de falar com um tom mais firme, embora ainda abalado, — Depois do que aconteceu com nosso décimo irmão ele ficou mais fechado. É como se ele nunca tivesse convivido conosco no palácio.

— Ele teve uma infância difícil, — Wook acena com a cabeça, seus olhos com um aspecto triste ao falar num tom de preocupação e compreensão, como se ele tivesse a mais vasta sabedoria, — O comportamento dele não é de surpreender.

— Mas é uma pena. Tantas mortes acontecendo... Sinceramente, eu já estou cansado disso tudo.

— Todos nós só queremos pôr um fim nas mortes. — As palavras do 8º Príncipe parecem estar direcionadas a Hae Soo dessa vez, mas ele ainda está olhando para seu irmão, — É lamentável o quanto uma pessoa pode mudar. Temo que, depois de ter matado Eun, So tenha chegado num ponto sem salvatória.

Mais um momento de silêncio pesado se passa, e Soo se sente mal por Baek Ah, que está tentando não se contorcer na sua cadeira. As palavras de seu marido não a afetam, já que ela sabe mais do que o 8º Príncipe sabe que ela sabe, e ela tem fé absoluta no 4º Príncipe. Mas ela pode ver que o 13º Príncipe está visivelmente abalado por aquelas palavras.

Ela está prestes a falar e mudar de assunto, ou pelo menos oferecer uma saída para o seu amigo. Mas antes que ela abra a boca, Baek Ah se levanta apressado.

— Eu já vou indo, então. Sou esperado no palácio.

Baek Ah se despede, suas palavras distantes e educadas soando exatamente apropriadas para a ocasião, e Soo nem tenta esconder sua decepção em vê-lo ir embora tão cedo. Mas ainda assim, ele precisa ir, e quando ele se vai, os servos também vão, deixando Hae Soo e Wang Wook a sós.

Essa é provavelmente a primeira vez que eles ficam sozinhos juntos desde a noite do casamento, e Soo não está nem um pouco mais à vontade do que da última vez.

Ainda assim, ela continua sentada, sem se mover um milímetro até ter certeza que todo mundo já foi embora e que não há mais nenhum convidado para receber. E então ela fala.

— Era isso que você queria que eu ouvisse? — A pergunta dela não é bem uma pergunta, mas o 8º Príncipe responde assim mesmo.

— Eu pensei que seria justo deixá-la saber. — Ele não nega, ele está orgulhoso de si mesmo.

— E depois de abrir meus olhos para a verdadeira natureza do 4º Príncipe, você esperava que eu fosse voltar correndo pros seus braços e te aceitar de volta?

— Soo-yah...

— Pare, Wangjanim, — ela o interrompe com firmeza e se levanta, — Eu já sei da nova mentalidade do 4º Príncipe. Ele fez questão de esclarecê-la para mim. Agora, por favor, não magoe o 13º Príncipe daquele jeito só para provar seu argumento.

Soo não fica mais nenhum momento naquela noite. Ela se retira, chama uma das servas para acompanhá-la para os seus aposentos. Ela nem se incomoda por ser outra das espiãs dele, desde que ela não tenha que ouvir o que quer que esteja apodrecendo no cérebro daquele homem.

 

❊❊❊

 

Sempre que o 8º Príncipe acha que fez para chateá-la, ele manda servas para acompanhá-la até o mercado. Surpreendentemente, isso não acontece com tanta frequência.

Soo pode tentar convencê-lo, encará-lo e dizer que deixá-la ir fazer compras não iria influenciar em nada o humor dela. Mas como é uma chance de sair daquela casa e de ter alguns segundos de liberdade – inalar rapidamente um pouco de ar fresco – ela decide seguir a instrução sem protestos e sem resistência. Na verdade, ela começa a agir mais deprimida e irritada na frente dos espiões dele sempre que quer dar uma saída, só para ter alguns momentos de paz.

É durante um desses passeios no mundo de fora que ela o vê de novo.

— Wangjanim? — A voz de Soo sobe alguns tons só de alegria quando ela vê o homem passar pela loja de chá em que ela estava descansando, e quando ele para e se vira, ela corre na direção dele, — Não pensei que fosse te encontrar aqui.

— E você? — Baek Ah sorri também, surpreso e alegre em vê-la no mercado, acompanhada de duas servas, — Eu achei que não gostasse de sair de casa.

Eu achei que você estivesse confinada naquela casa e fosse proibida de sair.

— Eu venho fazendo muito sabão e queria testar novos ingredientes, então vim dar uma olhada nos produtos. O 8º Príncipe está sendo gentil em pagar para mim.

Eu posso sair desde que esteja sob vigia.

Hae Soo sente o olhar das servas atrás dela, e mesmo que os olhos de Baek Ah não se afastem dos dela, ela sabe que ele também está sendo cuidadoso na presença delas.

— Então essa é sua vida agora? — Ele fala com uma máscara sorridente quando tem certeza que as mulheres, que não se aproximaram ao ver que ele era um Príncipe, não conseguem ouvir as palavras sarcásticas e amargas, — Fazer sabão?

— Eu também faço maquiagem.

O comentário dela também é para ser amargo, mas o rosto de Baek Ah se ilumina genuinamente quando ela o faz, e ele tira a bolsa dos ombros. E a manobra que ele faz para virar de costas para as servas do 8º Príncipe não passa despercebido por Hae Soo.

— Eu posso te ajudar com isso, — ele diz enquanto tateia suas coisas e finalmente tira um saco e o oferece para ela, — Toma, são uns dos melhores pigmentos da região. Não são tão valiosos quanto aquele óleo essencial que te dei, mas tenho certeza que você vai amar as cores.

— Obrigada, Wangjanim, — Soo segura seu presente com carinho, cuidadosamente desamarrando o barbante que fecha a embalagem.

— Não foi nada, — ele dá de ombros e se abaixa para organizar seus pertences, — Pode considerar um presente de aniversário atrasado.

Ela ainda está desamarrando o primeiro nó quando a mão dela congela e ela olha para ele receosa, um arrepio se espalhando de seus dedos.

— Wangjanim...

— Ele não me recebeu em público, — ela ouve o sussurro leve vindo de Baek Ah, embora sua cabeça esteja abaixada e seus lábios quase não se movam, — Mas a gente conversou.

— Então por que você...

— Aqui não, — ele se levanta e fala com uma voz animada, mas ela não deixa de notar o brilho enigmático no seu olhar, — Abra quando estiver num lugar tranquilo. A gente conversa mais tarde.

E então Baek Ah vai embora, andando calmamente, como se ele não tivesse acabado de dizer algo que abalou seu mundo inteiro. Soo o observa desaparecer no meio da multidão, seu coração pesado, sua mente cheia de perguntas que ele acabou de se recusar a responder. Perguntas que ela precisa de respostas, porque ela já está começando a ficar louca.

Ela precisa fazer a conta duas vezes – e depois três – para ter certeza de que sim, o 13º Príncipe lhe deu um presente no seu último aniversário, que foi quando Baek Ah lhe deu jarras de óleo essencial de rosas. E não, ele não se esqueceu, já que tinha acabado de mencionar o evento quando lhe deu o pó colorido – ela confirma isso consigo mesma duas vezes, e depois três vezes – e até fez uma leve ênfase.

Mas tem uma pessoa que não lhe deu um presente.

Na verdade, ele te deu sim. Ele te levou pra observar as estrelas numa noite linda. Ele disse que era o presente dele. Ele não teria como mandar isso agora.

Mas espera, Wangjanim disse que eles conversaram.

Essa análise inteira não dura mais que alguns segundos. E embora ela ainda esteja confusa e um pouco temerosa de fazer suposições demais, Soo está calma o suficiente para parecer que não houve nada de diferente no breve diálogo. E ela consegue voltar, calma e dolorosamente devagar, para a loja de chá e terminar de comer os biscoitos que tinha pedido.

Ela não quer comer, ela quer ir atrás de Baek Ah e interrogá-lo. Mas as servas na frente dela são fieis a Wook, e seus olhos nunca deixam sua senhora.

Soo força um biscoito a descer a garganta e faz uma expressão de agrado, sem parar de se perguntar que lugar seria um lugar tranquilo.

 

❊❊❊

 

Ela espera por ele no mercado até não poder mais.

Soo vai embora da loja de chá e faz suas compras distraída, sentindo as servas seguindo de perto, o tempo todo imaginando se seria uma boa ideia tentar fugir rapidamente e ir atrás do 13º Príncipe.

Ele poderia contar tudo se ela conseguisse?

Mas o céu começa a escurecer e ela se repreende por ter sequer pensado em fazer algo tão perigoso. Ela diz a si mesma que deveria estar feliz pela breve mensagem que Baek Ah passou mais cedo, que não faz sentido atrair a suspeita de Wook agora, que ela precisa continuar suportando mais um pouco e logo vai conseguir conversar com o 13º Príncipe.

Soo consegue pular o jantar depois de dizer que está com dor de cabeça. Claro, seu marido insiste em passar nos aposentos dela para vê-la e ela precisa suportar a presença do homem, mas ela logo tem seu momento de sossego. Assim que as servas acreditam que ela caiu no sono e deixam o quarto.

Ela sai de fininho da cama e vai para a noite escura, sem seguir nenhum caminho quando passeia debaixo das sombras das árvores até estar o mais longe possível. Que nem sempre faz quando acha que está no limite da razão, para respirar um pouco de ar fresco e descansar a mente.

E ela precisa de ar fresco agora.

Soo começa a pensar em como retomar o contato com o 13º Príncipe, tenta imaginar o que o 4º Príncipe está fazendo agora, e logo ela se perde em fantasias, tentando pensar em coisas que ela gostaria de dizer para ele agora. Mas então ela ouve o som de passos se aproximando, e é trazida de volta à realidade de supetão.

O semblante dela vai de melancólico e saudoso para indiferente e apático em um segundo. Então ela se vira para ver sua nova companhia, pronta para encarar as servas-espiãs, a Princesa e até mesmo o 8º Príncipe – suas desculpas já ensaiadas e na ponta da língua. Mas então o alívio se espalha por ela ao notar os detalhes da silhueta alta.

— Wangjanim! — Um pequeno, mas contente sorriso se forma nos seus lábios quando ela vê o 13º Príncipe, mas então seus olhos se arregalam de leve em pânico, — Tem certeza que é seguro estar aqui?

— Eu falei com Wook-hyungnim. Está tudo bem. — Ele coloca as mãos nos ombros dela e ela nota que estava hiperventilando e prestes a entrar em pânico, com medo de que seu novo marido possa fazer algo com Baek Ah por ousar invadir sua casa e conversar com sua esposa, — Eu sou um convidado essa noite, e acho que amanhã também, até meus aposentos ficarem prontos no palácio.

Depois de sua reafirmação, ela consegue se acalmar e perguntar numa voz mais moderada, mas não menos desdenhosa.

— Onde ele está agora?

— Ele está no escritório. Ele também disse que queria que a gente tivesse uma refeição juntos, mas já que você estava doente, eu teria que esperar até amanhã. — O sarcasmo não é sutil quando ele fala sobre seu irmão. Mas tem um leve toque de preocupação em seus olhos e ela sabe que ele está um pouco apreensivo com a segurança dela, — Eu não ia passar a noite aqui, mas você teve que voltar antes de eu conseguir falar contigo.

— É, isso costuma acontecer. Especialmente quando alguém visita e ele quer me usar como decoração. — Isso costumava irritá-la ao ponto de arrancar os cabelos nas primeiras vezes, mas agora ela não liga mais tanto assim, então ela rapidamente mergulha direto no assunto, — Mas enfim, o que foi que você disse mais cedo? Sobre o presente de aniversário atrasado?

Soo meio que já sabe o que ele quis dizer, mas ela também quer ouvir a confirmação da boca dele. Ela não quer continuar se atendo à imaginação e inferências em mensagens obscuras com duplo sentido. Ela quer ser tranquilizada, porque depois de três meses de solidão, sem nenhuma notícia real do 4º Príncipe, sua esperança está ficando apagada e sem vida.

Ele dá uma pausa antes de responder, e ela não deixa de notar a sua hesitação antes dele explodir indignado.

— Não foi você que pediu que eu fosse ver ele? Que eu fosse seu espião?

— O presente, Wangjanim. — Ela ergue uma sobrancelha quando fala, já que ela já sabe que ele está só atuando. A implicação dela é clara: Se ele trouxe um presente, ele não era só o espião dela, mas o espião dele também. E se ele estava de olho nela pelo seu quarto irmão, então o 4º Príncipe não tinha mandado só um presente, mas uma mensagem também. Soo quer que Baek Ah confirme isso, confirme agora, e passe logo a mensagem, para ela finalmente poder ouvir as palavras dele depois de um longo período de silêncio.

Mas se Baek Ah é o mensageiro de So, então isso quer dizer que ele sabe de tudo.

Soo não queria que ele soubesse, já que isso poderia colocá-lo em perigo, mas ela está feliz. Na última vez que eles conversaram, ela tinha omitido muitas coisas. Ela tinha feito uma cara de choro e de abandono, já que ela tinha que enganar aqueles em volta dela, para que todos em volta deles fossem enganados também.

Mas agora eles estão na mesma página.

— Por que não me contou? — O 13º Príncipe ignora sua ansiedade e sua urgência, optando por confrontá-la. Ele parece estar com um pouco de raiva, embora os dois saibam muito bem que ela não tinha como contar para ele que o 4º Príncipe não a tinha deixado, não de verdade, e que ele estava só blefando para enganar o terceiro irmão deles. E não é que ela não podia confiar nele, e sim que ela não podia confiar em quem estava perto deles naquele dia.

E ainda assim, Hae Soo olha para o chão quando responde:

— Eu não tinha o direito de te contar nada.

— Devia ter me contado assim mesmo, — Baek Ah murmura, como se fosse ela que estivesse errada e ele ainda estivesse irritado por causa disso. Mas ainda assim, ela sorri, sabendo que ele não a está culpando, e na verdade está feliz.

— Então, você voltou por causa da mensagem?

O 13º Príncipe parece ficar afrontado com a pergunta dela, e mais uma vez ele se esquiva de sua missão.

— Eu teria voltado mesmo que ele te desprezasse como despreza meu oitavo irmão, — ele fala chocado, uma oitava acima de seu tom de voz normal, — Você era minha amiga antes dele.

Seu tom defensivo faz ela perceber outra coisa e ela assente enquanto reflete em voz alta.

— Então ele também te ameaçou com minha segurança.

— Você sabe que hyungnim é assustador às vezes, — ele sussurra, defensivo, e ela ri concordando.

— Claro que ele é. E seu oitavo irmão também é, — ela o lembra rapidamente, sua apreensão retorna e ela pede para ele se apressar, — Agora chega disso. Eu já sei que ela está bem e em segurança. Me diga a mensagem.

— Como você... — Baek Ah está prestes a fazer outra pergunta estúpida, mas então ele para e vê que a resposta é óbvia, — Ah, certo. Ele não disse muita coisa, pra falar a verdade. Ele só falou pra te dizer que nada mudou. Ah, e pra eu te entregar isso. — Ele estende um pedaço de papel dobrado para ela, sem envelope. E assim que ele está ao seu alcance, ela o arranca da mão do Príncipe e o abre avidamente.

Não é uma surpresa que a carta seja só mais um poema. E não é uma surpresa que, naquele momento, isso seja tudo que ela queira. Soo suspira e abraça a carta, quase chorando de alívio.

— Eu sei que falei que ela era volátil mais cedo, — Baek Ah comenta, se divertindo, — Mas sinceramente, ele é tão teimoso que não é uma surpresa que seja tão constante e firme. Até as explicações dele continuam as mesmas.

— Obrigada, Wangjanim, — ela sorri largamente, seu coração um pouco mais em paz agora que ela tem notícias do 4º Príncipe, — Você não precisa mais vir aqui. Depois que for para o palácio, não visite mais.

— Ah tá, como se eu fosse te abandonar, — ele murmura, embora sua exclamação seja corajosa, — Mesmo que eu fosse tão covarde assim, eu ainda voltaria. Eu não sou só o seu espião, sabia?

— Então isso é tudo que temos agora, não é? Informações passadas por um espião de confiança.

— Você queria que fosse mais fácil, — Baek Ah acena compreensivo e fala com um tom de confidência, — Mas talvez não tenha que ser tão difícil. Talvez a gente consiga melhorar a situação. Eu vou pensar em alguma coisa, depois vou voltar de vez em quando pra visitar e tentar deixar outras mensagens. Mas temos que tomar cuidado para não deixar traços nem sermos ouvidos. Você se cuide.

Baek Ah se vira, pronto para fugir, mas ela agarra o braço dele antes que ele se vá.

— Você também, Wangjanim, — ela diz rapidamente, querendo dizer muito mais, mas só podendo passar essas palavras, — Eu sei que você vai apoiar seu irmão em tudo.

Soo olha para ele seriamente, e por um segundo o semblante de Baek Ah fica mais sombrio.

— Você sabe demais.

— Se cuide, Wangjanim, — é a única resposta dela, com um sorriso leve e amargurado, — Vocês dois.

O 13º Príncipe acena com a cabeça, seus olhos brilhando de determinação quando ele aperta sua mão tranquilizadoramente uma última vez, antes de se afastar e desaparecer na escuridão.

Hae Soo decide esperar ali alguns minutos, só pro caso do 8º Príncipe ou um de seus espiões estarem por perto, e depois ela volta determinada para seus aposentos. Seu coração está aliviado e sua mente também, mas nem todas as suas preocupações estão resolvidas.

Afinal, Wang Baek Ah, embora corajoso e determinado, também não pode tirá-la daquela cela. Ele não pode resgatá-la. E Wang So não pode fazer quase nada sem chamar atenção e levantar a suspeita do Rei. Ele não pode defendê-la.

Nenhum deles pode.

Que nem no dia do casamento dela com o falecido rei Taejo, eles correm e correm em círculos, tentando encontrar uma saída para ela. E no fim, todos eles falham.

Como naquele dia, ela tem que tomar as rédeas da situação e resolver seus próprios problemas. Ela tem que tomar a ação, dar um passo à frente e encontrar sua própria saída dessa bagunça que sua vida se tornou. Ela vai construir muralhas sólidas e fortalecer suas defesas, e ela não vai parar até ficar livre.

Mesmo que ela tenha que sangrar.

.

.

.

.

fui atirada num buraco
com uma pedra como mordaça,
preto preto céu
cai lá do alto e me deixa cega.
meu grito congela na garganta,
eu não lembro mais de você.
brancos brancos dentes
beijam os meus lábios


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Notas finais do capítulo

Tá sem link da música mesmo, amanhã ou depois eu volto pra colocar

Opiniões são bem-vindas.
Elogios sempre aceitos.
Críticas apreciadas.

:)



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