Alicia e as 12 bênçãos escrita por Creeper


Capítulo 3
Entrando nos eixos


Notas iniciais do capítulo

Oie ♥! Resolvi que serão duas postagens semanais: uma na quarta-feira e uma no final de semana. Espero que gostem das atualizações!



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Logo as ruas começaram a ganhar vida, o vento carregava vozes de todas as partes, juntamente ao cheiro de pães recém assados e a fumaça da ferraria. Suspirei cansada após conseguir juntar todos os livros que iria precisar, pensando em como levaria tudo aquilo para casa.

Passeei meus olhos pelo local, encontrando Richard de costas, folheando alguns livros e guardando-os em seu devido lugar. Aquele era o único momento em que ele se demonstrava melancólico e vulnerável.

Quando Richard tinha 18 anos, seu pai, conhecido como senhor Dominic, desapareceu da noite para o dia, deixando a biblioteca sob os cuidados do filho. Mesmo após 4 anos, o senhor ainda não havia dado o menor sinal de vida. O pessoal da vila dizia que ele largou a esposa e fugiu com uma amante, mas ambos tínhamos certeza de que aquilo não podia ser verdade.

Por um instante, imaginei como seria ficar atrás das costas de Richard e abraçar sua cintura, dizendo que estava ali para o que ele precisasse. Perdendo o controle de minhas ações, uma de minhas mãos deslizou pela mesa enquanto meu corpo deixava a cadeira em que estava sentada.

Antes que eu pudesse alcançar o rapaz, um tilintar ecoou pela biblioteca, indicando que alguém havia entrado. Minha cabeça virou-se rapidamente na direção da porta onde o pequeno sino ia perdendo seu movimento.

Parada ali, via-se uma moça de feições angelicais e que até no vestido mais simplória conseguia manter suas curvas acentuadas. Os cabelos castanhos e brilhantes alcançavam as costas (sendo que os meus sequer chegavam aos ombros). Seus olhos escuros esboçavam pureza, sem deixar transparecer que possuía o título de “mais desejada pelos rapazes da vila”.

— Bom dia. – falei.

— Pensei que você fosse precisar de ajuda para carregar os livros. – ela levantou duas cestas de palha.

— Melanie! – Richard surgiu ao meu lado, sem nenhum resquício de sua melancolia.

O semblante do rapaz iluminou-se, implantando a suspeita de que ele compreendia bem o porquê de Melanie ser tão cobiçada.

Homens.”, me contive para não revirar os olhos. Então eu soube que havia sido Melanie quem contou a Richard sobre o teste, já que eles se viram na noite passada.

— Está à procura de um livro ou veio buscar essa pequena? – ele colocou as mãos na cintura. – Ou talvez tenha vindo fazer outra coisa? – sorriu travesso.

— Alicia, coloque os livros nas cestas. – Melanie caminhou até mim, ignorando-o completamente.

Fiz o que minha irmã mandou e assim que guardamos todos os livros, deixamos a biblioteca. Quase desaparecendo de nosso campo de visão, Richard gritou ao longe:

— Alicia, venha até minha casa no domingo. Você precisa treinar, não é?

Depois dessa frase, tenho certeza de que fui para casa flutuando e suspirando de amores. Eu sabia que ele havia me chamado para treinar e não para um encontro, todavia, dava quase no mesmo.

~*~

Os dias arrastaram-se e passaram-me a impressão de que domingo nunca chegaria. A semana resumiu-se a longas leituras e diversas anotações, minha mente estava tão centrada que mesmo dormindo eu murmurava sobre o que havia lido.

A lamparina em minha escrivaninha me causava tanto calor que eu tinha de parar de escrever para enxugar o suor de minha testa. Expirei cansada, massageando meu pulso direito.

— Eu definitivamente irei passar na prova de conhecimentos. – murmurei, permitindo que minha cabeça caísse sobre os livros e cadernos abertos.

No dia seguinte, após o almoço, desci a rua de cascalhos em que morávamos até encontrar uma modesta casa branca. Apoiado na cerca de madeira, um garoto loiro de olhos mel mastigava uma palha. Ele seria um galã, caso não fosse tão chato e ficasse mascando comida de cavalo.

— O Richard está? – questionei.

— Oi para você também, Alicia. – Henry revirou os olhos.

Apesar de um ano mais velho, eu e Henry crescemos juntos, naturalmente implicando um com o outro.

— Eu soube que você vai para Ilha dos Saberes. – ele comentou franzindo levemente as sobrancelhas e torcendo a boca.

As notícias se espalhavam rápido, eu devia admitir.

— Sim, o teste será na data do meu aniversário. – admirei o céu límpido.

— O que há de tão interessante lá? – Henry pigarreou. – É apenas uma ilha.

— É apenas a ilha mais desenvolvida e promissora do mundo. – experimentei uma pontada de orgulho. – Fazer parte de sua Linha de Exploração conta como honra, sabia?

Eu não fazia tanta questão de honra (mas Henry sim, então eu tinha de provocá-lo), o que me incentivava a ir era a aventura em si e a remuneração que ganharia se fosse admitida e me formasse (podendo finalmente dar uma vida digna à minha família).

— Tsc. – o garoto cruzou os braços e cuspiu a palha.

— Alicia, você chegou! – a voz de Richard interveio em nossa conversa.

O rapaz carregava consigo três espadas feitas de madeira, apesar de desgastadas, pude reconhecê-las imediatamente como nossos brinquedos favoritos de infância.

— Uau! Você ainda guarda isso? – sorri pegando uma das espadas. Imediatamente boas memórias vieram à minha mente, trazendo à tona risos de criança, expressões emburradas e disputas amigáveis. – Que nostalgia. – sussurrei ao sentir meu peito aquecer-se.

— Sabia que elas teriam utilidade algum dia. – Richard entregou uma para seu irmão e ficou com a que restou. – Que tal começarmos?

Prontamente, segurei a espada em ambas as mãos e me posicionei, tendo plena consciência de que ao entrar para a Linha de Exploração eu estaria sujeita a ataques inimigos e teria de lutar, tanto para me defender, quanto para proteger os artefatos encontrados.

— Agora, ataque o Henry. – Richard empurrou o irmão pelos ombros, deixando-nos frente a frente.

Tanto eu quanto Henry arregalamos nossos olhos, chocados com a ordem de Richard.

— Como é?! Você a convidou aqui para me bater? – o garoto gritou indignado.

— Não é uma má ideia, mas pensei que você fosse me treinar. – tentei esconder meu descontentamento.

— Até parece que vocês nunca brincaram disso. – Richard revirou os olhos. – Estão com vergonha um do outro? Que fofos. – cruzou os braços e deu um sorriso de canto.

Minhas orelhas queimarem, instigando-me a dar um passo à frente e bater minha espada contra a de Henry, obrigando-o a ir para trás.

— Você me paga. – Henry lançou um olhar mortal para Richard.

Em um piscar de olhos, o garoto devolveu o golpe em uma sequência de investidas precisas, dando-me a única opção de recuar. Percebi que eu era incapaz de fugir e tentar atacá-lo ao mesmo tempo, já que meus olhos se concentravam apenas onde eu pisava.

— Alicia, você precisa revidar! – Richard mandou.

Desviei a atenção de meus pés e movi o braço, cortando somente ar com minha espada. Henry não se deixou abalar por isso, pelo contrário, ele continuou a avançar e tentar me atingir.

— Ei, me dê um tempo! – cortei o ar de novo.

— Inimigos não te darão tempo, Alicia. – Richard intrometeu-se.

Franzi as sobrancelhas e girei minha espada na direção da barriga de Henry, contudo, um som de madeiras chocando-se impediu que eu o acertasse.

— Vai precisar ser melhor que isso se quiser ficar em Ilha dos Saberes. – Henry rangeu os dentes, afastando minha espada.

— Eu sei disso. – bati em seu punho na tentativa de desarmá-lo.

— Não acha mais fácil ficar aqui e continuar vivendo normalmente? – ele questionou.

— Não quero o mais fácil. – foi minha vez de ranger os dentes.

— Por que você tem que ser assim? – Henry golpeou-me na cintura e eu resmunguei de dor.

— Assim como? – levantei minha espada e a abaixei em seu ombro, conseguindo acertá-lo pela primeira vez.

— Tão você! – ele fechou um olho, praguejando alguma coisa.

— Tão eu? – movimentei os braços de um lado para o outro.

— É por você ser assim que eu... – a voz dele vacilou por um segundo.

— Que você? – cometi o erro de contemplar Richard.

— Esqueça! – Henry empurrou sua espada no sentido de meu rosto.

Sem que eu pudesse ao menos me desviar, a ponta de madeira chocou-se contra minha bochecha, levando-me a cair no chão. Instintivamente, cobri o local atingido, cerrando os dentes para evitar que as lágrimas repentinas caíssem.

— Henry! – Richard arregalou os olhos.

— Céus, você está bem? – Henry soltou sua espada e ajoelhou-se ao meu lado.

— Você é imbecil ou o quê? – pressionei a pele, a fim de aliviar a dor.

— Alicia, deixe-me ver onde ele... – Richard empurrou Henry para que pudesse me avaliar.

Desconsiderando o pedido, avancei em Henry, aproveitando que ele estava desarmado.

— Você podia ao menos ser legal já que eu vou embora! – gritei e o acertei no peito.

O loiro rolou pelo chão e levantou-se, atordoado. Fiquei em pé, descobrindo que havia ralado meus joelhos durante minha investida.

— Esse é o problema! – Henry agarrou o pedaço de madeira. – Eu não quero que você vá embora!

Cerrando os dentes, elevei meus braços na altura da cabeça e depois abaixei-os depressa. Henry não tardou a repetir o movimento. Nossas espadas desceram em câmera lenta, deixando-nos ansiosos para saber quem obteria glória.

Mas ninguém a obteve.

Uma terceira espada surgiu entre a minha e a de Henry, impedindo que um golpeasse ao outro. Ambos olhamos para o responsável pela interrupção, surpreendendo-nos ao ver Richard.

— Chega! – ele ordenou de sobrancelhas franzidas.

Joguei o pedaço de madeira no chão e mantive-me séria, ignorando a ardência que se espalhava pelo meu rosto.

— Tsc. – Henry largou sua espada e correu para dentro de sua casa.

— Covarde. – resmunguei irritada.

Virei-me de costas, preparada para subir a rua e desabar em minha cama.

— Espere, Alicia. – Richard colocou-se ao meu lado, esforçando-se para acompanhar meus passos pesados. – O Henry é um idiota, você sabe disso. – passou a mão por seus cabelos, tentando encontrar palavras. – Ele apenas está chateado com sua partida.

— Chateado?! Por que ele ficaria chateado agora que finalmente ficará livre de mim? – cerrei os punhos.

Apesar de Henry ser um estúpido, eu o considerava como meu (melhor) amigo, afinal, crescemos juntos sendo cúmplices um do outro durante 17 anos.

— Você é meio lerdinha, não é? – Richard deu uma risada de constrangimento.

— O que quer dizer? – o fitei de soslaio.

— Vai entender daqui um tempo. – ele bloqueou minha passagem. – Sinto muito por hoje. – falou baixinho.

— Não foi sua culpa. – encarei meus pés.

— Vai voltar outro dia? – indagou cauteloso.

Respirei fundo, pensando na minha longa e árdua jornada até a Linha de Exploração. Ficar brigada com aquele idiota não me levaria a lugar nenhum.

— Eu ainda preciso acabar com a raça do Henry antes de ir embora. – ergui a cabeça, determinada.

— É assim que se fala. – Richard riu e afagou meus cabelos.

~*~

Inevitavelmente, o tempo começou a correr. Os dias amanheciam e anoiteciam sem que eu me desse conta, me fazendo perguntar se eu conseguiria me tornar apta para o teste.

Quando eu menos esperava, havia se passado um ano dividido entre treinamentos, estudos, brigas com Henry, discussões envolvendo a Melanie e tudo mais que se possa imaginar.

Abri os olhos ao ter a claridade da manhã de 2 de janeiro me incomodando. Procurei por minha irmã, entretanto, ela não estava em sua cama. Observei a janela entreaberta e escutei os passarinhos cantando do lado de fora.

De repente, meu estômago embrulhou-se e por um momento eu desejei ficar debaixo das cobertas para sempre. O dia de minha partida havia finalmente chego, então por que eu me sentia tão insegura?

Respirei fundo, reunindo coragem dentro de mim. Levantei-me e espreguicei-me por longos segundos.

— Hoje é o grande dia. – sussurrei para mim mesma.

Arrumei minha cama pela última vez, colocando minhas malas em cima dela em seguida. Me dirigi até o guarda-roupa, buscando por alguma vestimenta decente, contudo, não achei nada além de simples vestidos de cores pastéis e saias rodadas.

Suspirei decepcionada ao perceber que havia gastado todas as minhas economias na passagem de navio e que o resto de meu dinheiro serviria para que eu pudesse sobreviver em Ilha dos Saberes.

— Roupas elegantes podem ficar para depois. – agarrei um vestido azul claro que Melanie usara em seu aniversário de 18 anos.

Enfiei os outros trajes que sobraram dentro de minhas malas, estufando-as.

Sentei-me em frente a penteadeira, escovando os cabelos e amarrando um laço verde musgo na parte de trás, cujo ganhei de presente de Richard em meu aniversário anterior. Ele alegara que tinha a cor dos meus olhos, por isso me caía bem.

Após pronta, deixei o quarto e segui para a cozinha, assustando-me ao notar que minha família aguardava-me em volta de uma mesa farta de queijos, pães, geleias e frutas.

— Bom dia! – os três gritaram juntos, abrindo grandes sorrisos.

— B-Bom dia. – arregalei os olhos e fiquei boquiaberta.

— Enfim, chegou a hora. – Melanie anunciou empolgada. – Sente-se e coma o quanto puder! – puxou a cadeira ao seu lado.

Ajeitei-me e comecei a me servir, levemente envergonhada. Todas aquelas comidas deliciosas me deixaram com água na boca e me fizeram esquecer o estômago embrulhado.

Enquanto deslizava a faca de geleia por uma fatia de pão, percebi que papai e mamãe se entreolhavam ansiosos.

— Alicia. – papai chamou.

— Sim? – dei um pulinho de susto, largando o que tinha em mãos.

— Você fará dezoito anos daqui três dias e infelizmente não poderemos comemorar contigo. – mamãe disse em uma tristeza aparente.

Meu coração apertou-se e uma súbita vontade de chorar me consumiu. Precisava sair pouco antes de meu aniversário para chegar em Ilha de Saberes na data exata do teste.

— Mesmo assim, não podíamos deixar de lhe dar um presente. – papai sorriu, colocando uma caixa creme envolta por uma fita verde em cima da mesa.

Apesar de não poder me ver naquele instante, eu tinha certeza de que meus olhos estavam brilhando. Com a voz embargada de emoção, disse:

— Vocês não precisavam se preocupar quanto a isso.

— Claro que precisávamos. – Melanie rebateu. – Vamos, abra de uma vez! – encorajou.

Tremendo, desfiz o fita e retirei a tampa da caixa, deparando-me com a coisa mais linda do mundo. Delicadamente, coloquei a caixa em meu colo e retirei seu conteúdo, admirada.

Meus dedos seguravam um vestido branco de decote reto e mangas bufantes que se afinava na cintura e expandia-se em uma saia rodada.

— É maravilhoso. – sussurrei comovida, dando permissão para que pequenas lágrimas rolassem por meu rosto.

— Ainda tem mais coisa aí dentro, bobinha. – Melanie deu um risinho.

Enxuguei as bochechas discretamente e retirei da caixa uma jaqueta de couro marrom. Virei-a de ambos os lados, reparando em suas costuras precisas.

— Essas roupas devem ter custado tão caro. – ri sem jeito, abraçando-as em meu peito.

— Na verdade... – papai pigarreou. – Apenas comprei um pouco de tecido. A mão de obra foi totalmente da sua mãe. – passou o braço pelos ombros da esposa.

— Você não precisava contar. – mamãe corou e focou-se em cortar um pedaço de queijo.

— Mamãe, isso ficou incrível! – exclamei e abri o maior sorriso de todos. – Obrigada, eu adorei! Vou me trocar e já volto!

Corri para o quarto, livrei-me do vestido azul e coloquei minhas novas roupas, combinando-as com minhas botas de couro usuais. Voltei para a cozinha dando gritinhos de felicidade e arremessando-me em minha família.

— Eu amo vocês. – anunciei e toda a minha ansiedade dissipou-se.

— Nós também te amamos. – eles responderam em um sussurro aconchegante.

Gostaria de dizer que nosso momento familiar durou um longo tempo e pudemos aproveitar aquele delicioso café da manhã juntos, todavia, Richard havia chegado bem cedo para me levar até o porto.

— Céus, já está na hora? – arqueei as sobrancelhas, perplexa.

— Você não vai querer perder esse navio! – Melanie começou a me puxar.

— Isaac, vá pegar as malas de Alicia. – mamãe pediu. – Alicia, espere um instante! – ela pegou uma toalha e começou a colocar um pouco de comida nela.

Devo dizer que quase voltei a chorar de emoção quando minha mãe me entregou uma trouxa com as guloseimas do café da manhã para que eu pudesse comer durante a viagem.

— Prometa que irá ficar tudo bem. – ela segurou meu rosto e olhou no fundo dos meus olhos.

— Eu prometo. – sorri confiante, registrando seu toque caloroso.

— Escreverei para você todas as semanas! – Melanie quis esconder a vista marejada.

— E eu responderei todas as suas cartas. – afirmei.

Minha irmã mordeu os lábios e a contra gosto me empurrou porta a fora. Em frente a nossa casa, Richard acariciava sua égua Josephine.

— A moça está pronta? – ele me avaliou de cima a baixo.

Olhei para trás, vendo que papai trazia minhas malas. Ele as entregou-me com um notável pesar.

— Alicia. – papai disse em um tom sério. – Conquiste esse mundo. – balançou a cabeça.

— Pode deixar. – assenti decidida.

Foi assim que carregando duas malas nas mãos e a coragem no peito, subi na charrete de Richard e dei adeus à minha querida família.


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Notas finais do capítulo

No próximo capítulo seremos apresentados a uma das minhas personagens favoritas ♥!
Nos vemos no final de semana, até mais!
Beijos.
—Creeper.