Na Medida Do Possível escrita por Mah


Capítulo 4
Capítulo 3




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A noite ainda se estendia e por entre as folhas dos altos pinheiros, o brilho da lua lutava por passagem. Já em uma distância considerável, Aidan apreciava os sons dos animais noturnos enquanto tentava se manter acordado. Sabia que estavam perto da cabana, mas tinha medo de ter errado alguma curva. Não haviam pessoas a quilômetros exceto por eles, muito menos carros. Veronica dormia tranquilamente no banco do passageiro em uma posição desconfortável, mas ela não parecia ter pesadelos e seu braço estava desinchado pelo que podia avaliar. A sua leve respiração acalmava Aidan ao ponto de ele precisar beliscar sua mão de tempos em tempos para ter um leve choque de energia. Tudo o que queria era parar e dormir, mas aquelas pessoas no carro eram metade de sua família e não seria o responsável por deixar algo acontecer a elas. Porém a febre que tivera de manhã tinha deixado seu corpo cansado em maneiras que chegavam a doer. Precisava pensar em algo diferente.

Ele torcia para sua mãe estar bem lá na companhia. Ela deve estar. “Certo? Não há motivo para se preocupar... Ela foi treinada para situações assim, eles mexem com doenças o tempo todo”. Ele tentava se convencer, mas sabia que tinha algo errado. E mesmo que tudo fique bem, muitas pessoas morreram e as coisas não serão mais as mesmas. “Ela tinha dito que estavam em uma pesquisa importante recentemente. Será que era sobre isso? Será que ela é culpada em alguma maneira? Não... Não pode ser, ela jamais faria isso. Mas e se fez, e se for verdade e ela realmente ajudou a causar uma guerra civil?” Porque ele acreditava intensamente que uma vez que as coisas melhorarem, os sobreviventes irão ficar muito bravos pelas mortes de seus parentes e amigos. “E por que não ficariam? Se fosse Ronnie que tivesse morrido...”. Não conseguiu nem terminar o pensamento. Só a relativa ideia de algo acontecer a ela lhe deu calafrios. Não sabia se aguentaria uma situação assim. Não queria nem imaginar.

Aidan virou o rosto para a menina novamente. Ela dormia de maneira pacífica, tão docemente. Ele se lembrou de todos os momentos que viveram juntos desde os nove aos até os dias de hoje. Claro, houveram algumas brigas, ninguém é perfeito. Mas ele não mudaria nada, nem por um segundo. Já fazia um tempo que ele tinha sentimentos por ela. Sentimentos distintos de quando os dois eram crianças, mas ele não sabia se ela sentia o mesmo. As vezes acreditava que sim, afinal os dois pareciam concordar bastante e a química no ar quando os dois estavam juntos era quase palpável. Aidan realmente queria tentar algo mais forte que amizade. Todos falam de amor, mas ele não sabia o que era. Seus pais não eram exatamente a melhor definição para isso. Até por que seu pai morreu quando ele tinha sete anos e sua mãe estava grávida de Jack. Ele levou um tiro durante um assalto importante, porém ele era o criminoso.

Naquela época, seus pais não eram ricos e quando descobriram que teriam um segundo filho, eles surtaram. Claro que jamais contaria isso a Jack, mas ele sabia a verdade. Só descobriu anos depois que o plano de seu pai era roubar um grande banco com mais dois homens ruins que tinha achado pelas ruas. Ele não sabe muito bem o que aconteceu, mas lembrasse exatamente da cara de sua mãe quando ela tentava não chorar para contar-lhe a notícia. Sua mãe ficou acabada, conseguiu ajuda do governo e um trabalho importante na CFCDG que os ajudou a manter certa estabilidade em casa. Então não era de tudo mau. Ainda assim, Aidan sentia que seus sentimentos por Veronica eram mais fortes dos de sua mãe por seu pai. Não sabia como isso alterava a situação e nesse momento gostaria de perguntar a alguém experiente como dar sentido a tudo. “Tomara que ainda dê tempo, depois de tudo isso...”.

Quando sentiu sua cabeça divagar precisou lembrar que estava dirigindo e bater o carro não seria a melhor das ideias. Por isso agradeceu imensamente quando viu a cabana dos pais de Ronnie surgir em sua frente. Estavam perto e ele poderia descansar um pouco antes de fazer o caminho de novo. Só torceu para que a gasolina desse o suficiente para pelo menos parte da viagem de volta.

Aidan completou os últimos quilômetros que o separavam da casa, estacionou e pegou o telefone para mandar uma mensagem para que Richard ou Camila pudessem abrir os portões. Após enviar, aguardou alguns segundos antes de ver a porta de entrada se abrir e uma mulher baixinha muito parecida com a garota a seu lado sair correndo até o seu encontro. – Ainda bem que chegaram! Estava tão preocupada. Estão todos bem? – Ele a ouviu dizer quando o portão estava aberto e passou por ela. Aidan continuou dirigindo até a vaga designada no lado esquerdo da casa. Foi só quando o carro estava desligado que ele abriu sua janela e percebeu Richard em pé a frente. Camila vinha andando por detrás rapidamente.

— Fizeram boa viagem? Ninguém se machucou certo? – Richard perguntou enquanto se aproximava lentamente da janela do motorista. Aidan percebeu sua expressão pesada e as linhas mais fortes embaixo dos olhos.

— Sim, todos estão a salvo. Apenas dormindo. – Tirou o cinto e ia sair quando foi parado por Richard. Camila já havia aberto a porta de trás e pegado sua filha para leva-la para cama.

— Deixa que nós cuidamos deles, apenas acorde a Veronica, por favor. – Quando ele foi reclamar ou debater que podia ajudar também, Richard continuou. – Nós dois sabemos que essa é a tarefa mais dificil. – Sacudindo a cabeça para concordar, ambos riram baixinho.

— Conta comigo, senhor. – Aidan sabia que os dois era família para ele, mas considerando a situação, não se sentia confortável para chama-lo pelo primeiro nome. Como já fazia tempo que isso acontecia, Richard nem tentava mais. O garoto era como um filho para ele e também podia ver o potencial que o menino tinha com sua filha, então achava respeitoso. Isso lhe dava poder. Não iria reclamar.

Aidan se virou para Veronica e começou a balança-la gentilmente. - Chegamos, Ronnie, acorda. – Nada. – Ronnie, precisamos entrar. Por favor, acorda. – Zero resposta. – Após cutucar seu rosto mais algumas vezes, Aidan conseguiu movimento da garota. Mas isso apenas a fez girar em cima do braço machucado, o que eventualmente a acordou. Não era bem o que ele queria, mas funcionou. – Boa noite, levanta. Precisamos comer alguma coisa.

Quando Veronica conseguiu focar sua visão, percebeu que estavam estacionados e que o rosto de Aidan estava próximo ao seu. Seu coração deu um pulo leve e não evitou sorrir. Tentou ao máximo esconder a vermelhidão que subiu as bochechas fingindo limpar a face, mas o acontecimento não passou despercebido ao menino e ele sorriu. Ajeitou-se no banco para sentar e pode ver a enorme cabana através da janela do carro. Sentia falta daquela casa. Haviam passados tantos feriados juntos naquele lugar, era uma herança de família. Uma das poucas que seus pais ainda não tinham se livrado. Talvez o emocional fosse forte demais para vender. Pode ver que ainda era noite e tudo parecia tão calmo. Apenas sons da floresta envolta. – Boa noite.

Ele a ajudou a sair, depois que ela soltou o cinto e agarrou a arma. Seus pais estavam parados próximo a porta. Seu pai estava alerta e tinha uma arma em mãos, já sua mãe a encarava intensamente, apenas esperando que ela se aproximara. Quando o fez, eles a agarraram em seus braços. – Ainda bem que vocês estão vivos! – Seu pai a soltou, mas sua mãe continuou. Ela estava cortando parte de sua respiração.

— Não por... muito tempo se você... não me soltar. – Disse ela em partes e sua mãe a liberou rapidamente. Pode ouvir uma risada leve de Aidan e seu pai ao fundo.

— Sem tempo a perder, vamos para dentro! – Seu pai agarrou a arma enquanto Aidan a puxava pela mão a caminho da porta de entrada. O calor do interior da casa a abalou confortavelmente e não importava mais nada naquele momento. Eles estavam vivos. Ela fechou os olhos por alguns segundos para aproveitar aquela simples sensação, mas depois se lembrou de sua irmã.

Como se Camila pudesse ler mentes. – Não se preocupe, os pequenos já estão nas camas. – Sua mãe disse quando finalmente trancou a porta e ela assentiu ainda sonolenta. – Como vocês estão? Como está a cidade? – Veronica olhou para Aidan cansada demais para responder. Ela sabia que ele estava numa situação pior, mas simplesmente não tinha forças.

— Na medida do possível. – Ele respondeu fazendo um pequeno sorriso aparecer em seu rosto. Todos andaram para cozinha e sentaram-se com fome para devorar os pães que estavam a mostra.     Aidan estava ao lado de Ronnie e deu um leve sorriso quando a mesma se apoiou contra ele para não cair.

Veronica olhou aos redores e tudo parecia exatamente como se lembrava, como se tivesse tirado de uma fotografia. Podia ver o azulejo branco perto da porta para o quintal que estava quebrado de um antigo acidente correndo na cozinha. Se tentasse, poderia até ouvir a voz de suas mães gritando com eles durante a primeira viagem que fizeram para aquela casa com as duas famílias unidas. Eram também os mesmos móveis que se recordava: feios; fora de classe; que sua avó havia comprado com seu próprio dinheiro antes de falecer e ninguém da família havia criado coragem de dizer em voz alta que eles pertenciam a garrafa de pinga e uma caixa de fósforos. Pode sentir as memórias que tivera naquela casa através dos anos saltando em sua mente, lutando para ser relembradas, e apenas isso foi o necessário para inundá-la com uma sensação reconfortante de familiaridade. Ela precisava disso nesse momento, pois não sabia o que viria a seguir. Eles poderiam morrer a qualquer momento e algo estável, tão simples como um ambiente, já a fez sentir-se como se por um momento tudo estivesse bem.

O silêncio pairou e o único som audível era a mastigação dos dois. Veronica sabia que seus pais estavam escondendo algo, estavam tensos e se entreolhavam frequentemente. Após alguns segundos, eles cortaram o silêncio. – Aidan, nós tentamos falar com a sua mãe e aparentemente teve um ataque dentro do prédio da companhia. – Ele prendeu a respiração e sentiu que seu mundo estava desabando. – Ela disse que tinha uma medida de segurança ativada e que tudo começou lá dentro, mas não deu detalhes. Não teve tempo para isso, a ligação foi cortada. Eu sinto muito, não sei como ela está nesse momento, mas relaxa que nós vamos cuidar de vocês dois. – Veronica agarrou a mão dele por debaixo da mesa e começou a desenhar padrões aleatórios até fazê-lo respirar novamente.

Quando conseguiu processar a informação, Aidan pode sentir todos os olhos da sala nele. – Agradeço de coração, jamais duvidaria disso e peço que cuidem do Jack. Mas amanhã eu e Ronnie vamos lá encontrá-la. – Veronica viu os olhos de sua mãe expandirem em espanto e ela se ajeitou incomodada.

— É muito perigoso, não vão conseguir chegar perto. – Eles se entreolharam. – Não entenda isso mal. Sei que você quer ajudar Elena e confia em mim, eu também quero. Mas as chances de algo dar errado não valem o tamanho do risco. – Aidan se mexeu irritado. Tudo valia o risco para não perder sua mãe.

Richard continuou antes que ele pudesse dizer algo. – Isso mesmo. Está muito difícil lá fora. Vão acabar se contaminando... – Ambos sabiam que essa possibilidade existia, mas era da mãe de Aidan que estavam falando. Além do mais, talvez conseguissem ajudar mais pessoas no caminho.

— Sr. e Sra. Martin, com todo respeito, nós sabemos como está a situação lá fora. Acabamos de sair dela. Mas não posso deixar minha mãe lá sozinha, preciso ajuda-la. – Ele tentava convencê-los, mas estava cansado demais para criar argumentos.

Veronica se intrometeu antes que a discussão prolongasse. – E eu vou com ele, porque os dois são a minha família também e nesse momento ela está em perigo. Sei o quanto vocês se preocupam, mas pai você mesmo me treinou. Sabe que eu estou pronta para enfrentar qualquer coisa. – Seu pai não parecia convencido, então ela esticou a mão e colocou-a sobre a dele em cima da mesa. – Por favor, confia em mim. É tudo o que eu peço.  – Seus pais suspiraram, sabiam que uma vez que sua filha colocava algo em mente, aquilo seria cumprido. Veronica levantou antes que eles pudessem dizer algo mais. – Fiquem tranquilos, nós vamos bem cedo e voltamos logo. Vai dar tudo certo, mas, na última chance de dar algo errado, digam a Anna que eu a amo. – Aidan a estava seguindo para fora da cozinha deixando os dois ainda sentados, claramente inseguros com essa situação, mas antes que saíssem, ela se virou. – Ah, e eu vou levar as armas. Amo vocês. Se cuidem. – Agarrou a mão de Aidan e correu escada a cima antes que dissessem algo mais. Sem antes é claro pegar sua mala que estava perto da porta.

Quando alcançaram o topo das escadas, podiam ouvir uma leve discussão do andar a baixo. Decidiu ignorar, a escolha estava feita e ela não voltaria atrás. Virou-se para Aidan para desejar-lhe bons sonhos e viu que o mesmo a estava encarando, mas não era um olhar comum, estava mais para... “Arg!” A palavra não lhe vinha à mente e só então percebeu que um tempo passou com os dois apenas parados ali, encarando um ao outro sem dizer nada.

— Obrigada! – Aidan disse quebrando o silêncio e o contato visual. – Obrigada por tudo eu diria. Obrigada por ser você que está comigo em tudo isso. – Ela sorriu sem perceber.

— Eu que deveria agradecer, mas obrigada não parece bom o suficiente. Você sempre esteve aí para mim. Hoje você praticamente salvou a minha vida! Não tem nada mais que eu poderia pedir. – Ela viu o rosto dele corar e isso lhe deu confiança. – Mesmo assim, a verdade é: estamos juntos nessa. E amanhã, quando nós dois encararmos o que está lá fora, aconteça o que acontecer, sei que nada de mal nesse mundo poderá passar se estivermos juntos. – Sem que ele pudesse dizer nada, ela aproveitou o momento e o abraçou. Contra seu peito, Veronica pode sentir o coração de Aidan disparar e agradeceu por ele não poder ver a cor de sua bochecha no momento.

Mesmo pego de surpresa, Aidan imediatamente abraçou-lhe de volta. Puxou-a para si como se estivesse caindo e ela fosse salvá-lo, o que provavelmente era verdade. Parecia uma ação instintiva. Sabia que aquilo ali, entre os dois era o certo e era verdadeiro. Então, apenas aproveitou, porque não sabia o que a manhã traria e naquele momento, realmente não importava.


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