Na Medida Do Possível escrita por Mah


Capítulo 3
Capítulo 2




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Ao chegarem na garagem do prédio, tudo estava uma confusão, havia: carros batidos por todos os lados com um ensurdecer e dessincronizado barulho de alarme pelo ar; pessoas chorando enquanto enfiavam às pressas as suas coisas dentro dos veículos e alguns cadáveres de pessoas que estavam no momento errado. Tentando desviar dos obstáculos, Veronica tampou os olhos de Anna quando a mesma parou abruptamente e gritou ao sinal de uma idosa que havia perdido a cabeça ao ser atropelada. Aidan ouviu, voltou e as puxou pelo braço. – Precisamos ir. Não olhem para isso. – Isso fez Veronica acordar e voltar a correr.

Os quatro chegaram no carro da família. – Pensa rápido! - Veronica jogou as chaves para Aidan que as pegou com facilidade e colocou as crianças e as mochilas no banco de trás. Após garantir que estavam seguros, ela entrou no banco da frente e gritou: – Cintos de segurança! – Ela se virou para confirmar, mas algo bateu com o carro e eles foram empurrados bruscamente para esquerda. – Todos bem? – Após ter certeza. – Vai, vai, vai! – Aidan pisou no acelerador, deu ré. Desviou dos monstros que tinham invadido a garagem do prédio com um grande giro que fez a tontura de Veronica voltar.

Felizmente a porta de saída estava aberta e consideravelmente livre, então conseguiram sair. Mas o carro ficou rapidamente cercado. – Para onde?! – Não sabendo onde ir e apenas mantendo o carro em movimento, Aidan virou-se para Veronica que ainda observava as criaturas os seguirem e o nível de destruição por todo lado. – Ronnie! Para onde?! – Ele estava ficando preocupado e estressado, sabia que estavam numa situação de perigo e seu coração estava a mil. O suor da palma de suas mãos fazia o volante escorregar e ele não queria matá-los. Então alternava entre segurar com uma mão enquanto enxugava a outra.

Quando passaram por cima de um monstro morto, Veronica acordou - Ah! Sim! Para a cabana dos meus pais... Se lembra onde fica? – Ela virou para ele. O carro se movia depressa enquanto desviavam de tudo quebrando pelo menos dez regras em trinta segundos.

Concordando ele disse: - Sim, beleza, segurem-se e mantenham-se abaixados. – Fez uma curva um tanto ilegal que para alguém certinho como ele, era uma ocasião rara. Mas situações difíceis pedem soluções difíceis e na mente dele tudo o que ele tinha que fazer era tira-los do perigo. Veronica agarrava o banco do carro com toda a força que tinha e mantinha seus olhos fechados porque o carro se movia demasiado e sua tontura piorou drasticamente. Aidan sabia que ela sempre teve problema com viagens de carro, vomitava quase toda vez e isso era quando estava bem. Então, apenas podia imaginar como ela deveria estar se sentindo considerando a fraqueza e a perda de sangue. - Desculpa, Ronnie. Aguenta firme, por favor. – Ele apenas queria parar o carro e abraça-la, mas não era momento para isso.

Aidan olhou de relance para ela e a culpa estava lhe corroendo.  Ela empurrou a cabeça contra o encosto do banco tentando dar uma certa estabilidade. – Relaxa Aidan, só vai. – E ele fez o melhor que pode para dirigir com o menor número de movimentos possíveis. Tarefa quase impossível, mas juntou todo o seu treino e buscou caminhos alternativos que tinham chance de estar mais vazios.

Veronica se concentrou em sua audição, nos sons de pessoas gritando, buzinas e tiros. “Má ideia. Novo plano.” Focou em respirar e não pensar em mais nada. Talvez quanto menos tivesse em sua mente menor seria a chance de passar mal. “Você consegue... Inspira, expira e ignora todo o resto. De novo. Inspira... Expira... E ignora todo o resto. Droga! Não está funcionando.” Enquanto brigava consigo mesma sentiu pequenos dedos roçarem em seu braço tentando alcança-la. Completou o caminho e agarrou-os em suas próprias mãos. Ela reconheceu o toque, sabia que era sua irmã tentando reconforta-la e sentiu-se mal. Deveria ser ela a proteger a menina, mas parecia o contrário. – Obrigada Anna... – Sussurrou ainda mantendo os dedinhos presos em seu agarre gentil.

Após uns minutos o carro parou de rodar, ela pode abrir os olhos. Assim que o fez viu que eles estavam indo em linha reta e a estrada estava calma. Calma demais ela diria. Tinha alguns carros abandonados com portas abertas e sangue por todo lado. Veronica certificou-se de que as travas estavam ativadas e soltou a mão de sua irmã.

Após alguns segundos, Aidan disse: – Não sou só eu, né? Tem algo estranho... – Veronica assentiu enquanto tentava achar qualquer sinal de vida por perto, mas não tinha nada. – Não estou gostando disso gente... Tem um calafrio no meu pescoço que me está alertando.

— Você é muito pessimista, Aidan. – Jack disse do banco de trás enquanto agarrava a mão de Anna buscando segurança.

Veronica discordou. – Ele tem razão. Algo está errado. – Andaram por mais um quilometro quando ela gritou: - Acelera, acelera, acelera! – Vários monstros pularam em sua frente e outros vinham correndo. Ela virou o corpo rapidamente, fazendo sua cabeça girar e viu que muitos mais vinham por trás também. Estavam cercados. Um se jogou em cima do capô e os pequenos começaram a gritar. Veronica pegou a arma, abaixou o vidro, virou para Aidan e disse: - Desculpa. – Logo ela atirou no que estava que estava preso no carro fazendo o corpo voar para longe derrubando outros dois no caminho.

— Droga! – Aidan gritou enquanto virava o carro rapidamente para desviar de três monstros que estavam bloqueando a passagem. Porém, durante o movimento brusco, Veronica perdeu o equilíbrio, foi jogada para em cima dele e com sorte, a arma caiu no chão do carro. – Foi mal! – Quando ela tentou pegar, seu braço machucado fez um movimento errado levando arma escorregar para o banco de trás.

Ela soltou um grito de dor que fez a cabeça de Aidan girar em sua direção. – Eu estou bem! Ignora. – “Como se fosse possível... Parabéns, idiota.” Pensava ele quando ela fechou a janela.

— Anna! Com muito cuidado – mas muito cuidado mesmo – pega a arma e passa para mim! Não aperta nada! – Veronica segurou o vômito e virou para a sua irmã. Quando viu a arma em suas mãos, ela agarrou-a e pôs a trava novamente. – Vai, Aidan, vai! Anna, põe o cinto. – O incentivo o fez tentar ir mais rápido o que não era exatamente possível para o carro ou para o caminho, mas o deixou mais confiante.

O carro praticamente gritava e o barulho que fazia estava atraindo atenção, mas pessoas com quem ele batia iam para longe deixando o caminho aberto e logo eles estavam fora do centro da concentração. Quando a visão de árvores a distância surgiu em sua frente, ele disse ansioso: - Quase lá... Vamos, vamos, vamos... - A estrada da floresta estava logo a frente, então Veronica fechou os olhos e esperou. Após alguns segundos tudo ficou calmo e bem silencioso comparado a alguns minutos atrás. Ela os abriu novamente e respirou tão fundo que só então percebeu que estava prendendo o fôlego.

— Isso... Boa, Aidan. – Sua ânsia de vômito passou e sorriu ainda não acreditando. Mas a felicidade durou pouco, haviam vários carros abandonados bloqueando a estrada. – Porque claro.

Aidan deu uma risada. – Relaxa, tem um caminho pela floresta que dá para seguir. – Então, ele lhe deu seu famoso sorriso reconfortante e ela ficou sessenta porcento mais calma. – Se segura. – “Ai, não...” Pensou ela. O carro fez uma volta brusca e voltou a balancear fazendo-a fechar seus olhos novamente.

         Ela sabia que eles estavam passando por entre as árvores, o que deveria ser preocupante o suficiente por si só, mas ela não tinha mais forças para isso. – Uau Aidan, como foi que você conseguiu a carteira de habilitação? – Jack quebrou o silêncio fazendo todos rirem. Pequenos segundos de paz tornaram o clima infinitamente mais leve e ela só tinha a agradecer por isso.

         Sentiu Aidan pegar sua mão para verificar se estava bem e a apertou levemente. Porém, percebeu que dirigir com uma mão só por entre as árvores não era a melhor escolha então a soltou. – Só mais um pouco.

Alguns minutos se passaram e eles estavam indo tranquilamente pela estrada com os únicos sons audíveis sendo os das suas próprias respirações e das pedras por onde o carro passava. – Durmam um pouco crianças, ainda estamos um pouco longes. – Veronica virou quando não teve resposta e os dois já haviam caído no sono. “Sortudos...” era tudo o que ela conseguia pensar, mas não a impediu de sorrir. – Diminui os faróis, não queremos atrair ninguém. – Aidan obedeceu e ela se virou para prestar atenção nas árvores, garantir que ninguém vinha ataca-los.

Nenhum dos dois sabia como cortar o silêncio, muito menos se deveriam. O que deveriam dizer? Suas mentes não tiveram o tempo suficiente para absorver tudo o que tinha passado e os poucos momentos de paz pareciam curtos demais. Quando seu corpo se acalmou é que a verdade veio à tona. Seu braço começou a latejar e a adrenalina constante que tinha servido como um tipo de relaxante até o momento já tinha se esvaído.

Veronica começou a se mexer e resmungar baixinho. Estava doendo, mas ela não queria acordar as crianças. Aidan estava prestando atenção em sua linguagem corporal e disse: - Como está o braço? – Ela se virou para ele e seus olhos se encontraram. Ambos esbanjavam preocupação, cansaço e medo. Naquele momento ela sabia com certeza apenas duas coisas: a primeira, jamais pôde mentir para ele porque quando pequenos, os dois fizeram uma promessa de total honestidade que ambos pretendiam manter até que não fosse mais possível; e a segunda, não havia resposta boa o suficiente que pudesse dar para convencê-lo a não se preocupar porque bom... era ele.

Então apenas uma coisa veio à mente. A única frase que acharam para corresponder a algo que não é exatamente uma mentira. – Na medida do possível. – Ela sentiu que isso não era o que ele queria ouvir, mas naquele instante, era a mais sincera que ela poderia ser. Ele queria fazê-la sorrir, precisava fazê-la pensar em algo diferente.

— Ei... – Chamou sua atenção. Olhou de relance e disse-lhe com um sorriso brincalhão: - Quão brava você ficaria se eu disse-se que sempre quis participar de um apocalipse zumbi? – Aidan debochou e começou a rir da cara de incrédula que ela fez.

Após alguns segundos. – Eles não são zumbis! Ninguém está comendo o cérebro de ninguém... – Ela se ajeitou virando mais para a direção dele já com um leve sorriso no rosto. E simples assim, ele atingiu seu objetivo.

Continuando a brincadeira, Aidan respondeu. – Ah, qual é... Eles contaminam através da mordida, não tem consciência e você viu os seus olhos?! Aqueles são os olhos da morte... – Aidan falou com uma voz sombria fazendo piada e logo explodiu em risos. Ela começou a bater no braço dele tentando fazê-lo parar.

— Xiu... As crianças estão dormindo... – Ele ficou quieto até olhar para ela sorrindo com uma sobrancelha levantada, o que a fez rir. – Tudo bem, tem algumas similaridades... – Aquele momento pareceu perfeito, como se não tivesse centenas de pessoas perigosas que podiam saltar a qualquer momento e ataca-los. Era apenas os dois... e algumas crianças dormindo.

— Só o que eu estou dizendo. Prestei bastante atenção em Walking Dead para exatamente essa situação! – Falou assertivamente, mas sussurrando agora. Veronica apenas sorria para o garoto. – Então, relaxe. Estou pronto para o que vier.

— Sei... – Ela lhe deu um olhar questionador. – Garanto que vamos ver o quanto disso é verdade. Mas para deixar claro, eles não são zumbis.

Ele deu uma pausa. – Ou será que são? – Os dois riram mais um pouco e Veronica pode sentir o sono começar a pesar.

O silêncio voltou por uns minutos enquanto os dois aproveitavam o breve respiro no meio de tudo e observavam a bela floresta sobre o brilho da lua. Foi então que ela se lembrou: - Você ligou para a sua mãe? – Ela perguntou matando o clima e sentindo-se mal por não ter sido mais considerada quanto a ele ou a Jack.

Demorou uns segundos e ela pode vê-lo ficar visivelmente triste. – Sim, eu liguei enquanto arrumava as mochilas. Ela disse que está bem e que estão fazendo o possível no CFCDG. Mas que nos ama e no pior dos casos, é para nós irmos para o leste e encontrar a fazenda do nosso tio na cidade vizinha. – Ele disse sem muita esperança. A mãe dele tinha muito trabalho e recentemente passava pouco tempo em casa. Ela sabia o quanto isso afetava Aidan e Jack, e tentava ao máximo distraí-los quando sentiam demais a falta dela. Mas era difícil.

Sem querer piorar a situação, ela disse: - Ela sabe o que causou tudo isso? – Veronica se ajustou tentando encontrar a posição perfeita do braço para que a dor amenizasse, mas a verdade era clara: não havia uma. E apesar da conversa estar distraindo-a, não era exatamente um remédio.

— Não tive tempo de perguntar, tinha alguma emergência acontecendo e ela desligou. Mas aquele lugar sempre foi meio suspeito, então chances são que algo experimento deu errado. – Veronica desistiu, olhou para suas mãos e passou a brincar com o cabo da arma. “Verdade, o CFCGD levantava muitas perguntas, e a repórter de manhã tinha dito que o surto começou por aquela área.” — Eu não queria contar nada ao Jack por medo de que fosse preocupa-lo, mas preciso ver como ela está. O escritório dela é bem no meio de tudo isso e acho que isso é tudo menos coincidência.

Veronica olhou para ele e pode ver que ele falava mais consigo mesmo que com ela nesse ponto. Segurava firme o volante e sua respiração estava desigual. Ela estendeu a mão e gentilmente colocou sobre a mão que estava mais perto dela, isto o fez olhar para ela com tanta vulnerabilidade que quebrou seu coração.

Ela sabia que apenas ela via esse lado nele, e isso a fazia se sentir... importante. Ele era um cara tão doce e o amava tanto que faria o que fosse por ele. - Não se preocupe, aquele prédio é uma fortaleza. – E ele era mesmo. O prédio da companhia dela tinha tanta segurança que não parecia nem de perto um prédio comercial. – Eles devem ter várias medidas preventivas, até a cura do vírus, então tudo se resolverá logo. Ela deve estar bem, mas assim que chegarmos na cabana e deixarmos os dois, eu volto com você para encontrá-la.

A expressão de Aidan passou por diferentes emoções, e ela sabia que ele não queria colocá-la em perigo. Mas ele também a conhecia muito bem para saber que a melhor resposta era: - Combinado. – Os dois dividiam um mútuo respeito e apreciação, e morreriam um pelo outro se chegasse ao ponto. Claro que nenhum dos dois buscava essa alternativa, mas iriam até o fim para garantir que o outro estivesse bem.

A cada metro que adentravam na estrada era um metro a mais que pensavam em tudo. A noite havia chegado rapidamente e Veronica estava cansada, sem nem perceber se aconchegou e fechou os olhos.  – Ei, quer que eu dirija? – Perguntou já um pouco grogue.

Aidan sorriu com carinho enquanto lutava com seu próprio sono - Não precisa, apenas durma um pouco. – Disse com uma voz suave e o mundo envolta dela foi se perdendo para a escuridão.


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