Se a deusa da sorte sorrir escrita por Nemui


Capítulo 3
Parte 3




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Estava numa área verde, provavelmente um bosque. Sísifo, de pé, em meio àquele cenário, sentiu que havia algum objeto em sua mão direita. Olhou. Era um dado feito de puro ouro, de formato perfeito. Na sua frente, uma trilha convidava-o a entrar numa mata mais densa. Aceitou o convide e pôs-se a caminhar.

“Você quer o dado de ouro?”, perguntou uma voz feminina.

De onde vinha aquela voz? Não via ninguém por perto.

“Eu tenho um dado de ouro na minha mão.”

“Não, não tem mais.”

Ele abriu a mão e verificou que a mulher dizia a verdade. Não havia mais dado algum.

“Se quer o dado de ouro, venha ao centro do bosque de Bassani, à meia-noite. Eu o darei, se for digno. Mas venha sozinho e não conte a ninguém que seja indigno. Este prêmio pertence a uma só pessoa.”

“E quem seria você?”

“Quem mais, senão aquela que dita o destino de tudo e de todos?”

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Sísifo despertou. Ainda era cedo, sentia um sono terrível. O bosque Bassani não era muito distante de lá, mas com certeza não se tratava de um nome que facilmente vinha à mente. Teria sido aquele algum sinal? Sentou-se na cama e pensou em voltar a dormir, mas não conseguiu. Levantou-se e foi até o quarto de Akakios. Bateu.

“Akakios? Sou eu, Sísifo.”

Quem atendeu foi Chiara, que arrumava a própria cama. Akakios estava dormindo pesado, sobre cobertores no chão.

“Ele está dormindo, senhor Sísifo.”

“Eu sinto, mas preciso acordá-lo. Akakios, acorde. Acorde.”

Molemente, o rapaz virou-se para o outro lado, resmungando, mas acabou abrindo os olhos.

“Não pode esperar até que eu acorde, cara?”

“Desculpe. É que eu preciso perguntar uma coisa para você.”

“...Fale.”

“O que é o dado de ouro?”

“Dado de ouro? Não me diga que não sabe.”

“Eu não sei, de verdade.”

“Eu não acredito que me acordou só para perguntar uma coisa tão idiota. O dado de ouro é só uma superstição idiota, de que a deusa da sorte pode dar a um jogador o dado de ouro, ou seja, a capacidade de manipular perfeitamente os dados como bem desejar. Algo como roubar sem roubar. Jogar os dados e já saber exatamente qual será o resultado. Muitos acreditam que ele existiu em alguns homens, ao menos por algum tempo. Esses são considerados jogadores lendários. É claro, nada comparados com os bêbados que temos por aqui. Por que pergunta?”

“Eu acabo de sonhar com ele.”

“Ah, normal. Eu também vivo sonhando com ele. Um sonho esquisito à beça, de uma deusa falando pra ir buscar um dado de ouro em algum lugar estranho.”

“Sim, exatamente esse sonho. Então você já teve?”

“Eu costumava sonhar bastante com isso. Recentemente, nem tanto. Sei lá por que minha mente ficou tão fixada nisso. Sempre dava um lugar e dizia para ir à meia-noite. Qual é a coisa da meia-noite, hein? Nem tenho um relógio… E nem posso ir nesses lugares, preciso ficar com a Chiara…”

Akakios voltou-se para o sono e acomodou-se melhor. Sísifo enfim percebeu o motivo de o mercenário não ter sido ainda um alvo do assassino. Quis rir, mas apenas sorriu e deixou o rapaz ter o merecido descanso depois de proteger sua irmã de madrugada.

“Você tem razão. Desculpe por atrapalhar seu sono. Eu já vou.”

Indo até a porta com Chiara, Sísifo voltou-se à menina e despediu-se:

“Ele sempre te protege, mas acho que é você que o protege, muitas vezes. Com licença, jovem Chiara.”

Retornou ao seu quarto. Já estava com o convite feito para ser a próxima vítima, agora só precisava aguardar. Ainda lhe restava verificar a fonte de cosmos que ele vinha caçando, mas resolveu deixar essa missão para depois, pois considerava mais importante capturar o assassino. Além disso, seu alvo definitivamente estava mantendo o cosmos bem neutralizado, desde antes de chegar à vila.

Voltou para a cama e tentou dormir um pouco, embora só tenha conseguido cochilar levemente até Akakios vir à sua porta, querendo continuar a investigação com outros jogadores da região. Sísifo foi com ele, embora desconfiasse que já havia atingido o seu objetivo. Entrevistou outros homens, jogou dados com alguns e, pacientemente, voltou a conversar com o capitão, pedindo para que adiassem o julgamento de Romano, que todos ainda culpavam.

No final da tarde, estava cansado. Sugeriu ao rapaz pararem por enquanto, pois precisava reservar energia para a noite. Apesar de já estar gastando mais dinheiro do que planejara, propôs-se a pagar o jantar dos irmãos. Se parasse de ajudá-los, com certeza se sentiria péssimo depois de terminar aquele trabalho. Agora que estavam mais próximos, Chiara sorria bem mais, demonstrando confiança.

“Então, você vai atrás do dado de ouro esta noite?”, perguntou Akakios, durante o jantar. “Quer se tornar um jogador invencível?”

“Eu não deveria contar para ninguém, então não vamos falar disso.”

“Mas é estranho. Você não é bem um jogador do meio, por que está interessado nessa lenda?”

“Você ainda não entendeu?”

O olhar de dúvida do rapaz fez Sísifo rir.

“Se eu aparecer morto no meio da rua amanhã, talvez você entenda.”

“Oh!”, compreendeu o mercenário. “Espera, então isso quer dizer que… eu…”

“Exato”, respondeu o cavaleiro. “Mas só estamos falando de hipóteses.”

“Espere… Se isso é verdade, você não pode ir sozinho. Precisa de alguém para mantê-lo seguro.”

“Não se preocupe comigo, eu sei me virar. Apenas permaneça aqui e fique com a Chiara, sim?”

“Mas você não tem a menor chance… Você não entende, entende? Quando ele ataca…”

“Existe algo que eu deva saber e que não sei, Akakios?”

O rapaz, um tanto hesitante, olhou para o prato da irmã e levantou-se, pegando sua espada.

“Vamos lá para fora. Eu preciso te mostrar uma coisa…”

Sísifo seguiu o rapaz para a área de trás do bar, longe da vista da maioria das pessoas. Akakios andava devagar, ainda hesitante, mas sem mudar de ideia. Sísifo voltou a perguntar:

“O que é que eu eu não sei, meu amigo?”

O jovem mercenário manuseou brevemente a espada, antes de responder:

“Eu sou um mercenário, você sabe. Eu vendo a minha espada, é assim que sobrevivo.”

“Sim, isso você já me contou.”

“É por isso que eu sei, Sísifo. Você não pode ir atrás dele. Deixe-o para mim. Pessoas… comuns… como você… Não tem chance contra o assassino.”

“Por que eu não teria chance? Eu trabalho com casos assim, Akakios, e estou perfeitamente apto a lidar com o assassino.”

“Não! Olha… A coisa é séria. Eu posso ir no seu lugar! Fique no bar, proteja a Chiara… É melhor assim, é mais seguro.”

“Eu sou a favor de você ficar no bar protegendo a sua irmã e eu ir e fazer o meu trabalho.”

“Você não entende! Droga… Eu vou ter que mostrar…”

Uma forte cosmoenergia cobriu o corpo do rapaz, com uma expressão de medo. Ele logo interrompeu o poder e explicou:

“O nome disso é cosmos. É uma energia especial, que o meu pai me ensinou. Você não pode derrotar o assassino sem isso. Olhe, eu preciso sair daqui agora. Tem alguém atrás de mim, e não sei o que é, só que agora eu revelei a minha presença para ele. Não vá atrás do assassino, entendeu?!”

Antes que o rapaz voltasse para o bar, Sísifo queimou seu próprio cosmos, com muito mais força do que o mercenário. Surpreso, este deu meia-volta.

“Você…”

“Eu vim para esta vila com dois trabalhos, Akakios. Um deles é deter o culpado pela série de assassinatos. O outro é encontrar o dono de um cosmos bastante forte, morando nesta região. Já faz algum tempo que eu estou de olho em você. É você, não é? Você é o meu alvo do segundo trabalho.”

“Veio… lutar comigo?”

“Depende do que irá dizer para mim. Mas não é esse o meu desejo. Afinal, acabamos nos tornando amigos, não é? Tudo depende de uma pergunta: você é aliado ou inimigo de Athena?”

“De quem?”

“De Athena.”

“Eu nem sei quem é Athena! É homem? É mulher?”

“Heh, eu imaginei que essa seria a resposta”, sorriu Sísifo. “Athena é a deusa grega da guerra e da sabedoria.”

“Eu, hein! Não quero nada com essa tal de Athena não! Só quero sobreviver, tá bom? Nem chega perto de mim, não quero lutar contra você.”

“Fique calmo. Se você não é inimigo de Athena, também não é o meu inimigo. Isso significa que continuamos amigos.”

“Ah… Não me assusta assim, Sísifo.”

Aparentemente mais aliviado, Akakios guardou a espada. Sísifo riu:

“O meu dever era apenas verificar se você podia representar algum perigo para Athena. Eu já cheguei à conclusão de que você é um bom sujeito, antes mesmo de revelar seu cosmos.”

“Então era você que estava me caçando? Não era o assassino?”

“Não. Mesmo assim, é surpreendente que você tenha notado o meu campo de cosmos. Tentei deixá-lo bem sutil para que não percebesse.”

“Não pense que meu pai não me treinou direito.”

“Estou vendo que ele fez um bom trabalho. Agora, você confia em mim para ir encontrar o assassino? Fique e proteja a sua irmã. Eu vou lá resolver esse problema. Afinal, o motivo de você não ter ido atrás dele até agora é porque não podia deixar Chiara sozinha, não é?”

“Eu me sinto mal pelos meus amigos… Mas, depois que Marzia foi morta, fiquei com medo de que ele viesse atrás de minha irmã. Sei que fui egoísta… Mas sou o único com quem ela pode contar, depois que perdemos nossos pais.”

“Eu entendo. Se tudo der certo, amanhã teremos um novo dia, bem menos pesado.”

“Seu cosmos é mais poderoso do que o meu. Espero que seja o suficiente.”

“Não se preocupe. Eu sou um cavaleiro de Athena, nasci para fazer esse tipo de trabalho. Bem, vamos voltar para dentro, sim? Ainda faltam algumas horas para a meia-noite.”

“Sim…”

Terminaram o jantar com tranquilidade. De volta ao quarto, Sísifo aguardou o horário com certa apreensão. Não era de seu feitio esperar para uma luta marcada acontecer, pois preferia ir rapidamente ao seu objetivo sem pensar muito. A espera só o deixava mais nervoso, o que o levou a tentar pensar em outros assuntos.

Leu um pouco mais da admirável biografia de Blasios de Eridanus, que chegara a desenvolver um pouco do sétimo sentido ao final da carreira. Sendo um cavaleiro de prata, era comum ser enviado em missões menores, mas mais numerosas, o que o tornava um viajante experiente. Demonstrava ter um carinho muito grande pela natureza e um respeito profundo pelas vidas humanas, até mais do que por Athena. Talvez esse fosse o motivo que o levou a encerrar sua vida como cavaleiro ao atingir uma idade mais avançada e a sair do Santuário para aventurar-se sozinho pelo mundo.

Ultimamente, o Grande Mestre não parava de conferir-lhe trabalhos variados, de investigação ou de confrontos diretos com inimigos diversos. Para ele, era uma honra ser digno de tamanha confiança, ao mesmo tempo que a responsabilidade pesava um pouco. Por fazer missões muito diferentes umas das outras, nunca tinha certeza de como se sairia nelas. Como cavaleiro de Athena, precisava transmitir segurança aos companheiros, ao mesmo tempo em que não podia prever um futuro glorioso ou uma dolorosa derrota. Essa também era uma questão para Blasios e talvez fosse o motivo de ele ter ficado tão fascinado com aquela biografia.

Perto do horário, fez alguns exercícios leves a fim de preparar o corpo para o combate. Em seguida, vestiu a armadura de Sagitário e foi para o local indicado pelo sonho. O bosque de Bassani era uma área já afastada da vila, onde lenhadores costumavam ir de dia para recolher madeira. Embora fosse um local importante a ponto de aparecer em seu mapa, nunca tinha posto o pé ali.

Adentrou com calma a mata, caminhando devagar, bastante atento aos arredores. Podia ser atacado a qualquer momento, dadas as mortes rápidas das vítimas. Contudo, chegou a salvo ao centro da área e encontrou, coberta pela luz da lua, uma mulher. Aproximando-se, reconheceu-a. Não era realmente quem esperava.

“Senhora…”

A esposa de Fortunato voltou-se a ele, bastante séria.

“O que é essa vestimenta de ouro?”

“É o traje que prova que sou um cavaleiro de Athena, senhora. Esperava encontrar, na verdade, o seu marido… Foi a senhora que matou todas as outras pessoas?”

“É pelo bem do Fortunato… Todos eles… desviando o meu homem para o pior caminho possível. Primeiro aquele vagabundo do Narciso… Depois os demais.”

“E a Marzia? Ela sequer jogava dados.”

“Ela o seduzia! Acha que eu não notava? Ele voltava falando dela. Falava nos sonhos, falava acordado! Aquilo foi se acumulando… Eu não podia deixar de fazer algo… Eu não podia!”

Por um segundo, Sísifo sentiu um forte cosmos brotar do corpo da mulher, ao mesmo tempo que viu um pentagrama de luz em sua testa, o sinal de que Hipnos ou Thanatos estavam envolvidos naquele caso.

“Muito bem, acalme-se… Eu quero saber mais um pouco. Em que momento a senhora recebeu esse poder para matar os jogadores? Quem te deu?”

“Em meu sonho… Quando eu chorava à noite e ficava cansada, dormia enquanto Fortunato passava a madrugada jogando e desperdiçando dinheiro. Ele apareceu para mim, oferendo um acordo. Ele me daria o poder de eu matar quem quisesse. Quando minha vingança estivesse finalizada, eu deveria me entregar a ele… ao seu exército.”

“Então foi o deus Hipnos… Senhora, por favor, não pense mal desses homens. Fortunato nunca mais jogou, não é verdade? O problema está resolvido e não há necessidade para matá-los.”

“Nunca! Vocês vivem chamando-o de volta! Com seus dados, seus malditos dados! Eu não vou descansar até matar todos vocês!!”

Um pesado cosmos explodiu do corpo de Domenica, forçando Sísifo a utilizar seu próprio poder como escudo. A força facilmente comparava-se à de um cavaleiro de ouro, de modo que ele precisaria lutar a sério, sem pensar tanto na segurança da pobre esposa do carpinteiro. Não havia muita possibilidade para resolver aquela situação sem violência. Mesmo assim, não podia deixar de tentar:

“Espere! A senhora não precisa matar ninguém para conseguir o que deseja. Eu sei que ele te ama e eu sei que não quer que faça essas coisas! É possível coexistir com essas pessoas, é possível ser feliz. Acredite em mim, não precisamos lutar, senhora Domenica…”

“Cale-se! Eternater!”

Uma imagem feminina formada de cosmos apareceu atrás da mulher, segurando um martelo, prestes a atacá-lo. Mesmo dominando a velocidade da luz, o golpe veio rápido demais para desviar-se completamente. O primeiro impacto era mais forte, seguindo de fragmentos de cosmos cortantes, que felizmente sua armadura conseguia suportar. Seu corpo chocou-se com vários troncos até ser detido por uma árvore mais firme e cair no chão, atordoado. Logo em seguida, precisou saltar para o lado para fugir de um novo ataque, que o feriu no braço. Ela era inacreditavelmente veloz.

Por algum tempo, Sísifo só ficou fugindo das sucessivas investidas, buscando uma forma de contra-atacar. Tentou aplicar um golpe simples para verificar quais seriam as defesas daquela oponente. Viu uma barreira cósmica fortíssima, gerada por aquele cosmos, que não era realmente dela. A estrela na testa não mentia: estava lutando contra as forças de Hades. Pegou o arco, queimou o cosmos ao máximo e tentou mais um ataque, mais sério. Suas flechas douradas lançaram-se com força contra aquela parede, diluindo-se como se mergulhassem em uma superfície líquida e desaparecessem instantaneamente. Não durou muito tempo, pois foi novamente atacado e atingido.

Levantou-se e enxugou o sangue que escorria de um corte na sobrancelha. Apesar de a mulher não ter treinamento para luta, aquele imenso poder a tornava uma oponente difícil.

“Você ofereceu dados para ele. Dados!”

“Eu peço perdão se a ofendi com meu gesto, mas não acho que seja um crime tão grave para que eu pague com a vida, senhora! Por favor, abra os olhos! Esse poder é grande demais para o seu corpo! Não se deixe levar por esse ódio. Não aceite a influência de Hipnos, lute!”

“Cale-se!”

Sísifo conseguiu desviar-se do próximo ataque, mas não do seguinte. Protegeu-se com os braços e foi violentamente arremessado contra o chão. Novamente o martelo surgiu na sua frente, ainda mais veloz.

“Eternater!”

O ataque atingiu-o por completo. O cavaleiro só se manteve vivo porque conseguiu erguer uma barreira própria para proteger-se, ao menos do impacto inicial. Afundado na terra, viu-se sem forças para fugir do próximo ataque.

“Sísifo!”

Um novo cosmos apareceu no campo de batalha. Sísifo imediatamente tratou de afastá-lo.

“Não venha, Akakios! Ela é poderosa demais pra você!”

“Eu não vou mais fugir! Ela matou os meus amigos. A única forma de acabar com isso é lutando. Eu não sou fraco, eu garanto!”

O rapaz saiu correndo com sua espada coberta de cosmos. Procurou desviar-se de um golpe com um salto e lançou seu ataque, agitando a espada e soltando dela uma lâmina cortante formada de cosmos e água:

“Triton’s Blade!”

Seu golpe infelizmente foi facilmente absorvido pela barreira. Domenica não teve piedade e devolveu com o Eternater, que provavelmente o mataria. No desespero, Sísifo saltou e deu um murro no amigo, tomando o seu lugar no ar e recebendo o ataque completo, mais uma vez. Desabou com força no chão.

“Sísifo!”

Akakios veio correndo e tirou-o do caminho. Tentou fugir da adversária, mas Sísifo o deteve:

“Não… Deixe-me lutar, Akakios.”

“Mas não temos um plano…”

“Se não lutar agora, não conseguirei derrotá-la. Solte-me.”

Para o alívio de Sísifo, Domenica veio atrás deles:

“Seu bêbado viciado! Como ousa jogar com o Fortunato?! Não vai escapar desta vez!”

Aparentemente, o alvo acabara se tornando Akakios, o que levou Sísifo a ficar na frente do amigo, queimando o cosmos com toda a força.

“Akakios… Não fuja. Se fugir, poderá levá-la para a vila. Vamos manter a luta aqui.”

“Ela me odeia tanto assim?!”

“Pelo menos… te odeia mais do que me odeia.”

“Eu só jogava com o Fortunato pra me divertir! Nem roubava!”

“Acho que roubar não era o problema…”

“Calem-se!!”, gritou Domenica, explodindo o cosmos do deus Hipnos e lançando outro Eternater. Aparentemente, aquela era a sua única técnica, o que dava uma pequena vantagem a Sísifo, que queimou o cosmos com toda a força e suportou toda a pressão do ataque com as mãos. Mesmo com a proteção da armadura, sentia o calor absurdo do impacto, sendo, aos poucos, arrastado para trás. Com os pés bem fincados ao chão, ciente de que o menor desequilíbrio podia matá-los, suportou toda a pressão sozinho.

“Sísifo!”

Se falhasse ali, Chiara acabaria sem o irmão mais velho. Além disso, começava a entender como aquele rapaz adquirira tanto poder. Não deixaria que morresse, custasse o que custasse. Pensou na deusa, rezou para que lhe desse forças suficientes para superar aquele desafio e fechou os olhos, concentrando todo o seu poder em mãos. Não podia ficar apenas na defensiva: se quisesse sobreviver, teria de atacar com toda a força. Queimou o cosmos ainda mais forte, tentando mover-se enquanto defendia do golpe o companheiro.

“Quiron’s… Light…”

Não sabia de onde extraía tanto poder naquelas horas. Só podia ser a proteção de sua deusa. Explodiu o cosmos, quebrou momentaneamente o fluxo de poder vindo de Domenica e conseguiu mover-se numa fração de segundo.

“Impulse!”

Seu golpe cresceu, tanto quanto o poder do deus Hipnos. O golpe atingiu a pobre esposa de Fortunato na cabeça, atirando-a longe. Assim que esta se chocou contra uma parede, todo o cosmos divino abandonou o seu corpo. Sísifo correu até ela e notou que ainda estava viva. Ajoelhou-se aliviado e fitou Akakios.

“Acho que consegui, amigo… Acho que acabou… Ah…”

Estava completamente exausto e com o corpo dolorido por conta dos sucessivos ataques. O jovem mercenário aproximou-se, ainda hesitante.

“Acabou… Mesmo?”

“O cosmos maligno que a dominava foi embora… Espero que ela repense sobre o ódio que sente pelos jogadores de dados quando recobrar a consciência. Ah, estou quebrado… Fazia tempo que não lutava com toda a minha força desse jeito. Obrigado, Akakios.”

“Obrigado? Eu mal pude ajudar… Como você disse, eu não era páreo para ela.”

“Mas acho que só consegui derrotá-la porque você estava aqui… Por isso, obrigado.”

“De… nada?”

O cavaleiro sentou-se, descansou um pouco e levantou-se, devagar.

“O seu pai… aquele que te ensinou a lutar… chamava-se Blasios?”

Akakios não escondeu a surpresa com a pergunta:

“Como sabe? Conheceu o meu pai?”

“Mais ou menos… Não pessoalmente. Eu reconheci pela sua técnica… Triton’s Blade. Então você é mesmo filho dele. Nunca pensei que encontraria a semente dele justo agora, quando estou tão fascinado pela história de vida dele.”

“Espere, Sísifo… Está dizendo que sabe algo sobre o meu pai que eu não sei? Você precisa me contar!”

“Mais tarde. Poderia me ajudar a carregar a senhora Domenica para a vila? Não estou em condições agora. É claro, não vamos contar para ninguém que ela assassinou todo mundo. Vamos apenas comentar que o assassino escapou e que ela estava por perto. Estou rezando para ela não continuar com tanta raiva da gente.”

“Nem me fale. Eu vi o olhar assassino na minha direção e confesso que fiquei com medo… Uh…”

Sísifo riu, mas precisou conter-se. Até mesmo rir provocava uma onda de dor no corpo. Teria de descansar pelo menos um dia na vila, antes de ter condições para retomar o caminho de casa.

—-----------------------------

Ao despertar, Domenica não se lembrava de nada que houve desde o início das mortes. Desaprovava o costume do marido de apostar, e Akakios foi o primeiro a abaixar a cabeça e pedir perdão por tê-la desagradado ao jogar com Fortunato. Surpreendentemente, ela o perdoou e mostrou-se mais calma com relação às apostas. Sísifo concluiu que seus sentimentos apenas foram intensificados com o poder do deus, mas não pareciam ser nocivos no presente, depois de livrar-se de sua influência. Ao retornar à vila, conversou com o capitão e conseguiu a libertação do pobre Romano, que enfim pôde voltar para sua casa. Deu sua missão por encerrada e passou mais um dia na vila, em seu quarto, descansando. O corpo acabara coberto de ferimentos e hematomas depois da luta.

Por todo o dia, sentado em sua cama, jogou dados com Akakios, enquanto conversava sobre a biografia de Blasios. Quem diria que um dos cavaleiros que mais admirava apareceria na sua frente em outra forma, menos séria?

“Meu pai nunca disse nada sobre ser um cavaleiro de Athena. Acho que ele também tratou a coisa como confidencial”, comentou Akakios.

“No final da biografia, ele dizia que desejava fazer pelo mundo aquilo que o Santuário de Athena o impedia. Creio que o trabalho de mercenário caiu como uma luva para que ele ajudasse pessoas comuns, sem se prender demais a uma missão. Muitas vezes eu quero parar para ajudar, mas não posso, porque tenho ordens.”

“Mas pagou o jantar da Chiara com o dinheiro do Santuário. Vai precisar economizar muito para compensar, não? Afinal, o dinheiro não é seu.”

“Talvez não… Desde ontem, não consigo parar de pensar em tudo o que houve… Ah, você roubou de novo!”

“Como você sabe?!”

“Você tem um pouco de telecinese, não é? Eu notei desde a primeira vez. Os dados movimentavam-se de forma não natural. Além disso, seu pai comenta ter esse mesmo poder na biografia.”

“Droga… Estou vendo que não posso usar esse truque com você… Bem, contanto que os outros apostadores não liguem... Mesmo assim, não sei se poderei apostar tão cedo. As pessoas não sabem que os assassinatos acabaram, então…”

“Foi necessário para que Domenica não fosse acusada. Ela foi só uma vítima…”

Chiara entrou no quarto, trazendo uma bandeja com um chá.

“Senhor Sísifo, o senhor Savio pediu para trazer este chá. Diz que vai ajudar na dor.”

“Ah, que gentileza. Muito obrigado, Chiara.”

Sísifo interrompeu o jogo para tomar o chá, enquanto observava a magreza dos irmãos, que tanto o incomodava. Aqueles eram os filhos de Blasios, abandonados à própria sorte, sobrevivendo num lugar onde apostadores e mercenários tinham pouco futuro pela frente. Como ficar isento de tal problema? Pegou os dados e ofereceu-os a Akakios:

“Akakios, rode. Se você adivinhar o resultado, irá aceitar a minha proposta.”

“Do que está falando, cara? Você não disse que preferia tomar decisões com a razão e não com a sorte? E que proposta é essa?”

“Você pode roubar se quiser, eu não ligo. A proposta é a seguinte: se adivinhar o resultado dos dados, terá de prometer vir comigo para o Santuário de Athena.”

“Como é?”

“O seu pai era um cavaleiro de Athena, Akakios. Tudo o que você sabe sobre cosmos veio do culto de Athena. Os valores, a fé dele… tudo isso passou para você… inclusive a coragem que teve ao vir me ajudar na luta. Você não tem vontade de conhecer melhor o mundo dele? Não gostaria de se tornar o cavaleiro de Eridanus no lugar dele? A vaga está aberta, até onde sei.”

“Cavaleiro… Eu? Qual é, Sísifo? Sou só um mercenário que gosta de apostar.”

“Se está preocupado com apostas, há um grupo na taverna que vive apostando… mas acho que você não conseguirá passar a perna neles.”

“Mas eu sou um mercenário. Eu sequer acredito nessa tal deusa Athena.”

“Talvez queira então conhecer um pouco o culto a ela… por meio das palavras dele.”

Sísifo gentilmente entregou a biografia de Blasios para o rapaz e acrescentou:

“Eu acredito que não é apenas a deusa da Sorte que me colocou nesta missão justo quando eu estou lendo esse livro. Acredita em destino? Eu acredito… E acho que tudo isso não é por acaso. Além disso, você está preocupado com o bem estar de Chiara, não é mesmo? Bem, não digo que a vida no Santuário seja fácil, pois não é… Mas comida e casa não fazem parte dos problemas por lá… O que me diz?”

Surpreso, Akakios recostou-se à parede e comentou:

“Chi não lembra porque era muito nova quando ele se foi… Mas meu pai foi um homem e tanto. Não aceitava algumas missões caras, que rendiam muito dinheiro, mas, quando uma moça doente pediu escolta sem ter um tostão, ele passou uma semana protegendo-a na estrada, de graça. Era dono dessa generosidade incomum para a categoria, que sempre pensa na grana antes da necessidade. Eu admirava isso nele. Acha que essa bondade veio do Santuário de Athena?”

“O que você acha?”

“Eu acho que você se parece um pouco com ele… quando pagou a nossa comida esses dias, sem realmente precisar… Eu tenho sido egoísta por muito tempo, sabe? Com os assassinatos acontecendo, e eu parado… Apesar de que não teria conseguido derrotá-la!”

“Não se culpe, você precisava proteger a Chiara.”

“Se eu me tornar um cavaleiro de Athena… Ela estará segura?”

“Ela também trabalhará no Santuário e poderá continuar sob a sua proteção se você se tornar um cavaleiro. Além disso, ela também terá a proteção de todos os soldados e cavaleiros da fortaleza quando precisar sair para cumprir alguma missão… lembrando, é claro, que muitas vezes você terá de arriscar a sua vida, como fiz ontem. Por isso, é bom que pense bem.”

“Pode ser que leve um tempo até que eu vire um cavaleiro.”

“Neste caso, eu a protegerei como minha serva por lá, não se preocupe.”

Chiara abraçou o irmão, buscando proteção naquele momento de decisão. Akakios acolheu-a em silêncio, pensativo.

“Leve o tempo que precisar para decidir. Sei que seria uma grande mudança para vocês dois.”

Mas Akakios não demorou. Pegou os dados, jogou-os contra a parede, resultando no número dez. Em seguida, disse:

“O resultado é dez.”

“Ahn… Na verdade, é pra você adivinhar antes de lançar os dados… O que você fez foi apenas dizer o resultado, amigo.”

“Não importa”, respondeu o rapaz, sorrindo. “Eu já decidi.”

Sísifo riu e logo parou, com dor.

“Está certo! Eu gosto disso em você. O que acha da decisão de seu irmão, Chiara?”

“Ele não usou o poder, então não acho que ele roubou!”

“Rá, é claro que não!”, comentou Akakios. “Acho que está na hora de trilharmos um novo caminho, Chi… um em que possamos nos orgulhar de nossas decisões. Embora eu saiba que posso morrer nesse trabalho, ser um mercenário também já quase me levou à morte algumas vezes. É melhor que seja num ambiente em que a Chi esteja mais segura. Muito bem, Sísifo. Somos seus para serem guiados…”

“Farei isso, com muito prazer.”

Ao observar os irmãos lerem a biografia de Blasios, Sísifo não podia deixar de acreditar que algo de divino ajudara a promover tal encontro. Talvez sua deusa não fosse tão diferente daquelas dos apostadores…

“Ei, Sísifo, poderia falar mais dessa tal tavernado Santuário?”

E talvez ele acabasse com bastante trabalho por causa dela...

 

 


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