Poison escrita por Brê Milk


Capítulo 1
One


Notas iniciais do capítulo

''O PASSADO É UM PRÓLOGO.''

- shakespeare



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Alec Volturi soube no instante em que a porta do quarto foi aberta e a loira agachada em sua frente interrompeu o belo trabalho que fazia com as mãos e a boca, que algo estava errado.

 

— Os mestres solicitaram uma reunião com urgência — Félix informou, com a falta de expressividade de sempre, ignorando as caretas da loira ainda de joelhos.

 

— Bem, estou meio ocupado agora — A resposta de Alec soou definitiva, enquanto ele erguia as sobrancelhas de modo irônico. Com um último olhar aborrecido, ele dispensou o vampiro grandalhão, voltando a atenção para a mulher aos seus pés: — Continue, querida.

 

 

A loira exibiu um sorriso satisfeito e retomou de onde parou, sem se importar com o telespectador descontente no batente da porta. Félix dobrou os braços em cima do peito e soltou um grunhido, fitando o amigo de pé e alheio ao que lhe aconteceria futuramente.

Ainda sem demonstrar qualquer emoção, Félix se virou para ir embora, mas não sem antes soltar a notícia no ar:

 

— Pavlova está aqui. Boa sorte com isso, quando se desocupar.

 

E então desapareceu em um piscar de olhos, deixando Alec Volturi completamente desnorteado. 

Ele sentiu os olhos aumentarem de tamanho, e cada poro de seu corpo se fechar. Todo o prazer que a loira o estava proporcionando pareceu sumir e, em questão de segundos, Alec sentiu a familiar sensação de ódio se espalhar como veneno em sua boca.

Pavlova.

Aquele nome tinha uma significado, um que dizia que as portas do inferno haviam sido abertas e que ele seria arrastado diretamente até elas logo mais.

 

— Querido? — A loira reclamou quando o vampiro rosnou e a empurrou bruscamente para trás, se desvencilhando e subindo as calças.

 

— Nós encerramos aqui — Declarou ele, lhe dando se costas e apanhando a capa preta do chão. — Agora saia.

 

A vampira levantou-se, ajeitando a saia e o corpete do vestido, evitando expressar todo o seu descontentamento com o tratamento que recebia. Ela conhecia a personalidade de Alec Volturi. Na verdade, todas as mulheres daquele castelo conheciam. Por isso, não tinha do que reclamar. Ele era frio e possuía modos rudes, e ainda assim elas o queriam.

A loira também. Limpando o canto da boca com os dedos, ela se limitou a lançar um último olhar  malicioso para o Volturi e deixar o quarto, assim como ele havia ordenado.

Quando se viu sozinho, Alec fechou os olhos e pensou em todos os motivos para que o clã russo estivesse em Volterra. Sua intuição o dizia que algo muito ruim tinha acontecido, embora desejasse que fosse o contrário.

Dez minutos depois, ele estava prestes a descobrir o motivo da tormenta. No instante em que os guardas abriram as portas do saguão do castelo, e ele se deu conta que havia sido o único convidado, os olhos dele a encontraram. Parada no centro, tão imóvel quanto uma estátua esculpida pelo melhor escultor do mundo, ela se virou lenta e graciosamente dentro de um vestido escarlate que se adequava perfeitamente as curvas do corpo, os cachos ruivos balançando em suas costas estreitas.

Os olhos vermelhos o confrontaram com o mesmo desgosto que os dele refletiam, e os traços delicados do rosto de porcelana contrastavam com o sorriso falso nos lábios avermelhados. Vermelho. Tudo nela era vermelho, da cor do fogo. E provavelmente do inferno.

Então, lá estava ela. Katerina Pavlova. A maior vadia que a comunidade dos vampiros já havia conhecido. E, para Alec Volturi, ela era o seu carma misturado com pesadelo e maldição do universo. E, após algumas décadas sem se encontrarem, naquele momento ele comprovou tal fato.

Alec desprendeu os olhos dela e seguiu mais adiante, parando próximo aos três tronos, ignorando o outro vampiro russo presente no salão, intimamente ao lado de Katerina. Era quase de seu tamanho, o longo cabelo cor de areia o fazia parecer uma piada, mas o traço em questão se tornava quase imperceptível comparado ao fato da personalidade detestável que o sujeito tinha. Nikolai Pavlova era esse tipo de cara, assim como também era um vampiro russo, o líder de seu clã patético.

Um breve momento de silencio tenso e olhares hostis se seguiu até Alec se concentrar em seus mestres. 

 

— Estou aqui, mestres. Algum problema? — Inquiriu, dirigindo-se diretamente a Aro, que esboçou um de seus costumeiros sorrisos amarelos grandiosos. 

 

— Usaremos a palavra infortúnio, meu caro Alec — A voz aguda de Aro estava instável e ele parecia inquieto, assim como Caius e Marcus em seus tronos. Com um pigarro, ele prosseguiu com os cantos dos olhos estreitos: — Um que envolve nossos queridos amigos do clã Pavlova. E, ao que tudo indica... você. 

 

Foi a vez de Alec de esboçar um sorriso amarelo grandioso, irônico. 

 

— Com todo respeito, mestre. Mas não há nada nesse mundo que me relacione com esse clã. 

 

— Presente. — O sussurro doce ecoou pelo salão, sendo seguido da breve risada melódica. Katerina deu um passo á frente enquanto o Volturi virava-se lentamente a tempo de vê-la sorrir para ele do mesmo jeito que fazia algumas décadas atrás: — Olá, Alecsandro. É um desprazer ver você depois de tanto tempo.

 

— Katerina — Grunhiu ele. — Você deve ser o infortúnio, pelo que vejo. Seja lá o que for, não estou interessado. Não farei nada por você ou por qualquer outro russo, então  vão embora. — Lançando um último olhar para os tronos, Alec virou-se, pronto para sair. — Se for apenas isso, peço que deem-me licença. 

 

 

Caius e Aro abriram as bocas, mas, antes que pudessem dizer ao menos uma palavra, um rosnado soou atrás do Volturi louro-acastanhado, o detendo no lugar.  

 

 

— Mesmo depois de séculos, você ainda é o bastardo infeliz  e egoísta de sempre! — Trovejou Nikolai, avançando na direção de Alec e o segundo pelo colarinho da camisa. — Não está interessado? Quem você acha que é, por acaso? Acha mesmo que estaríamos aqui se não fosse preciso? Acha mesmo que se os desgraçados dos filhos da lua não tivessem atacado meu clã e dizimado a maioria eu estaria falando com você? Ou que eu estaria aqui olhando para sua cara se aqueles filhos da puta não estivessem tentando matar a Kate por sua casa? Eu deveria mata-lo!

 

— Vá em frente e tente — Alec rosnou de volta, o empurrando para longe com as presas expostas.

 

  

Os dois tomaram posições de ataque, porém, antes de pularem um no outro e iniciarem uma briga, o ruído de saltos altos contra o carpete no chão os chamou a atenção e quando se deram conta, a ruiva estava entre ambos, os fuzilando com os olhos penetrantes e enraivecidos. 

 

 

— Vocês dois estão parecendo animais selvagens. Mas, ah, é. Vocês são. Dane-se isso! Tudo o que menos preciso agora é de uma briga para saber quem é o macho alfa da relação; menos testosterona e mais cérebro, por favor! — disse Katerina, esbravejando com o sotaque forte, rodopiando em cima dos saltos até parar de frente para Alec. — Deixe- me contar o que está acontecendo, Alecsandro. A porra do clã da Lua se uniu com algumas vadias bruxas e iniciou uma caçada aos vampiros  no topo da hierarquia. Meu clã foi o primeiro e você está olhando para o que sobrou dele. Não precisa ser muito esperto para saber que o próximo alvo são vocês italianos, mas isso não é o mais importante. Sabe o que é, Alecsandro? É o que descobri depois de ter sido quase cremada em um ritual macabro. Descobri uma profecia que elege um ponto de equilíbrio de um clã de mil em mil anos, um membro poderoso o suficiente para canalizar todos os poderes de seu clã e se tornar o maior vampiro do mundo.  Acontece que esse cara é você, pelo que escutei enquanto tentava fugir das chamas da fogueira, querido. A má notícia é que fui a primeira a quem você transformou, então de alguma maneira muito irônica eu faço parte dessa profecia que envolve sacrifícios e rituais de nós dois. — A Pavlova fez uma pausa dramática, torcendo os lábios pequenos em uma careta desgostosa. Em seguida, continuou: — Nossas almas condenadas estão entrelaçadas, querido. O carma é mesmo uma vadia má, pois não?

 

 

Alec a observou por longos segundos até desatar a rir. O som de sua gargalhada preencheu o ambiente, ecoando até sumir. Quando ele se deu por satisfeito, cruzou os braços atrás das costas e fitou a ruiva com toda a indiferença que nutria por ela durante aqueles anos. 

 

 

— Você achou mesmo que eu fosse acreditar em você e em sua loucura? Você é a única vadia má por aqui.

 

A risada leve e divertida de Katerina reverberou pelo salão, chegando até Alec como um choque repentino em seu peito.

Maldição!

Aquela era o tipo de reação que ele não tinha a algumas décadas. Poderia muita bem continuar sem senti-la, agradecido. De qualquer modo, recusava-se a admiti-la. Porém, observar a vampira russa estender a mão delicada e pousa-la em seu peito (intensificando a reação eletrizante) para ajeitar o broche de seu manto, dificultava sua resolução. A maldita era naturalmente envolvente e admirável.

 

 

— Louca, mentirosa, boa de memória. Me chame do quiser. No final, você não terá escolha, Alecsandro. Será eu e você novamente — sussurrou ela, encolhendo os ombros. Com uma piscadinha marota, ela se afastou graciosamente: — Mal posso esperar. Até lá, acho que você e seus mestres tem muito a discutir. Com licença. 

 

 

O lançando um último olhar provocador, Katerina Pavlova se juntou a Nikolai e após acenos discretos para os três Volturi nos tronos, os dois deixaram o grande salão.

Alec trincou o maxilar para evitar a sucessão de palavrões que queria vociferar naquele momento. E, mesmo que os soltasse, teria sido interrompido pela voz contemplativa de Aro, atrás de si:

 

 

— Bem, isso é um grande problema.

 

— Com todo respeito, mestre — disse Alec, virando-se e encarando os três vampiros com expressões preocupadas. A sua própria não deveria estar tão diferente. — Mas não está considerando as sandices dos Pavlova, está? 

 

— Eu não deveria, meu caro? — refutou Aro, cruzando as mãos sob o colo. Os olhos afiados analisando cada movimento do vampiro louro-acastanhado.

 

— Obviamente que não! O clã russo não é confiável, assim como também não são nossos aliados.

 

— Não, mas também não são mais um clã — Manifestou-se Caius, jocosamente.

 

— Katerina nunca foi uma mentirosa, Alec — Pontuou Marcus, embora não parecesse estar totalmente concentrado no assunto.

 

— E ainda assim ela nos traiu e se juntou aos Pavlova — A resposta escapou de seus lábios antes que ele as segurasse, e mesmo assim não se deteve: — Não confio nela ou em qualquer loucura que diga, então não contem comigo para participar do show de horrores. 

 

 

Sob olhares contrariados, Alec virou-se bruscamente e caminhou com passos largos e furiosos em direção às portas do salão. Se fosse qualquer outro, já teria tido a cabeça decapitada, mas não era. Era Alec Volturi, uma das jóias Volturi. Era a carta na manga dos reis daquele castelo, o general de seu exército, a lenda de um rastro de destruição e maldade para a comunidade dos vampiros.

E era exatamente por todos aqueles motivos que ele seguiu em frente, se recusando a algo que poria sua capacidade de auto controle em risco. Entretanto, antes que atravessasse as portas, a voz austera e sucinta de Aro o fez vacilar por um breve momento.

 

 

— A profecia é real, Alec. A escutei há eras atrás, mas nunca acreditei. Contudo, se é sobre você a quem ela falava, então faz sentido. Você é um vampiro fantástico, assim como Katerina, e se por algum motivo deixar a profecia se cumprir e for consumido por toda a magia que a envolve, não será mais o mesmo.  Sendo assim, temo que a soberania dos Volturi estará em jogo — Aro pausou e soltou um suspiro dramático, algo típico dele. Quando continuou, seu tom estava beirando ao ameaçador: — Sei reconhecer uma ameaça quando vejo uma, meu caro. Espero que você também, assim como espero que separe seus problemas pessoais deste e lide com isso da melhor e mais eficaz forma que conseguir. Caso contrário, é provável que seja Jane em seu lugar. Para os filhos da lua, exatidão não importa se eles conseguirem alcançar o objetivo no final. Janette também tem potencial, além de ser sua irmã gêmea e a provável segunda opção deles. Você entendeu? 

 

Alec não queria, mas, sim. Havia entendido o recado nas entrelinhas de seu mestre: deveria escolher entre seus interesses e arriscar o império Volturi, assim como a vida de sua irmã ou ficar ao lado da única mulher a quem desprezava no mundo e garantir mais algumas décadas para os reis do castelo no comando, mantendo sua irmã em segurança.

Alec escolheria a vida de sua irmã sem nem pensar. Era a Jane e sempre seria ela. E Aro sabia muito bem disso.

— Avise-me quando o plano estiver pronto, mestre — Sibilou Alec, passando pelas portas e as batendo atrás de si. 

O ruído das solas de suas botas contra o piso encerado ecoou pelo corredor enquanto o atravessava, ansiando por algo para bater, rasgar ou matar. Sua visão estava vermelha e o veneno em sua boca parecia mais amargo que nunca.

Estava certo desde do começo: tudo tinha dado errado. A vida havia dado um giro de trezentos e sessenta e cinco graus e o havia deixado pendurado com a cabeça para baixo. Porque, mais uma vez, sua existência havia sido invadida pelo veneno que Katerina era, intoxicando todos os seus pensamentos e o sufocando até o fim. 


E agora estava condenado ao jogo que ele mesmo criara. E ambos eram excelentes jogadores que ansiavam pela vitória.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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