Retalhadores de Áries: Origens escrita por Haru


Capítulo 1
Capítulo Único




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O Garoto Novo

Kin desceu as escadas acarpetadas de sua casa com a cara fechada. Estava em seu quarto deitada na cama, anotando no caderno uma série de coisas que o Primeiro Ministro do Reino de Órion ordenou, mas sua mãe, aparentemente afim de triplicar suas horas de trabalho, lhe pediu que descesse. Tinha, em suas palavras, "algo muito importante" para contar — e era bom que fosse mesmo, embora suspeitasse que não. A mulher que lhe deu luz, Yume, costumava ser muito dramática com as notícias que dizia ter. 

Jogou para trás os loiros e rebeldes cabelos encaracolados assim que pulou do último degrau para o tapete vermelho que forrava o piso da sala. A camiseta preta de mangas curtas, sem figuras, estava amarrotada, a calça cinza de moletom e as meias nos pés diziam que ela se preparou para dormir enquanto fazia as anotações que seu chefe pediu. Seus cansados olhos castanhos escuros desejavam isso intensamente e não disfarçavam, sua gélida pele clara ansiava pelos lençóis debaixo dos quais ela parcialmente já estava. 

 Yume ficara parada na porta fechada a esperando. No rosto alvo, esbanjava um enorme sorriso. Sua filha permaneceu confusa. Normalmente Kin não era tão mal humorada, mas trabalhou a semana toda, então, o que quer que estivesse do outro lado da porta marrom de madeira maciça da casa, não a entusiasmaria. Determinada a mudar a expressão facial da garotinha, abriu a porta e apontou para o garoto que, a seu pedido, esperou antes de entrar. 

A loirinha manteve a mesma cara de paisagem. Precisava de mais informações. 

— Kin, conheça Arashi... — Os apresentou e abriu passagem para ele, que subiu os três degraus até a porta e entrou na casa. — Arashi, conheça Kin, minha poderosa filha! 

O garoto cerrou os cândidos olhos azuis claros, sorriu e lhe estendeu a mão.

— É uma honra conhecê-la! — A cumprimentou, sorridente. Ele não falou por falar, de fato era uma honra conhecê-la, Kin tinha apenas oito anos mas já era o braço direito do primeiro ministro do Reino de Órion. As maçãs de seu rosto acastanhado até coraram por estar na presença dela, contrastando com o forte negro de seus cabelos lisos. 

 A loira o olhou de cima a baixo com desdém. Fingindo que ele não estava ali, olhou para a mãe, apontou o andar de cima com o polegar e falou:

— Posso voltar pro meu quarto? Tenho muita coisa pra fazer. 

— Espera. — Yume lançou os ombros para frente com desânimo e disse. Recobrou o ânimo, esticou os braços e contou: — Ele vai passar uns anos morando com a gente!

A jovenzinha deu de ombros.

— Legal. — Não tinha objeções, não sabia nem o que ela queria ouvir. Refez a pergunta: — E aí, posso voltar pro meu quarto?

Yume abaixou a cabeça e sinalizou permissão com a mão esquerda. Esperava mais gentileza da parte de Kin, apostou com Azin que eles se tornariam amigos no mesmo dia, mas, ao que parece, acabara de perder vinte e cinco pratas. O menino, na dele, guardou as mãos nos bolsos da jaqueta preta e manteve-se curioso. Já imaginava que não fosse ser fácil conquistar a amizade dela, até a entendia, afinal, já foi filho mais velho, a chegada de qualquer criança nova na casa sempre seria complicada.

No minuto que deitou o corpo na cama, Kin caiu no sono. Dormiu por horas. Ela mesma ficou surpresa quando, olhando para a janela ao acordar, se deu conta de que anoitecera. E ainda tinha pilhas e mais pilhas de relatório para entregar no dia seguinte, o chão estava repleto de folhas. Alguém, de repente, bateu na porta de seu quarto. Kin esfregou o rosto sonolento com as mãos e se situou no tempo e no espaço antes de permitir que entrassem. 

Organizou um pouco da papelada espalhada pelo piso, fitou a porta e, com voz fraca, consentiu:  

— Entra. 

Era Yume. Naturalmente desengonçada por causa de sua alta estatura, a moça apontou os olhos castanhos claros para baixo e, enquanto caminhava até a cama de Kin, tentou não pisar em nenhuma das folhas que ela largou pelo piso. Sentou-se ao lado da menina e não evitou sentir orgulho quando a viu de pé, tão responsável ajeitando os papéis. 

— Como estão as coisas por aqui, loirinha? — Puxou conversa.

Kin deu uma risada nervosa.

— Tô com trabalho pra caramba. — Respondeu, pondo uma mecha de cabelo atrás da orelha. — Hayate tá com essa ideia de formar um grupo de elite para defender o reino e fazer missões mais difíceis e quer que eu lidere. 

— Ele me contou, eu dei apoio. — Revelou Yume. Sob o olhar fuzilador da filha, se justificou: — É uma boa ideia, os outros ministros até vão implementar também. Escuta, eu sei que você prefere trabalhar sozinha, eu também era assim quando comecei, mas dá uma chance. Aliás, como líder, você pode escolher quem vai fazer dupla com você! Vai ser legal. 

— "Legal" não é bem o que eu quero que seja, mas, pra começar, tá bom. — Retrucou, sentou-se no colchão e pôs as folhas sobre as pernas. 

Yume, pensativa, deu um longo e profundo suspiro. 

— "Legal" não é a palavra que a maioria de nós usaria para descrever esse nosso trabalho. Crianças de seis anos sendo obrigadas a ver os pais morrerem através da fechadura de uma porta, tendo que recomeçar. — Disse. Ficou evidente para Kin que ela se referia ao Arashi. — Que bom que existe sempre a chance de recomeçar. Se sua família não está dentro da sua casa, ela pode estar fora dela. 

A loira ficou sem saber o que dizer. Queria ter sido notificada disso antes de tê-lo tratado como tratou, de ser tão insensível. Deu uma travesseirada na cara de sua mãe. A culpa era toda dela com essa mania de tentar surpreender todo mundo.

— Devia ter me contado isso antes de trazê-lo. — A repreendeu. 

Yume deu o troco, as duas começaram uma guerra de travesseiros e de risadas. Kin estava sorrindo pela primeira vez na semana, aquilo lhe fez tão bem que, após pararem, voltou ao trabalho e terminou tudo o que precisava entregar no dia seguinte em uma hora. No fim, guardou os relatórios e desceu imediatamente para falar com o garoto, para pedir desculpas, mas ele havia saído. 

Somente horas depois, descendo para beber água de madrugada, o encontrou, ele estava sentado no sofá da sala, de costas para as escadas. Olhava o que se parecia com um bracelete prateado. Kin se debruçou no corrimão e o fitou, sem sair de onde estava. Na mão direita, Arashi tinha uma camisa rosa clara empoeirada, rasgada, suja.

Kin desceu os degraus que faltava descer e falou com ele:

— Me desculpa pela grosseria de ontem. Eu tava sem dormir há quase uma semana, tinha trabalho demais pra fazer... 

O menino sorriu e deu de ombros. 

— Não se preocupe. 

A loirinha não sabia mais o que dizer. Nervosa, cruzou os braços na frente do corpo, puxou um dos panfletos no bolso de trás da calça e tocou o ombro esquerdo do garoto com ele. Arashi olhou confuso o folheto. 

— Você é um retalhador, não é? — Kin o indagou, esqueceu de se certificar disso com sua mãe. Ele respondeu que sim com um leve aceno de cabeça, ela prosseguiu: — O primeiro ministro do Reino de Órion me deu esses folhetos para distribuir, é para o teste de uma equipe especial que ele quer formar, mas eu estou selecionando quem vai. Esteja lá no horário, eu detesto atrasos. 

Arashi segurou o panfleto e o observou reflexivo. Nada respondeu. Kin desistiu de esperar uma resposta verbal dele e subiu. Compreendia sua indecisão. Olhando-os da cozinha, Yume sorriu. Perdeu a aposta com o marido mas não se importava mais, pagaria pela derrota com muito prazer, sabia que testemunhara ali o início de uma grande história.

Continua


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