In(trinca)do escrita por Siaht


Capítulo 1
In{trinca}do


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoas lindas!!!
Tudo bem com vocês?
Bom, aqui estou com mais uma fic para o projeto maravilhoso que é o Pride Month. Queria aproveitar para agradecer novamente às organizadoras pelo convite e a todo mundo que está participando pelas histórias incríveis que tenho lido nos últimos dias e por todas as conversas e surtos. Está tudo impecável e recomendo todas as fanfics. Se quiserem saber mais podem entrar no Twitter (@pridemonthffs) ou o Tumblr (https://pridemonthfanfics.tumblr.com/) da iniciativa.
Sobre essa história específica: eu realmente amei escrever In{trinca}do e espero muito que vocês gostem.
AVISO DE GATILHO: há menções a transtornos de ansiedade, tentativa de suicídio e relações familiares abusivas na história. Não é o foco da trama - que é muito mais sobre a vida pós tudo isso - e não há nenhuma descrição explícita ou gráfica, mas fica o aviso.
Eu juro que essa é uma história feliz! ♥



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in{trinca}do

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— triad —

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what can we do now that we both love you?

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TRÊS.

1. numeral:

(s.m.) dois mais um; o número cardinal logo acima de dois.

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2. numerologia:

três é a luz — o número sagrado. É o número do resultado da moldagem das substâncias — o produto da união e o número da perfeição.

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3. espiritualidade:

é o símbolo da trindade dos deuses – santíssima trindade – nas culturas cristã, hindu, egípcia e babilônica.

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TRIÂNGULO.

1. geometria:

polígono de três lados; trilátero;

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2. simbologia:

por ser formado por três segmentos, faz alusão à várias tríades, como, por exemplo o início, o meio e o fim; o corpo, a alma e o espírito; o homem, a mulher e a criança. Sua ligação com o número três simboliza a perfeição e a unidade.

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Três era um bom número. Um número que fazia sentido. Um número ideal. Dois era aceitável, mas parecia incompleto. Quatro era excessivo. Três era perfeito. Ao menos para o rapaz. Louis Arthur Weasley estava acostumado a existir em trincas, afinal. Era o terceiro de três filhos. Um terço do trio formado com Hugo Weasley e Lily Luna Potter. Alguém que sempre ocupava um dos três lugares de um pódio em uma competição de natação.  Uma das partes de um triângulo amoroso.

Por muitos anos, o garoto achara que aquele tipo de coisa só acontecia em filmes. Filmes de qualidade duvidosa que abusavam de recursos melodramáticos em suas narrativas exageradas. Estar dividido por duas pessoas não era o tipo de coisa que acontecia na vida real. Não era o tipo de coisa que acontecia com alguém que você conhecia. Não era o tipo de coisa que acontecia com você. Bom, digamos apenas que ele estava errado.  

Naquele ponto da vida, Louis já estava acostumado a estar dividido. A habitar o meio. A ser uma pessoa repartida. Não havia como ser diferente, quando se era um aborto, ele supunha. Um pé no mundo mágico, o mundo em que nascera e fora criado, o mundo de sua família, o mundo que o dizia que era inferior; e um pé no mundo trouxa, o mundo para o qual o empurravam, o mundo sobre o qual sabia muito pouco, o mundo no qual nunca iria realmente se encaixar. Estava destinado a existir no meio do caminho. A estar sempre no meio. Preso no entre-lugar. Sempre tendo que escolher algum local para chamar de lar, embora nunca fosse pertencer verdadeiramente a nenhum deles.

Aquilo era exaustivo, no entanto, as coisas eram como eram. E aos 21 anos, Louis Weasley já havia feito terapia suficiente para superar boa parte de seus desajustes e complexos de inferioridade. Já não era um adolescente agoniado, julgando que sua vida era alguma espécie de tragédia shakespeariana. Na verdade, detestava a ideia – saída obviamente da mente de bruxos – de que uma existência sem magia era um destino horrível e fonte inesgotável de sofrimento.

Ele estava bem. Honestamente, nunca estivera melhor. Havia se mudado para Londres há três anos e, apesar de sentir falta da praia e do oceano, gostava da vida cultural agitada da capital. Estudava artes plásticas, trabalhava meio período em um café e havia se instalado em um apartamento mequetrefe que dividia com dois seres humanos incríveis. Era ali que começava o problema.

Louis nunca imaginaria que pessoas como Guinevere Nott e Alexander Dursley iriam se tornar uma parte tão importante de sua vida. Nunca imaginaria sequer tolerar a companhia de pessoas como os dois. Todavia, ali estava ele, não apenas dividindo uma casa com as suas definições pessoais de “improvável”, como também em um estranho triângulo amoroso com ambos. A beleza da vida estava em suas ironias, certo?

De uma forma ou de outra, era preciso começar do começo. Louis conhecera Alec – Guinevere era a única pessoa autorizada a chamá-lo de Alexander – Dursley primeiro. O garoto era sobrinho de seu tio Harry – na verdade, era um primo de segundo grau, mas aquele parentesco parecia estranho e distante demais para ser mencionado em uma conversa cotidiana – e quando o irmão e a irmã dele se mostraram bruxos, a convivência entre os Dursley e os Potter-Weasley se estreitara.

Alec era tão trouxa quanto alguém poderia ser. Nenhum vestígio de mágica em suas veias e nenhuma vontade de se meter em um mundo de feitiçaria. Gostava do que sempre fora o seu “normal” e estava muito bem sendo ordinário, obrigado. Ainda assim, eventualmente acabava cedendo aos apelos dos irmãos, com quem tinha uma ótima relação, e comparecendo a algumas festas no Largo Grimmauld, nº 12 ou almoços n’A Toca.

Não precisava significar nada, uma vez que aquele tipo de evento costumava transbordar com a multidão com a qual a família de Louis gostava de manter laços. Entretanto, seguindo o tipo de lógica imbecil e limitada que parecia guiar a mente de bruxos, seus parentes decidiriam que, uma vez que nenhum deles possuía magia, os dois deveriam se tornar amigos. Fora um desastre. Não havia forma pior de criar companheirismo entre dois pré-adolescentes do que seus pais os empurrando um para o outro, forçando uma amizade que deveria se iniciar organicamente. O fato de todos esperarem que “não serem bruxos” os tornaria institivamente melhores amigos – como se toda a personalidade dos dois se resumisse a isso – fez com a antipatia crescesse natural e incontrolavelmente entre os meninos.  

Além disso, os dois eram tão diferentes que sequer conseguiam pensar em um tópico comum a ser discutido. Não, eles não iriam discutir a ausência de poderes mágicos. Aquilo parecia absurdo e pessoal demais para garotos de 12 anos de idade. E, não fosse aquela casualidade, não restava qualquer vínculo que os ligasse.

Louis era quieto, introvertido e silencioso. Passava tempo demais na própria cabeça, gostava de livros de poesia, de ler sobre história da arte e, acima de tudo, de pintar. Alec era uma tagarela de boca imunda. Um extrovertido que se sentia muito confortável na própria pele e que gostava de festas, barulho e ficção cientifica. Gostava, acima de qualquer outra coisa, de esportes. No plural. Estava nos times de futebol e de luta livre de seu colégio e andava para cima e para baixo com a jaqueta idiota que evidenciava sua posição como atleta, um dos Lancelots de St. Grogory.

O único esporte que Louis praticava era natação. O único outro esporte que o Weasley gostava de acompanhar era patinação artística. E aqueles eram provavelmente os únicos dois desportos sobre os quais o Dursley não tinha qualquer interesse. Então, não. Louis Weasley e Alexander Dursley não tinham nada em comum. E decidiriam, quase mutualmente, que não gostavam um do outro. Simples assim. Não se diriam inimigos. Não diriam que se odiavam. Apenas ficariam felizes em se evitar pelo resto de suas vidas, incapazes de imaginar que algum dia fosse haver espaço para qualquer afeto entre os dois.  

Com Guinevere fora o oposto. A relação inteira entre Louis e a menina começara, porque ambos não tinham magia. Em sua defesa, o rapaz tinha 17 anos na época, o que o conferia uma maturidade maior do que aos 12, e estava passando por um momento difícil e de extrema vulnerabilidade. Mesmo hoje, ele não diria que havia tentado se matar, afinal tecnicamente morrer nunca fora sua intenção. Mas isso fazia alguma diferença quando a amálgama de um transtorno de ansiedade, anos de auto-ódio e a prática nada saudável da automutilação quase acabaram com a sua vida? Ele achava que não.

Aos 17 anos, Louis Weasley estava uma bagunça. Não era nada além de estilhaços de vidro em um azulejo branco manchado de sangue. Não era nada além de uma assombração. Um vestígio do garoto que um dia fora. Ainda assim, estava tentando colar seus pedaços. Estava tentando lidar com aquele vórtice caótico que existia em sua cabeça. Estava tentando aceitar aquela vida que, embora não fosse perfeita, ele descobrira – da pior forma possível – que não queria perder. Fora nesse momento que Guinevere Nott entrara em sua vida. Ou melhor, a coruja dela.

Louis se lembraria pelo resto de seus dias do instante em que recebera a carta da garota. O envelope era cor de rosa, a caligrafia era impecável e o vocabulário parecia saído de um romance do século XVIII. Na mensagem, a menina se apresentava, pedia desculpas pela intromissão e afirmava que entenderia se o destinatário não quisesse respondê-la. Contava também que descobrira sobre ele ao ver a matéria no Profeta Diário sobre seu “acidente”. A notícia, na verdade, era sobre como o sobrinho aborto de Harry Potter – e filho da campeã tribruxo veela e do herói de guerra destroçado por um lobisomem – havia perdido a cabeça e tentando se matar. Guinevere, contudo, era gentil demais para mencionar tal fato.

O ponto principal era que a garota alegava que também era uma aborto e que jamais havia conhecido alguém como ela. Fora esse, inclusive, o motivo de ter ignorado todas as convenções sociais e escrito a um completo desconhecido. Havia algo poderoso em encontrar alguém como você, após 16 anos se sentindo uma aberração solitária, ela finalizara.

A moça estava certa, entretanto, a primeira reação de Louis fora ficar furioso. Quem aquela estranha achava que era para lhe escrever algo assim? E, mesmo se o que ela dissesse fosse verdade, poderia confiar em uma garota vinda da família de aristocratas puristas do sangue como os Nott? Uma herdeira de Comensais da Morte? Certamente não. E, no entanto, se estivesse sendo sincera, era provável que a vida da menina fosse infinitamente mais miserável do que a dele.

No fim, e após um mês inteiro, a curiosidade o vencera. Ou talvez fosse apenas o desejo de se conectar a alguém como ele, especialmente em um momento tão delicado. Louis, afinal, também nunca havia conhecido outro aborto e, pela sua experiência, ser um aborto era bem diferente de ser um trouxa. Ele adoraria ser um trouxa. Trouxas eram normais em seus mundos. Trouxas pertenciam a algum lugar. Abortos não.

Guinevere compreendia isso. E as cartas dela o faziam sentir, pela primeira vez na vida, que alguém o entendia. Louis não era bom com palavras, nunca fora. Tropeçava nas letras quando tentava escrever e se afogava nas sílabas quando tentava falar. Tinta e pincéis eram os instrumentos de sua alma. A pintura sua língua materna. Isso, no entanto, não o impediu de trocar correspondência com Gwen por um pouco mais de um ano. Eventualmente ele enviava a ela alguma pintura, algo pessoal e significativo, algo que ele achava que a menina – que construía palácios com palavras e se abrigava dentro deles – entenderia sem que nada precisasse ser escrito.

Então, sim, Louis gostava de Guinevere Nott, mas eles não eram nada além de amigos. Pelo menos, não até se mudarem para o mesmo apartamento. Aquela era uma história bem simples, na verdade. Louis havia acabado de ser aceito na faculdade e precisava de um lugar para morar. Guinevere precisava desesperadamente de um local para viver, após ter cortado laços definitivamente com sua família insana e abusiva. Alec tinha um apartamento e precisava de pessoas com quem dividir o aluguel e as despesas. Ele e o Weasley ainda não gostavam particularmente um do outro, entretanto, ao menos se conheciam. E Louis conhecia Gwen.

Fora um arranjo suficientemente bom, afinal tudo o que eles tinham que fazer era dividir um teto e as contas. Não precisavam ser amigos e se as coisas se tornassem insuportáveis sempre poderiam se mudar. Aquilo fora há três anos, então era seguro dizer que a dinâmica entre o trio havia funcionado. Até demais. A vida deles convergira no momento certo. No momento em que os três estavam perdidos, assustados e precisando de um recomeço.

Louis estava bem, pela primeira vez em muito tempo. Terapia e medicamentos pareciam estar surtindo o efeito desejado e o rapaz não queria nada além de voar para longe da superproteção sufocante de seus pais e irmãs e construir algo que fosse apenas dele. Ele entendia os motivos que levavam sua família a agir daquela forma e até se sentia grato por todo aquele amor, ainda assim, também estava farto de ser visto como uma coisa frágil que quebraria a qualquer minuto. Queria apenas a chance de descobrir quem era quando não está caindo aos pedaços. Quem era sem a sombra de quem deveria ter sido, pesando sobre seus ombros.

Guinevere havia acabado de abandonar a única vida que conhecera. Dera as costas para a família, que nunca fizera nada além de machucá-la, e se encontrava completamente sozinha em um mundo que não parecia ter espaço para ela. Fora criada entre bruxos, por pais que se envergonhavam da filha e a mantinham escondida da sociedade mágica, ao mesmo tempo em que não permitiam que chegasse perto do mundo trouxa. Passara anos trancada em uma mansão escura, com nada além de livros e um violino velho para lhe fazer companhia. Um pássaro em uma gaiola de luxo. Estava livre agora e, no entanto, havia dias em que a liberdade era apenas aterrorizante.

Já Alec havia simplesmente perdido tudo. Todos os seus sonhos e planos – tão estrategicamente comuns e mundanos – destruídos pelo acidente de carro que destruíra sua perna direita. Se adaptar a uma vida sem uma parte de seu corpo seria uma coisa difícil em qualquer circunstância. Descobrir quem ele era – e o que fazer da sua vida – sem o rótulo de atleta atrelado ao seu nome era ainda mais complicado.

Então, não, os três não planejaram se aproximar. As circunstâncias, contudo, pareciam atraí-los uns aos outros. Como magnetismo. Quando perceberam estavam dividindo tarefas domésticas, pintando paredes, comprando cortinas, consertando moveis antigos, adotando gatos de rua, conversando sobre família, política, artes, séries de tv, astrologia, astronomia, esportes, teorias da conspiração e qualquer outra coisa que ficasse no meio. Quando perceberam estavam abrindo os corações uns para os outros e os deixando sangrar. Estavam rindo, estavam chorando, estavam criando memórias.

Louis demorou algum tempo para perceber que estava se apaixonando. Nunca fora muito bom com assuntos do coração. Especialmente quando o assunto em questão vinha em dose dupla. Mas às vezes a luz de fim de tarde batia no rosto de Guinevere, enquanto ela estava concentrada lendo um livro, e ele sentia borboletas dançarem em seu estômago. E sentia vontade de pintá-la, eternizá-la naquele momento. Para o garoto,  Gwen era sempre tons de rosa, azul e lilás. Toques suaves de branco e tintas cintilantes. Púrpura tíria ou azul ultramarino, pigmentos raros, nobres e extremamente caros.

E então, no momento seguinte, Alec se sentava na janela, um cigarro entre os dedos, sua silhueta emoldurada pelo crepúsculo, e Louis sentia o coração perder o compasso de suas batidas. Na mente do Weasley, Alec sempre vinha em cores quentes. Tons vivos e vibrantes de vermelho, laranja e amarelo. Pinceladas fortes e intensas de sang-de-boeuf e sinoper, intercaladas com cores terroras e nuances de cinza. Algo caótico e pulsante.

Esse tipo de situação fora se tornando cada vez mais comum. Cada gesto, cada suspiro, cada palavra de um de seus companheiros de casa era suficiente para derretê-lo por inteiro. Para inspirar o artista que vivia em sua alma. O deixando em um estado de completa calamidade. O transformando em um tolo. Um tolo apaixonado. Um tolo apaixonado por duas pessoas.

Louis sabia há alguns anos que era bissexual. De tudo o que ele era, aquilo sempre fora o mais fácil. Estaria mentindo se dissesse que sua sexualidade nunca lhe fora uma questão. Qualquer coisa que fugisse do padrão vigente – e naquele caso, o padrão vigente era a heteronormatividade – seria uma questão. Ainda assim, perceber que não se interessava apenas por um gênero não lhe trouxe qualquer sofrimento. Fora apenas uma nova descoberta sobre si mesmo. Uma descoberta que ele gostava.

Talvez fosse culpa de Dominique. A irmã era cinco anos mais velha e se assumira lésbica, quando o menino tinha apenas nove anos. Então, ele crescera entendendo que havia mais no mundo do que heterossexualidade e que estava tudo bem. Crescera tendo a certeza de que sua família o amaria e aceitaria de qualquer jeito. E que sempre teria Dominique para conversar sobre todas essas questões.  

Era claro que nem tudo era perfeito. O preconceito infelizmente não era uma ilusão. A ameaça de uma agressão verbal ou física sempre pairaria pelo ar. Assim como uma série de estereótipos estúpidos e dolorosos. Bissexuais costumam ser vistos como pessoas indecisas, confusas, voláteis, promíscuas, não confiáveis e infiéis. Louis não era nada daquilo. Já havia se sentido confuso e indeciso sobre a própria vida, era verdade, mas isso nunca se aplicara ao âmbito amoroso e, honestamente, quem nunca havia sentido o mesmo? Além disso, sempre fora fiel e honesto em todos os seus relacionamentos. Nunca traíra ninguém e sempre fora introspectivo demais para sair por aí colecionando amantes.

Tudo isso pesara quando ele percebera que estava apaixonado por duas pessoas. Uma das grandes questões sobre a bissexualidade era a sua invisibilidade. A recusa social de até mesmo aceitar sua existência. Se você fosse um homem bissexual e estivesse em um relacionamento com outro homem, seria visto como gay. Se estivesse em um relacionamento com uma mulher, seria visto como hétero.  Como se aquelas fossem as duas únicas opções. Mas se estivesse na situação de Louis e se percebesse apaixonado por um homem e uma mulher, embora o gênero dos dois nunca houvesse sido uma questão, então você cairia no estereótipo da promiscuidade ou indecisão. Não havia como vencer. E o rapaz sequer sabia por que se dava ao trabalho de tentar provar alguma coisa a mentes preconceituosas.

Em algum momento, ele simplesmente desistira.  A vida era curta demais para deixar que suas experiências e afetos fossem moldados pelas experiências e afetos de outras pessoas. Especialmente quando se tornara claro para ele que Guinevere e Alec o amavam de volta. E se amavam também. E não havia nada de promiscuo, pecaminoso ou indecente naquilo. Nada horrível ou imoral. Eram apenas três pessoas que se entendiam, se respeitavam e se cuidavam. Três pessoas que despertavam o que havia de melhor umas nas outras. Três pessoas que haviam passado pelo inferno e sobrevivido a ele e que, embora não tivessem o poder de salvação, traziam paz uns aos outros e razões para que continuassem lutando. Eram amigos, eram parceiros, eram cúmplices e se amavam. Se amavam tanto que transbordava.

Nenhum dos três estava confuso, embora cada um deles tivesse precisado de sua própria jornada para compreender aqueles sentimentos e aceitar que estava tudo bem senti-los. Que estava tudo bem amar mais de uma pessoa ao mesmo tempo. E que estava tudo bem querer ficar com as duas. Definitivamente não estavam indecisos. Escolher duas opções ainda era uma escolha. Uma escolha válida. Uma escolha feita de forma consensual e após muita conversa. Diálogo fora a chave para entender que queriam estar juntos e estabelecer as regras e limites daquela relação. Era bom que três anos dividindo um apartamento pequeno os tornara excelente em conversar e encontrar meios termos.

Se você o questionasse, Louis jamais poderia dizer que amava Alec e Guinevere da mesma forma. Os amava de formas diferentes, porque eles eram pessoas diferentes e com as quais ele tinha relações diferentes. Relações únicas e que não podiam ser quantificadas de modo a escolher qual delas lhe teria mais valor e deveria ser priorizada. E que coisa estúpida, lhe parecia, quantificar amor, tentar criar uma régua para sentimentos, um sistema métrico que pudesse definir qual afeto era maior e mais importante. Amor era amor. E Louis amava Guinevere e amava Alec. Nenhuma fórmula matemática poderia resolver aquele problema. Como qualquer equação conseguiria compreender a constelação tão singular que os três formavam?  

Amar Guinevere era doce, era fácil, era como uma brisa fresca em uma noite estrelada de primavera. Era certo e inevitável. O amor dela vinha com cartas extensas, embaladas por envelopes cor de rosa, e repletas de ideias prolixas e palavras difíceis. Cartas que ela continuaria a lhe destinar, mesmo que agora morassem sob o mesmo teto. Vinha com debates profundos sobre literatura, arte e história. Mas também vinha com silêncios longos, contemplativos e confortáveis, com olhares que diziam tudo e toque intraduzíveis. Vinha com aceitação pessoal, com a criação de uma comunidade, com luta para que abortos fossem visto de forma igualitária. Vinha com passeios ao museu, com danças lentas na cozinha e com a descoberta de tudo o que havia de bom no mundo bruxo, o mundo que ela jamais conseguiria abandonar.

Amar Guinevere tinha cheiro de livro antigo, perfume caro e roupa limpa. Tinha gosto de chá, de gloss labial de cereja e torta de maçã. Era o som melancólico de um violino, o som de todas as palavras certas em uma voz de menina, o som de uma canção de amor tão antiga que você sequer se lembrava de como a conhecia, mas que jamais conseguiria se esquecer. Era pura poesia.

Amar Alec era salgado, era intenso, era como uma tarde de verão na praia. Era certo e inevitável. O amor dele vinha com implicâncias diárias, resmungos e palavras sujas que nunca tiveram qualquer conotação negativa. Vinha com blockbusters, séries de ficção cientifica com efeitos especiais ruins e filmes de terror independentes. Vinha com idas a bares e estádios de futebol. Vinha com tagarelice sobre tudo e todas as coisas, com verdades duras e sinceridade absurda de alguém que nunca vira Louis como uma coisa frágil e além do reparo. Vinha com encontrar meios termos e aprender a se abrir para o diferente, a tentar de novo, a superar primeiras impressões. Vinha com cantar músicas de rock dos anos 80 aos berros, com amassos em um carro rápido, todas as possibilidades que o mundo trouxa tinha a oferecer.  

Amar Alec tinha cheiro de loção de barbear, pipoca de cinema e carro novo. Tinha gosto de café amargo, cerveja barata e chiclete de hortelã. Era o som de uma guitarra barulhenta e desafinada, o som de palavras sendo abreviadas em todas as oportunidades, o som de palavrões gritados e de um rádio antigo e com estática. Era cacofonia caótica sem a qual Louis, um amante do silêncio, já não conseguiria viver.

Alec e Guinevere eram tão diferentes quanto duas pessoas podiam ser e amá-los sempre seria diferente. Os dois, no entanto, também tinham sua própria música. Uma dança que ninguém mais conseguiria acompanhar, porque era apenas deles. Cada um daqueles amores era único, completo e importante. Diferentes, era verdade, mas isso jamais tornaria um maior do que o outro. E quando os três estavam juntos, naquele emaranhado de amor, paixão e afeto, tudo parecia perfeito. Como se todas as estrelas tivessem se alinhado e brilhassem apenas para eles.

Guinevere costumava dizer que aquela tríade fora escrita pelos astros, que os fios invisíveis de suas vidas haviam sido costurados no nascimento e que eles estavam destinados a se encontrar e se apaixonar. Alec preferia acreditar que o que os unia era algo muito mais forte: a escolha. O Weasley não sabia qual dos dois estava certo – possivelmente ambos –, ainda assim, não achava que isso importava. O que importava era que os três se amavam e que aquele nó intricado que formavam era forte e funcional.  

Louis passara a vida inteira como uma criatura dividida. Um pé em cada mundo, sem nunca pertencer verdadeiramente a nenhum deles. Em algum momento chegara a aceitar que seu desajuste seria perpétuo, que estava simplesmente condenado a vagar pela Terra sem nunca encontrar um lugar para chamar de seu. Mas então esbarrara em um garoto que era trouxa de todas as formas possíveis e uma garota que amava o mundo bruxo, mesmo que ele não a amasse de volta. Uma garota doce que vinha de uma linhagem nobre e nascera com a elegância de uma rainha e um garoto com alma de cavaleiro que nunca desistira de uma batalha sem lutar. E os dois fizeram de um apartamento pequeno, com paredes coloridas, móveis de segunda mão e cortinas bonitas, seu lar. E de repente, o rapaz inadequado, que recebera o nome de dois reis, pertencia. Simples assim.

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“so you see what we can do is to try something new

if you're crazy too

i don't really see

why can't we go on as three?”


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Notas finais do capítulo

Talvez eu tenha resolvido transformar essa one-shot em uma long-fic e já tenha cinco capítulos escritos. Apenas talvez...
Louis aborto, bissexual e não-monogâmico se tornou o meu headcanon máximo para esse personagem há algum tempo, então eu precisava escrever algo assim.
Deixo registrado aqui que nunca estive em um relacionamento não-monogâmico, apesar de ler bastante sobre o assunto e sempre ouvir o que pessoas não-monogâmicas têm a dizer sobre suas experiências, sendo assim, peço desculpas por qualquer falha de representação e estou disposta a ouvi-las e consertar possíveis erros.
Enfim, espero realmente que tenham gostado! ♥
Beijinhos,
Thaís