Lily e Hugo escrita por Maga Clari


Capítulo 1
Laurie e Jo




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É fim de verão quando vou até o Sonhos Gelados, a nova sorveteria de Godric’s Hallow, cuja atendente me parece particularmente bonita e gentil. Passo pela lateral, à princípio, espiando pela janela enquanto decido se vale a pena o constrangimento ou não. Termino por seguir o caminho costumeiro até o Hallow Park, caminho este tão velho conhecido e metodicamente seguro, do jeitinho que estou acostumado. 

Sorrio quando encontro meu lugar favorito totalmente vazio. É a sombra debaixo de uma árvore cerejeira perto do lago. Já havia se passado alguns meses desde que aquele havia se tornado meu esconderijo secreto. Não me entenda mal, não é que eu seja antissocial, mas depois de tanto tempo começo a ter medo, a ficar apavorado, com a ideia de ter que lidar com alguém à essa altura do campeonato. Caminhar até o Hallow Park e sentar debaixo da cerejeira era o meu ofício de verão desde o comecinho. Quando, certa vez, me sentindo especialmente solitário, decido caminhar sem rumo específico.

O senhor e a senhora Weasley, como renomados membros do Ministério, possuem férias periódicas e desgarradas, totalmente desassociadas às minhas, nunca diferentes do já esperado verão entre Junho e Setembro. Nos primeiros anos, Rose e eu nem víamos o tempo passar em meio às brincadeiras de criança, as guerras de travesseiro e as travessuras secretas com os vizinhos e parentes distantes que vez ou outra apareciam para visitar.

Agora, no entanto, Rose e eu somos um pouco diferentes. Ela gosta de ir à festas e beijar garotos nos fins de tarde, e eu, como uma espécie de filósofo “incompreendível”, prefiro vir até aqui e ler por algumas horas, aproveitar a brisa gostosa com cheiro das flores e observar os patos nadando em sua jornada sem muito mistério, porque, afinal, são apenas patos e patos não precisam se preocupar com coisas que eu me preocupo. Como o fato de que no ano que vem é o último ano e eu ainda não sei o que vou fazer. 

No livro de hoje, a mocinha diz não possuir qualquer intenção de frequentar escola para boas maneiras e menos ainda se casar com seu melhor amigo pois é uma alma livre e almas livres voam como pássaros, não como patos de Hallow Park seguindo a vida programada e monótona e esperada por seus pais e amigos. O nome dela é Jo, e eu acho que ela tem razão.

No entanto, todo o meu discurso ensaiado e decorado por anos dentro de minha cabeça vai embora quando eu a vejo. Não Jo, porque ela é uma personagem fictícia, mas Lily, que sorri quando me vê também e eu aceno de volta. Ela está com uma camisa azul-piscina, totalmente diferente do uniforme da sorveteria de horas atrás. É a primeira vez que ela vem até aqui e eu não sei o que fazer.

Ela me diz oi e eu respondo como vai. Pronto, é todo o repertório que eu tenho. Depois daí, acontece o quê? Devo apertar a mão, beijar sua bochecha ou dar um abraço? Por meses me perguntei o que aconteceria se alguém aparecesse aqui. Por meses acreditei, inclusive, que encontraria alguém aqui. Mas de todas as pessoas que imaginei nenhuma delas era Lily. Pensei em príncipes e princesas, elfos e fadas, sereianos e veelas. 

Lily nem chegou perto das opções porque ela era do mundo real, alguém como Lily nunca estaria nos livros que trago aqui e recrio dentro da minha cabeça. Ela sorri e aponta para a capa que seguro nervosamente entre os dedos e se deita na grama com os braços atrás da cabeça, os cabelos ruivos ao redor, brilhantes e cintilantes ao sol que já se despedia. Alguns chamam de Golden Hour, eu chamo de Lilian Hour, que pra mim é a mesma coisa. Ela ri quando percebe que não estou prestando atenção no que ela diz e cutuca meu joelho finalmente me trazendo para o momento presente.

― Eu estou ouvindo ― digo numa tentativa descarada de mentir.

― Então responde.

― Responder o quê?

― Viu só? ― ela volta a rir e balançar a cabeça ― Você não muda mesmo, não é? Escute, Hugo ― agora, Lily se vira de lado. Os fios ondulados como cascatas até sua cintura, a mão apoiada no queixo ― Estou pensando em ir até L.A. O que  você acha?

― L.A?! ― digo, surpreso, por Merlim, é muito longe! ― Por que L.A? Fazer o quê em L.A? O que você vai fazer em L.A que não pode ser feito aqui, na Inglaterra?

― Ah, Hugo. É nossas últimas férias antes de sermos adultos. Sabe? Adultos de verdade. Bora? Eu, você, Alice, Lorcan. Vamos, por favor….

Então ela implorou com aqueles olhos enormes e castanhos, aninhando-se mais perto de mim. A alça de seu macacão de tecido cai por seus ombros e seus dedos correm pela minha franja que tenho inutilmente tentado fazer crescer. Um penteado de adulto.

― Não sei se é um boa ideia ― digo, fechando o livro e olhando-a de soslaio. ― É muito longe. E falta poucos dias para voltarmos à Hogwarts.

― E daí? 

― E daí que se acontecer alguma coisa vamos ficar encrencados!

― Relaxa! ― o sorriso dela me tranquilizou de uma forma esquisita e sem explicação ― Já está tudo resolvido. Pelo menos, aqui dentro da minha cabeça. Juntei dinheiro suficiente vendendo sorvetes.

― É, isso você tem razão.

― Sou uma ótima vendedora.

― Com um sorriso encantador.

― E muito persistente.

― Quase como uma sereiana de sangue veela.

Ela riu, ou melhor, gargalhou e por alguns minutos esqueci que era Lily e que era para eu estar acalmando as borboletas do meu estômago igual Jo fez com Laurie em Little Women. Éramos só nós dois de novo nos divertindo como crianças e eu nem me incomodei de compartilhar meu esconderijo secreto. A grama parecia especialmente mais verde depois que ela rolou pelo campado, de um lado para o outro e quando me arrastou para o lago, me fazendo pular mesmo de roupa e ficar encharcado, com o cabelo grudado na cara e com um resfriado que durou cerca de três dias em que tive que ler dentro de casa, na janela do ático, onde ficava o meu quarto em Godric’s Hallow.

Pensei, de repente, em todos os amores platônicos que pensei ter tido ao longo dos anos e descobri, sem nem perceber, que nenhum me fazia sentir o que sentia quando Lily estava por perto. Algo me prendia a ela sem esforço, sem raciocínio, como um fio magnético e cheio de todas as coisas bonitas, como a cor dourada de seu cabelo, seu cheiro de flores do campo e seu riso de criança que costuma contagiar qualquer um ao seu redor. É, não sei o que dizer. Lily é como um teaser do paraíso, do céu e do arco-íris e eu simplesmente não sei o que dizer. 

É fim de verão e eu me vejo preso à ela, não como prisioneiro de um feitiço qualquer, mas como a cerejeira precisa de sol e os patos precisam do lago. Havia algo, um fio invisível, e eu tinha medo de perguntar se era real, se era coisa da minha cabeça, se eu estava inventando coisas, se era apenas delírio meu. Se eu estava lendo romances demais e se agora eu me tornaria Laurie ao invés de Jo, e perderia todas as chances por não ver as pistas desde o início que diziam pare, Hugo, eu tenho medo e eu nunca me casarei com ninguém, eu não sou esse tipo de pessoa.

É, Lily. Eu também não.


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