Cecília escrita por Vanda da Cunha


Capítulo 8
A primeira alegria




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A mulher apontou uma porta entreaberta e depois falou.

 

— O quarto é aquele. Se precisar de ajuda, é só chamar.

 

Ainda meio perdida com as novidades, Cecília arrastou a mala pelo chão batido e foi para o quarto. Suspirou profundamente a entrar no aposento.

 

“Pelo menos a cama é decente.” Pensou melancólica.

 

Naquele momento, ela desejou ardentemente estar em um sonho, se pudesse voltar ao passado, jamais teria concordado com a proposta do pai. Arrependera-se muito em vir para Rondônia. Sabia, entretanto, que teria que ser forte, e suportar sem reclamações. Até fingir se preciso fosse, pois o pai não merecia desgostos.

 

Após alguns minutos de introspecção, ela abriu a mala, e pegou uma toalha, para tomar um banho. Imaginou que um banho quente a relaxaria e a deixaria menos cansada. Jogou a tolha sobre o ombro e retornou a sala.

 

— Rosália. — Ela chamou com voz baixa. A mulher mexia nas panelas, e com a colher na mão, virou-se para olhá-la. — Mostre-me o banheiro. Eu quero tomar um banho. A empregada franziu a testa, depois riu forçado.

 

— Não temos banheiro, Cecília! Nós tomamos banho na represa!

 

— Não tem banheiro? — Foi a vez da moça franzir a testa.

 

— Não. Mas a água da represa é fresquinha e muito limpa. Você vai gostar! Eu vou te mostrar nosso” banheiro.” — Disse Rosália arregalando um pouco os olhos.

 

— Está certo, leve-me até a represa!

 

Enquanto caminhavam por uma estreita trilha, a moça perguntou.

 

— Onde meu pai foi? Não o vi na sala.

 

— Ele foi com o Venâncio no bar do Senhor Antônio, não devem demorar a voltar.

 

Em poucos minutos, elas chegaram frente a uma grande represa. Cecília entreabriu os lábios, e chegou a simular um riso, desde que pisara em solo rondoniense, era a primeira vez que isso acontecia. Parada frente ao manancial, viu o sol se escondendo atrás da mata, os reflexos brilhavam na água. Em toda sua vida, nunca vira um lugar tão lindo. Encantada com o esplendor titubeou ao perguntar.

 

— A represa é funda, Rosália? A voz soou como um murmúrio.

 

— Só mais para o meio, aqui na beirada é raso! Pode entrar sem medo! Garantiu a cozinheira.

 

Sem pressa, Cecília tirou a roupa, ficando apenas com as peças sumárias, antes de mergulhar contemplou o horizonte, depois caiu na represa, agitando a água.

 

Demorou mais que o normal para lavar os cabelos e ensaboar o corpo. Demoradamente esfregou cada milímetro da pele, braços, pescoço e colo, ganharam uma atenção especial. Rosália mesmo impaciente, a esperou, não seria certo deixá-la sozinha. Afinal, era filha do patrão.

 

Ao terminar o banho, retornaram para casa, ambas seguiam em silêncio, a senhora de coque na cabeça torceu os lábios. A moça era difícil de ser conquistada.

 

Antes de entrar para casa, ela viu o pai e o senhor de cabelos grisalhos sentados embaixo de uma mangueira, conversando; o homem riu mostrando os dentes amarelados, ela acenou contra a vontade.

 

A noite chegou devagarinho e logo encobriu a claridade, Rosália servia o jantar, e os dois homens enquanto comiam, contavam fatos acontecidos nas redondezas. Vestida com um lindo tomara que caia, Cecília sentiu-se um pouco superior, sorriu ao ser servida, gostou de ter alguém para lhe fazer o prato, e perguntar se queria mais alguma coisa.

 

Após o jantar retornou para o quarto, tirou o vestido e se enfiou em uma camisola escura. O pai continuava conversando com o caseiro e ouvia-se o tilintar das panelas sendo esvaziadas. Como estivesse um pouco quente, ela deitou-se cobrindo apenas parte do corpo, já estava mais tranquila, até certo ponto menos triste. Poderia dormir como uma pedra, se não fossem os zumbidos dos pernilongos em seu ouvido. Enfurecida com a sinfonia desagradável, ela levantou e foi até a sala. Venâncio e Alfredo a olharam intrigados, Rosália foi a primeira a perguntar.

 

— O que foi? Está sem sono?

 

— Não consigo dormir. — Respondeu com voz alterada.

 

— Não gostou da cama? — Perguntou o pai.

 

— Os pernilongos não me deixam dormir, pai!

 

— Ah! Os pernilongos! — Rosália levantou as sobrancelhas. — Mas tem um mosquiteiro dependurado. É só armá-lo.

 

— Mosquiteiro? — Cecília franziu a testa. Venâncio logo percebeu que a moça não conhecia mosquiteiro, riu da situação.

 

— Ela não conhece mosquiteiro, Rosália. Vai ajudá-la, por favor! — Pediu o pai.

 

Não demorou muito e Cecília dormia profundamente, tanto que nem viu, quando o pai deitou na cama ao lado. Acordou com o barulho das galinhas e o cântico dos pássaros. O pai já tinha levantado, ela sentou-se na cama, e preguiçosamente esticou os braços para o alto, estava com fome, um café com leite e pão fresquinho, seria uma boa pedida. Levantou-se e foi até o guarda-roupas de duas portas, e procurou por seus produtos de higiene pessoal. A cozinheira já desfizera as malas e organizara as roupa.

 

Em seu vestido florido, ela passou por Rosália e foi até a represa, ao ver as água límpidas, os olhos brilharam. Desceu até a beira da represa, agachou-se, e, com as mãos em concha, lavou o rosto, depois escovou os dentes. Queria passar mais tempo admirando as águas que tanto a encantaram. Sorriu olhando para a mata esplendorosa que rodeava o manancial, tomaria café, depois passaria um tempo apreciando o novo mundo.

 

Voltou para casa, e sentou-se junto a mesa. Enquanto Rosália preparava o café, informou-a de que o pai saíra cedo, e só retornaria a noite, tinha ido a Rolim de Moura com Venâncio, Cecília observava a cozinheira, a mulher de roupas simples e fala cantada, parecia feliz.

 

“Será que não tem filhos?” Perguntou-se. Um pouco mais e uma bandeja com pedaços de pão e uma xícara de café repousava em sua frente.

 

— Eu espero que você goste do meu café. O pão, eu fiz ontem à noite, está bem fresquinho.

 

— Cadê o leite, Rosália?

 

A cozinheira riu forçado, e com voz contida, falou.

 

— Não temos leite, só café.

 

— Não tem leite? Eu vou beber café puro? Eu não bebo café puro. — Ela reclamou.

 

— Ishii!! — Fez a cozinheira arregalando um pouco os olhos. — Você devia ter comprado leite em pó em Rolim! Aqui é difícil, a não ser que você vá até a fazenda dos Barbosa. Eles criam gado, tem muito leite pra venderem! Cecília revirou os olhos e deixou os braços caírem pesadamente para o lado.

 

— Vou pedir ao meu pai para comprar, ele sabe que não gosto de café puro!

 

A reclamação não incomodou a cozinheira, que agilmente cortou uma fatia do pão, untou-a com manteiga entregou para jovem.

 

— Obrigada Rosália. — Ela agradeceu antes de morder o alimento.

 

— Depois do café, se você quiser dar um passeio, pode ir sossegada, aqui não tem perigo. — Garantiu a cozinheira.

 

— Não, Rosália. Eu não quero sair, vou dar uma volta no quintal, e depois vou a represa. — Disse após engolir mais um pouco do café.

 

— Eu notei que você gostou da represa.

 

— Aquelas águas são poderosas, Rosália, tiraram todo meu cansaço.

 

A mulher olhou-a por um curto espaço de tempo, embora sempre fosse capaz de compreender as expressões, particularmente aquele olhar era incompreensível, e incômodo também. Por fim, a mulher expressou na fala o que os olhos escondiam.

 

 

 

 

 


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