Cecília escrita por Vanda da Cunha
Logo que chegou em casa, Cecília foi a cozinha beber um copo de água, antes de acender a luz, lembrou-se de Miguel, em meio a um riso, tateou a mão pela parede procurando a tomada. Arregalou os olhos ao ver o irmão parado em meio a cozinha. O rapaz alto, magro e de cabelos lisos, riu e fez um som esquisito com os lábios.
— Jorge? O que estava fazendo no escuro? Por que não acendeu a luz? Você quase me matou de susto! ― Ela reclamou com a mão sobre o peito. De fato o irmão a assustara. Jorge pigarreou e cruzou os braços sobre o peito.
— Chegou a estudante! — Ele falou com certo desdém. Não com menos ironia, ela reagiu.
— Eu pensei que você fosse passar a noite fora, meu querido.
— Eu vim para ver como a mamãe está... E saber se você pode me emprestar algum dinheiro. Tem umas pessoas me cobrando. Você sabe com é!
Cecília riu, foi até a geladeira e encheu um copo de água, olhou com desprezo para o irmão; após beber o líquido, falou com voz firme.
— Eu não tenho dinheiro, Jorge. E mesmo que tivesse, não emprestaria a você.
— Eu sei que você tem, Cecília; o pai sempre lhe dá! O que custa me ajudar? ― Inquiriu ele.
— Você fez suas dívidas, Jorge. Dê um jeito de pagá-las! Eu não vou lhe emprestar um centavo!
A fisionomia de Jorge mudou. Na testa surgiram rusgas de ira e inconformidade. A fala da irmã soara como a de um agiota inescrupuloso.
— Você é má Cecília, bajula o pai por interesse! Pensa que eu não sei! Está só esperando o velho bater as botas, para vender as terras! — Ele acusou com voz dura.
Ela colocou o copo sobre a pia, e riu. Não um riso de felicidade ou de nervosismo. Expressava ironia e desdém. Demonstrando controle sobre a situação, ela maneou a cabeça, e em tom sarcástico falou.
— E você está morrendo de inveja, não é? Pobre irmão, não vai herdar um centavo.
— O mundo dá voltas, Cecília. Um dia você vai engolir suas palavras! ― Decretou Jorge a encarando.
— Eu não tenho medo das suas ameaças, Jorge. Você é um coitado, que perdeu o que tinha na jogatina! Não me culpe por seus fracassos! E saiba, que eu não bajulo meu pai por interesse, eu o amo. Acredito, no entanto, que você desconhece esse sentimento.
— Interesseira! Você não ama ninguém. Faz tudo por interesse! — Ele acusou com veemência.
— Nem tudo na vida é interesse Jorge; nem tudo é um jogo. Os sentimentos que tenho por meus pais são verdadeiros, e você sabe disso. — Ela fez uma pausa, e semicerrou os olhos, para então concluir. — Sabe qual é o seu problema? Você tem inveja de mim.
Jorge a fulminou com o olhar, ela não se intimidou, manteve-se firme, sustentando o olhar. Só quando ele baixou a cabeça, ela se retirou da cozinha, deixando-o cheio de raiva e ódio. Assim que a viu sumir no corredor, Jorge deu um soco na sobre a mesa e xingou alguns palavrões.
― Maldita víbora! Se você não fosse minha irmã! ― Resmungou por entre os dentes.
Após a discussão fervorosa com a irmã, a fome dele aumentou, bufando e resmungando, ele foi até a geladeira, abri-a e pegou um pedaço de bolo na bandeja, sentou-se numa cadeira e devorou-o em segundos, voltou a geladeira e pegou mais um pedaço da guloseima, antes de dar a primeira mordida falou com voz raivosa.
— Maldita! O que custava me dar o dinheiro! Se ao menos a cobra, deixasse a porta do quarto destrancada, eu entraria e pegaria a grana!
O sentimento de ódio tirava-lhe a pouca racionalidade que ainda tinha. Por dois segundos olhou para a faca enfiada no faqueiro, os olhos faiscavam.
“ Ah, se ela não fosse minha irmã.”
Quando foi engolir o pedaço de bolo que estava na boca, engasgou-se. Depois de um ataque de tosse, ele jogou o resto do alimento na parede e saiu em direção ao corredor. Ao passar pela sala, viu o rádio da mãe sobre o balcão. Maneou a cabeça e riu sarcasticamente, então, pegou o objeto e saiu.
No outro dia, Dona Elvira deu por falta do rádio, mas preferiu não comentar, ela sabia quem o pegara o objeto, para evitar discussões insolúveis ficou em silêncio. As vezes, ela se sentia como cúmplice dos erros do filho, todavia se perdoava, por saber que o protegia de males piores. Parada em meio a sala, ela suspirou profundamente. Mais uma vez se perguntou o que fizera de errado. Sem respostas, saiu porta à fora e foi para o trabalho.
Nas tardes de quarta-feira, Dona Elvira não trabalhava, ela aproveitava para limpar a casa e planejar as aulas da semana. Enquanto separava textos e livros, a filha entrou na biblioteca veio para ajudá-la.
― Acho que eles vão gostar desse texto, mãe. ― Disse folheando um livro. A mãe foi até ela e deu uma olhada.
― Nossa! Há dias que eu procurava esse livro! ― Ela pegou o livro das mãos da filha e prosseguiu. ― Esse lugar está meio bagunçado, no fim da semana vamos arrumar tudo! Cada livro em sua prateleira! ― Sentenciou para a filha.
― Mãe… Sobre esse fim de semana… Eu preciso falar sobre um assunto. ― A voz da filha saiu meio insegura.
― Nossa. Pela sua fisionomia deve ser um assunto sério. Eu só espero que não seja aquela história de viajar para Rondôn...
― Mãe! ― Cecília a interrompeu. ― Não é sobre a viagem... Um rapaz vem me visitar, e... Obviamente conhecer vocês.
― Um rapaz? Você quer dizer um rapaz de verdade? ― Exclamou a mãe com voz duvidosa.
― É mãe. É um rapaz… Ou melhor, um homem que eu estou conhecendo.
― É um namorado, ou só amigo? ― Indagou a mãe.
― Namorado.
— E você ama esse rapaz? ― Quis saber a mãe.
— Ai mãe! Para com perguntas restritas. — A filha maneou a cabeça e revirou os olhos. — Eu gosto dele, e nos damos bem! Acho que é o suficiente. — Ela emendou meio impaciente.
— Melhor assim, filha. Sem muita euforia. O amor cega e nos leva a ruína. Quando me casei com seu pai, eu estava muito apaixonada, fiz a maior besteira da minha vida.
— Mãe! O papai não é ruim, ele só não teve muita sorte.
— Seu pai é um fracassado! ― Resmungou Elvira colocando o livro junto aos cadernos. ― Ele pegou o dinheiro que recebeu da herança, e comprou aquela maldita fazenda! É um estúpido egoísta que nunca pensou na família!
— Por que não se separam, mãe? Seria o melhor a fazer, já que não se amam mais!
— Por quatro vezes, eu tentei me separar, cheguei a colocar roupas na mala para ir embora. Mas sempre encontrava um motivo para ficar. ― Ela fez uma pausa e olhou para a filha. ― Na verdade, eu nunca tive coragem de fechar a mala, é um ato muito complexo. Nem toda mulher consegue fazê-lo. E sabe o que é mais frustrante? É ter certeza que estou presa em um labirinto, e mesmo que eu encontre a saída, não sairei dele. Mas deixemos meu casamento insólito de lado e falemos do seu namorado. ― Disse num riso forçado.
— Bom, o nome dele é Miguel, ele é professor na faculdade, é muito educado e já tem um apartamento.
― Que ótimo! Ele é professor na faculdade! Ele dá aula pra você, filha? ― Perguntou com olhar curioso.
― Não, mãe. Eu o conheci por um acaso, nos esbarramos sem querer.
― Parece história de filme. Meu Deus! Minha filha namorando um professor da faculdade! Isso é maravilhoso!
― Mãe! É só um rapaz! Não um Deus!
— Desculpa, filha. Eu fiquei empolgada! Essa foi a melhor notícia dos últimos tempos! ― A mãe colocou as duas mãos sobre o peito, fechou os olhos momentaneamente e suspirou, depois, já menos eufórica abraçou a filha. ― Que tal tomarmos um chá? Assim eu relaxo e você me fala mais sobre o Miguel. ― Convidou a mãe.
— Eu aceito o chá, mas não vou falar mais nada sobre o Miguel, no sábado a senhora tira suas conclusões.
― Tudo bem, eu prometo conter minha curiosidade. Agora me ajude a levar os livros para o meu quarto.
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