Cecília escrita por Vanda da Cunha


Capítulo 24
Dois homens uma mulher




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/793838/chapter/24

 

Numa tarde em que Cecília tomava banho na represa, sentado na grama, Leandro a observa, um riso alegre brotou em seus lábios, vê-la tão plena o deixava feliz, amava-a verdadeiramente e seu maior desejo era casar e formar uma família, maneou a cabeça levemente. Sim, falaria com ela sobre o assunto, talvez à noite quando a tivesse em seus braços.

 

De repente, um barulho entre as touceiras o tirou dos pensamentos, num gesto brusco ele se levantou. Aguçou o ouvido para identificar de onde vinha o barulho, imaginou que pudesse ser algum animal selvagem.

 

Cecília também ficou alerta, saiu rapidamente da água e juntou-se a Leandro.

 

— Fique aqui. Eu vou ver o que é. — Disse ele em voz baixa.

 

— Cuidado, Leandro. Pode ser um porco do mato.

 

— Não creio que seja um porco do mato, geralmente andam em manada, a não ser que se perdeu do grupo, eu vou ficar bem, não se preocupe. — Ele sussurrou.

 

Leandro entrou por entre as galhadas, com as mãos agilmente afastou os cipós, para encontrar o autor dos estalidos de mato quebrando, adentrou um pouco mais e viu um homem fugindo por entre as moitas. De imediato não deu para saber quem era a pessoa que fugia, mas via-se claramente que era homem. Um raiva indominável apossou-se de Leandro, ELE tinha certeza que o maldito estava escondido observando Cecília.

 

Em meio a juquira, Iniciou-se uma corrida frenética quase desesperada. Houve um momento em que Robério escorregou e caiu, foi o suficiente para Leandro se aproximar e reconhecer o cunhado. Pasmo pela descoberta, ele recuou dois passos e franziu a testa, antes porém, que Leandro falasse alguma coisa, Robério se levantou e fugiu em direção ao sítio.

 

— Maldito desgraçado! Você me paga! — Leandro rosnou por entre os dentes, e apressado retornou para a encontrar Cecília, que ao vê-lo atordoado, perguntou.

 

— O que foi? Era algum bicho perigoso?

 

— Não era um bicho! Era meu cunhado.

 

— O Robério? Oh, meu Deus! — Ela disse colocando a mão sobre o peito e franzindo a testa. A expressão preocupada no semblante da moça, intrigou Leandro, que não entendeu a reação inesperada dela.

 

— Tem algo estranho nessa situação. Sua reação não condiz com o que está acontecendo. Por que não ficou chocada, nem com raiva? — Ela permaneceu calada, ele prosseguiu inquerindo. — Diga-me, Cecília. Meu cunhado tem direito de agir tão desavergonhadamente? — Ela baixou a cabeça e permaneceu em silêncio, irritado, ele questionou. — Por que não responde? Por um acaso, é ele o homem por quem você se apaixonou?

 

— Sim, é ele. — Ela respondeu num sussurro.

 

Visivelmente perturbado, ele maneou a cabeça e passou a mão pelo cabelo, e disse com voz impaciente.

 

— Meu Deus! Por que você não me contou? Por que escondeu isso de mim? O que é? Tinha medo do quê? Que eu te julgasse? Que não a respeitasse? Vejo que você não me conhece.

 

— Eu não tive medo de julgamentos. Mas ele é marido da sua irmã... Eu sinto muito não ter lhe contado.

 

— Você teve um caso com um homem comprometido? Como pôde?

 

— Você está sendo incoerente, ainda há pouco perguntou se eu tinha medo que me julgasse, e acabou de me julgar. Entende agora porque não lhe contei? Mas quero deixar bem claro, Leandro, quando namorei o Robério, ele não era casado, e não sabia que sua irmã estava grávida, Eu também não sabia qual era a relação dos dois, a mim, ele dizia que não a amava, que ia terminar o namoro para ficar comigo. Eu acreditei.

 

Leandro fechou os punhos e comprimiu o maxilar.

 

— Canalha filho de uma puta! Eu vou acabar com aquele desgraçado! — Rosnou por entre os dentes.

 

— O que você pretende fazer, Leandro?

 

— O que eu pretendo fazer? Eu vou ao sítio e vou dizer umas verdades para aquele safado! — Disse saindo em direção ao barraco, rapidamente Cecília enrolou-se na toalha e o seguiu.

 

— Não faça isso, Leandro, sua irmã está grávida e...

 

Ele parou e a interrompeu. Parecia ainda mais perturbado.

 

— Joana... Será que ela... Não, não, ela não seria capaz.

 

— Do que você está falando, Leandro? — Perguntou ao vê-lo de cenho franzido.

 

— A minha irmã sabe que você e o Robério tiveram um caso?

 

— Claro que não! Por quê?

 

— Nada, foi só uma ideia que veio a minha cabeça. Mas se ela não sabe o marido que tem, hoje ela vai saber! E não tente me impedir, Cecília. Não quero pensar que você o está protegendo.

 

Não foi possível conter o instinto feroz que o dominava, por mais que ela e os caseiros tentassem, as palavras e conselhos foram vãs. Enfurecido, ele saiu em direção ao sítio dos Ferrazo.

 

— E agora Rosália. O que eu faço? — Perguntou Cecília angustiada.

 

— Ai meu Deus? Vai acontecer uma tragédia!

 

— Cecília, você quer que eu vá atrás dele? Eu sei que ele não vai me ouvir, mas posso evitar um mal maior. — Disse Venâncio se oferendo.

 

Cecília suspirou profundamente, balançou a cabeça e falou com voz firme.

 

— Não Venâncio. Eu sou a culpada, eu devo ir.

 

Nesse momento, Rosália interveio.

 

— Não! Você não vai! A Joana lhe mataria! Aliás, ninguém vai! Deixe que os dois resolvam o problema. Eles são homens e sabem se defender. Vamos ficar aqui esperando, enquanto esperamos, rezemos para que o pior não aconteça. Ao pedido da cozinheira, todos sentaram, o momento era de apreensão, angustia e completa impotência.

 

Ao chegar no sítio, Leandro aproximou da parta da casa e bateu palmas, quem veio atender foi sua irmã, que sorriu ao vê-lo.

 

— Leandro? Que surpresa agradável!

 

— Cadê seu marido, Joana! — Ele perguntou com voz áspera.

 

— Meu Deus! Por que esse tom de voz? Aconteceu alguma coisa?

 

— Eu quero falar com o seu marido, Joana! Pode chamá-lo?

 

Não foi preciso que Joana chamasse Robério, pois este ao ouvir a voz do cunhado, fez-se presente. Leandro ao vê-lo comprimiu fortemente o maxilar.

 

— Essa conversa é entre mim e o Leandro, Joana. Vá para a cozinha. — Pediu Robério.

 

Joana percebeu o clima tenso entre os dois homens, ela remexeu os lábios e retrucou com voz firme.

 

— Eu não vou para cozinha, eu quero saber o que está acontecendo!

 

— É, talvez seja bom que ela fique, assim, fica sabendo que tipo de canalha com quem ela casou! — Gritou Leandro com voz alterada.

 

Iniciou-se uma ferrenha discussão entre os dois homens, aos gritos se ofendiam mutuamente. Ao pé da porta, Joana logo entendeu porque brigavam. Mesmo assustada, ela permaneceu observando a cena. Assustados com os gritos que vinha de fora, Genaro e Eulália saíram da cozinha e correram para ver o que acontecia. Ao ver os dois homens digladiando, inutilmente tentaram acalmar os ânimos dos dois brigões. Que não se contentaram em somente discutir verbalmente. Dos xingamentos, partiram para a violência física, trocando socos e chutes. Como dois animais irracionais rolavam pelo chão, sem se importarem com os gritos dos espectadores. Deu muito trabalho separá-los, e quando conseguiram, eles ainda continuaram com os xingamentos e ameaças de morte. No auge do desespero, Eulália encarou Joana e falou.

 

— Você viu o que você fez? Eu sabia que isso não ia dar certo!

 

Joana fingiu-se de desentendida e redarguiu.

 

— Do que a senhora está falando? Eu não fiz nada!

 

— Não fez nada? — Eulália gritou furiosa. — Você trouxe o Leandro para cá! Você planejou levá-lo para conhecer a Cecília! Tem coragem de dizer que eu estou mentindo.

 

Boquiaberto com a revelação, Leandro foi até a irmã. A confirmação de uma ideia que lhe passara pela cabeça, deixou-o muito abalado. Antes de falar, ele engoliu em seco desfazendo o nó que havia na garganta.

 

— O que você fez, Joana? Não acredito que você foi capaz! Meu Deus! Você me usou?

 

Ela o olhou seriamente, não demonstrava medo nem arrependimento. Antes de falar umedeceu os lábios com a língua.

 

— Eu fiz o que devia fazer! E não me arrependo!

 

— Eu não a reconheço, Joana. No que você se tornou?

 

— O verdadeiro amor nos transforma, meu irmão; e o amor que sinto pelo meu marido me transformou. Eu só não em quê. — Ela disse com voz sussurrante.

 

— Você é louca, Joana!

 

— Se amar é loucura, então sou louca. — Disse num riso irônico.

 

Encostado junto a parede da casa, Robério não ouviu a conversa entre Joana e Leandro, e nem fazia questão de ouvir, pois a revelação feita pela mãe, o deixara arrasado. Saber que ela escondera o plano de Joana foi muito pior do os socos que levara de Leandro.

 

Depois de dizer a irmã o quanto estava enojado pelo que ela fizera, Leandro a deixou, e retornou para Estrela Dalva. Estava tão triste com as atitudes de Joana que a dor no supercílio não significava tanto. No entanto, o ódio por Robério era muito maior.

 

— Filho de um puta desgraçado, eu devia tê-lo matado! — Reclamou passando a mão sobre o corte no supercílio.

 

Ao chegar a fazenda, Leandro entrou casa a dentro e desabou no chão, Rosália e Cecília correram para socorrê-lo, Venâncio se aproximou e o ajudou a levantar e a sentar em uma cadeira.

 

— Nosso Senhora do Perpétuo Socorro! — Exclamou Rosália ao ver o rosto dele cheio de hematomas.

 

— Vá buscar água limpa, Rosália! E Traga panos também. Eu vou limpar os machucados. — Pediu Cecília.

 

— Meu Deus do céu, o que o homem não faz por amor de uma mulher! — Exclamou Venâncio.

 

— Venâncio, por favor! — Cecília o reprendeu.

 

Depois que medicou Leandro e o colocou na cama, Cecília acompanhou Rosália até a represa, pois os baldes precisavam ser enchidos novamente. Enquanto caminhavam pela estreita trilha, a fazendeira perguntou.

 

— Será que o Robério está bem?

 

Rosália parou em meio ao caminho e voltou-se para ela e indignada, respondeu.

 

— Eu não acredito que você está preocupada com aquele baldoso. Esqueceu o ele lhe fez? Ou melhor, esqueceu que ele é casado?

 

— Não, eu não esqueci, Rosália. É só curiosidade.

 

A cozinheira forçou um riso e retrucou.

 

— Muito engraçado! Mas é muito engraçado mesmo. O Leandro quase morre por sua causa e você vem perguntar sobre o Robério. Eu nem sei o que lhe responder.

 

— Você tem razão, Rosália, foi uma pergunta infeliz. Esquece.

 

 

 

Juquira: Vegetação baixa que geralmente cresce em áreas abandonadas.

 

 

 

 

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cecília" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.