Já fazia cinco dias desde a última vez que que Enji havia posto os pés em casa, sua ausência deixando todos na casa mais animados e tranquilos. Fuyumi estava falando pelos cotovelos, insistindo em tentar puxar papo com Shouto, que se sentia mal em ignorar a irmã, dando um pouco de atenção para o seu bom humor repentino. Natsuo participara praticamente de todas as três refeições que tinham, conversando abertamente sobre suas aulas na faculdade e aconselhando seu irmão mais novo, dando dicas de como se enturmar com os colegas novos. Shouto se sentiu tentado a falar que tinha feito um amigo, mas preferiu se manter calado. Não queria que tal informação chegasse nos ouvidos de Enji.

Levou os hashis a boca, deixando o sabor do tamagoyaki se espalhar por sua boca. Abriu os olhos, deparando-se com o olhar de Fuyumi sobre si, encarando-o com expectativa.

— Está bom? -Ela perguntou, estalando os dedos nervosamente. Shouto assentiu, observando a face da mulher se iluminar- Que bom! Eu tentei fazer de outro jeito, mas não tinha certeza se iria ficar bom.

— Está bom, Fuyumi.

— Sim, eu também gostei- Natsuo disse, a face grudada em um livro de faculdade. Shouto encarou-o com desgosto, a visão dos grãos de arroz grudados em seus lábios e bochechas lhe causando repulsa.

— Não estude enquanto está comendo! -Fuyumi esbravejou, limpando a face do irmão mais novo com um lenço- Credo, onde estão seus modos? Você tem que dar o exemplo para o Shouto, ora bolas.

— Ai, qual é- Natsuo esfregou a mão no rosto, suas sobrancelhas franzidas- Shouto, quando você entrar na faculdade, vai entender por que eu sou obrigado a fazer isso.

— Não escute ele, Shouto- Fuyumi disse, comendo sua própria comida.

Moveu seu olhar de Fuyumi para Natsuo, uma sensação engraçada em seu estômago. Esse tipo de situação não era comum na residência dos Todoroki. Normalmente, comeria de cabeça baixa, quieto, fazendo o seu melhor para não despertar a ira de Enji, que estaria no ponta da mesa com um jornal em mãos. Fuyumi estaria servindo e repondo comida nos pratos do pai, como se fosse sua empregada, uma expressão amedrontada sempre presente em seu rosto, e Natsuo nem estaria presente, já que sempre acordava mais cedo e fugia para a faculdade, evitando um possível encontro com o pai.

Era quase como se fossem uma família. Suas mãos tremeram levemente, e optou por pôr os hashis sobre a tigela de arroz antes que os derrubasse. Sentiu o olhar de Natsuo sobre si, mas não quis olhar nos olhos do irmão. Não queria que ele visse o quão confuso Shouto estava. Não queria ter que explicar algo que nem mesmo ele entendia.

— Obrigada pela comida- Shouto disse, erguendo-se lentamente.

— M-mas você nem terminou- Fuyumi gaguejou, uma expressão nervosa em seu rosto. Natsuo olhou-o seriamente, como se estivesse o reprendendo apenas com o olhar. Shouto suspirou, abaixando a cabeça.

— Eu tenho que ir agora, se não vou me atrasar.

— Mas não são nem oito horas ainda- Fuyumi retrucou, erguendo-se também. Shouto mordeu a bochecha, tentando controlar seu nervosismo- Ah, eu sabia, a comida não ficou boa, né?

— Ficou sim- Shouto disse, controlando a vontade de revirar os olhos- É que eu tenho algumas coisas para fazer antes da aula começar.

— Coisas? -Natsuo repetiu, suas sobrancelhas franzidas. Encarou Shouto, seus olhos cinza grudados na silhueta nervosa do irmão mais novo. Shouto sabia de quem ele havia herdado aqueles olhos, aqueles olhos tão amedrontadores. Desviou o olhar rapidamente, ouvindo o irmão se levantar o tatame, aproximando-se dos dois- Que coisas?

Voltou a encarar o irmão, fazendo o seu melhor para mostrar que não queria falar sobre- se Natsuo percebeu, decidiu ignorar. Observou-o cruzar os braços, uma expressão severa em seu rosto- não era intimidante como Enji, mas era um pouco perturbador ser enquadrado assim pelo mais velho. Fuyumi olhou nervosamente entre os irmãos, como se esperasse o pior cenário possível.

Perguntou-se se ficar quieto seria o suficiente para fazer Natsuo desistir do assunto. Desviou o olhar, perdendo sua pequena batalha com o irmão, e sentiu suor frio descer suas costas. Deveria contar? Não queria contar. Ou queria? Em cinco dias, sentira-se mais próximo dos irmãos do que nos últimos nove anos. Em cinco dias, sentira como se os três fossem uma família. Fora recebido pela irmã com entusiasmo, e ouvira Natsuo conversar com ele como se fossem realmente próximos. Irmãos compartilham esse tipo de coisa, não? Irmãos de verdade, certo? Não os irmãos que contam para o seu pai sobre seu comportamento na escola, ou se ele não comeu algo no almoço, ou se ele não fez os exercícios que lhe foram ordenados, ou se-

— Shouto.

A voz de Natsuo lhe trouxe de volta, e ergueu o olhar de seus pés, sentindo uma pontada de culpa ao se deparar com os olhares preocupados de seus irmãos. Respirou fundo, tentando afastar aquele sentimento ruim. Estava tão ansioso para o dia de hoje, então não queria estragar o seu humor mais do que ele já fora. Pigarreou, tentando fazer com que sua voz não soasse nervosa.

— Eu combinei de me encontrar com um amigo antes de irmos para a aula.

Observou as expressões de Natsuo e Fuyumi mudarem de preocupadas para confusas. E depois para surpresas. E depois para o tipo de expressão que uma pessoa faz quando está surtando. Ambos tinham os olhos arregalados e as sobrancelhas erguidas, a boca de Fuyumi aberta em um perfeito “o”.

— A-amigo?!- Fuyumi exclamou, seu tom de voz se erguendo. Colocou as mãos sobre os ombros de Shouto, balançando-o para a frente e para trás- Você fez um a-a-amigo, Shouto?! A-ah- Ela afastou-se rapidamente, e Shouto se questionou se o rubor na face dela era por ter se aproximado tão do nada ou se fora porque gaguejara a palavra “amigo” tantas vezes.

Assentiu, sentindo suas próprias bochechas ficarem coradas. Voltou a desviar o olhar, tentando mutar as exclamações de surpresas dos irmãos.

— Que, então era só isso? -Natsuo disse, colocando sua mão sobre a cabeça de Shouto e bagunçando seus cabelos. Afastou-se rapidamente, seu coração acelerando. Achara que ia levar um tapa.

Natsuo pareceu perceber o que Shouto pensara, e retraiu sua mão com uma expressão nervosa. Fuyumi também parecia perceber o que havia acabado de acontecer, mas preferiu não comentar a reação do mais novo, não querendo assustá-lo ainda mais.

— Está tudo bem, Shouto, não estamos brabos- Ela disse, tocando o braço do irmão gentilmente. Ao ver que ele não se encolhera com seu toque, moveu-se e o abraçou de lado, sorrindo gentilmente- Na verdade, estamos muito felizes, né, Natsuo?

— Óbvio- Natsuo disse, um sorriso torto em sua face. Ainda parecia perturbado pela reação de Shouto- Eu acho que é a primeira vez em anos que eu te vejo falar sobre um amigo seu, isso me deixa aliviado.

— Entendi- Shouto murmurou, as sobrancelhas franzidas. Sentiu a irmã acariciar seu braço, tentando lhe assegurar que de falavam a verdade, mas, naquele momento, só conseguia pensar que havia pensado que ia levar um tapa. De Natsuo. Seu irmão.

— Oh, bem- Natsuo pigarreou, puxando Fuyumi para seu lado- Acho melhor você ir indo então, né? Precisa de algo? Comida, dinheiro?

— Oh- Fuyumi exclamou, como se lembrasse de algo- Eu fiz um bento para você, não quer levar?

— Não...- Lembrou-se que Midoriya sempre levava um bento de casa, e se lembrou também que a comida de Fuyumi era deliciosa- Na verdade, quero.

— Eba! – A garota disse, correndo em direção a cozinha- É a primeira vez que você vai levar um bento meu para a escola, ai, tô tão feliz.

— Credo, parece uma criança.

— Calado!

Fuyumi voltou, entregando o pote para Shouto com um sorrisinho rosto. Despediu-se do irmão com um aceno de cabeça, e foi seguido pela irmã até o portão da casa, despedindo-se dela com um abraço. Nunca era abraçado por ela quando Enji estava na casa. Isso era um pouco estranho. Perguntou-se se ela estava animada desse jeito só porque ele tinha feito um amigo. Sua irmã realmente era uma pessoa muito emocionada.

.

Parou em frente ao café, encarando o trio com surpresa. Observou-os através do vidro, considerando dar meia volta e sumir de vista. Ainda não haviam notado a sua presença, então podia muito bem ir embora e fingir que nunca esteve ali- podia mentir para Izuku que seu trem havia atrasado. Ele provavelmente não iria perceber.

Porra.

Demorara demais, hesitara demais. Iida havia notado sua presença, erguendo um dos braços para lhe chamar a atenção. Midoriya e Uraraka olharam para trás, encontrando Shouto plantado no meio da rua inexpressivo- Izuku lhe lançou um sorriso, acenando, e Uraraka apenas lhe lançou um olhar curioso. Fuzilou Izuku com o olhar, que começou a mexer nervosamente nos cabelos, um olhar de desculpas em seu rosto. Por que caralhos aqueles dois estavam ali?

Recebera uma mensagem de Midoriya na noite passada, perguntando se Shouto gostaria de tomar algo antes da aula. Lembrou-se do embrulho que sentira no estômago ao ler a mensagem e da ansiedade que sentira desde o momento que recebera a mensagem até chegar ao local marcado, tendo um sono incrivelmente agitado. Sentiu-se traído. Tinha certeza de que Midoriya havia dito que apenas os dois estariam ali, afinal, não fazia o menor sentido Iida e Uraraka estarem ali. Os dois lhe odiavam. Desprezavam-lhe.

Sentiu uma sensação amarga em sua garganta, um sentimento horrendo percorrendo seu corpo. Sim, era isso. Midoriya finalmente iria se vingar. Finalmente iria lhe retribuir aquele soco, aquela humilhação. Finalmente iria mostrar suas verdadeiras cores. Óbvio. Sentiu-se quase aliviado por aquela farsa finalmente terminar. Imaginou Uraraka lhe segurando, um olhar cruel em sua face, enquanto Iida lhe socava impiedosamente, Izuku assistindo tudo ao fundo com um olhar insatisfeito, como se o que estava acontecendo não fosse o suficiente pelo que havia sofrido.

Izuku se levantou, provavelmente estranhando a sua demora para a entrar no estabelecimento, e caminhou até onde Shouto estavam rapidamente, um sorriso torto em sua face. Shouto levou uma mão ao pescoço, arranhando-o com força.

— Bom dia, Todoroki-kun! -Izuku disse, sua voz soando animada, porém nervosa- Você dormiu bem? Já tomou café da manhã? Se não, eu recomendo as panquecas daqui, são deliciosas! Hoje o dia está bem ensolarado, então poderemos aproveitar a aula de educação física sem quaisquer interrupções climáticas- Midoriya tagarelou rapidamente, sequer lhe dando chance para responder, uma risadinha nervosa deixando seus lábios. Ao notar que Shouto continuava lhe fuzilando silenciosamente, levou os olhos ao chão, equilibrando-se de um pé para o outro. Após um momento de silêncio, ergueu a cabeça, encarando Shouto com um olhar nervoso- Ei, Todoroki-kun, me desculpa por não ter dito que o Iida-kun e a Uraraka-san iam vir também...É que eu fiquei preocupado que você não fosse vir se eu dissesse...E eles realmente querem conhecer você melhor, Todoroki-kun. Então, por favor, por favor, converse com eles. Eu prometo que eles são pessoas legais- Izuku juntou as mãos e se curvou, implorando-lhe.

Sentiu aquele sentimento nojento diminuir, sendo substituído por alívio. Não percebera quando começara a chamar Midoriya de amigo, a ação soando tão simples e natural para ele que o fizera assim que pegaram aquele trem juntos. Se fosse parar para pensar, Midoriya Izuku era o primeiro amigo que fazia desde o incidente com sua mãe. Era a primeira vez em muito tempo que conversava com alguém e ouvia histórias e piadas e conversas e fofocas aleatórias sobre pessoas que ele sequer conhecia, mas que soavam tão interessantes simplesmente pelo fato de saírem da boca de seu amigo. Seu amigo.

Sentiu os olhos encheram d’água, um aperto em sua garganta se formando, aquela sensação desesperada de começar a soluçar surgiu. Parou de coçar o pescoço, notando o olhar preocupado de Midoriya sobre a pele vermelha e irritada, e desviou o olhar, respirando fundo para controlar a vontade de chorar. Fungou, ainda olhando para o outro lado da rua, mas logo se dirigiu ao mais baixo com uma voz rouca.

— Você devia ter me avisado.

— Ah! Sim, me desculpa! Não vai se repetir! Eu juro! Me desculpa! -Midoriya despejou desculpas atrás de desculpas, curvando-se freneticamente.

Soltou uma risada nasal, e Midoriya ergueu-se novamente, um sorriso animado se formando em seu rosto. Shouto esfregou os olhos, livrando-se do pouco de lágrimas que insistiram em ficar em seus olhos. Voltou o olhar para dentro do café, observando Iida e Uraraka desviarem os olhares, fingindo que não haviam bisbilhotado a interação entre Shouto e Izuku. Suspirou pesadamente, arrumando a mochila sobre as costas. Izuku abriu a porta do estabelecimento, olhando para Shouto por cima do ombro com um olhar tranquilizador, fazendo um sinal para que Shouto o seguisse.

— Eu te prometo que eles são boas pessoas.

Assentiu, seguindo Midoriya até a mesa onde os outros dois estavam. Iida ergueu-se, um olhar sério em seu rosto, e Uraraka acenou levemente, um sorrisinho tranquilo em seu rosto. Retornou o olhar para Iida, que o cumprimentou com um aceno de cabeça, ao qual Shouto respondeu imitando o mais alto. Os três rapazes se sentaram, Uraraka se levantando e se sentando ao lado de Iida, para que Shouto pudesse ficar ao lado de Izuku. Sentiu-se grato pelo pequeno gesto.

— Bom dia, Todoroki-kun! -A voz de Iida reverberou pelo estabelecimento, alguns olhares incomodados os fuzilando- Como tem passado? Teve uma boa noite de sono? Alimentou-se apropriadamente esta manhã? Lembrou-se de fazer a lição de arte romana? -Ergueu uma sobrancelha ao ser bombardeado com tantas perguntas, estranhando o comportamento do representante de classe. Ainda se lembrava do olhar duro que recebera naquela tarde.

— Iida-kun, não seja tão barulhento. As pessoas estão olhando... -Uraraka disse, um olhar envergonhado em sua face.

Olhou para Izuku com a sobrancelha erguida, sua expressão perguntando “o quê caralhos está acontecendo?”. Izuku soltou uma risada, divertindo-se com a face confusa de Shouto.

— Pode não parecer, mas, na verdade, o Iida-kun é um cara muito gente boa que se preocupa com os amigos- Uraraka balançou a cabeça, concordando com a fala de Midoriya- Isso surpreendeu você? -Balançou os ombros, sem saber o que responder.

— Como assim pode não parecer?! Eu pareço ser uma pessoa ruim? -Iida perguntou, seu tom de voz aumentando ainda mais. Receberam alguns “xius” das pessoas ao redor, e Midoriya e Uraraka riram quando Iida se desculpou com um tom de voz ainda mais alto.

Remexeu-se na cadeira, sentindo-se um pouco inquieto na presença dos amigos de Midoriya. Cerrou os punhos sobre seu colo, tentando esconder seu nervosismo. Izuku tossiu ao seu lado, fazendo com que tanto Shouto e Tenya se arrumassem nas cadeiras, ambos se encarando intensamente, como se esperassem que o outro saltasse sobre a mesa e arrancasse um pedaço de sua jugular.

— Todoroki-kun- Iida começou, sua voz soando grave. Shouto se endireitou na cadeira, seus olhos grudados nos orbes cristalinos do rapaz- Eu gostaria de me desculpar pela minha falta de empatia no intervalo de segunda-feira. Eu realmente acreditei que você havia agredido o Midoriya-kun de forma intencional, mas ele me explicou que tudo não passou de um mal entendido- Encarou Midoriya pelo canto do olho, observando o garoto fingir não notar seu olhar enquanto tomava seu café. De repente, Tenya se ergueu, caminhando até o lado de Shouto, que se encostou contra a cadeira nervosamente, esperando o pior. Assustado, observou o rapaz se curvar, escondendo sua expressão arrependida- Por favor, me perdoe!

Ergueu ambas as sobrancelhas, uma expressão incrédula em seu rosto. Moveu o rosto de Tenya para Izuku, como se pedindo ajuda para o garoto- ajuda com o quê exatamente ele não tinha ideia, só sabia que não aguentava se sentir desamparado daquela forma. Ouviu um barulho de cadeira se afastando, e seguiu Uraraka com o olhar, aproximando-se ainda mais de Midoriya ao ver a garota parar ao lado de Iida, pondo uma mão sobre o ombro do representante.

— O que o Iida-kun quer dizer é que nós dois erramos com você, Todoroki-kun- A garota disse, um sorriso gentil em sua face. Shouto sentiu suas mãos, ainda fechadas em punhos, começarem a tremer- Por favor, Todoroki-kun, seja nosso amigo.

Sentiu um toque em seu ombro, a tremedeira parando quase que imediatamente. Voltou o olhar para Izuku, que lhe sorria gentilmente, como se dissesse “Viu? Eu disse!”. Os dedos do rapaz acariciaram seu ombro, o toque quente lhe lançando uma sensação de alívio que percorreu por todo o seu corpo, como se fosse uma anestesia. Relaxou na cadeira, respirando fundo, e voltou o olhar para Iida, que continuava curvado, e Uraraka, encarando-os com uma expressão calma.

— Se levante- Disse, e Iida se ergueu no mesmo momento, um olhar de expectativa em seu rosto. Respirou fundo mais uma vez, grudando seu olhar na mesa de vidro- Não tem problema, eu já esqueci.

As faces de Iida e Uraraka se iluminaram, ambos olhando um para o outro com sorrisos bobos nos rostos. Shouto ouviu Midoriya rir ao seu lado, e se sentiu um pouco estranho por ser o único dos quatro que não estava rindo. Mesmo assim, nem sentiu cócegas na sua garganta.

— Quer dizer que vai ser nosso amigo? -Uraraka perguntou, dando pulinhos de alegria- Hein, Todoroki-kun? Hein?!

— Uraraka-kun, controle-se!

— Gente, calma aí- Izuku começou a se erguer, tentando acalmar os amigos. Shouto abaixou ainda mais a cabeça, tentando esconder o rubor que se formava em suas bochechas- Vocês estão deixando o Shouto desconfortável-

— Com licença.

Os quatro pularam, Uraraka e Midoriya guinchando ao se assustarem com a chegada repentina da garçonete. A mulher os encarou com um olhar desconfortável, as sobrancelhas franzidas mostrando sua irritação.

— Eu vou ter que pedir para que vocês diminuam o tom de voz e se sentem- A mulher disse, apontando para as cadeiras com um gesto da cabeça. Tenya, Ochako e Izuku sentaram-se, os três compartilhando semblantes envergonhados. A mulher ergueu uma sobrancelha, como se ainda estivesse analisando a situação, procurando por mais erros que pudesse julgar, mas logo relaxou a expressão. Colocou duas xícaras sobre a mesa, um sorriso calmo se formando em seu rosto- Aqui está o seu pedido. Por favor, aproveitem!

Os quatro a seguiram com o olhar, assustados com a mudança de humor repentina. Pessoas que têm de trabalhar com pessoas são superiores, Shouto pensou. Izuku e Ochako começaram a rir baixinho, ambos escondendo as faces ruborizadas com as mãos e Tenya balançou a cabeça negativamente, tentando lutar contra um sorriso que insistia em aparecer. Shouto juntou as mãos, sentindo os cantos dos lábios tremerem. Fixou o olhar na mesa novamente, mordendo a bochecha levemente.

De repente, uma xícara invadiu seu campo de visão. Encarou a xícara de matcha com um olhar confuso- seu aroma era incrível, e sua cor dava a impressão de que a bebida estava deliciosa. Ergueu o olhar, encarando Iida, que bebia um copo de suco de laranja, com uma sobrancelha em pé.

— Eu não pedi isso.

— Oh- Iida disse, olhando para o rapaz com um sorriso no rosto- É por minha conta.

— Não precis-

— Todoroki-kun, o matcha daqui é incrível, eu que recomendei para o Iida-kun- Uraraka o interrompeu, bebericando seu cappuccino com uma expressão prazerosa- Você gosta, não? O Deku-kun disse que você gosta.

— Eu nunca te disse que gostava de matcha- Shouto disse, encarando Midoriya com um olhar confuso. O garoto ao seu lado começou a mexer no cabelo, e percebeu que já estava se acostumando com o tique nervoso de Izuku.

— É que você...Er...É que...Tatame! -Midoriya exclamou, como se aquilo fizesse sentido. Os três o encararam como se uma segunda cabeça estivesse crescendo em seu pescoço- Você disse que prefere tatame à piso de madeira, e a sua casa é toda no estilo japonês, então eu achei que você preferia coisas mais tradicionais...Me desculpe por assumir sem perguntar antes! Eu realmente sinto muito! -Abriu a boca para dizer que não se importava, mas foi interrompido por Ochako novamente.

— Eeh, você já foi na casa do Todoroki-kun, Deku-kun?

— Ah, nós fomos pelo mesmo caminho, então eu acabei vendo a casa de fora.

— Hm- Uraraka murmurou, tomando mais um gole de sua bebida. Lançou um sorrisinho para Shouto, e o garoto voltou seu olhar para a xícara de matcha, ainda hesitante em bebê-la- Não vai beber, Todoroki-kun?

— Ãhn? Ah, sim...

— Beba logo, ou vamos nos atrasar para o primeiro período- Tenya disse, já terminando seu suco. Checou seu relógio de pulso, suas sobrancelhas franzidas- Ah, mas tome cuidado para não beber muito rápido ao ponto de se engasgar!

— Sim...

Lançou um olhar para Izuku, que lhe mandou uma piscadinha antes de tomar mais um gole de seu café. Ergueu a xícara, deixando o aroma entrar por suas narinas e tomando um gole, o gosto de chá quente se espalhando por sua boca e descendo por sua garganta, aquecendo-o.

Estava delicioso.

.

— Muito bem, classe, vocês ouviram o sinal- Nemuri disse, olhando para a turma inquieta com um sorriso compreensivo. Arrumou as folhas sobre sua mesa, conferindo se não havia esquecido nada- Não se esqueçam de trazer a lição de casa feita na próxima aula- Ela disse, enfatizando o “feita” e lançando um olhar acusador para um garoto que estava sentado atrás de Midoriya. O garoto se endireitou na cadeira e lançou uma piscadinha para a mulher, que escondeu sua expressão irritada atrás das folhas.

— Kayama-sensei- A garota ao seu lado ergueu a mão, seu rabo de cavalo balançando suavemente- A senhora tem uma previsão de quando vai nos entregar a lição de casa de hoje?

— Primeiramente, senhora é a sua mãe- Os estudantes começaram a rir, acompanhados da professora, que arrumou os óculos sobre o nariz- E, sim, Momo, eu provavelmente vou entregar daqui a duas semanas.

— Hein? Que demora, sensei- Uma garota de cabelos curtos disse, uma expressão de deboche em seu rosto. A professora simplesmente suspirou, voltando a arrumar suas coisas com uma expressão cansada no rosto. Adorava crianças, mas essas conseguiam ser cansativas demais.

— Tá bom, tá bom, sumam logo daqui.

A turma comemorou, os alunos se erguendo das cadeiras e deixando a sala em grupos, suas vozes alta surpreendendo Shouto e irritando a professora. A mulher lhe lançou um olhar do tipo “que merda, né?” e ele lhe acenou com a cabeça, concordando.

 Começou a guardar seus materiais, ainda surpreso pela notícia de que no colégio UA as aulas acabavam mais cedo nas sextas-feiras. Bem mais cedo. Chegou o relógio do celular, deparando-se com os números 14:04 com as sobrancelhas franzidas. Não conseguia entender aquilo, por mais que os professores e colegas lhe explicassem que era importante os alunos terem tempo livre para descansarem e se divertirem coletivamente. Não conseguia aceitar. Só conseguia pensar que toda sexta-feira iria para casa mais cedo e teria que conviver mais ainda com Enji.

Balançou a cabeça discretamente, tentando se livrar de tais pensamentos. Seu dia estava indo bem até agora, muito bem, na verdade, então não fazia sentido ficar se torturando com o futuro. Suspirou, erguendo-se da cadeira. Voltou o olhar para a classe de Midoriya, vendo o garoto se atrapalhar com os papéis e cadernos sobre sua mesa, alguns caindo no chão e sendo recolhidos por mãos trêmulas. Ergueu uma sobrancelha, e abriu a boca, pronto para oferecer ajuda, mas se calou ao sentir alguém se aproximar. Olhou para o lado, cumprimentando Iida, que lhe lançou um sorriso amigável, com um aceno de cabeça. Pelo canto do olho, viu Uraraka se aproximar de Midoriya e o ajudar com seus materiais, ambos rindo.

— Gostou da aula, Todoroki-kun? -Tenya perguntou, demonstrando interesse na reposta de Shouto. Levou uma mão à nuca, massageando-a levemente e assentindo timidamente. Ainda se sentia um pouco desconfortável em falar com o garoto, mas tinha de admitir que preferia esse tipo de relação a uma onde tivesse de disputar pela amizade de Midoriya. Encostou-se contra a sua classe, ouvindo o garoto tagarelar sobre a aula de arte.

— Você realmente gosta da aula da Kayama-sensei, né, Iida-kun? -Uraraka e Midoriya se juntaram a Shouto e Tenya, a garota sorrindo alegremente para ambos.

— Mas é claro! -Iida exclamou, endireitando-se com uma expressão orgulhosa no rosto- Na verdade, eu gosto de todas as aulas que temos! Acho impossível não apreciar as aulas que temos com profissionais tão competentes como os nossos professores. Você não concorda, Todoroki-kun? -Quis dizer que quase dormira na aula de matemática, mas os olhos arregalados de Uraraka e Midoriya lhe diziam que essa não era uma decisão sábia. Assentiu, olhando fundo nos olhos de Iida, que parecia felicíssimo em receber a atenção de Shouto.

— Ugh, eu estou cansada- Ochako resmungou, uma expressão cansada tomando seu rosto. Midoriya ergueu uma mão e pousou sobre a cabeça da garota, consolando-a com um afago. Shouto ergueu as duas sobrancelhas, surpreso com a proximidade dos dois. De repente, a expressão da garota se iluminou, um sorriso animado tomando seu rosto- Ei, quem sabe nós não vamos para algum lugar agora? Que tal o parque, ou até o fliperama? Hein? Hein? Hein? Por favorzinho!

— Podemos almoçar no parque- Iida sugeriu, sua expressão igualmente animada. Voltou seu olhar para Shouto, que se encolheu um pouco com a troca de olhares repentina- Você está livre esta tarde, Todoroki-kun? Ou tem algum compromisso?

Sentiu-se tentado a dizer que tinha outros planos, mas sentiu algo estranho ao ver os olhares animados de Tenya e Ochako sobre ele. Era como se uma voz sussurrasse em seu ouvido para aceitar aquele convite, que seria divertido, que nada daria errado. Além do mais, Izuku estaria lá também, então não tinha motivo para temer nada. Não tinha o que temer.

— Estou livre.

As faces de Iida e Uraraka se iluminaram ainda mais, a garota dando pequenos pulinhos de felicidade. Sentiu as bochechas esquentarem, sentindo-se um pouco irritado por ficar envergonhado com tão pouco.

— Nós podemos passar naquela lanchonete perto do parque e pegarmos o combo de hambúrgueres daquela vez, Iida-kun- Ochako disse, levando um dos dedos a boca, uma expressão pensativa em seu rosto- É barato e delicioso, então só vantagem.

— Discordo- Tenya disse, uma expressão pensativa também em seu rosto. Arrumou os óculos sobre o nariz e prosseguiu- Deveríamos optar por um cardápio mais saudável, Uraraka-kun. Além do mais, nem sabemos se o Todoroki-kun gosta de hambúrgueres.

— Todos gostam de hambúrguer!

— Eu sequer havia provado um até dois meses atrás- Iida retrucou, seu tom de voz soando indignado.

— Você é a exceção, Iida-kun- Midoriya disse, rindo logo em seguida. Iida esbravejou, claramente incomodado com seus amigos. Izuku lhe lançou um olhar curioso, aquele sorriso amigável familiar já presente em seu rosto- Gosta de hambúrguer, Todoroki-kun?

— Gosto- Mentiu.

Nunca havia provado um hambúrguer em sua vida. Uma vez, quando era criança, sua mãe passara em frente a um Mcdonalds de carro, e Shouto implorara por um lanche. A mulher cedera à suas insistências, mas com a condição de que ele comesse apenas em casa, para que não sujasse o carro. A lembrança de Endeavor atirando a embalagem na lixeira e apontando o dedo na cara de sua mãe, uma expressão assustadora em seu rosto, seus berros estridentes, machucando seus ouvidos, surgiu em sua cabeça. Nunca havia provado um hambúrguer em sua vida.

Shouto era a exceção.

— Viu, isso não é bom? -A voz animada de Midoriya o trouxe de volta, e ergueu a cabeça para ver que o mais baixo se dirigia a Iida. O representante suspirou, uma expressão de derrota em seu rosto- Os hambúrgueres de lá são maravilhosos, Todoroki-kun. Recomendo o sabor cheddar, você vai gostar.

— Okay- Shouto murmurou, sentindo seu coração se acalmar.

— Ah- Midoriya exclamou, seus olhos se arregalando ao encarar a tela de seu celular. Shouto se inclinou levemente, espiando o celular do garoto junto de Ochako. Ambos encararam a tela de bloqueio de Izuku com confusão- Eu preciso ir indo.

— Hein? -Uraraka exclamou, uma expressão decepcionada em seu rosto- Você não vai almoçar conosco, Deku-kun?

— Ah, eu tenho que cuidar da Eri hoje de tarde. Desculpa, pessoal- Izuku levou uma mão aos cachos verdes, uma expressão desconfortável em seu rosto.

Arregalou os olhos, sentindo o coração disparar novamente. Ficaria sozinho com Uraraka e Iida. Izuku não estaria lá com ele. Izuku não o defenderia. Izuku não o salvaria.

Quem caralhos é Eri?

— Bem, não há o que fazer, certo? -Iida disse, uma expressão conformada em seu rosto- Vamos marcar algo para um final de semana que você possa vir, Midoriya-kun. Por favor, se cuide até lá.

— Sim, sim- Midoriya disse, um sorrisinho nervoso em seu rosto. Voltou a olhar para Shouto, um olhar observador, como se pudesse ver o quão desconfortável o garoto se sentia com a ideia de ficar sozinho com aqueles dois. Perguntou-se se ele era tão óbvio assim ou se Midoriya que era perceptivo- Coma um hambúrguer delicioso por mim, Todoroki-kun- O garoto lhe lançou uma piscadinha, seus lábios se erguendo em um sorriso encorajador.

O garoto se despediu do trio, acenando para eles da porta. Uraraka acenou-lhe com as duas mãos, uma expressão alegre demais, para Shouto, em seu rosto.

— Diga para a Eri que eu mandei um abraço!

— Oh, Midoriya- Kayama-sensei, que estava sentada sobre sua mesa, mexendo no celular, disse, encarando o garoto com surpresa. Midoriya cessou o passo, aproximando-se da mulher que lhe chamou com um aceno de mão- Está indo para a casa do Shouta? Eu posso te dar uma carona.

— A-ah?! N-não precisa, sensei-

— Vamos, não é nada- A mulher pegou sua bolsa, arrumando-a sobre o bolso. Voltou seu olhar para Shouto, Tenya e Ochako, encarando-os quase que com frustração- E vocês vão embora logo, pelo amor de Deus. Que vontade de ficar na escola é essa- Caminhou em direção a porta, sequer esperando que Midoriya a seguisse- Vamos logo, Midoriya-kun.

— M-mas-

— Vamos.

Observou Midoriya ser arrastado por Kayama Nemuri, achando a situação estranha demais para entender. Ochako estava rindo e Tenya balançava a cabeça negativamente, como que indignado com o comportamento da professora. Olhou para os dois hesitantemente, e os dois lhe lançaram sorrisos empolgados.

— Vamos, Todoroki-kun? -Uraraka perguntou, arrumando sua mochila nas costas.

Queria dizer que não. Queria dizer que não iria mais. Que se Midoriya Izuku não estivesse lá, ele não iria. Que não queria ficar sozinho com os dois. Que ainda tinha medo de levar uma surra. Mas então se lembrou de Midoriya. Do olhar de Midoriya, o olhar que parecia ver mais do que deveria.

Se ele não fosse nesse maldito encontro, os dois com certeza iriam comentar com Midoriya. E Midoriya iria lhe pedir uma explicação. Midoriya iria ficar decepcionado. Será que Midoriya ficaria zangado com ele? Será que Midoriya já ficara zangado alguma vez em vida?

Perguntou-se quais eram as verdadeiras intenções de Iida Tenya e Uraraka Ochako. Estavam apenas fingindo interesse nele por causa de Izuku? Ou por causa de seu status? Tenya era o filho mais novo da família Iida, responsável pela Companhia Iidaten, conhecida mundialmente por suas produções automobilísticas, então ele obviamente sabia um pouco sobre a família Todoroki. Poderia ser que ele havia comentado algo com a garota e agora os dois estavam planejando usá-lo de alguma forma?

Não, isso não estava certo. O sorriso de Uraraka era amigável demais, e Todoroki podia apostar que ela não conseguiria mentir para alguém sem gaguejar o tempo inteiro. Os olhos de Iida brilhavam, provavelmente empolgado em fazer uma nova amizade- havia visto ele interagir com o resto da turma, já que era o representante, mas sentia que os únicos que o levavam a sério eram Izuku e Ochako, os outros revirando os olhos ou soltando piadinhas internas sempre que Tenya fazia o seu papel de representante. Esse sorriso, esse brilho. Eles não podiam ser falsos.

Engoliu em seco, cerrando os punhos e apertando-os com força, sentindo suas unhas se pressionarem contra a carne de sua mão. Controlou a vontade de coçar o pescoço até ele ficar vermelho sangue e endireitou-se, dando o seu máximo para esconder seu nervosismo atrás de uma expressão desinteressada.

— Vamos.

.

— Ah, aqui é um bom lugar- Uraraka disse, apontando para uma área cercada por árvores e grama.

Os três se sentaram na grama, suspirando aliviados ao serem protegidos pelas sombras das árvores. Por mais que já estivessem no outono, por algum motivo que lhes era desconhecido, um sol escaldante os acompanhou desde a escola até o parque, deixando-os tontos e mais cansados do que já estavam, principalmente Ochako. Durante um momento, Iida teve que abanar a garota com um dos guardanapos que havia pego na lanchonete em uma tentativa de ajudar a amiga.

— Ai, finalmente escapamos daquele sol- Uraraka murmurou, e Shouto percebeu que ela ainda estava um pouco cansada do trajeto que fizeram. Puxou a garrafa de chá gelado de dentro das sacolas, entregando-a para Ochako, que lhe sorriu em gratidão- Ah, muito obrigada!

— Próxima vez vamos checar o clima antes de decidirmos o nosso destino, ok? -Iida disse, e Shouto e Ochako concordaram, ambos secando o suor do rosto com guardanapos.

Depois de tomarem um momento para se recomporem, os três começaram a mexer dentro das sacolas, tirando seus lanches de dentro com olhares famintos. Shouto acabara optando pela sugestão de Midoriya, um hambúrguer com cheddar e bacon, acompanhando um suco de laranja, que lhe fora sugerido por Tenya, e batatas fritas. Ochako e Tenya haviam optado por lanches diferentes, mas que pareciam igualmente saborosos. Lambeu os lábios, encarando o sanduíche com expectativa.

Finalmente iria provar um hambúrguer.

Ergueu o sanduíche, dando uma mordida grande no lanche. Sentiu primeiro o sabor do pão macio e quente, logo depois mastigando a carne macia, o queijo cheddar e o bacon se juntando a mistura. Fechou os olhos, um ronronado prazeroso se formando em sua garganta. Sabia que se abrisse os olhos, instantaneamente começaria a chorar de felicidade. Era a sua primeira vez comendo um. A sua primeira vez comendo a porra de um hambúrguer. E ele era delicioso.

Abriu os olhos e os arregalou, dando uma mordida atrás da outra no sanduíche, os olhos se fechando a cada mordida que dava. Podia ouvir Iida e Uraraka conversando, mas não conseguia identificar qual era o assunto- estava focado demais em seu hambúrguer. Seu hambúrguer.

— Todoroki-kun, você já assisti- Ueh?! Todoroki-kun?!- Uraraka exclamou, encarando Shouto com olhos arregalados.

— E-estava tão bom assim? -Iida gaguejou, seus olhos também arregalados.

A expressão de Shouto automaticamente se fechou. Sentiu suas bochechas se aquecerem, e tinha certeza de que estava da mesma cor que a parte esquerda de seus cabelos. Apertou o resto de seu hambúrguer com as duas mãos, encolhendo-se e abaixando o olhar.

De repente, Ochako começou a rir descontroladamente, lágrimas saindo de seus olhos. Shouto a encarou confuso, seus olhos se movendo da garota para Tenya, que repreendia a garota, mas também aparentava querer rir. Shouto sentiu as bochechas se aquecerem ainda mais.

— Ai...Ai...Me desculpa, Todoroki-kun- Ochako disse, tentando se recompor. Abraçava a barriga com os braços, uma expressão cômica em seu rosto- É que você está muito engraçado.

— Hein?

— Alguém traz um babeiro, pelo amor de Deus- Uraraka disse, rindo de sua própria piada.

Shouto lançou um olhar inquisitivo para Iida, que tinha a mão sobre a boca, escondendo o sorriso que ameaçava deixar as risadas saírem. Tenya acalmou-se um pouco, desbloqueando o celular e ligando sua câmera, entregando-o para Shouto. Deparou-se com um garoto imundo, cheddar e pedaços de pão grudados ao redor de sua boca, uma expressão incrédula em seu rosto. Não era possível que fosse tão retardado assim.

Começou a se limpar com os guardanapos desesperadamente, as sobrancelhas franzidas. Tenya o ajudou, um sorrisinho divertido em seu rosto, e Shouto sequer considerou negar a ação. Depois de se arrumar, voltou a se encostar contra uma das árvores, o rubor ainda presente em seu rosto.

— Você não deveria comer tão apressadamente, Todoroki-kun- Tenya o repreendeu, dando uma mordida em seu próprio lanche. Shouto encarou o sanduíche esmagado entre suas mãos com desinteresse, de repente não tendo mais o mesmo apetite de antes- É perigoso! E se você se engasgasse?

— E você não deveria falar enquanto come- Shouto retrucou, encarando Tenya com uma sobrancelha arqueada- E se você se engasgar? -Observou Iida arregalar os olhos, e sentiu os seus também se arregalarem. Ao seu lado, Ochako voltou a rir- Desculpa- Murmurou, envergonhado. Iida apenas assentiu, os olhos ainda arregalados.

— Ai, ai, agora ele não vai falar mais nada até acabar esse sanduíche- Uraraka disse, uma expressão de deboche em sua face. Voltou seu olhar para Shouto, sorrindo amavelmente- Eu não disse que o hambúrguer era bom? Você deveria tentar as batatinhas também, são uma delícia- Ela disse, levando uma batata coberta de ketchup à boca. Shouto a imitou, sentindo aquele gosto delicioso se espalhar por sua boca, uma expressão satisfeita surgindo em seu rosto. Após um momento, a garota voltou a falar- O que está achando da classe, Todoroki-kun?

Demorou um pouquinho para responder, usando como desculpa o fato de que estava mastigando seu lanche.

— Eu não conversei com muita gente ainda- Disse, um olhar distante em seu rosto. A imagem de Midoriya Izuku surgiu em sua mente, sentindo-se mais leve quase que imediatamente- Mas o Midoriya é legal.

— Ah, o Deku-kun é incrível- A garota disse, dando uma mordida em seu hambúrguer. Seus olhos brilhavam, e Shouto não sabia dizer se era porque estava gostando tanto assim de seu lanche- Ele e o Iida-kun são meus melhores amigos- Iida ergueu um dos dedões, sorrindo enquanto mastigava. Shouto achou graça na insistência de Tenya em não falar mais enquanto comesse, mas estava se sentindo um pouco desconfortável com o silêncio do representante- E com quem mais da classe você conversou?

— Hmm, eu não decorei o nome de ninguém ainda...Mas a garota que senta do meu lado me cumprimentou no outro dia.

— A Yaomomo? Ai, você vai adorar ela- Ochako disse, começando a tagarelar sobre a amiga- Outro dia eu e o Deku-kun fomos com ela e a Kyoka-chan no shopping e, cara, o Deku-kun quase teve que lutar com ela pra que ela não comprasse uma edição limitada de um moletom do All Might pra ele. Foi sensacional- Shouto mordeu seu sanduíche, encarando a garota com interesse.

— All Might? O desenho?

— Sim. O Deku-kun adora. É viciado, na verdade.

— Hm, eu também gostava- Deu mais uma mordida no sanduíche, sentindo-se feliz ao perceber que tinha algo em comum com Midoriya.

— Ah, isso todo mundo, né. Era um desenho bem famoso e divertido, não tinha como não gostar- Ouviu a garota sugar seu refrigerante por um canudo, um pouco irritado pelo comentário dela- Mas o Deku-kun é viciado demais no All Might, sério. Ele tem edições limitadas de vários produtos, e vários moletons também. Com certeza ele conseguiria muito dinheiro vendendo aquilo tudo- Suspirou, uma expressão sonhadora em seu rosto.

— O dinheiro não é a única coisa que importa, Uraraka-kun- Iida disse, largando a metade de seu sanduíche sobre o pacote, uma expressão séria em seu rosto- Além do mais, você sabe que o All Might tem um valor sentimental para ele.

— Ah, sim...- Ela murmurou, aparentando estar envergonhada de suas palavras.

— Como assim valor sentimental? -Shouto perguntou, encarando Tenya com expectativa.

— Ah, bem, é algo um pouco pessoal, então eu não sei se posso falar...

— Vamos, não é nada demais- Uraraka disse, balançando a mão de um lado para o outro.

— Mas, mesmo assim... -Iida olhou para Shouto hesitantemente, como se estivesse analisando se o garoto era digno de ouvir tal história. Shouto o encarou seriamente, e Tenya suspirou, uma expressão de derrota em seu rosto- Bem, eu não vou contar toda a história, mas ele nos disse que gostava de imaginar que o All Might era o pai que ele não tinha- Shouto parou de mastigar, uma expressão vazia em seu rosto.

— Ele não tem pai? -Foi recebido por silêncio, o olhar de Iida focado na grama.

— Err, não exatamente- Uraraka disse, tapeando sua bochecha com os dedos levemente- É um assunto delicado, mas eu acho que se você perguntar, ele vai te responder. Ele gosta bastante de você, Todoroki-kun- Shouto sentiu suas bochechas esquentarem novamente, um arrepio de surpresa subindo a sua espinha. Uraraka sorriu gentilmente, continuando- Sinceramente, eu fiquei surpresa com o quão rápido vocês dois ficaram amigos. Nem passou uma semana que você veio para a escola- Voltou seu olhar para o garoto, empalidecendo- Ah, mas isso não é algo ruim, juro! Eu fico muito feliz, na verdade!

— Eu também fico contente, Todoroki-kun- Iida exclamou, um olhar empolgado em seu rosto- Espero que eu, você e a Uraraka-kun também possamos nos tornar íntimos em um breve futuro!

Shouto sentiu os cantos dos lábios tremerem e os olhos marejarem levemente, mas logo controlou a emoção repentina que sentira percorrer seu corpo. Assentiu, e deu uma mordida grande no lanche, terminando-o e enchendo a boca de pão, carne e queijo. Mastigou lentamente, observando Iida e Uraraka conversarem sobre uma série de televisão aleatória, sentindo-se aliviado pela primeira vez desde que Midoriya havia se separado do grupo, deixando-o sozinho com aqueles dois. Aqueles dois que queriam ser seus amigos.

Sim, Iida, eu também espero.

Não teve coragem de falar essas palavras. Começou a mordiscar suas batatas fritas para se distrair.

— Todoroki-kun, já assistiu Dark? -Ochako perguntou, e sua expressão contraiu-se em uma de indignação quando ele negou- Como que não, meu pai do céu?!

— Uraraka-kun, modos!

— Ugh, xiu ai- Uraraka apontou o dedo indicador na cara de Iida, que lhe lançou um olhar indignado. Voltou o olhar para Shouto, uma expressão amável, que parecia um pouco falsa, em seu rosto- Ai, Todoroki-kun, já vi que vou desgraçar sua cabeça.

— Como assim? -Uraraka começou a rir, e Iida balançou a cabeça negativamente, como se dizendo que nem adiantava se esforçar para entender.

— Dark é simplesmente a melhor série do século, e eu posso provar!

— Eu acho superestimada- Iida comentou, tomando um gole de seu suco- Não entendo por que você e o Midoriya-kun gostam tanto- Shouto se interessou automaticamente, encarando Uraraka com olhos atentos.

— Porque ela é muito doida, Iida-kun. Não tem outra explicação.

— Sobre o que é? -Uraraka e Iida se olharam, Tenya lançando um sorriso triunfante para a garota.

— Boa sorte tentando explicar.

Uraraka ficou pelo menos uma hora falando sobre a série com Shouto e Iida- um escutando atentamente e o outro mexendo no celular, um olhar entediado no rosto. E, bem, Shouto só conseguia pensar uma coisa em relação a tudo que ouvira.

Dark deve ser muito doida.