Eu serei o seu pilar escrita por Manoo


Capítulo 1
Medo


Notas iniciais do capítulo

Segunda fanfic que posto por aqui! o/ Tô só a felicidade por estar conseguindo escrever.
Espero que gostem da minha escrita! Boa leitura.



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Capítulo um.    (TODOROKI SHOUTO)

Olhou o papel em suas mãos uma segunda vez, confirmando que, de fato, estava onde precisava estar. Bateu duas vezes na porta da sala dos professores, esperando por uma resposta.

— Entre.

Abriu a porta e entrou lentamente, esperando que alguém se pronunciasse. Um homem de cabelo pretos e olheiras profundas se aproximou, escaneando-lhe de cima a baixo. Ambos ergueram uma sobrancelha, como se perguntassem o que diabos o outro queria.

— Posso ajudar? – O homem perguntou, seu tom de voz mostrando o quão cansando ele provavelmente estava.

— Eu acabei de me transferir para essa escola. Minha irmã disse que eu preciso falar com algum dos professores para finalizar a papelada de transferência- Shouto entregou ao homem os papéis, que começou a lê-los atentamente.

— Todoroki Shouto? – Alguns dos professores ergueram o olhar discretamente ao ouvir o nome, observando o garoto com curiosidade e cautela.

— Sim.

— Só um momento- O homem levou os papéis até uma mesa (a sua, provavelmente) e começou a assinar alguns documentos, observando o garoto pelo canto do olho. Pegou um carimbo e pressionou-o contra uma das páginas, entregando os papéis para Shouto logo em seguida- Está tudo resolvido. Sua sala é a 1A, fica no segundo andar. A aula começa em vinte minutos, então nada de atrasos. Consulte o espelho de classe para escolher seu lugar...provavelmente Iida já está na sala, então peça ajuda para ele caso não consiga entender o espelho.

— Sim. 

Deu as costas para o homem, saindo da sala. Sentiu o olhar dele lhe seguir até o final do corredor, mas não se incomodou em olhar para trás. Sabia o que ele estava pensando, mas não podia se importar menos.

Subiu a escadaria lentamente, seus dedos batucando dentro dos bolsos. Ergueu os olhos do chão apenas quando chegou no segundo andar, ignorando os olhares curiosos dos estudantes que estavam no corredor. Achou facilmente a sua sala, abrindo a porta lentamente. Sinceramente, não queria ninguém se atirando para cima dele com o famoso discursinho de “vamos ser amigos”, mas sabia que uma situação assim era de se esperar- saber disso não fazia tudo mais fácil.

Entrou dentro da sala, deparando-se com poucos alunos. Bem, o professor havia dito que faltavam vinte minutos para o início da aula, então provavelmente os alunos restantes ainda estavam a caminho. Caminhou até a mesa do professor, decifrando o espelho de classe. De repente, sentiu uma presença ao seu lado, virando-se lentamente e fazendo o seu melhor para mostrar à pessoa que não queria ser incomodado.

— Bom dia, Todoroki-kun! –Um garoto um pouco mais alto que ele se aproximou, arrumando os óculos com uma mão e oferecendo a outra para um aperto de mãos- Eu sou Iida Tenya, o representante da classe 1A. Fomos informados sobre sua transferência pelo Aizawa-sensei, e, representando a classe inteira, ofereço as boas-vindas à você!

Shouto moveu seu olhar da expressão séria de Iida para sua mão, suas sobrancelhas se franzindo. De onde já havia ouvido aquele sobrenome? Debateu mentalmente se deveria apertar a mão do colega, que lhe encarava com expectativa, mas, logo se lembrou da promessa que havia feito a si mesmo logo após ser suspenso de sua escola anterior, então, com um olhar indiferente, acenou com a cabeça para o rapaz, voltando o olhar para o espelho de classe. Não demorou muito para descobrir que só haviam dois lugares vagos na sala, optando pelo último assento da terceira fileira.

Caminhou até seu lugar, sentindo o olhar de Iida e o dos outros estudantes em suas costas, e se sentou, organizando seus materiais sobre a classe. Colocou os fones de ouvido, sem conectá-los ao celular, abafando a conversa dos alunos que entravam na sala e passando um recado simples para os colegas: não me encham o saco.

Checou seu relógio três minutos antes da aula começar, tirando os fones e arrumando-se na cadeira. Agora a sala estava praticamente cheia, faltando um aluno ou outro. Mesmo faltando apenas dois minutos para a aula começar, algumas meninas e meninos estavam reunidos em frente a porta, conversando e rindo entre eles. Perguntou-se o quão rígida era a exigência do colégio. Ouviu o sinal tocar, mas mesmo assim o grupinho não se dispersou, na verdade, se acumularam na porta e começaram a gritar animadamente, chamando por alguém animadamente.

— Vamos, Deku-kun, rápido! Você consegue! -Uma garota gritou, um sorriso gigantesco em seu rosto.

— Não tão rápido! -Iida exclamou, balançando ambas as mãos em um gesto de corte- Não corra nos corredores!

— Mais rápido, Deku! -Uma menina negra berrou, pendurando-se nas costas de Iida aos risos.

— Não!

— Sim!

— Não!

— Uff, cheguei- Um garoto, ele presumiu, disse, a forma como respirava deixando claro que tentava recuperar o fôlego.

O grupinho atrapalhava sua visão do rapaz, então não conseguia ver seu rosto. Apenas uma parte do cabelo, que era esverdeado. Não entendia porque diabos estavam fazendo todo aquele alvoroço por um garoto que havia se atrasado, mas também não se importava. Voltou o olhar para sua classe, fazendo o seu melhor para voltar a ignorar a existência dos colegas.

— Quando o sinal toca, eu quero todos sentados nos lugares- Shouto ergueu rapidamente o olhar, enrijecendo-se na classe e encarando o professor com expectativa. Ah. Era o mesmo homem que havia finalizado sua papelada- Quantas vezes eu vou ter que repetir isso?

O grupinho se dispersou, cada um indo em direção ao seu lugar. O professor se sentou em frente a sua mesa, iniciando a chamada com uma voz monótona. Shouto conseguiu identificar mais um sobrenome familiar, encarando a colega pelo canto do olho, tentando reconhecer seu rosto. Desistiu, chegando à conclusão de que não tinha de se preocupar em ser reconhecido naquela classe- um alívio, se fosse ser honesto.

— Hagakure está ausente de novo? -O professor perguntou, seu olhar voltado para a primeira classe da quarta fileira. Suspirou pesadamente, suas sobrancelhas franzidas- Alguém sabe de algo?

— Ojiroooo...- A mesma menina negra de antes cantarolou, um sorriso malicioso em seu rosto. Os alunos começaram a rir, e um garoto loiro começou a balançar o rapaz a sua frente pelos ombros.

— Por que sempre eu? -O garoto que era balançado perguntou, seu tom de voz desanimado, rendendo mais risadas de seus colegas.

— Já chega- O professor disse, fazendo com que seus alunos se calassem imediatamente- Eu vou pedir para a coordenação ligar para a casa dela mais tarde, mas, antes, como vocês já devem ter percebido, temos um aluno novo.

Todos os alunos olharam para trás, encarando Shouto. Ficou um pouco desconfortável com todos os olhares voltados para si, mas tentou não demonstrar. Algumas garotas sorriam para ele com expectativa, enquanto alguns garotos lhe acenaram com a cabeça em saudação. Os demais estudantes apenas lhe encaravam com curiosidade.  Tentando se manter calmo, voltou o olhar para o professor, que folheava seu caderno de chamada tediosamente.

— Ele se chama Todoroki Shouto e foi transferido da Shiketsu High há algumas semanas, mas só agora a papelada ficou pronta. Ele vai ser colega de vocês pelo resto do ano, então sejam bonzinhos com ele- Alguns rapazes riram com a escolha de palavras do professor, fazendo com que Shouto sentisse um aperto em sua garganta- Todoroki, eu sou Aizawa Shouta, seu professor de história e conselheiro. Se precisar de qualquer ajuda, não se sinta acanhado em me procurar.

Shouto assentiu, voltando seu olhar para a classe. Ouviu os colegas se arrumarem em suas cadeiras e deixou um pequeno suspiro deixar seus lábios, aliviado. Odiava ser o certo das atenções.

— Muito bem, vamos começar com a aula- Aizawa disse, abrindo a apostila de história- Alguém poderia me lembrar em qual parte do conteúdo paramos?

— Começamos a estudar os astecas, senhor! -Iida o informou, e o professor assentiu.

Shouto continuou encarando sua classe, a voz de Aizawa entrando por um ouvido e saindo pelo outro. Sentiu seu olhar desfocar, algo que ele já considerava normal a essa altura do campeonato.

Por que diabos ele tinha que aprender sobre os astecas?

.

Abriu a porta que levava até o telhado da escola, entrando no local ao confirmar que mais ninguém estava ali. Fechou a porta atrás de si, caminhando até a mureta, que era cercada por uma cerca gigantesca, e se encostando contra ela. Fechou os olhos e respirou fundo, sentindo-se em paz pela primeira vez desde que acordara. Sim, aquele era um bom lugar para descansar.

Sentou-se no chão e puxou o celular do bolso, colocando a soundtrack de um dos filmes de Ghibli para tocar nos seus fones. Encostou a cabeça contra a parede e cerrou os olhos, decidindo tirar uma soneca até o início da aula. Normalmente ele teria feito isso na sala de aula, mas alguns de seus colegas haviam ficado e não paravam de tentar puxar assunto com ele, então optara por buscar um lugar mais calmo, onde pudesse relaxar sem nenhum adolescente idiota lhe enchendo o saco.

Sentiu-se mergulhar no mundo dos sonhos, ciente de que não estava mais ciente do que passava ao seu redor. Odiava dormir. Odiava tirar sonecas. Sempre tinha os mesmos sonhos quando tentava descansar. Os mesmos pesadelos odiosos.

Estava na sala de estar, assistindo um desenho animado na televisão. Isso não é real. All Might’s Adventure era o seu, e o de milhares de crianças, desenho favorito. Não perdia um único episódio, disputando o controle da televisão com seus irmãos e saindo vitorioso apenas por causa da intervenção de sua mãe. Isso não é real. O desenho acabou, e percebeu que estava com sede. Levantou-se e caminhou até a cozinha. Isso não é real.

Sua mãe estava de costas para ele, o telefone grudado em seu ouvido. Suas costas não paravam de tremer. Isso é apenas um sonho. Conseguia ouvir seu coração batendo, como se alguém batesse em um tambor no cômodo ao lado. Abriu a porta lentamente, encolhendo-se ao ouvir o familiar rangido. Isso é apenas um sonho. A mulher virou-se, assustando Shouto. Isso é apenas um sonho!

Abriu os olhos, um gemido agoniado deixando seus lábios. A primeira coisa que notou foram os olhos verdes que lhe encaravam, úmidos de preocupação- lembravam-lhe um pouco os olhos de um filhote de cachorro. Sentiu uma mão chacoalhar seu ombro e viu a boca dele se mexer, mas não conseguia ouvir som algum. Fechou os olhos, sentindo dor se espalhar por sua cabeça, e tentou desesperadamente lembrar se aquele garoto era um de seus colegas- tinha a cabeça coberta por cachos verdes, então não seria muito difícil se lembrar de alguém assim. Mas não conseguia.

Levantou-se, sentindo tontura tomar seu corpo. Shouto se inclinou para a frente, tentando recobrar o controle do corpo, mas sentindo-o se inclinar cada vez mais em direção ao chão. Sentiu algo se apertar contra seus ombros, e de repente estava novamente ereto, encarando aqueles dois olhos verdes. Suor começou a se formar em suas palmas e sentiu sua respiração acelerar, uma sensação sufocante em seu peito.

Ergueu o punho e acertou o rosto do garoto.

— Midoriya-kun!

Empurrou o rapaz no chão, encostando-se contra a mureta. Encarou as duas pessoas, que reconheceu como o representante da classe, Iida, e uma das garotas que estava na porta da sala mais cedo, que se aproximaram e ajudaram o garoto caído. A garota levou suas mãos ao rosto dele, que grunhiu e se afastou, levando a mão ao nariz.

Ah, está sangrando.

— Por que você fez isso com ele?!- Iida aproximou-se, balançando-o pelos braços. Novamente, afastou-se com um empurrão, dando alguns passos para longe do trio.

— Iida, para- O garoto murmurou, tentando lidar com a dor- Eu que o assustei de repente...

— Mesmo assim, Deku-kun, você está sangrando-

— Vamos só sair daqui- O rapaz, Deku, aparentemente, disse, tirando um lenço do bolso e o pressionando contra o nariz.

Iida relutantemente afastou-se de Shouto, uma expressão de julgamento em seu rosto. Ambos se encararam, disputando quem seria o primeiro a desviar o olhar.

Todoroki se recusou a oferecer uma explicação ou se desculpar. Não tinha que fazer isso. A culpa era de Midoriya- sim, apenas dele. A culpa era dele por ter enfiado o nariz onde não fora chamado. Shouto não pedira ajuda, não chamara ninguém. Ele mereceu aquele soco. Fechou as duas mãos em punhos, preparado para acertar o representante caso ele voltasse a se aproximar.

Tenya suspirou, arrumando os óculos sobre o nariz.

— Eu vou informar o Aizawa-sensei sobre esse ocorrido. 

Juntou-se a garota e ajudou-a a apoiar o amigo, os três deixando o telhado com passos lentos. Shouto deixou de prender a respiração, um suspiro pesado saindo por seus lábios. Sentiu as pernas cederem e caiu de joelhos, levando a mão ao peito para tentar se acalmar.

Achara que levaria menos tempo para que sua ansiedade atacasse. Sinceramente, sentia-se traído por si mesmo. Odiava-se por não ter controle do próprio corpo. Odiava-se ainda mais por machucar uma pessoa insignificante e não conseguir sequer levantar um dedo contra seu pai. Odiava-se por que quando sentiu seu punho entrar em contato com o nariz, teve vontade de desferir outros incontáveis golpes e descontar sua raiva no intrometido, mas, quando seu pai levantava a voz na mesa de jantar, a única coisa que conseguia fazer era abaixar a cabeça e se fazer submisso. Odiava-se.

Apoiando as mãos no chão, ergueu-se lenta e pesadamente. Não queria voltar para a sala de aula, mas sabia que alguém viria atrás dele caso não voltasse para a sala de aula- ainda mais depois do que fizera com aquele garoto.

Deixou o telhado com a cabeça baixa.

.

Conseguia ver com facilidade que Aizawa não estava contente. Mas, sinceramente, não se importava. Na verdade, naquele momento, queria mandar Aizawa ir se fuder. Por causa dele, chegaria atrasado na estação de metrô. Por causa dele, não conseguiria pegar seu trem. Por causa dele, chegaria atrasado para o jantar. Por causa dele, seu pai iria ficar zangado novamente. Por causa dele-

— Todoroki, você está escutando? -Aizawa interrompeu seus pensamentos, sua voz soando irritada. Ou seria cansada?

Encarou o professor, a boca selada em uma linha reta. Aizawa ergueu as duas sobrancelhas e cruzou os braços, como se dissesse “eu posso ficar aqui a noite inteira”. Continuaram se encarando, os olhos de ambos pegando fogo, como se disputassem quem sentia mais raiva pelo outro.

Uma tosse pequena pareceu trazer Shouto para longe da disputa, encarando Midoriya com o mesmo olhar raivoso.

— Como eu já disse, Sensei- O rapaz começou, sua voz soando nasalizada por causa dos algodões que tapavam ambas suas narinas- O Iida-kun entendeu errado, tudo não passou de um acidente! Não tem porque punir o Todoroki-kun. Além do mais, o meu nariz já vai estar bom amanhã! Ele não está sangrando mais, e a dor já diminuiu bastante- Como se para provar seu argumento, beliscou de leve seu nariz, tentando esconder sua dor com um sorriso.

Que idiota.

— Então ele estava tendo um pesadelo e você foi acordar ele? -Aizawa repetiu o que Midoriya, aparentemente, havia inventando após o representante informar o ocorrido. Seu tom de voz mostrava o quanto ele acreditava, ou melhor, não acreditava, em seu aluno- E, no susto, ele acabou te machucando? É isso?

Midoriya assentiu, um olhar sério em seu rosto. Shouto se perguntou no porquê de o garoto estar mentindo. Ou será que ele havia interpretado mal a situação? Por algum motivo, sentia-se mal ao pensar que ia se safar apenas por causa da ingenuidade de seu colega. Mas a voz em sua cabeça que gritava sobre o quanto ele iria ouvir de seu pai caso essa situação chegasse em seus ouvidos conseguia fazer ele esquecer esse sentimento.

Voltou a abaixar a cabeça, sua franja tapando seus olhos. Interligou as mãos, apertando-as fortemente. Não sentia o olhar do professor ou o de Midoriya sobre si, então assumiu que ambos estavam travando a sua própria batalha de olhares. Por fim, ouviu o professor suspirar novamente, e ergueu um pouco a cabeça, esperando por uma reação.

— Bem, se é isso o que aconteceu, eu não vou levar isso até a diretoria- Isso. Sentiu-se aliviado, mas preferiu esconder a sua reação. Afinal, se ele não havia machucado o colega intencionalmente, não havia porque sentir medo. Precisava fingir com perfeição- Mas que fique claro- Aizawa disse, sua voz grave fazendo Shouto endireitar-se na cadeira. Sentiu-se intimidado pelos olhos negros do professor, que pareciam ver através de sua alma- Eu espero que isso não se repita. Eu não quero que isso se repita. A próxima vez que algo assim, mesmo que seja um mísero peteleco em outro aluno, ocorrer, eu vou envolver o diretor e seus pais. Eu fui claro? -Moveu o olhar de Shouto para Midoriya, e ambos assentiram rapidamente- Vocês podem sair agora. Não esqueçam de fazer a lição de casa.

Estava na porta assim que o homem falou sobre a lição de casa, deixando a sala de aula com passos rápidos. Na verdade, passos desesperados. Levou quinze minutos para chegar na estação mais próxima da escola, lembrando-se rapidamente que seu metrô passava às dezoito horas. Tirou o celular do bolso, encarando os números na tela com olhos vazios.

Havia percebido que não chegaria a tempo no momento que deixara o prédio da escola. Mesmo assim tentara. Havia corrido praticamente todo o percurso até o local. Mas, obviamente, nada que ele fazia dava certo.

Olhou ao seu redor, notando a estranha ausência de pessoas. A estação não deveria estar cheia a esse horário? Desconfiou que todos haviam entrado no metrô que ele havia perdido, mas não deixou de achar a situação estranha. Sentou-se em um dos bancos da estação e tentou decifrar o aplicativo que continha os horários que os trens passavam. Encontrou o nome do seu, encarando o horário escrito.

Foi como se alguém tivesse lhe dado uma bofetada no rosto. Não teria como chegar em casa a tempo para o jantar. Pensou em ligar para Fuyumi, para jogar sobre ela o peso de informar ao pai sobre o atraso do filho mais novo, mas logo deixou de lado a ideia. Não se sentia bem quando via a irmã ter que aguentar o humor do velho calada- por algum motivo, não parecia certo.

Tentou criar uma desculpa boa o suficiente para que Enji acreditasse. Não poderia envolver nenhum professor em sua mentira, pois seria incrivelmente fácil para o homem simplesmente ligar para a escola e desmentir a história toda. Dizer que o trem havia se atrasado poderia funcionar se não fosse chegar atrasado em casa quase quarenta minutos, então descartou a mentira em sua lixeira mental. Pensou em dizer que havia se perdido no caminho até a estação, mas isso com certeza apenas aumentaria a fúria de seu pai.

Começou a se desesperar. Há tempos não cometia erros, então já fazia algum tempo desde a última vez que fora punido pelo pai. Após a última vez, levara quase um mês para que a dor em suas costas sumisse.

Não. Não queria aquela dor de novo. Não queria ser machucado. Não queria ser punido.

Levou a mão ao pescoço, coçando-o levemente. Ergueu o celular novamente, grunhindo ao perceber que apenas sete minutos haviam se passado. De repente, sentiu alguém lhe observando, erguendo a cabeça rapidamente. Era óbvio que Enji não estaria em um lugar como aquele, mas não conseguia tirar de sua cabeça a ideia de seu pai vir caçá-lo na estação. Quase sentiu alívio ao notar que não passava de seu colega de classe, Midoriya. Quase.

— Todoroki-kun! -O rapaz ergueu a mão, um sorriso brilhante em seu rosto. Midoriya se aproximou, e Shouto pôs sua mochila ao seu lado, deixando claro que não queria o garoto ao seu lado. Ele pareceu não notar o recado- Você também perdeu o seu trem?

— Sim.

— Ah, que saco isso, hein. Me desculpe pelo Iida-kun ter contado ao professor sobre o que aconteceu- Midoriya pôs sua mochila no chão, sentando-se sobre ela- Ele é todo preocupado em seguir as regras à risca, então fui totalmente ignorado quando pedi para ele não abrir o bico. Ai, ai, esse Iida- Começou a rir sozinho, como se visse graça em algo que apenas ele entendia. Parou de rir lentamente, como se estivesse se sentindo desconfortável por Shouto não demonstrar interesse em sua tentativa de conversa. De repente, postou-se sério, voltando seu olhar para Todoroki- Ei, Todoroki-kun, me desculpa por mais cedo. Eu realmente não quis te assustar.

— Eu te bati porque quis.

— Hein? -Midoriya perguntou, como se não tivesse escutado direito.

— Eu não me assustei- Shouto disse, encarando o chão. Coçou o pescoço com mais força, tentando afastar aquele sentimento de nojo- Eu bati em você porque quis.

— Mas... Mas por quê? -Olhou nos olhos de Midoriya, que o encarava com confusão.

— Porque eu não sou uma boa pessoa.

Midoriya não disse nada, então silêncio os rodeou. Voltou a erguer o celular, como se essa mera ação fosse acelerar o tempo. Suspirou pesadamente, abaixando sua mão ao sentir a pele do pescoço queimar. Passou a mão por cima da pele irritada, certificando-se de que não havia se arranhado ao ponto de sair sangue.

— O que houve com seu pescoço?

— Hein?

— Seu pescoço. Está vermelho- Midoriya disse, um olhar preocupado em seu rosto. Por algum motivo, ainda não havia desistido de tentar manter uma conversa com Shouto.

— Um mosquito me picou- Mentiu, e o rapaz assentiu.

Voltaram a ficar em silêncio. Pelo canto do olho, observou Midoriya, que mexia no celular de cabeça baixa. Não entendia por que o rapaz tentava se aproximar, principalmente depois do que havia feito com ele no telhado da escola, e não conseguia se decidir se era irritação ou confusão que sentia em relação a isso. Por que diabos alguém tentaria se aproximar de alguém depois que esse alguém lhe socou a fuça? Sinceramente, perguntava-se se Midoriya sofria das faculdades mentais.

— Sabe, Todoroki-kun- Ele disse, olhando para a frente- Eu não acho que você tenha feito isso porque você é uma pessoa má. 

— Como é? -Shouto sentiu seu coração acelerar. Encarou o garoto intensamente, tentando fazer sentido de suas palavras.

— Eu acho que você só estava tentando se defender- Shouto ergueu uma sobrancelha, encarando o colega como se ele tivesse criado uma segunda cabeça. Midoriya continuou, seu olhar nunca indo em direção a Shouto- Mesmo que você diga que não tenha se assustado, eu duvido disso. Você estava se contorcendo, e gemendo “não, não”... Foi um sonho assustador, não? -Midoriya voltou seus olhos para Shouto, um sorriso gentil em seu rosto. Sentiu o nó em sua garganta se apertar ainda mais ao olhar nos olhos verdes daquele garoto- Por isso, não diga que você não é uma pessoa boa, Todoroki-kun.

Queria chorar. Queria chorar ali mesmo, na frente dele e de todas as outras poucas pessoas que estavam na estação. Mas as lágrimas não vinham. Apenas a vontade de soluçar permaneceu em sua garganta.

Mas se conteve. Desviou o olhar, fingindo que o colega não existia. Tentou com todas as forças ignorar a presença de Midoriya, mas não conseguia fingir que não notava seu olhar.

— Ei, Todoroki-kun, e se a gente começar de novo? -Encarou-o pelo canto do olho, tentando fingir irritação. Mas, por algum motivo que nem ele entendia, só conseguia sentir interesse pelo outro, e tinha quase certeza que não conseguia disfarçar bem. Midoriya sorriu ao notar que ele o encarava, esticando a mão para ele- Eu sou Midoriya Izuku. É um prazer!

Contemplou aquela mão com olhos nervosos. Não sabia por que hesitava. Sempre apertava a mão dos colegas de trabalho e afins de seu pai quando o acompanhava nos bailes de gala e reuniões de trabalho. Era um gesto simples, criado pelos homens para que pudessem fingir simpatia um pelo outro. Perguntou-se se Midoriya estava fingindo simpatia por ele, sentindo um sentimento estranho crescer dentro de si. Não entendia muito bem o porquê de não querer que o rapaz fosse apenas mais outra pessoa que ele apertasse a mão. Era quase como se tivesse esperança, depois de muito tempo. Esperança de que alguém lhe olhasse sem frieza ou desgosto. Ou pior, pena.

Ergueu a mão lentamente. Deveria apertar aquela mão? Notou alguns calos nela, achando-os parecido com os que tinham em suas próprias mãos. Perguntou-se a história por trás das duas cicatrizes que cobriam sua mão- seriam suas origens parecidas com as de Shouto? Sentiu um arrepio percorrer suas costas, seus olhos se voltando para as orbes calmas de Midoriya, que o encarava com o mesmo sorriso gentil e uma expressão paciente no rosto. Sentiu os olhos encherem d’água, uma sensação de alívio percorrendo seu corpo no momento em que encostou sua mão na de Midoriya.

— Todoroki Shouto.

Sentiu lágrimas deslizarem por seu rosto, mas não desviou o olhar do de Midoriya. Não entendia por que se sentia triste. Mas também não entendi por que se sentia feliz. Era como se, depois de muito tempo, algo tivesse se aberto dentro dele. Algo que ele havia fechado e enterrado há muito tempo. Algo que ele sequer se lembrava que existia.

Não sabia explicar por que sentia isso. Não sabia explicar por que sentia isso ao tocar na mão de um garoto que ele havia descoberto o primeiro nome há poucos minutos. Não sabia. Sabia apenas que a mão de Izuku era quente. E gostava disso.

— H-hein?! Todoroki-kun, o que houve? Está com dor em algum lugar? Na sua mão? -Midoriya o bombardeou com perguntas, provavelmente estranhando as lágrimas repentinas. Virou a mão de Shouto, examinando-a atentamente.

— Não... Não, estou bem- Afastou sua mão, secando as lágrimas com ela. Sentiu as bochechas esquentarem, envergonhando-se pelas emoções que sentira.

Midoriya o observou atentamente, procurando por sinais de dor em sua expressão. Satisfeito ao não notar nada, voltou a sorrir amavelmente, uma expressão contente em seu rosto. Shouto voltou o olhar para ele, tentando entender o que diabos se passava na cabeça do rapaz. De repente, Izuku se levantou, estapeando o uniforme para tirar qualquer sujeira que houvesse ficado.

— O meu trem vai passar daqui a pouco...- Izuku arrumou a mochila nas costas, seus olhos encarando o relógio de pulso que tinha consigo- Você vai pegar qual trem, Todoroki-kun?

— O das dezoito e quarenta.

— Ah, ainda falta um pouco então...-Observou Midoriya levar a mão ao queixo, como se pensasse em algo. De repente, o garoto começou a murmurar, assustando-o levemente. Ele voltou seu olhar para Shouto, um olhar animado em seu rosto- Ei, Todoroki-kun, eu acabei de lembrar que tenho que fazer algumas coisas na parte leste da cidade, então tudo bem se eu acompanhar no trem? -Sentiu seu coração parar. Aquilo era uma mentira, não? Era óbvio que era uma mentira. Ele havia acabado de falar que seu trem já iria passar, então por que ele estava mentindo?

Estava com pena de Shouto? Ou só queria continuar conversando? E por que diabos Shouto sentira alívio ao ouvir a pergunta de Midoriya?!

Tinha que dizer não. Não podia ser visto caminhando com Midoriya. Seu pai não podia vê-lo com Midoriya. Sabia exatamente o que Enji iria dizer- que não estava na escola para fazer amigos e brincar, mas, sim, para ser o melhor. O melhor dos melhores. Não podia ter amigos. As consequências seriam gravíssimas se fosse visto.

Por que caralhos ele estava ignorando a voz que lhe relembrava sobre a fúria de Enji?

— Tudo bem.

Estava perdido.

.

— E-essa é a sua casa?!- Midoriya exclamou, os olhos tão arregalados que pareciam prestes a saltar para fora de seu rosto.

— Sim...

— Enorme... -O mais baixo disse, claramente admirando a residência.

Estranhou o comportamento de Izuku. Por mais que a UA não fosse um colégio restrito apenas para a classe mais alta, a quantia a ser paga para estudar lá era incrivelmente alta. Perguntou-se se Midoriya havia visto algo muito interessante em sua casa ou se apenas morava em algum local menor. Optou por não comentar sobre a reação dele, não querendo envergonhar ou ofender o colega.

Shouto encarou Izuku, que continuava analisando a casa com um olhar sonhador. Demorou para que ele notasse que estava sendo observado, um sorrisinho envergonhado se formando em seu rosto.

— Me desculpa ficar encarando, mas é que eu nunca vi uma casa tão bonita assim em pessoa- Midoriya levou a mão aos cabelos encaracolados, mexendo em alguns cachos com o dedo indicador- Deve ser legal viver em uma casa assim.

Não é.

— É sim.

Midoriya arrumou a mochila nas costas, e Shouto sentiu seu mundo desmoronar. Esquecera completamente o que lhe aguardava quando chegasse em casa. Era como se, naquele momento, toda sua paz tivesse sido arrancada e jogada para longe. Sentiu suor frio começar a descer por sua nuca, sua pele assumindo um tom pálido. Fez o seu melhor para disfarçar o mal-estar, torcendo para que Midoriya não fosse capaz de notar.

— Bem, eu vou indo- Izuku disse, voltando-se para o rapaz. Sua expressão vacilou levemente, mas logo botou um sorriso animado no rosto- Vamos nos ver amanhã, né? Aí eu posso te mostrar os melhores locais da escola para estudar e cochilar- Soltou uma risadinha, parando apenas quando percebeu que Shouto não reagia. Desconfiou que ele havia notado o seu terror, mas não fora questionado ou analisado pelo garoto. Pelo menos não notara nada. Sentiu algo tocar seu ombro e ergueu os olhos do chão, encarando os olhos verdes, que na escuridão da noite pareciam negros, de Midoriya- Até amanhã, Todoroki-kun.

Assentiu, e Izuku tirou sua mão do ombro de Shouto. Trocaram um último olhar, e observou o garoto descer a rua, sua figura diminuindo cada vez mais, até que não conseguia mais vê-lo.

Abriu o portão da casa e entrou dentro do pátio, aquela sensação horrível em seu estômago aumentando cada vez mais. Não entendia. Já deveria estar acostumado a isso. Já deveria estar acostumado ao medo.

Shouto apertou a maçaneta, abrindo a porta lentamente, em uma tentativa de atrasar o seu destino. Entrou dentro da casa, tirando os sapatos e caminhando silenciosamente até a sala de jantar, deparando-se com a figura preocupada de Fuyumi e, surpreendentemente, com a presença de Natsuo.

— Shouto! Bem-vindo de volta- Fuyumi disse, erguendo-se do tatame e caminhando até Shouto, olhando-o de cima a baixo com os olhos trêmulos- Você se atrasou um monte, então pensei que algo tivesse acontecido. Ainda bem que você está bem! -Sorriu, e Shouto assentiu levemente, não querendo ignorar o esforço dela em tentar ser uma boa irmã mais velha.

Sempre se sentia mal por Fuyumi quando via ela se esforçar por uma família que já não existia. Desde pequeno, observara ela defender o pai do rancor dos irmãos mais novos, vira ela se sobrecarregar com as tarefas domésticas para que os mais novos não precisassem ajuda-la e, todos os fins de semana, via ela deixar a residência Todoroki para visitar a mãe no hospital psiquiátrico, recusando-se a abandonar a mulher que um dia fora o pilar que sustentara aquela família. Ver os esforços de sua irmã serem ignorados fazia Shouto ter vontade de socar a cara de Enji até sangue sair, mas logo se lembrava que ele era uma das pessoas que ignorava os esforços da mulher, então simplesmente se encolhia e fingia desinteresse.

— E aí, Shouto- Olhou para Natsuo, que erguera um braço e oferecera um sorriso torto.

— O que está fazendo aqui? -Percebeu muito tarde o quão rude soara, mas não ofereceu um pedido de desculpas. Era estranho demais ver Natsuo na mesa de jantar, já que ele, depois de Touya, era quem mais ignorava a presença de Enji.

— Rude. A Fuyumi me convidou, e já que o velho escroto não tá aí, decidi vir prestigiar a comida da minha irmã- Lançou um sorriso para a irmã, que se alegrou quase que imediatamente.

Como?

Encarou o irmão como se ele fosse louco. Já era de noite. Enji já deveria estar em casa. Ele provavelmente estava lhe esperando na academia, com aquele olhar de “como você se atreve”. Não tinha como ele não estar ali.

— Aconteceu um imprevisto em Hokkaido, então o papai teve que viajar até lá. Ele vai ficar um tempinho fora, então aproveite para relaxar, Shouto- Fuyumi explicou, notando a expressão de pânico no rosto de Shouto- Vá trocar de roupa para que possamos começar a comer.

Fuyumi se sentou na frente de Natsuo, que cutucava a comida impacientemente. Como se um botão tivesse sido acionado dentro de si, Shouto disparou em direção ao quarto, fechando e trancando a porta.

Sentiu raiva. Sentiu ódio. Por todo o seu corpo. Como se fosse uma coceira, uma coceira que não saía não importa o quanto ele coçasse. Atirou-se contra o futon, coçando o pescoço desesperadamente. Sentiu os olhos encherem d’água, mas as lágrimas se recusavam a cair. Por quê?

Por quê?!

Por que diabos não conseguia ter um dia de paz, sem se preocupar se estava se comportando aos padrões de Enji ou se ia manchar a honra da família Todoroki? Por que tinha que andar na rua sempre checando se não estava sendo seguido por paparazzis ou fãs fanáticos de seu pai? Por que tinha que viver com a presença de Enji grudada a suas costas, observando cada decisão e gesto seu, gritando em sua mente com aquela voz nojenta: “acha realmente que deveria fazer isso?”.

Sentiu vontade de gritar. Mas não podia fazer isso. Fuyumi e Natsuo o esperavam no andar de baixo, então teria que se recompor rapidamente para não preocupar os irmãos. A última vez que as preocupações de Fuyumi foram parar nos ouvidos de Enji, ficara quase um semestre inteiro trancado dentro de casa, sendo educado pelo homem em pessoa.

Virou-se na cama, acalmando a respiração. Por algum motivo, pensou em Midoriya. No sorriso de Midoriya. Sentiu as bochechas aquecerem, envergonhando-se por ter chorado na frente de uma pessoa que mal conhecia. Teria que se desculpar amanhã.

Amanhã. Finalmente lhe caíra a ficha de que voltaria a ver o garoto. De que ele não fora apenas uma miragem. De que ele estaria na classe 1A, lhe esperando com aquele sorriso gentil. Talvez conseguisse conversar apropriadamente com ele amanhã. Talvez conseguisse esquecer a família Todoroki por pelo menos um dia.

Fechou os olhos, lembrando do calor que sentira quando tocara na mão de Midoriya. Um calor protetor e gentil, como o fogo de uma lareira. O mesmo calor que sentia quando abraçava sua mãe. Não. Não tinha como aquele calor ser o mesmo que o de sua mãe.

Ergueu-se do futon e caminhou em direção à sala de jantar, tentando desesperadamente tirar aqueles pensamentos de sua cabeça.


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Notas finais do capítulo

E então? O que acharam? Mereço comentários? kkkkkkk
Por favor, me avisem se encontrarem qualquer erro gramatical para que eu possa arrumar.
Até a próxima!



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