A Jaula escrita por Maria Chinikoski


Capítulo 3
Um drink


Notas iniciais do capítulo

Comentem, por favor. Isso ajuda bastante a renovar as ideias.



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O bar da periferia estava até bem movimentado. Para um dia comum, muitos já haviam decretado o fim das atividades laborais e deleitavam-se com bebidas e conversas jogadas fora. Não haviam muitos de outras raças além da humana. Era o lugar perfeito para se distrair.

Pouco afastado do balcão, um casal de amigos bebia alegremente, quando a garota soltou um grito, quase derrubando sua cerveja:

— VOCÊ FEZ O QUE????

— Se acalma, Yen, não queremos chamar mais atenção - Riu o moreno.

Yen se arrumou na cadeira, estendendo o caneco de madeira para um atendente que passava, enchendo-os de bebida.

— Nunca achei que logo você pediria para sair da patrulha!

— Os tempos mudam... Eu estava cansado daquilo.

— Mas eles não tentaram te apagar por isso?

— Pff... - Ele sibilou em desprezo - Sou uma boa "ferramenta". Eles vão me manter enquanto precisarem. E outra, eles ainda acreditam que eu poderei servir como manipulação das massas. 

— Estranho. Pensei que eles apagariam suas memórias. 

— Convenci nosso supervisor que serei muito mais útil assim.

— E vai trabalhar no que, a partir de agora?

Alef suspirou e se recostou na cadeira, coçando a cabeça com sua mão alienígena.

— Vou patrulhar a fortaleza enquanto os moleques consertam a fortaleza por fora.

— Você vai para fora? Fazem meses que não saio mais em missões fora da fortaleza!

 

— Pelo que entendi, nossa raça não é mais a única preocupação...

— Como assim?

— Os Vulcans e os Troppens... Parece que chamaram atenção de outras raças inteligentes no caminho até aqui... Foram interceptados. 

— Ora. Já temos seis raças além da nossa nesse planeta. Eles acham que isso é uma colônia de férias? 

Ambos ficaram em silêncio quando uma criança humana se aproximou com as mãozinhas estendidas.

— Ei! Podem me dar um doce?

Alef olhou para trás e viu que além da criança, outras duas crianças humanas e três crianças de outras raças olhavam ansiosas na espreita.

— Tome, reparta com seus amigos!

Alef despejou uma mão cheia de balas. Aquilo era raro, mas as crianças sempre conseguiam pedir pelo pátio. Os olhos da garotinha se iluminaram e um fio de baba escorreu pelo canto de sua boca. 

Mais que depressa, ela correu para os amigos, pulando de alegria.

As crianças, independente da espécie, pareciam se dar muito bem naquele ambiente. Todas brincavam e estudavam juntas. Formavam laços maravilhosos, até chegar aos 12 anos, quando iniciavam-se as aulas da preparação profissional.

Nesse momento, cada raça era dividida conforme as expectativas de desenvolvimento: Os humanos, a classe mais baixa, era considerada uma casta inferior, devendo se contentar com serviços braçais pequenos para sua "fragilidade" perante as outras espécies.

Os Vulcans, fortes servidores braçais, limitavam-se à linhas de produção pesadas, trabalho com minério e produção de aço.

Os Troppens, ágeis e meticulosos, trabalhavam com produção de pedrarias, tecidos, decorações...

Os Olhudos (como os humanos os apelidaram), trabalhavam com movimentações financeiras de grande porte, como se fossem administradores financeiros dos bancos...

Os Reptilian trabalhavam com policiamento e serviços que necessitavam de grande agilidade...

E por ai vai. Cada espécie dominava uma área específica e podia contratar as outras para trabalhar dentro de suas empresas, de acordo com o que esperavam do serviço a ser feito.

Além das espécies principais, haviam sub-espécies, surgidas a partir do cruzamento entre diferentes espécies. O hábito cresceu tanto que os supervisores coibiram a prática, proibindo a perpetuação destas novas criaturas. As que, por ventura, viessem ao mundo, seriam tratadas como a raça de casta mais inferior, até mesmo que a humana.

Em geral, viviam nas extremidades além da periferia após os 12 anos. Não conseguiam trabalho e eram mandados com frequência para o trabalho de recuperação da fortaleza exterior.

Com os ataques de animais ferozes e de outras espécies que queriam dominar o planeta, logo os novatos que trabalhavam na área externa eram mortos.

Seu sumiço era tão comum que, ao serem mandados para fora da fortaleza, geralmente ganhavam um dia para se preparar, se alimentar bem e se despedir de sua família e de seus amigos.

 

— Enfim... Alef, como você pretende lidar com tudo isso?

— Eu não preciso... Os novatos ficam por conta e risco lá fora. Meu trabalho será relatar as perdas e fazer meu relatório diário de danos e avarias por ataque. 

— ...

— Os próprios policiais externos entrarão em combate. Não preciso fazer nada além de me defender e procurar um lugar calmo até tudo acabar.

— Tenho um pouco de medo por você.

— Aposto que estarei bem melhor que você.

Um silêncio tomou conta da mesa dos dois. Era possível prestar atenção em cada conversa ao redor, nas risadas dos trabalhadores cansados, na cantoria da pequena Stella, que subia em um barril de madeira para cantar a troco de moedas...

— Sabe... Eu estou cansada de matar... Nossa espécie... Ainda mais sabendo de tudo.

— Não há muito o que se fazer a respeito. Estamos presos aqui dentro. Teremos que viver da melhor forma possível.

— Esse povo... - Ela se zangou - Eles vivem sendo manipulados! Eles não sabem o que estão passando! Alguns já foram remodelados tantas vezes que já nem sabem quem são!

A pequena Stella parou de cantar de repente. Parecia ter esquecido o que estava fazendo ali. Ela observou todos ao redor e logo seu pequeno corpo estremeceu e ela balançou sua cabeça, voltando a cantar de forma doce.

Alef apertou sua própria mão por baixo da mesa, escondendo sua ira.

— Está vendo? Ela é só uma criança! E eles a usam para ficar aqui cantando e observando as coisas para eles!

Era óbvio que Stella já nem sabia quem eram seus pais. Toda noite, a menina se deitava embaixo de uma das mesas e ficava com seus olhos opacos, totalmente sem vida, olhando para o nada. 

No outro dia, ao amanhecer, já levantava e começava a cantar outra canção. Se não fossem os usuários comuns da taverna levarem comida para ela, a garotinha já teria morrido de fome.

— Acostume-se - Disse ele, pegando sua caneca e enchendo de bebida novamente. - Temos outro assunto mais complicado para discutir agora... Alguém anda furtando do estoque dos desestabilizadores. Não é uma quantia pequena. 

Ele estendeu uma sacola marrom, bem discreta para Yen, que a pegou com cautela e escondeu dentro da roupa, ignorando a criança novamente.

— Suponho que descobrirão logo e eu ficarei com dificuldades de roubar nossas doses diárias por um tempo. Fique com isso até que tudo se resolva.

— Tem alguma ideia de quem é?

Alef balançou a cabeça, negativamente.

— Acredito que possa ser alguém de lá de dentro mesmo. Poucos humanos teriam acesso. Alguém está liberando grandes doses nas mãos de humanos... Imagino que tenham algum plano em desligar os chips... Talvez... Uma revolução? Ou só uma distração para outro crime...

— Espere - Ela sacou na hora - Mais cedo, um civil recobrou a consciência. Tiveram vários casos como esses nas últimas quinzenas. Será que alguém deu uma dose para retirar seus chips? 

— Pode ser... Mas... Bem, você deve guardar isso como se fosse sua vida. Eu precisarei de menos, pois ficarei lá fora. Mas você não pode deixar eles dominarem sua memória novamente. 

— Tinha... Um rapaz de capuz mais cedo. Ele parecia fora do efeito da moldagem cerebral. 

— Viu algo que o destacasse?

Ela pensou um pouco, recriando a cena em sua cabeça, mas não havia nada que a prendesse a atenção no cidadão estranho.

Ela negou e Alef secou mais uma caneca de bebida.

— Então fique na sua. Não comente com mais ninguém!

— Eu entendo. Eles já desconfiam de nós em tudo. Qualquer motivo e seremos "apagados".

— Talvez outra espécie esteja planejando essa "distração"... Mas é só um palpite. 

Ele bateu o caneco na mesa e tirou algumas moedas do bolso.

— Hoje é por minha conta! 

— Mas foi você quem mudou de cargo! Eu que tinha que pagar!

— Yen, sua companhia já me pagou! - Ele beijou sua testa - Estou indo. Amanhã cedo me mudo para o exterior. Morarei na fortaleza externa por um tempo.

Eles se abraçaram e Alef foi embora. 

Yen levantou e seguiu seu caminho, embolada com emoções estranhas sobre Alef. Ele era um ótimo amigo e um grande protetor. 

As coisas ficariam estressantes dali em diante.

Seguindo seu caminho para casa, Yen mudou seus passos e seguiu por ruas mais afastadas. Tudo o que não precisava era topar com humanos sem chips e ter que trabalhar mais.

Ela só queria descansar e colocar seus pés para cima um pouco.

Descendo pela oitava quadra, notou como as casas estavam ficando abandonadas. Certamente os residentes pertenciam à nova leva de crianças mandadas na véspera para o exterior da fortaleza. 

As poucas luzes acesas àquela hora da noite, revelavam pais chorosos pela perda de um filho, outras crianças berrando de fome, animais magricelas nas janelas espiando...

Bem adiante, Yen sentiu uma dor de cabeça extrema. Seus chips estavam em conflito! Memórias do dia todo começaram a rodar em sua cabeça. O que estava havendo?

Ela viu, de relance, um humano com a mesma capa de hoje mais cedo.

Parecia muito com ele! Ela tinha certeza!

Ela correu em sua direção:

— Pare! Fiscal! Ordeno que pare!

Ele correu e virou a esquina. Yen tirou sua arma, mas cambaleou contra a parede. Sua cabeça estava ardendo e as memórias rebobinando. Algo estava muito errado com seus chips! 

Ela virou a esquina, apontando a arma, mas ouviu um grito estridente!

Em sua frente, apenas crianças! Nada do rapaz de capa!

— Ti-tia... Eu não fiz nada! - Dizia a criança humana, chorando e levantando os braços.

Yen ficou irritada e a empurrou de lado com força, procurando seu alvo.

— Garotinha, você viu um homem de capa escura?

Mas ao se virar, a garotinha estava em suas costas, com um rosto sério.

Em suas mãos, um teaser de alta voltagem.

— Não venha atrás do meu irmão! - Disse ela, atingindo Yen na barriga.

Yen caiu no chão, babando, eletrocutada. Ela sentia o sangue quente escorrer em sua cabeça. Deveria ter batido feio no chão. Suas últimas lembranças eram a garota a olhando e um rapaz de capa aparecendo.

— Bom trabalho...

Ela sentiu ele pegando-a pelo pé e a arrastando rua abaixo.

A garotinha vinha atrás, com a arma de Yen na mão.

— Ei! Ela ainda está consciente! - Disse a menininha.

O rapaz olhou Yen e focou uma lanterna em seus olhos, observando a retração de sua pupila.

— Desculpa, belezinha. Você não pode ficar acordada!

Ela sentiu um segundo choque, ainda mais forte e desmaiou.


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Notas finais do capítulo

Comentem, por favor. Isto ajuda muito.



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