Jane escrita por Lucca


Capítulo 3
Aproximação


Notas iniciais do capítulo

Realmente achei que daria conta desses momentos de forma mais breve para levá-los ao próximo nível. Não rolou. Muita coisa precisava ser pontuada, então ainda estamos no hospital nesse capítulo.
Espero que os momentos descritos aqui os ajudem a entender como Jane está e o ritmo que quero dar ao casal daqui pra frente na história.
Boa leitura.



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Kurt foi pontual para o horário de visitas. Não queria perder um minuto sequer. Vestia a camiseta azul claro que Jane lhe dera no último aniversário recordando a voz dela avaliando a prova da roupa: “Perfeito! Combina com seus olhos. – disse deslizando a mão por seu peito. -Hmmm, acho que foi um presente um tanto quanto egoísta, já que quem vai desfrutar dessa visão sou eu.” E revirou os olhos fingindo descontentamento antes de envolver os braços ao redor de seu pescoço e beijá-lo. De volta ao presente, o sorriso nos seus lábios refletia mais que apenas a felicidade do passado, era a gratidão pelo presente, por ainda haver um presente. Ao lado dela, pouco importava os desafios que o futuro traria.

Diante da porta do quarto, sentiu um frio na barriga como um adolescente que chega para o primeiro encontro com a garota mais linda da escola. Respirou e observou a si mesmo: na mão direita o ramalhete de flores do campo - as preferidas de Jane, na mão esquerda a sacola com tudo que Avery pediu que ele trouxesse. Ele estava tão orgulhoso da enteada. Em poucas horas a garota conseguiu a transferência da mãe para um quarto retirando-a daquele ambiente exposto da UTI. Jane não era uma paciente fácil, ele sabia e a dor no seu quadril fazia questão de reafirmar isso. Avery com certeza também não era uma acompanhante fácil. É, a melhor escolha era colocar entre elas e a equipe médica a distância e privacidade necessária.

Duas batidas suaves na porta, a voz da enteada liberando a entrada e Kurt sentiu as pernas bambas enquanto caminhava para dentro do quarto.

Um segundo foi tudo o que durou. Uma fração de tempo tão ínfima e tão especial. Os olhos de Jane encontraram os seus e a ebulição de sentimentos fez seu coração disparar com uma alegria que há dias atrás ele pensou que jamais voltaria a ter. Mas a reação dela veio logo em seguida. Primeiro fixou o olhar na porta, depois deu as costas pra ele e fechou o semblante e os olhos.

Kurt suspirou e arriscou adentrar mais no quarto:

— Bom dia. Como passaram a noite?

— Bom dia. A noite foi tranquila. Ela fica bem mais calma aqui no quarto. E muito mais ativa também. Estava bem acordada até um segundo antes de você entrar. – Avery fez questão de salientar reforçando com a expressão do rosto que desconfiava do súbito sono de Jane.

— É, parece que usar a camiseta favorita dela e trazer flores não me ajudou muito. – Kurt disse meio sem graça.

Observando a tensão no rosto da mãe, a garota resolveu tentar dissuadi-la:

— Esse sono repentino não engana ninguém. Ei, Jane – chamou tocando suavemente o rosto da mãe que abriu imediatamente os olhos pra atendê-la. – Kurt está aqui e trouxe flores! – continuou dando sinal para que ele se aproximasse e oferecesse o ramalhete.

Os olhos de Jane pousaram por alguns segundos nas flores depois alcançaram os olhos de Kurt com a respiração já pesando, então foram para a porta do quarto. Numa reação rápida, ela voltou a fechar os olhos e virar a cabeça para o lado.

— Bom dia, Janie. – ele disse da forma mais suave que podia e voltou a suspirar antes de se dirigir à enteada. – Com certeza não sou bem vindo. Então, não vou demorar. Trouxe tudo que você pediu e mais algumas coisas que achei que poderiam precisar. – e colocou a sacola sobre o sofá no lado oposto do quarto depois de deixar as flores com a garota.

— Preciso que você fique, Kurt. – disse ajeitando as flores na mesa de cabeceira. – Sua presença a incomoda.

— Como todo o resto a está incomodando, Avery. Não quero ser mais um peso pra ela.

— Mas esse incômodo é diferente. Toda vez que você se aproxima ela tem reações que novas: contato visual, choro, chute, fingir estar dormindo. São reações humanas, Kurt, que mostram que o cérebro dela está buscando caminhos. Ela não fez isso com mais ninguém. Quando estudamos como o cérebro aprende, os estudos apontam que é preciso incomodar, colocar lá algo que cause inquietação, que te tire da zona de conforto. Quase como uma ostra produzindo uma pérola.

— Então você acha que minha presença pode ser boa mesmo deixando ela irritada? Eu não queria ser esse grão de areia a incomodando... por que não o Rich?

— Porque ela não ama Rich tanto quanto ama você. Sentimentos são muito importantes para nossas sinapses cerebrais. Existem estudos consistentes sobre inteligência emocional. Talvez isso seja o que ela mais precisa para se reconectar conosco e com tudo mais a sua volta.

— É uma boa teoria...

— É mais que teoria. Observei Jane nas últimas dezoito horas e estou bem otimista. Mas temos uma montanha de obstáculos que precisam ser resolvidos logo.

Enquanto Avery falava, Jane voltou a abrir os olhos e observou as flores ao seu lado na mesa de cabeceira. Em seguida, seu olhar migrou para Kurt de forma discreta, pelo canto dos olhos e novamente foram para a porta antes de voltar a fechá-los irritada.

Kurt que não tirava os olhos da esposa, observou que por baixo do lençol, ela esfregava os pés um no outro. Lembrou-se de algo que já deduzira. Foi até a sacola e pegou um par de meias.

— Ela tem muito frio nos pés. Melhor colocarmos meias para aquecê-la. – disse oferecendo as peças para a garota.

— A esposa é sua. Vai lá, calça as meias nela, Kurt. Você não está com medo de encarar a fera, não é?

— Não, não. – ele disse sorrindo tímido, mas a verdade é que temia sim a reação de Jane.

Ele se aproximou da cama e, devagar, deixou que sua mão pousasse sobre os pés dela ainda sobre o lençol. Ela abriu os olhos e observou o que ele estava fazendo. Então puxou os pés para o lado, os afastando das mãos de Kurt. Pacientemente, ele se abaixou e mostrou as meias pra ela:

— Meias para esquentar seus pés. – disse com calma.

Ela olhou diretamente pra ele enquanto falava, mas assim que a frase terminou, voltou a olhar para a porta e virou o rosto para o outro lado.

Kurt respirou fundo e descobriu os pés de Jane. A reação dela foi imediata: encolheu as pernas e olhou para ele como um olhar ameaçador. Ele levantou as mãos sinalizando desistência e voltou a cobrir os pés dela. Então entortou o pescoço na direção da enteada oferecendo novamente as meias:

— Tem que ser você. Ela não vai me deixar fazer isso.

— Então ela vai ficar com os pés gelados até que vocês dois entrem num acordo.

— Avery...

— Não tem Avery, Kurt. Não vou fazer e pronto. Se você desistir, ela fica sem meias.

Deus, Jane e Avery num mesmo pacote nunca era algo fácil! Ele assentiu com a cabeça pensando em tentar novamente mais tarde. Talvez uma das duas cedesse.

— Melhor você se sentar, Kurt. Tenho muita coisa pra contar. – a garota começou. – Vou tentar resumir rapidamente. Tudo que a deixa insegura traz aquele estado catatônico de volta. Acho que é uma forma dela lidar com isso. O foco é sempre as tatuagens, então, assim que ela recuperar um pouco da coordenação motora, deve ser estimulada a desenhar. Aliás, todas as funções cerebrais que ela tinha desenvolvidas acima da média na maioria das pessoas deviam montar redes com diferentes zonas do cérebro, então acho devemos usar e abusar disso. Jane sabia treze línguas, estou pensando em testar todas elas. As palavras podem não ter significado em inglês, mas talvez tenha sobrado algum signo linguístico das demais linguagens. Vamos ter que explorar isso. A música também fica armazenada numa parte diferente do cérebro e pode ser um recurso importante nesse momento. Espero que você tenha um acervo grande pra gente usar.

Kurt coçou a nuca incomodado.

— Acho que a nossa playlist é 99% minha. Mas ouvíamos juntos. Será que isso serve?

— Talvez... ela nunca comentava sobre alguma canção?

— Uma vez ela falou sobre algumas, mas comentou que ouvia com Oscar e eu não reagi muito bem.

— Aff. Tenta lembrar qual era. Precisamos disso.

— Vou tentar. Também vou fazer uma busca pelas coisas de Remi que ficaram no galpão de Shepherd. Deve ter muitas referências lá.

— Ótima ideia.

Nesse momento, Jane voltou a abrir os olhos e repetiu a mesma sequência de observação: as flores, Kurt, a porta e voltou a fingir dormir.

— As flores, eu e a porta. Acho que ela quer que eu saia. – ele disse triste

— Ou talvez esteja esperando alguém entrar...

— Enfermeiras?

— Não, meu palpite é Allie. Acho que isso é o que mais a tem incomodado nas suas visitas. Em todas elas, Allie estava com você.

— E por que isso a incomodaria?

— Minha teoria é que ela só se lembra realmente de nós dois. Uma lembrança que deve estar muito mais atrelada à sentimentos do que ao racional. O resto todo está confuso. Nós somos as pessoas que ela mais ama. Um sentimento que sempre acompanha o amor é o ciúme.

— Jane nunca teve ciúmes de Allie, Avery.

— Porque o racional não apontava motivos para isso. Agora provavelmente ela nem sabe quem é Allie, especialmente com relação a você.

— Então, você acha que o ideal é que eu não reforce o vínculo entre mim e Allie pra ela?

— Seria ótimo. Jane precisa reaprender que é única pra você, não apenas mais uma.

— Faz sentido. Vamos fazer dessa forma.

— Ah, sobre a fisioterapia dessa manhã. Eu até teria sentido dó da fisioterapeuta se a mulher fosse um pouco mais simpática.  Jane não facilitou nada pra ela. Mas com a minha intervenção, ela fez muitos os exercícios. E ficou bem triste quando não conseguiu fazer outros. Acho que ela ainda se cobra demais.

— Quando ela tiver alta, podemos pesquisar um profissional que consiga desenvolver uma relação de empatia com ela. Isso vai ajudar. E vamos ter que ajudá-la a aceitar as novas limitações.

— A nutricionista passou hoje cedo. Insisti em mostrar que ela tem fome e sede. Mas é outra profissional que está irredutível com as quantidades. Disse que não quer sobrecarregar o corpo dela. As mudanças que fizeram desde que ela saiu do coma foram mínimas. Agora Jane está acordada e isso demanda um gasto bem maior de energia. Além disso, ela está grávida. Devia estar comendo por dois e não apenas essa dieta líquida. Depois de quase uma discussão, ela aceitou que a gente dê 1 ml de água via oral, com a seringa, bem devagar. Vamos começar assim na próxima administração. Se Jane aceitar bem, sou a favor de burlarmos as regras oferecendo 1 ml a cada meia hora.

— Avery, não vamos descumprir as determinações da equipe que está cuidando dela. Tudo ainda é muito recente.

— Eu também insisti para que liberassem sua estadia aqui o dia todo. Eles concordaram. Vamos ver se depois de algumas horas acompanhando-a com sede e fome você ainda vai defender essas prescrições absurdas.

Meia hora depois, a copeira passou trazendo a água de Jane. Avery pediu para que Kurt conectasse o frasco à sonda para tentar estimular o vínculo entre o casal.

Enquanto ele realizava a tarefa, Jane se sentou na cama e o observava pelo canto dos olhos, desviando o olhar toda vez que Kurt se virava pra ela. Ao pegar a seringa com água, ele optou por dar a volta da cama e tentar conexão visual em parceria com Avery para explicar o que iam fazer. Mas os olhos de Jane não saiam da seringa, visivelmente salivando sedenta pelo líquido.

Kurt se sentou na beirada da cama e foi gotejando a água devagar na boca dela. Para sua surpresa, ela permaneceu calma e concentrada em sorver o líquido. Algumas vezes, levou a mão até a traqueostomia, mostrando incomodo.

— Deve estar doendo pra engolir. Ela puxou o tubo duas vezes, deve ter machucado. – Avery comentou.

— Mas ela está indo devagar, tomando cuidado pra não se engasgar. Isso é ótimo. – Kurt comentou orgulho.

Foi rápido. A quantidade era mínima. Jane olhou para os dois com um olhar que misturava gratidão e tristeza. Depois abaixou os olhos para o nada se concentrando em respirar.

— Merda... – Kurt deixou sair num grunhido sentindo seu coração se despedaçar por não poder oferecer mais água a ela.

— Bem vindo ao quarto 312, senhor certinho. Defende as prescrições nas quantidades de água e comida agora. – Avery não perdeu a oportunidade de alfinetá-lo.

Kurt se levantou e foi se sentar no sofá, respirando para não deixar que lágrimas se formassem em seus olhos. Avery sentou-se na cama ao lado da mãe que se recostou em seu peito e começou a acariciar seus cabelos prometendo que tudo aquilo logo passaria.

Quando ele se sentiu forte o bastante para voltar a olhar pra elas, foi surpreendido com o olhar de Jane firme sobre ele. Comovido, sorriu tentando passar seu carinho e confiança. Lentamente, viu o pé esquerdo dela se estender na sua direção. Receoso de estar enganado, decidiu consultar a enteada:

— Meias? Será que estou certo?

— Só vai descobrir tentando, Kurt. Pensou que acordaria a Branca de Neve com um beijo, mas vai ter que começar como o príncipe da Cinderela: pelo sapatinho, ou melhor, a meia!

Ele riu e pegou a meia. Sentou-se aos pés da cama e descobriu o pé dela. Jane desviou o olhar, mas não puxou o pé como nas tentativas anteriores. Ele calçou a primeira meia e observou enquanto ela puxava a perna de volta, colocando o pé esquerdo sob o direito para empurrá-lo na direção dele. Repetiu a tarefa, agora com a respiração ofegante de felicidade.

— Você viu o que ela fez? – disse todo empolgado enquanto permanecia acariciando os pés da esposa.

— Jane sendo Jane. Ela vai encontrar uma forma de superar cada limitação. Tenho certeza! – Avery respondeu orgulhosa.

                                **************************************

No início, a presença de Avery parecia apenas um sonho. E Jane estava disposta a arriscar a decepção que sofreria depois desfrutando daqueles momentos. Mas a garota ficou e foi se mostrando sua âncora naquela nova realidade estranha. A presença dela mudou tudo. Ela foi levada para um outro lugar, um quarto onde as duas ficavam bastante tempo sozinhas e isso era tão bom.

As pessoas estranhas ainda se aproximavam, tocavam nela, mas com Avery ali logo se afastavam. Também voltaram a alimentá-la e Jane percebia o quanto a filha era insistente com relação a isso. A garota também parecia muito mais carinhosa com ela, como se realmente a amasse de forma especial. Nada a confortava mais. Realidade, sonho ou loucura? Não importava, isso era bom e ela só queria desfrutar disso.

Tudo estava bem até ele voltar. Assim que percebeu sua presença fez a única coisa que podia: fingiu adormecer. Talvez assim ele se afastasse. Ela sabia o que viria a seguir. A mulher que o acompanhava chegaria e isso sempre a fazia chorar. Não deixaria isso acontecer dessa vez.

Mas a outra mulher não chegou e ele ficou ali parecendo querer cuidar dela. Era tentador ceder. Muito tentador. E ela tinha a certeza de que acabaria machucada. Algo nele a fragilizariam, seus instintos gritavam isso.

Jane resistiu como pode. Mas ele era tão constante, terno. Seu olhar, sua voz... um convite perfeito para fazê-la ceder. Tudo estava tão confuso. Se não havia mais lucidez, porque não se permitir aproveitar das coisas boas?

                                               ************************

No final da tarde, a equipe médica pediu para falar com Kurt e Avery sobre o resultado da tomografia do dia anterior. Patterson e Tasha vieram ao hospital querendo notícias e trouxeram Allie. A latina entrou no quarto para ficar com Jane enquanto as outras acompanhavam a reunião para dar apoio aos amigos.

Para não ficar muito longe do quarto e poder atender prontamente caso Jane não aceitasse a companhia de Tasha, agruparam-se na ilha central do andar que ficava quase em frente.

— Passamos o dia analisando a imagens da tomografia. Enquanto algumas áreas se mostram bem mais ativas que nos últimos exames, outras áreas não apresentaram melhora alguma. Também avaliamos isso levando em consideração os últimos dias e as reações de Jane desde que acordou.  E estamos bastante preocupados. Tudo aponta que novos apagões acontecerão de forma imprevisível. Talvez até mais profundos do que aquele que ela teve, afinal as áreas lesionadas são muito importantes. O que estamos tentando dizer é que existe o risco real de novas paradas cardio-respiratórias.

— Não entendo. Ela parece tão bem. – Kurt balbuciou sem acreditar no que ouvia já sentindo as mãos de Allie nas suas costas, o confortando.

Allie esfregava as costas de Kurt sentindo suas preocupações atingirem níveis inimagináveis. Tudo o que ela mais temia estava acontecendo. “Droga, Jane! Você podia tê-lo poupado disso!”

— Mas ela acordou, não é mesmo? Há dois meses atrás não havia esperanças quanto a isso. E são lesões causadas por ZIP, sem precedentes. É difícil traçar perspectivas. – Patterson tentou chamar a atenção de todos para a singularidade do caso.

— Sim, ela acordou, mas os exames mostram que isso pode ser não só temporário como pode ter aumentado a instabilidade do caso. Ela pode parecer bem... – o médico ia dizendo.

— Ela não parece bem. Ela está bem. – Avery o interrompeu com firmeza. – Só precisa de mais tempo para a readaptação.

— O estado de Jane é pouco diferente do vegetativo, um estado catatônico não é lucidez. Entendemos que deve ser difícil ouvir notícias tão desanimadoras. Mas, enfim, diante do quadro, achamos que o melhor é induzir novamente o coma, evitando novas paradas através da respiração artificial. Dessa forma teremos um controle maior sobre o quadro.

— Coma induzido? Eu não tenho certeza se concordo... isso me parece radical demais. – Kurt disse em choque com a possibilidade.

— Oh, Kurt, eu sinto tanto. Mas é melhor agir agora e, como o médico disse, mantê-la estável. Talvez assim a bebê tenha alguma chance. – Allie disse tudo que podia para ajudar o amigo.

— Eu não concordo! É a minha mãe ali e não vou deixar que a coloquem em coma de novo! – Avery disse bem exaltada. – Ela acordou. Está gerando esse bebê ao longo dos últimos meses e fazendo o máximo que pode para lidar com que o cérebro dela não é capaz de fazer ainda!

— Avery, querida, eu sei o quanto isso é difícil. Mas Dr. Gleyson foi muito claro. Jane não precisa de tempo para se readaptar porque as lesões que sofreu não permitem readaptação. Sentimentos nos fazem enxergar mais do que o real. Precisamos pensar no que é melhor pra elas agora. E pensar em vocês também para que possam voltar a rotina... – Allie se arriscou a falar para poupar Kurt.

— Allie, eu agradeço se ficar de boca fechada. Afinal você não é nada dela. Não vou autorizar esse coma induzido de forma alguma. Ela está bem e melhorando. E se esse tempo no hospital está sendo desgastante para qualquer um de vocês, podem voltar para suas preciosas “rotinas” que eu assumo Jane sozinha de agora em diante. Tenho dinheiro suficiente para pagar enfermeiras e qualquer outro tipo de cuidado que precisarmos. Mas ela vai ter todo o tempo que quiser acordada porque eu jamais vou tirar isso dela!

— Nós não vamos desistir dela nem aceitar isso. – Kurt disse se aproximando da enteada. – Estou aqui desde de manhã e pra mim está mais que claro a capacidade de recuperação de Jane. Inclusive acho que, ao invés de pensar em reconduzi-la ao coma, deveriam dar comida e água suficientes para que ela possa se recuperar. – no final da frase ele já estava bem exaltado.

Nesse momento, Tasha apareceu na porta do quarto totalmente exaltada, acenando e os chamando. Todos correram em sua direção.

A latina sorria entusiasmada:

— Vocês precisam ver isso! Entrem, entrem!

Enquanto todos entravam no quarto, Kurt segurou o braço de Allie:

— Por favor, Allie. Prefiro que você fique aqui fora. – disse com calma

— Kurt, por favor, não me diga que está chateado pelo que eu disse... Só estou tentando ajudá-los porque sei que estão envolvidos demais emocionalmente para serem racionais.

— Não estou chateado com você, Allie.  Mas preciso que você se afaste porque a nossa escolha é deixar o emocional tomar as decisões nesse caso.

— Espero que você não se arrependa disso...

— Não me arrependerei, Allie. Por favor, respeite isso enquanto ainda não estou chateado com você.

Ela assentiu com a cabeça e se dirigiu ao hall dos elevadores.

Dentro do quarto, todos cercaram a cama. Jane parecia distante, olhando para o nada.

Tasha se sentou de frente para ela na cama e disse:

— Vamos, Jane. Repita o que fez. Mostre a eles, garota!

Nada. Jane parecia totalmente ausente.

De repente, o bebê de Tasha começou a se mover na barriga provocando ondulações em seu abdômen.  Foi o que bastou para os olhos de Jane migrarem para lá. Em seguida a mão dela repousou sobre a barriga da latina.

— Sim, é o meu bebê aí. Está tão grande e forte agora, não é mesmo? E o seu bebê, Jane? Mostre a eles...

Com muita dificuldade, a mão direita de Jane alcançou sua própria barriga. Arrancando suspiros de todos no quarto.

— Isso. Isso. – Tasha continuou a incentivando e colocou suas mãos sobre as dela. – Uma garotinha aqui e outra aqui. – e depois se dirigiu para as pessoas ao redor – Foi a mesma coisa da primeira vez. Percebi ela observando minha barriga, me sentei aqui na cama e ela colocou a mão mostrando que entendia. Depois tocou a própria barriga. Isso não é demais? Ela sabe que está grávida!

Assim que Tasha terminou de falar, os olhos de Jane percorreram rosto por rosto das pessoas no quarto. Pararam ao encontrar Avery em quem se mantiveram firmes e emocionais. A garota, então, se aproximou mais da mãe. Os olhos de Jane migraram para sua própria barriga e de volta pra filha de novo.

— É, parece que estou no rol das garotinhas na barriga. Ela sabe que sou filha dela. – e deu um beijo na cabeça da mãe.

— E nós tínhamos decidido evitar falar do bebê porque achamos que seria difícil pra ela entender e lidar com isso. – Kurt disse rindo orgulhoso. – Está vendo, Dr. Gleyson. Jane está se readaptando e nós não vamos tirar dela a chance de viver essa gravidez. Entendo que existem riscos e vamos arcar com isso.

— Sr. Weller, nem sei o que dizer. Esse nível de interação dela é completamente inesperado e inexplicável diante dos exames...

— Ela é sempre assim, Doutor. Inesperada e inexplicável. Por favor, transmita nossa decisão a junta médica responsável. E foquem em estratégias que a ajudem a deixar esse hospital o quanto antes. Porque nós vamos levá-la pra casa. - Kurt concluiu com firmeza.

O médico se retirou e Jane pareceu ficar bem à vontade na presença de Tasha e Patterson.

                                               **************************

Eles a deixaram sozinha com a mulher latina. Jane sabia que uma hora ou outra isso aconteceria. Eles partiriam. Sempre foi assim. Ela sempre acabou sozinha. Mas por algum motivo estranho a tal mulher a fazia ela se manter calma.

A barriga avantajada logo chamou sua atenção. Um bebê. Como aquele que se movia dentro dela. Como Avery um dia cresceu dentro dela.

Ou será que essa criança se movendo em seu ventre era só mais uma alucinação? A confusão de seus pensamentos não lhe permitia avaliar direito a situação.

Talvez se tocasse a barriga da mulher fosse capaz de perceber se era real. Ela tinha que tentar. Foi o que ela fez e outra mulher foi tomada de uma alegria imensa o que tornou tudo ainda mais confuso. E depois ainda trouxe muitas pessoas pra dentro do quarto.

Assustada, Jane se isolou no mar de linhas e tinta sobre sua pele, ignorando todos ao seu redor. Pensou em ficar ali pelo tempo que fosse necessário até todos se afastarem.

Entretanto, ao ver o bebê se movendo na barriga da outra, ela não dia permanecer distante. Precisava descobrir se sua gravidez era loucura ou realidade. Jane só rezava para que aquelas pessoas entendessem suas dúvidas.

Ao tocar na barriga da latina e na sua, todos ao seu redor pareceram felizes e comovidos. Ela não compreendia as palavras, mas os olhares, as expressões e gestos pareciam confirmar: havia mesmo um bebê ali. Um motivo para ela lutar contra suas limitações e trazê-lo à vida.

                                               ***********************

Os próximos dias seguiram uma rotina intensa de fisioterapia, fonoaudiologia e nutrição. No final de semana, a traqueostomia e a sonda alimentar foram removidas. Após alguns vômitos, Jane voltou a se alimentar normalmente. Ela se mostrava mais atenta ao seu entorno a cada dia.

Na segunda-feira, ela já caminhava com apoio entre as barras na fisioterapia. Na quarta já percorria pequenas distancias apoiada apenas nas mãos de Kurt ou Avery.

Jane mantinha sua aproximação de Kurt diferente daquela que tinha com a filha. Permitia que ele a auxiliasse quando necessário, mas mantinhas certa distância em muitos aspectos. Por exemplo, não aceitava qualquer ajuda dele durante o banho ou para ir ao banheiro.

A forma como ela o olhava também era diferente. Sempre ficava o admirando quando Kurt estava distraído. E fingia não ter tanto interesse quando ele estava olhando pra ela. Ele não fazia muito diferente. Também só a observava quando Jane estava dando atenção a outras coisas. Não queria parecer invasivo. Quando estavam em contato direto, evitava olhar para ela de forma prolongada.

Avery acompanhava tudo inconformada. Pra ela era nítido que o flerte estava instalado, mas nenhum dos dois parecia se dar conta disso. Por muitos dias, deixou as coisas fluírem. Mas numa noite, sozinha com Jane, resolveu mostrar diversas fotos de Kurt que fez com seu celular. A tatuada pegou o aparelho e ficou entretida por muito tempo correndo as fotos.

— Sabe o que é isso, D. Jane? Você tem um crush em Kurt Weller.

Depois disso, Avery passou a sussurrar a palavra “crush” no ouvido dela toda vez que surpreendia Jane suspirando enquanto olhava Kurt.

Quanto a fala, Jane não mostrava avanço algum. Mas ela já interagia com alguns poucos sinais. Mesmo sem respaldo médico, Avery insistia no estímulo através das diferentes línguas que a mãe conhecia antes da lesão cerebral.

Na quinta-feira a ideia pareceu surtir algum resultado. Ao oferecer água a Jane, ela usou palavras em africâner para sim e não. Quando Kurt chegou, estava empolgada em mostra o progresso:

— Jane, ja. – disse fazendo a mãe olhar para ela.

Jane olhou para o copo e o levou até a boca para sorver um gole. Ela mal tinha começado, Avery continuou:

— Drink nie.

Ao ouvir, Jane parou de beber e esperou.

— Ja ja. – Avery disse e ela voltou a beber.

— Ela entende africâner? – Kurt perguntou empolgado.

— Sim e não parece entender. Já é algo muito importante. Talvez consigamos usar isso para trazer o significado em inglês. Dominar o “sim” e no “não” seria um grande avanço na independência dela.

— Vamos tentar!

No mesmo dia os médicos disseram para se prepararem para a alta do hospital. Após conversarem bastante e diante de novos imprevistos, Kurt decidiu alugar uma cabana não muito distante de NYC e levar Jane para lá nos primeiros dias. Avery concordou. Ar fresco, natureza, fora da agitação da cidade podia ter muitas vantagens. A garota teria que voltar para a faculdade. Ela não gostava nada da ideia de se afastar da mãe, mas seus estudos tinham apontado estratégias que foram muito significativas na recuperação de Jane. Sendo assim, os dois concordaram que lá, Avery poderia aprofundar as pesquisas e conseguir novas informações.  

Jane parecia entender que uma separação de Avery viria em breve. Mostrou-se entristecida sempre que tocavam no assunto. A garota e Kurt fizeram questão de explicar tudo a ela, mesmo sabendo que ela não compreenderia totalmente o que diriam.

Quando chegou o momento da despedida, as duas estavam visivelmente abatidas, mas foram firmes até mesmo durante o abraço.

Só vários minutos depois de Avery deixar o quarto, Jane começou a chorar compulsivamente. Kurt sentou-se na beirada da cama sussurrando palavras de segurança e arriscando acariciar os cabelos dela. Aos poucos ela se acalmou. Permaneceu triste, mas não houve qualquer forma de retrocesso no seu estado.

O dia seguinte era o mais esperado e as horas passaram lentamente enquanto resolviam a burocracia para deixarem o hospital. Finalmente, já à tardinha, entraram no carro e pegaram a estrada rumo à cabana que os abrigaria nos próximos dias. Kurt estava eufórico. Jane, apesar de parecer totalmente na defensiva durante todo o trajeto do quarto ao carro, deixou-se guiar por ele.

Fora do hospital, sozinhos, tudo seria diferente.


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Notas finais do capítulo

O que acharam desse capítulo? Confesso que não publiquei segura como foi com os dois primeiros. Talvez porque não alcancei o arco desejado. Queria muito deixá-los após os primeiros momentos em casa. Então, se puderem compartilhar comigo suas sensações durante a leitura, agradeço de coração.
E, como sempre, obrigada por viajarem comigo por essa história.