Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 4
proíbido o trânsito de veículos de condução humana




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Com auxílio do despertador, Karine acordou cedo. Ela não se apreçou, nem precisou conferir os preparativos da viagem, tudo já havia sido despachado no dia anterior e, provavelmente, já lhe aguardaria no depósito de bagagem da aeronave em que embarcaria em algumas horas. Após se levantar, ela se banhou e desceu até sua sala de jantar, onde tomou um desjejum, que seria outra das bandejas de refeições prontas que eram preparadas automaticamente em seu forno de cozimento pré-programado.

Após o café da manhã, ela retornou ao quarto, onde passou a se arrumar calma e dedicadamente. Não era sua primeira viagem diplomática, embora seria a mais importante até então, e ela sabia que, como uma embaixadora, mesmo o simples translado poderia ter alguma cobertura. Consequentemente, poderia ser usada publicitariamente, ou, pelo menos, para enriquecer seu currículo e, quem sabe, até mesmo ajudá-la a desenvolver uma carreira política. De forma que era necessário se preocupar em causar a melhor impressão possível a todos e a todo momento. “Apenas quem é visto é lembrado”, ela repetia para si mesma, quase como uma prece ou um mantra, enquanto retocava a maquiagem em torno dos olhos, se encarando em um grande espelho de seu quarto.

Considerando-se bonita o bastante para encarar o mundo, ela desceu até a garagem, onde lhe aguardava seu veículo, um utilitário de cor branca que lembraria uma minivan, porém com design bem mais arrojado e elegante. Ao se aproximar e parar diante dele por um segundo, sua porta se abriu automaticamente, revelando o amplo espaço interno. Ela adentrou o veículo e se assentou, sensores no interior do veículo a identificaram e o banco, automaticamente, tomou formas mais ergonômicas, configuradas para o usuário “Karine”. O painel, que era completamente liso, sem absolutamente nenhum comando, e no mesmo tom de branco que o restante do veículo, se acendeu em alguns mostradores e o computador de bordo, com uma voz masculina clara e agradável, a recepcionou:

— Bom dia, Karine.

Ao que ela respondeu também com um “bom dia”, de forma cortês, o que fez o computador continuar com sua programação de interação humana:

— A previsão de hoje é que teremos um dia de céu claro e limpo, com temperatura amena e agradável. Você gostaria que eu abrisse o teto solar?

— Não, obrigado.

— OK. Diga-me, para onde iremos hoje?

— Para o centro de lançamentos Beltran & Smith, por favor.

Um som quase imperceptível de carregamento soou rapidamente, o qual foi logo substituído por outro, que soava continuamente e era igualmente pouco audível, o motor estava ligado. O painel passou a mostrar o velocímetro e um indicador de bateria. A porta da garagem se abriu automaticamente ao detectar o veículo ligado. Enquanto o carro iniciava seu movimento para fora da garagem, Karine colocou um par de óculos projetores e mexeu em seu dispositivo portátil, conectando-o a rede de mídia. Ela buscava os arquivos de uma série de filmes fictícios, produzidos na época em que ainda se realizaram as primeiras explorações espaciais, que imaginavam um universo onde naves espacias, que mais pareciam com aviões e navios, viajavam e combatiam pelo cosmo da mesma forma que aviões e navios faziam dentro da atmosfera de nosso planeta; onde seres humanos interagiam com estranhas criaturas extraterrestres em mundos inventados que eram tão diferentes da Terra quando estereótipos fazem parecer que a Arábia é da América. Achados tais filmes, ela acionou o play para assisti-los durante a viagem.

Enquanto ela permanecia dentro do veículo, alienada a tudo em seu entorno, este se deslocava graciosamente. Saindo de sua propriedade, seguiu por uma das ruas daquela área residencial, que era margeada por mansões, todas elas tão, ou até mesmo mais, imponentes quanto aquela da qual havia acabado de cruzar os portões. O veículo logo deixou o nobre residencial e se aproximou de um cruzamento com um grande viaduto, sobre o qual estava uma rodovia de múltiplas faixas. Na confluência da rua com o viaduto, em sua lateral direita, se levantava uma grande placa com o aviso: “RODOVIA DE CONDUÇÃO AUTÔNOMA – PROIBIDO O TRÂNSITO DE VEÍCULOS DE CONDUÇÃO HUMANA”, embora Karine, entretida em assistir os filmes antigos que tanto lhe agradavam, não se apercebeu. Na verdade, ela não perceberia qualquer coisa em seus arredores.

Na rodovia, automaticamente e simultaneamente, duas faixas de veículos, tiveram sua velocidade diminuída levemente, o que abriu um espaço na via que permitiu ao carro de Karine adentrá-la, sem a necessidade de parar ou diminuir no cruzamento. Após se posicionar na segunda faixa a partir da margem direita, os veículos afetados, assim como o da jovem duquesa, tiveram suas velocidades normalizadas e as fileiras de carros continuaram prosseguindo em perfeita sincronia.

O carro de Karine se posicionou entre outros dois, embora ela não se atentasse a nada além das imagens projetadas nas lentes de seus óculos, podia-se, através das janelas de seu veículo, ver perfeitamente o que se passava nos demais. No carro da direita, seguia um rapaz bem vestido e com um longa e bem aprumada barba, o qual possuía instalado em seu banco um gadget que lhe penteava os cabelos, ele também usava óculos projetores. Em suas lentes, se podia ver que ele assistia a desenhos animados bem infantis, que provavelmente eram o motivo pelo qual ele seguia viagem com um sorriso abobalhado estampado na face. Já no carro da esquerda, seguia um outro homem, acompanhado de uma menina, provavelmente pai e filha, ambos com óculos projetores. O homem, trajando um terno fino, assistia a conteúdos pornográficos, enquanto a menina a seu lado, usando o que parecia ser o uniforme de algum colégio muito caro, seguia conversando com um rapaz numa videochamada. Os três veículos seguiam paralelamente, sem que os ocupantes de nenhum deles se inteirasse dos demais, como se repetia em toda a longa extensão daquela visualmente interminável via. Cada indivíduo, em cada um dos incontáveis veículos, parecia estar em um mundo próprio, em um universo particular, mesmo os que dividiam o espaço físico do carro com outra pessoa. Não percebiam quando seus veículos reduziam, para permitir que outro mudasse de faixa ou mesmo deixasse a rodovia, nem quando, após estes movimentos, retornavam a velocidade regular de viagem. Na verdade, a maioria daqueles viajantes estavam tão inertes em suas distrações alienantes que nem sequer se davam conta que estavam em movimento. Muito menos seriam capazes de perceber que fora daquele viaduto, que sempre se apresentava a todos eles em perfeitas condições de tráfego, havia antigas estradas marginais, cujo asfalto estava desgastado pelo abandono. Vias marginais onde uma multidão ainda maior de pessoas, não tão bem sucedidas quanto eles, tentavam singrar as mesmas distâncias e percursos conduzindo obsoletos veículos, muitos dos quais ainda possuía motores movidos pela queima de combustíveis líquidos. Gerando um trânsito caótico e propenso a acidentes e percalços oriundos de falhas humanas, muitas das quais se davam, justamente, porque alguns deles insistiam em tentar usar óculos projetores enquanto dirigiam.


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