Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 31
Está queimado




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Karine estava sentada a mesa, com braços cruzados e uma expressão chateada. Na mesma mesa, Marcus permanecia analisando um relatório na tela de um aparelho. O som fraco e continuo do forno aquecendo o desjejum da garota ecoava de fundo, evitando que um silêncio absoluto dominasse aquele ambiente. A jovem notou a aliança dourada no dedo anelar de seu companheiro de silêncio e, após alguns instantes, decidiu tentar puxar alguma conversa:

— Então, você é casado, não é?

— Sim, sim. - Marcus respondeu, meio que pego de surpresa. - Uma mulher maravilhosa, que me deu um menininho lindo.

— Hum, que bom. - ela forçou um sorriso. - Particularmente, não consigo me imaginar casada. Aproveitar um relacionamento e a companhia do outro é muito bom. Mas, me prender como que por um contrato de exclusividade que é, ao menos teoricamente, vitalício… A ideia pode ser até bonita, mas, qual é, não funciona na prática. Pra mim, é aproveitar enquanto durar, e quando acabar, acabou… Talvez, se tiver sido bom, com uma segunda rodada depois de um tempo. - um riso forçado saiu da garota, que logo desvaneceu, ao perceber que o rapaz parecia não compartilhar de seu senso de humor e, incluso, pareceu se incomodar com o comentário.

— Para mim e minha esposa está funcionando, e tenho certeza que continuará. Mas, cada caso é um caso, não é mesmo.

— Ah, bem, que está funcionando, eu acredito, mas, falar do futuro é um pouco mais complicado. - ela respondeu, novamente forçando um sorriso, sem conseguir induzir o mesmo em seu ouvinte. - Já tive relacionamentos “duradouros” também, mas, não durou.

— Não, não teve. - Marcus respondeu friamente, enquanto retornava sua atenção a seu relatório. - Você pode ter usado uma pessoa ou outra para suprir suas necessidades, tanto as físicas, quanto as emocionais, mas, isso não é se relacionar com alguém. É apenas usar, como a um produto. Uma vez que ele tenha cumprido sua função, e a sua necessidade tenha passado, ele é descartado. Pelo jeito que fala, não duvidaria que você nunca teve um relacionamento de verdade.

— Você que não sabe do que está falando! - Karine respondeu ríspida, não disfarçando a irritação que o comentário lhe causara. - Já tive vários namorados, e foram relacionamentos intensos e reais. Só não preciso de subterfúgios, como uma argola de metal em volta do dedo, para acreditar que tenho algo com alguém.

— Quantidade é diferente de qualidade e, quanto a ser intenso… um filme ou um jogo de computador podem ser muito intensos, mas, isto não os tornam reais. Uma pessoa pode assistir todos os filmes já produzidos e jogar todos os videogames que existem e, mesmo assim, nunca ter vivido uma aventura de verdade… - Marcus percebeu a expressão da garota se transtornando, e preferiu tentar evitar prolongar a discussão, ao que, sorrindo e alterando o tom de voz para algo menos sério, comentou: - Só quero dizer que… Bem, eu, pelo menos, acho, que se você entendesse mais de relacionamentos, teria tentado conhecer Ivana um pouco melhor antes de lhe fazer qualquer proposta…

— Ah, isso… - Karine corou. - Ela já lhe contou…

— É, acho que ela vai ficar brava por alguns dias.

— Não entendo o por quê… Eu até admito que eu posso ter me equivocado, mas, ela também está exagerando. Parece que nunca foi numa balada ou numa festa, as coisas são assim, oras. Ela deveria ter ficado feliz em chamar atenção, eu ficaria.

— Exatamente isso.

— Isso o quê?

— Não creio que ela já tenha ido a alguma “festa” ou “balada”. Ivana tem uma história complicada. Ela e o irmão cresceram seguindo o pai e suas ideologias. Não que isso tenha sido errado, ele realmente era um homem bem intencionado. Mas, as vezes parece que ele se esforçou tanto por tornar os filhos excelentes “técnicos”, que acabou esquecendo de lhes ensinar a terem… uma vida social ou algo do tipo. Ivana se convenceu que tinha ser “dura”, então se afastou e se isolou de todo mundo, vivendo atrás de uma muralha de cinismo e sarcasmo. Acho até que ela nunca… Bem você sabe…

— Ah, isso é ruim. Mas, não é minha culpa ela ser uma alienada e ter desperdiçado a vida em vez de curtir e aproveitar…

— “Desperdiçado a vida”? - Marcus disse rindo. - Ela pode não viver como você acha que é certo, e pode também ter seus problemas, mas, se tem uma coisa que esta garota não fez, foi desperdiçar a vida. Acredite, ela já fez bem mais na “vida alienada” dela, do que qualquer pessoa que você pode encontrar em qualquer das suas festinhas fará ao longo de toda a vida. Olhe para esta nave, Ivana não só a consertou, como também a melhorou. Isso para não mencionar que, praticamente todos aqui, e isso inclui também você, estão vivos por causa dela. Não espero que você realmente entenda isso. Com certeza, você é do tipo que passou a vida toda se cercando apenas de pessoas que pensavam e agiam exatamente como você. Cresceu sem conhecer e sem aceitar que existem pessoas que pensam, agem, acreditam e são diferentes de você; e, como sempre esteve cercada de gente do mesmo tipo, se convenceu que todo mundo é, ou deveria ser, assim. Logo, pensar e agir de forma diferente da que você pensa e age é errado.

— Ela não me parece feliz sendo assim “diferente”…

— E você? Você é feliz?

A pergunta emudeceu Karine. Tal questão bateu no fundo de sua mente, fazendo-a ponderar sobre sua resposta. Porém algo nela insistia que ela não poderia dar o braço a torcer, e isto se antecipou aos demais pensamentos que tinha, jogando uma resposta em sua boca que foi esbravejada, porém, sem muito convicção:

— Sim, claro que sou. Venho de uma boa família, vivo em ótimas condições, estou ascendendo em minha carreira… Consigo tudo o que quero. Por que não seria feliz?!

— Bom, você pode continuar repetindo isso para si mesma, até se convencer. - Marcus terminou sua fala com um sorriso, o que incomodou a garota a sua frente, que parecia formular uma resposta. Porém, antes que ela começasse a falar, ele fungou algumas vezes no ar e questionou: - Que cheiro é este?

— Ai, droga, o forno!

O cheiro de queimado começava a se espalhar pelo refeitório, ao que Karine correu até o forno, pressionando o botão “Cancelar” para desligá-lo, enquanto esbravejava: “Mas eu segui as instruções da embalagem, como pode ter queimado!”. Marcus apanhou a caixinha no lixo e leu sua parte traseira, olhou para o painel do forno e concluiu:

— Bem, as instruções dizem “Forno em potência média”, você deixou em potência alta. - a garota demonstrou grande frustração, ao que ele riu e continuou: - Ah, não leve isso tão em conta, quase todo mundo queima a comida na primeira vez que cozinha.

Marcus voltou a mesa, enquanto ela tirava o prato do interior do forno para ver se conseguiria salvar algo da refeição. Após retirar as partes escurecidas, encontrando partes “aproveitáveis”, ela retornou também a mesa, acompanhada de sua refeição, ainda pretendendo “ganhar” a discussão que iniciara, porém, enquanto seguia para a mesa, Klás também adentrou ao refeitório, cumprimentando a ambos enquanto ia até o balcão pegar um pouco de café. Já não estar mais a sós com o membro da tripulação que ela sentia “conhecer melhor”, acabou por intimidá-la e ela optou por deixar a conversa anterior morrer.


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