Colônias Galácticas escrita por Aldneo


Capítulo 15
O velho não para de falar




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— Como já lhe disse, não sou um homem religioso, não acredito, nem prego, nada destas coisas. O que dizia, era sobre as condições da Terra, que são únicas. Como se ela houvesse sido projetada, ou “criada”, para ter vida, distintamente dos demais planetas - Mallus-Bernard continuava a falar, em um tom sóbrio e calmo. - Não estou dizendo que por um deus, ou qualquer coisa do tipo sobrenatural, ou talvez tenha sido… Não sei e não me importo. Se preferir, que seja por algum tipo de máquina, um supercomputador, criaturinhas verdes de outro mundo, ou mesmo humanos vindos de um futuro distante e avançado, ou seja lá o que mais quiserem inventar, as pessoas podem escolher em qual baboseira querem acreditar, que me é indiferente… O que sei, o que eu constatei, é que a Terra foi feita para ter vida, Marte, e qualquer dos outros mundos que conhecemos, não.

— Creio que você está generalizando um pouco demais… - Karine comentou, em um leve tom de reprovação.

— É mesmo? Está pensando em quê? Na missão a Proxima Centauri? Diga-me o que você sabe sobre este projeto?

Karine virou os olhos e suspirou, mostrando certa contrariedade, e respondeu sem nenhuma animação:

— Apenas o que noticiam, que a sonda que atingiu o planeta encontrou atmosfera respirável e água líquida… E que a nave para a missão tripulada já está nos estágios finais de construção…

— Seus amigos do Instituto não lhe contaram nada mais? Hã… Sabe que como financiador tenho acesso a qualquer informe deles, não é? E resolvi dar uma olhada nos resultados da sonda. Não mentiram sobre atmosfera respirável e água líquida, mas agora quanto a tentativa de colonização… - Mallus abaixou a cabeça meneando-a para os lados, numa clara atitude crítica – Tanto a água quanto o solo do planeta são extremamente alcalinos, tanto que torna a existência de vida lá, pelo menos de “vida terrestre”, que é o único tipo que conhecemos, inconcebível. Fato constatado pelas amostras analisadas. A sonda se deslocou por vários quilômetros e analisou centenas de amostras do solo e da água, e em nenhuma delas identificou sequer uma única partícula orgânica. Além do que, devido ao tipo de estrela e a distância em que a órbita, o planeta recebe cerca de quatrocentas vezes mais radiação que a Terra, muitos especialistas acreditam que foi isto que fritou os circuitos da sonda pouco mais de uma semana após ela ter chegado lá. Realmente, isto me parece bem mais creível do que as teorias de nossa mídia sensacionalista. Como a que diz que a sonda teria sido destruída por um “nativo”, que não gostou de encontrar um robô alienígena em seu planeta. Mesmo assim vão mandar essa missão suicida, que os próprios voluntários já estão cientes que, independente dos resultados, é sem volta.

— Pelo que ouvi da missão, ela é sim uma viagem “sem volta”, mas pelo tempo que durará, caso cheguem ao sistema de Centauro e percebam que a colonização não é viável, a nave terá plenas condições de retornar a Terra…

— São mais de quarenta anos de viagem, apenas a ida e com a potência máxima dos mais modernos motores de propulsão laser. Se voltarem, serão os filhos e netos dos que partiram que retornarão. Tanto que só permitiram voluntários que fossem jovens, casados e que possam gerar descendentes ao longo da viagem; e, caso decidam pela colonização, não haverá volta alguma, pois a primeira colônia seria montada com o casco da nave. Daí viveriam lá, fechados, como numa prisão, incapacitados de sair, já que a superfície do planeta é intolerável para “terráqueos”… Enquanto aqui, todos comemorariam o grande feito da “humanidade” e gravariam felizes seus nomes na história como os idealizadores de tal façanha científica…

— Mas isso é apenas se nos limitarmos ao ponto de vista da nossa atualidade, não sabemos o tanto que se desenvolverão as tecnologias de terraformação até o início da missão, e poderão, inclusive, continuar a desenvolvê-las nos laboratórios a bordo da nave… - Karine respondeu rispidamente, já não disfarçando o descontentamento com as opiniões do velho empresário.

— Terraformação!? Ah, por favor! Não me diga que você realmente acredita nestas histórias que contam para criancinhas.

— Não são “histórias para crianças”, - Karine já mostrava estar se estressando – eu mesma já vi os estudos de diversos especialistas, são pesquisas desenvolvidas no Instituto para promover…

— Ah, por favor… - Ferdinan a interrompeu em tom de deboche. - Acha mesmo que desenvolveram a tecnologia para gerar alterações climáticas e estruturais em todo um planeta, ao ponto de torná-lo com as mesmas características da Terra!? Está bem… Se existisse tal tecnologia, não seria muito mais lógico utilizá-la na própria Terra? Pense, imagine o tanto que seria necessário alterar o clima, a atmosfera e todo o ambiente e ecossistema de Marte para deixá-lo parecido com a Terra. Não seria muito mais fácil gerar alterações climáticas na Terra apenas para corrigir e restaurar o equilíbrio ambiental do planeta? Imagine como seria gerar campos magnéticos em torno do planeta que fornecessem a mesma proteção dos que existem naturalmente ao redor da Terra? Acha mesmo que se tivéssemos a tecnologia para produzir uma camada de ozônio que envolvesse todo Marte, não seria muito mais viável, e barato, simplesmente consertar os buracos na Camada de Ozônio da Terra? - um novo instante de silêncio tomou o escritório, a jovem demonstrava com o olhar ser incapaz de responder seu indagador, o qual soltou um suspiro sarcástico e continuou, abrandando seu tom de voz a um nível pedagógico: - Acha mesmo que o Instituto e seus cientistas buscam o bem da humanidade? Vou lhe dizer o que o Instituto e os nobres e heroicos cavaleiros da ciência que trabalham nele buscam. Sei muito bem o que é, pois, é o mesmo que eu busco: lucro. Todos eles, diretores, coordenadores, engenheiros e especialistas de todas as áreas, só o que buscam é desenvolver e registrar patentes que lhes sejam o mais lucrativas o possível, independente de qual aplicação elas recebam.

Karine até tentou murmurar um “cientistas também precisam comer e alimentar suas famílias”, mas foi prontamente cortada pelo empresário que continuou:

— O instituto apenas busca garantir a boa vida de seus diretores e seus cientistas buscam acima de tudo a fama e a glória noshalls da ciência, imortalizando seus nomes nos livros de história que ainda serão escritos. Buscam apenas ser o próximo Copérnico, Newton, Einstein ou Mallansohn, reconhecidos como quem descobriu isso ou o primeiro a fazer aquilo… Quer um exemplo? Que tal as hortas hidropônicas, as quais estão desenvolvendo para cultivar legumes e hortaliças aqui em Marte, e nas demais colônias. Eu pago mais de oitenta créditos por um simples prato de salada, acredita!? O mesmo preço de um prato requintado em um restaurante chique na Terra, mas aqui é só uma salada… Acha que os botânicos que cuidam destas hortas se preocupam em alimentar as pessoas da colônia? Não, querem apenas patentear tal técnica e vendê-la para quem pagar mais. Metade da população das minhas colônias não se nutre com nada além de insonsas barras de proteína sintéticas. As quais lhes são disponibilizadas não graças ao Instituto, mas a um acordo que eu fiz com um laboratório privado, que comprou a patente e o direito de produção delas com o único intuito de lucrar com tal comércio, que é o que está fazendo. Outro um terço, nem sequer tem isso e perece de fome nos níveis mais inferiores… Acha que o Instituto se importa com isso? Acha que pensam nestas pessoas quando abrem garrafas de vinho e champanhe, que custaram centenas de créditos, apenas para comemorar que uma determinada partícula ao ser bombardeada por raios-X responde com uma irradiação tal? Não, só o que querem é ter seus nomes na história, nem que seja simplesmente como o primeiro a cultivar cenouras em Marte ou colher batatas em alguma das luas de Júpiter…

— Se o senhor desgosta tanto ao Instituto, então por que continua como financiador? - a jovem já não tentava sequer disfarçar sua irritação com o falatório de seu interlocutor.

— Por um motivo simples: isto está no contrato que assinei. A cláusula é bem clara: “Em troca da concessão dos direitos exploratórios de cinco quadrângulos marcianos, o concessionado se compromete a destinar uma alíquota de quinze por cento de todo faturamento que consiga com a exploração e comércio de minério nos respectivos quadrângulos de Marte. Os quais serão destinados para o sustento e desenvolvimento das colônias científicas do Instituto Internacional de Ciências Extraterrestres.” Chega a ser quase absurdo, gasto mais de setenta por cento dos meus rendimentos com a manutenção estrutural das colônias, com as minas e seus funcionários, mais os quinze do Instituto, não me sobra muito, e ainda há levas e mais levas de “embaixadores” que vem até aqui para me exigir que aumente as doações…

— Usando de porcentagens pode parecer que não lhe deixam muito, mas estamos falando em cifras da ordem de centenas de bilhões de créditos. “Sobra” para o senhor muito mais do que faz parecer…

— Eu fui um dos pioneiros na exploração de Marte, pus em jogo o que meu pai e meu avô construíram, tudo o que minha família conquistou ao longo de gerações. Arrisquei tudo em um projeto que acabou por me deixar no controle da maior empresa de mineração da história. Acha que eu estou sendo injusto ao querer receber o devido retorno pelos meus massivos investimentos? Que sou errado simplesmente por não entrar no teatrinho de seus amigos do Instituto. Acredita que até hoje ainda não recuperei o valor que investi na construção de minhas colônias? Nem creio que o conseguirei, ainda mais com o maldito governo da União me sabotando, enviando para cá todos os indesejados da Terra…


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