Holmes e Watson: O Assassino da Meia-Noite escrita por Max Lake


Capítulo 4
A solução em sete erros




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Kelly Coleman, 20 anos de idade, estagiária em um escritório de advocacia à tarde e estudante de Direito numa universidade de Manchester à noite. Teve um dia de folga e quis visitar a mãe em Londres. Foi encontrada em Greenwich com queimaduras no corpo, mas a real causa da morte foi um golpe forte na cabeça. Foi triste saber que uma vida tão jovem se perdeu por causa de alguém insano.

Estávamos eu, Lestrade, Lucy Parker e Sherlock Holmes na sala de nosso apartamento na rua Baker. Era perceptível que a morte de Kelly trouxera conflitos ao caso. Ora, suas iniciais invertiam as letras finais de Sherlock, era a mais jovem do quarteto de vítimas e a única com idade par - apenas uma menção honrosa à minha dedução errônea sobre a progressão de idades - o tempo entre este e o assassinato anterior foi consideravelmente menor.

Sherlock passou a última meia hora repetindo sua teoria de mais cedo. A única situação comum de todo o caso foi o cético Greg Lestrade desconfiando da tese de Holmes.

—Holmes, isso é surreal demais para qualquer um acreditar - disse o inspetor.

—Sim, eu sei.

—E a menina é Kelly Coleman. KC. Seu nome é ‘Sherlokc’ agora? - ironizou.

—Inspetor…

—Está na cara que o tal Assassino da Meia-Noite é mais uma invenção dos tabloides ingleses para tentar fragilizar a imagem da Yard - vociferou. Posso contar nos dedos quantas vezes vi aquela cara pálida de roedor enrubescer de raiva.

—Terminou?

—Sim. - Lestrade acendeu um cigarro.

—Inspetor, como mencionei em minha teoria, Louis Oliver morreu apenas para chamar minha atenção. Kelly Coleman, infelizmente, teve papel contrário no plano do Assassino. Ela perdeu a vida para que desviasse meu caminho.

—Isso não faz sentido!

Holmes sorriu.

—Pela primeira vez em todo nosso tempo de parceria, você está certo, Lestrade! - O inspetor tossiu, tamanha era a surpresa com o elogio. - Não faz sentido! E não é para fazer, porque o Assassino da Meia-Noite quer confundir minha cabeça. E, acredite ou não, está dentro do que foi previsto por mim.

—Você sabia que alguém com as iniciais KC iria morrer? - questionou Lucy, bem menos alterada do que o inspetor.

—Não, eu imaginava que não seria alguém com as iniciais CK. Queria me afastar porque o remorso e a culpa se afloraram outra vez. Está arrependido de me envolver nisso.

—Mas por que KC e não JK? - perguntou Lucy outra vez.

—Minha cara capitã, é atraente continuar jogando com a proposta inicial. Na cabeça dele, basta inverter as iniciais que continuará a mesma coisa. Por outro lado, as iniciais KC revelam uma coisa: Eu sei quem é o Assassino da Meia-Noite.

—Pois fale, homem!

—Preciso ver a mãe de Kelly Coleman primeiro.

...

Conhecemos Susan Coleman antes da identificação da vítima para evitar uma situação igual à de Mary Oliver - muito soluço e pouco clima para perguntas. Era uma mulher curvada, usava óculos de aro vermelho e tinha o cabelo loiro despenteado. Pelo jeito que andava, toda encolhida e trêmula, acreditei que não saía muito de casa. Contra o protocolo, nos encontramos na rua Baker e também contamos com a presença de Lestrade.

—Lamentamos pela sua perda - eu disse, tocando sua mão fria.

—Obrigada - sussurrou de forma quase inaudível. - Estão no caso, doutor Watson?

—Sim.

—Na verdade, senhora Coleman - manifestou-se Holmes enquanto acendia seu cachimbo -, já foi desvendado, mas queria seu testemunho para não completá-lo com pontas soltas.

—Tudo bem. Minha filha era a única coisa que me prendia ao mundo. Meu marido faleceu na guerra, minha mãe morreu de causas naturais, meus irmãos não ligam para mim. Só me restava ela, a quem permiti alçar voo solo em Manchester. É irônico que a tenha perdido tão perto de mim.

—Como ela era? - perguntei.

—A pessoa mais decidida que conheci. Puxou ao pai, mas com o triplo de personalidade. Logicamente era teimosa, queria as coisas do jeito dela e não aceitava o contrário.

—Ela era estudante de Direito e estagiária em uma firma, correto?

—Sim. Tinha um potencial enorme, suas notas eram dignas e invejáveis assim como sua argumentação e o raciocínio. Senhor Holmes, ela se inspirou em você para advogar. Ela dizia que seu sonho seria resolver um mistério ao lado de Sherlock Holmes e John Watson.

—Sinto-me lisonjeado, senhora Coleman. Diga-me, a informação que nos passaram era que veio passar o dia de folga ao seu lado, mas poderia me confirmar o que ela fazia longe da senhora? Digo, por qual motivo ela estava em Greenwich?

A mulher moveu a cabeça e não respondeu.

—Pois explico que ela veio ver mais de uma pessoa. O nome Harry Harrington lhe diz algo?

—Céus, sim! Era um amigo de Kelly, agora me lembrei. Ela foi convidada para ver algum espetáculo em Greenwich. Mas, detetive Holmes, o que está sugerindo?

Olhei para Sherlock com estranheza. De fato, o que ele estaria sugerindo?, pensei na hora.

—Não estou sugerindo, estou afirmando que Kelly Coleman tinha um amigo correspondente chamado Harry Harrington. Aproveitou o dia de folga para passar a noite com o amigo em Greenwich, porém era uma armadilha.

Virou-se para o inspetor Lestrade, tirou o cachimbo da boca e ajeitou a boina quadriculada. Com o olhar brilhando de confiança, Sherlock revelou seu veredito.

—Meu caro inspetor, posso afirmar com certeza absoluta: Patricia Walterson é a Assassina da Meia-Noite!

—O quê? - gritamos eu e Lestrade ao mesmo tempo.

—Meu Deus… - sussurrou a senhora Coleman, rapidamente empalidecendo.

—Como assim, Sherlock? - perguntou Lestrade, levantando-se de sua cadeira e com olhar confuso. - Explique!

—Claro que explicarei! Posso listar sete erros neste plano e um bônus se estiverem dispostos a ouvir. O primeiro, óbvio, supor um relacionamento secreto entre Samantha Harrington e Earnest Rockwell. Agiu emocionalmente ao assassinar a menina Harrington e dar três tiros no peito de Earnest, que logo “tudo fez sentido” quando soube da aliança. Aquele tom em seu testemunho, John, não era de tristeza, mas sim de culpa e remorso, os sentimentos que carregavam o Assassino da Meia-Noite.

“Quando percebeu como as iniciais formavam parte de meu nome, quis chamar minha atenção, o seu segundo erro. A culpa a tornou uma pessoa pronta para tirar mais vidas para que fosse punida. Então, o terceiro erro foi usar Louis Oliver, um inocente e que nada tinha a ver com seu drama pessoal. Apenas o envenenou porque queria formar mais duas letras de meu nome. E o envenenamento leva ao quarto erro, a falta de conhecimento. O veneno utilizado não tinha efeito imediato e, por pura coincidência, Louis Oliver morreu à meia-noite, coincidindo com o horário aproximado de Samantha e Earnest.

“Watson, notou como o nariz dela era rosado? Percebeu os ombros também? E se lembra que ela praticamente recusou nossa ajuda? Por mais que seja a Inglaterra e escureça às 3 da tarde, às vezes nosso verão é traiçoeiro. Aí seu quinto erro, a profissão. Patricia é carteira. De alguma forma esteve em contato com a correspondência, e imagino que a senhora Coleman pode confirmar, de Kelly a Harry”.

—De fato, minha filha falou que enviaria uma carta a Harry Harrington avisando de sua vinda.

—Obrigado pela contribuição.

—Espera, como sabia das cartas, senhor Holmes? - questionou a senhora Coleman, intrigada.

—Há uma ponta branca de envelope em sua bolsa, daqui sinto o cheiro de morango. Imaginei que fosse uma carta de sua filha. E, se me permite deduzir, é a mesma carta enviada a você avisando sobre o dia de folga.

—Sim, está correto.

—Obrigado mais uma vez pela colaboração. Continuando, temos seus sexto e sétimo erros numa tacada só. Retornar à raiz do problema, no caso o envolvimento da jovem Harrington por meio de uma intermediária e, claro, as letras. Certamente seria mais complicado resolver essa questão se as letras da quarta vítima fossem corretas.

—Por quê?

—Porque, inspetor, seria uma quebra de expectativa. Se alguém, como o Napoleão do Crime, desejasse me enganar, faria de uma forma que não tentasse quebrar minha expectativa, mas de um jeito óbvio que eu ignoraria. Se as letras estivessem corretas, eu teria a certeza que seria um desafio intelectual, como a capitã Parker e o doutor Watson propuseram. Mas nunca foi essa a proposta.

—Então Patricia Walterson é a culpada? Holmes, preciso de uma prova concreta e não seu achismo intelectual.

Naquela hora, não soube se era uma coincidência ou se foi armado, mas Patricia Walterson apareceu na porta de nossa sala. Todos ficamos quietos e eu vi um sorriso no canto da boca de Holmes. Ele tirou o cachimbo para falar.

—Olá, senhorita Walterson. Gostaria de falar algo? Creio que tenha ouvido tudo.

Eu via seu rosto bem pálido, a mão escondida atrás de seu corpo. Parecia nos olhar de cima a baixo planejando algo a ser dito em sua própria defesa, mas se limitou a duas frases.

—Sim, é verdade. Tudo.

Patricia revelou as mãos. Trazia consigo uma  arma.

Ao ouvir as quatro palavras, a senhora Coleman pareceu perder ar. Não esperava menos, afinal ela estava na mesma sala que a assassina de sua filha. Lestrade suspirou, convencido de que, mais uma vez, Sherlock Holmes estava certo.

Na manhã seguinte, os jornais só diziam a mesma coisa: “Assassino da Meia-Noite capturado! Detetive de Baker Street resolve o caso”. Sherlock estava bem mais desperto naquela manhã, a sala estava organizada pela primeira vez em semanas.

—Ah, John, agradeço por tudo que fez nesses últimos dias. Sendo sincero, uma incidental assassina em série era do que eu precisava e não sabia. Obrigado, meu amigo.

—Não há de quê, Holmes. Mas fiquei com uma curiosidade. E o bônus?

—Ah, meu caro Watson, é engraçado e fascinante. Peguei o relógio de Louis Oliver, com autorização da família, obviamente. - Ele mostrou o objeto. - Vê o que há nele?

—O visor está quebrado e o horário está atrasado em uma hora.

—Exato. - Novamente sorri. - Nunca existiu um Assassino da Meia-Noite, mas a parte engraçada é que Lestrade acertou duas vezes no mesmo caso.


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Notas finais do capítulo

É isso, espero que tenham gostado de ler tanto quanto eu gostei de escrever! =)



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