Tudo o que está em jogo escrita por annaoneannatwo


Capítulo 36
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A semi escuridão e o fato de ter o Bakugou em cima dela traz algo de familiar da noite em que brigaram na sala de estar dos dormitórios, e o resto… bom, o resto é isso aqui. Pelo menos dessa vez ela está consciente, não há um clarão estranho e pétalas de cerejeira dançando no ar. É só uma sala escura, e o Bakugou se erguendo para se levantar de cima dela.

Ele o faz e, no segundo seguinte, oferece sua mão para ajudá-la a se erguer também. Ochako aceita, esfregando o bumbum levemente afetado pela queda. A garota pisca, esperando que sua visão se ajuste ao estado de pouca luz.

—  O que… foi isso?

—  Uma passagem secreta.

—  É, isso eu… isso deu pra eu perceber. Mas o que… onde a gente…?

—  Aquele cara não tava mentindo. —  o Bakugou resmunga.

—  O quê? Que cara, Bakugou-kun?

O garoto não responde, apenas sai andando escuridão adentro, Ochako consegue ouvir os passos dele e o segue, não entendendo porque o Bakugou parece tão tranquilo em estar em um lugar escuro e desconhecido, andando por aí como se tivesse total certeza do que está fazendo.

E então um facho de luz amarelada quebra o breu, ela aperta os olhos e se aproxima, curiosa. É uma porta, mas o Bakugou não a abre totalmente, aparentemente porque não consegue. Acercando-a, Ochako tenta puxá-la também, sem sucesso. O máximo que dá pra abrir é uma fresta. Encostando o rosto contra o umbral, ela tenta ver o que tem atrás da porta. Não é muito, mas o suficiente para reconhecer o piso no chão e a maca de armação creme e lençóis brancos.

É… a enfermaria?

Sim, ela se lembra do lugar, esteve ali com o Deku desse mundo, onde ouviu uma das coisas mais sinistras em sua vida. Com certeza é a enfermaria em que acordou no primeiro dia dessa loucura toda! Mas… a enfermaria fica acima das escadarias, o clube de teatro é um andar abaixo, e se eles caíram quando entraram na passagem secreta, como… como podem estar aqui em cima?

—  É um bug. Devem ter outros nessa sala. —  o Bakugou diz confiantemente, andando na direção oposta e deixando-a ainda mais confusa.

—  Bakugou-kun, o que…? O que é isso? Por que a gente tá aqui em cima? A gente tava lá embaixo.

—  Essa sala é um bug, não leva pra lugar nenhum e pode levar pra qualquer lugar. —  ok… e isso não a ajudou a entender nada, muito pelo contrário.

—  Como assim?

—  Se leva pra qualquer lugar, pode levar a gente pra fora.

—  Pra fora… desse mundo?

—  Óbvio, porra. Você tá com seu celular? Joga uma luz aí. —  ele ordena, e mesmo não compreendendo nada, ela obedece.

Quando a lanterna do celular ilumina a sala, Ochako descobre estar dentro de um enorme galpão, mais parece um estacionamento com pilastras de concreto e portas que parecem saídas de emergência. Ela não tinha ideia de que o lugar podia ser assim tão grande! Essa é… essa é a saleta ao lado da enfermaria? Aquela em que o enfermeiro Hawks entrava? Ochako achava que era só uma salinha onde ele guardava gaze, remédios e outras coisas... 

—  Como isso é possível?

—  É um erro do jogo, um espaço pra preencher o que os personagens não precisam conhecer.

—  Então… é tipo um limbo?

—  Algo assim. —  ele murmura.

—  E… como a gente pode sair por aqui?

—  Já falei, aqui pode levar pra qualquer lugar. —  ele dá um sorriso maníaco, quase vitorioso. Ochako queria muito partilhar dessa sensação, mas segue confusa.

—  E… como você descobriu esse… lugar?

—  O enfermeiro me contou.

—  O quê? O… o enfermeiro Hawks? Por que ele te contaria isso? Por que ele… saberia disso?

—  O idiota mora aqui também, como eu.

—  Na escola? Ah… —  isso não chega a ser uma surpresa. Ochako se lembra de tê-lo encontrado em uma situação muito suspeita na rota de Halloween do Todoroki, e o Monoma mencionou ter algumas desconfianças sobre o enfermeiro, mas eram relacionadas a ele ser um possível tarado… de toda forma, a informação não chega a ser completamente chocante.

—  Consegui pegar o idiota no pulo ontem. Ele nunca sai da enfermaria, 

mas ontem resolveu zanzar por aí e eu peguei, fiz ele me contar umas paradas. —  Oh, você…? Você…?

—  Sou o vilão, não sou? Não é surpresa que eu ataque alguém pra conseguir o que eu quero. —  ele dá de ombros —  O cara não abriu muito o bico, mas me falou da passagem atrás da cortina.

—  E como ele sabe disso? —  a garota para pra pensar um pouco —  Oh, ele… ele sabe! Ele é como o Todoroki?

—  É e não é.

—  Como assim?

—  Ele sabe do jogo como o Todoroki, mas é diferente. O Todoroki pode até saber, mas ainda tá preso na história, esse cara aí não, ele é mais livre.

—  Ele é mais… livre? —  ela franze o cenho —  Oh, então… não é ele o desenvolv-

—  Pensei nisso também, não é. Se fosse, ele não teria me contado dessa sala. Tsk, eu nem estaria aqui de boa falando com você se ele fosse o criador do jogo. —  oh… essa é uma constatação bem sinistra.

—  Bakugou-kun… você… tá esse tempo todo tentando descobrir mais sobre… como sair daqui?

—  Não é óbvio, porra? Que mais eu ia ficar fazendo aqui? Brincar de casinha? Se não tenho casa nessa caralha, vou morar na escola e descobrir o máximo que eu consigo. Achei que ia ter algo de útil na biblioteca, mas só tem livro ruim naquela porra! —  ele resmunga —  O otário do enfermeiro usa essa sala pra ir pra onde quiser, por isso nunca saiu pela porta da enfermaria, mas ontem ele vacilou.

Oh, então… ele nunca ficou por aí só sentindo pena de si mesmo por estar numa situação tão maluca. O Bakugou vem trabalhando para achar outro jeito de acabar com isso há um certo tempo. Ochako só não se arrepende por ter pensado mal dele em alguns momentos porque, no fundo, era exatamente o que esperava dele e de sua mente incansável. Assumir uma derrota é uma coisa, nem tentar batalhar é outra bem diferente, completamente incompatível com o Bakugou que ela sempre conheceu.

Só que isso também é um pouco preocupante.

—  Mas… Bakugou-kun, você tá correndo risco de toda forma, não tá? Se o enfermeiro Hawks te contou, é porque não acha que você pode fazer alguma coisa de útil com a informação, ou… acha que você não vai durar muito pra fazer algo com ela.

—  Ou vai ver ele só quer que a gente saia logo daqui.

—  Oh… então ele é um aliado?

—  Nem fodendo, o cara é um filho da puta! Pressionei pra ele falar quem é o criador do jogo, e ele não quis falar! Mas… você tá atrapalhando esse mundo, por isso ele tá quebrando. Se você sair…

—  O mundo volta ao normal… —  ela acompanha o raciocínio, chocada diante da aparente revelação de que sua presença aqui altera o equilíbrio desse universo. Isso a faz se sentir… estranhamente poderosa —  E… aquela porta… é por ali que a gente pode sair?

—  Não, aquela ali só dá pra enfermaria. O cretino deve ter criado uma passagem só pra ele, por isso a gente não consegue abrir. —  ele resmunga alguma coisa —  Mas devem ter outras aqui, eu só preciso procurar —  e olha ao redor.

—  Ok! Eu… eu vou te ajudar!

—  Nem fodendo! Você vai voltar lá pra cima e seguir jogando o jogo, entendeu? Ninguém pode saber que você descobriu isso aqui, principalmente o Todoroki.

—  Mas… se a gente tiver um jeito de sair, eu não preciso cumprir a rota dele, então…

—  Esse mundo tá rachando, se você continuar fazendo o que bem entende, vai dar merda. Foca no imbecil do Todoroki, por enquanto, e deixa que eu vou investigar isso aqui. 

—  Mas, Bakugou-

—  Eu já investiguei por minha conta por muito tempo, posso continuar me virando, Uraraka. —  o tom dele é mais sério —  Tô sabendo que é difícil, mas você vai ter que confiar em mim.

Ainda está meio escuro, então ela não consegue ver o rosto dele direito, Ochako consegue imaginar a expressão dele, sisuda, porém determinada. Não é ele fazendo cara de malvado para meter medo ou encerrar a discussão, o Bakugou provavelmente parece sério, mas ao mesmo tempo, muito sereno. 

Não é realmente sobre meter medo, mas gerar confiança.

—  Tudo bem.

—  Valeu. —  e o suspiro que ele solta parece ser de extremo alívio, como se realmente precisasse ouvir isso dela —  Vem, vamo sair daqui.

—  Ok, mas… como? A gente caiu aqui, não dá pra… subir sendo que o clube de teatro é lá embaixo. —  ela aponta as direções, toda confusa.

—  Tá de boa. A gente só precisa sair por alguma porta que dê pra um lugar mais perto do clube. —  ele dá de ombros, andando em direção a uma das grandes e pretas portas. 

Observando o Bakugou empurrá-la, ela percebe que essa se abre bem mais fácil. Ochako estica a cabeça e vê que essa leva para uma das vielas do aquário em que esteve com o Deku, a lembrança lhe causa arrepios, e ela agradece mentalmente pelo Bakugou fechá-la rápido. O garoto continua abrindo e fechando portas, causando um sonoro eco no enorme galpão, todas levam a lugares que nem são na escola e, por um momento, ela se sente meio boba por nunca ter prestado atenção aos seus arredores e notar essas portas, que na verdade, são portais. Será que ela estava assim tão envolvida com o jogo? Mesmo jurando pra si mesma que nunca gostou plenamente de nada disso e das coisas que vem fazendo aqui? Seria ela uma grande hipócrita?

—  Aqui, esse serve. —  o Bakugou a tira de sua crise de consciência. Ochako se aproxima e percebe que a porta leva para uma outra sala escura, só que aparentemente bem menor que esse galpão.

—  Hã… Onde é isso? —  ela aproxima o celular, iluminando o lugar e descobrindo se tratar de um tipo de depósito de materiais esportivos. Há bolas, equipamentos de ginástica e musculação, e redes jogadas pelo chão —  Ah… não lembro de já ter vindo aqui.

—  Nem com o Kirishima? Ele é o atleta, não é?

—  Sim, mas… o que eu ia vir fazer com ele num lugar desses? —  ela o ouve rir em desdém —  Não responde, eu já sei. Pra sua informação, não, eu não fiz nada disso com nenhum deles.

—  Que você não fez eu sei, esse jogo não é pra maiores de 18.

—  Bakugou-kun! —  ela cora violentamente.

—  Nem vem com essa, você que levou pra esse lado, eu não tava falando “daquilo”, tava falando de beijo mesmo. —  ele fecha a porta que os levou até ali —  Você não… beijou nenhum deles?

—  C-claro que não, eu não… quis. Com nenhum deles.

—  Nem com esse Todoroki aí? Você já deu uns pegas no Todoroki de verdade, não foi? Daria na mesma. —  ela quase tropeça nas redes diante da completa naturalidade dele em falar algo assim.

—  N-Não, não daria. Como é que você lembra disso? —  ela murmura, envergonhada.

—  Tsk, aquela idiota da Rosinha não parou de falar isso por uma caralhada de tempo. Ela e os outros imbecis ficavam fofocando querendo saber se você e o Meio a Meio iam namorar, vinham me perguntar se eu sabia já que treino com o Todoroki, era uma encheção de saco do inferno. 

—  Nossa, eu e o Todoroki-kun namorando… —  ela dá uma risada nervosa —  Foi só um beijinho numa brincadeira.

—  Era o que eu falava também, mas a Rosinha ficava fazendo drama de que vocês podiam namorar, que ia dar certo. Tsk, menina besta.

—  É… —  ela concorda fracamente, não com a parte da Mina ser besta, mas com o comentário em geral, embora isso levante uma dúvida —  E por quê?

—  Por que o quê?

—  Por que você acha que eu e o Todoroki namorando é assim tão absurdo?

—  Tsk, não é que é “absurdo”, Cara de Lua, nem vem! É que… porra, sei lá, o Todoroki é pamonha demais pra essas coisas, e você… é…

—  Eu… eu sou? —  ela pergunta levemente em deboche, divertindo-se com o aparente constrangimento dele.

—  Ah porra, não sei. Você… não parece ligar pra essas coisas… de namoro.

Oh… isso é surpreendente, ele deve ser a primeira pessoa que pensa isso dela. Ochako não é nem nunca foi como a Mina e a Tooru, que adoram falar sobre esses assuntos e expressam vividamente o interesse que tem em romances, sejam nos de outras pessoas, sejam nos delas mesmas, mesmo que, segundo ambas, ainda não tenham encontrado os garotos certos pra isso. Mas Ochako também não é como a Tsu, a Jirou ou a Momo, que dificilmente falam sobre o que poderiam gostar em relação a romance, ela está num meio termo, não fala abertamente sobre isso, mas não ignora quando as garotas querem conversar, talvez isso passe a impressão de que a morena esteja levemente investida, só não encontrou a pessoa certa… e isso não é totalmente errado, mas também não é a realidade. Ochako só… tem outras prioridades. E descobrir que o Bakugou, de todas as pessoas, consegue perceber isso, é uma tremenda surpresa.

—  É… não muito.

—  Então, porra, não sei porque a Rosinha é tão obcecada com isso, o Pikachu e o Fita Crepe, até o Kirishima tem umas conversas dessas, por que caralhos eles não entendem que nem todo mundo tem a cabeça enfiada na merda e tem coisa mais importante pra fazer, tipo focar na porra do curso de heróis.

—  Hahaha, bem… é, eu não diria desse jeito, mas… sim, alguns colegas nossos se preocupam muito com isso, e… sei lá, eu não acho que isso é importante agora. Talvez, quando eu ficar mais velha e ainda estiver solteira, pode ser que eu fique preocupada, mas… agora? Agora tem outras coisas mais importantes.

—  Tsk, e por que raios você acha que vai ficar solteira quando for mais velha?

—  Hã?

—  Se for o que você quer, beleza. Mas se você acha que vai acontecer por… sei lá, incompetência sua, pode esquecer, Cara de Lua. Você fica solteira só se quiser mesmo.

Isso foi… um elogio? Ele a acha uma companhia tão agradável que dificilmente ficará sozinha no futuro? É meio lisonjeiro e a deixa sem resposta.

Ou deixaria, porque Ochako ainda tem algumas dúvidas e curiosidades acerca desse garoto loiro. E como ele não parece super preocupado em deixar esse depósito quieto e escuro, talvez essa seja a oportunidade para tirar algumas dessas dúvidas.

—  Bom… e você?

—  O que tem eu?

—  Você… também nunca me pareceu ser alguém que liga pra essas coisas, mas… você joga esses joguinhos.

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra. —  ele diz, aproximando-se da porta do depósito. 

Ochako o impede de abri-la, segurando a barra que serve de maçaneta.

—  Então tem a ver com o quê? —  ela questiona —  Você ter começado a jogar e tal, você queria me contar aquele dia na biblioteca, então me conta agora.

—  Tsk, eu… —  ele se afasta, parece estar procurando por algo. ela descobre que é pelo interruptor, o depósito se ilumina com uma luz amarelada fraca — Acho melhor você não contar pra ninguém.

—  Ah, vai por mim, eu não planejo contar nada do que vi e ouvi aqui a não ser que seja pra uma terapeuta. —  ela garante.

—  É por isso mesmo. —  ele murmura, desviando a cara.

—  Pelo quê?

—  Terapia. —  o loiro coça a cabeça —  Eu comecei a fazer depois de… depois que acabou o primeiro ano, aí ele me perguntou se eu curtia jogos e recomendou alguns, mas era jogo de construir coisa, light novel com historinha besta e tal. O primeiro galge que eu joguei era a coisa mais idiota do mundo, chamava “Sakura Dreams” ou alguma merda assim, as meninas me davam nos nervos! E nenhuma delas gostava das respostas que eu dava, bando de menina chata! Zerei aquela merda na base da raiva! Aí… fui jogando outros. Mas como é tosco e eu não queria ter que explicar porque tava jogando essas coisas, deixava pra jogar sozinho de madrugada.

—  Entendi… e hã… imagino que você não contou pro seu terapeuta que anda obcecado com esses jogos a ponto de sacrificar horas do seu sono por eles?

—  Tsk, pra ele vir com lição de moral igual você tá querendo me dar?

—  Não é lição de moral, é só que… uma coisa é você jogar por ser divertido, se é um passatempo, é algo pra você se distrair da rotina e do estresse. Agora, se você joga porque sente que é uma obrigação e não consegue ter paz se não conseguir jogar direito, aí… acho que perde o sentido de ser algo que te faria bem, acaba sendo o contrário.

—  Você não entende, Uraraka, é que… —   ele bufa —  É mais fácil… que na vida real.

—  Hã?

—  Se eu falar uma besteira ou fizer uma escolha errada nessas merdinhas de jogo, dá pra salvar e refazer, não tem… não tem consequência de verdade e… é bom… escapar pra um mundo onde dá pra ser assim. —  ele encosta a cabeça na parede.

E isso é algo que ela compreende bem. Ochako tem seus arrependimentos, coisas que revisitam suas memórias às vezes e a fazem querer se afundar no chão em constrangimento, mesmo que tenham sido coisas que aconteceram há muito tempo. Besteiras constrangedoras que disse, atitudes irresponsáveis e inconsequentes que depois cobraram seu preço, momentos em que ela foi covarde, em que deveria ter dito algo ou tomado outra ação. Lógico que seria muito mais fácil se vivesse em um mundo de otome game, onde dá pra ir salvando seu progresso e ir fazendo o que quiser, com a certeza de que dá pra refazer depois, e que nada disso tem consequências reais pra quem está jogando.

—  Bom… mas nesses joguinhos, você também pode… sei lá, dar uma resposta errada e, quando for jogar de novo, lembrar dela e não repetir a resposta errada. Na vida é assim também, né? A gente erra, lida com os erros e depois lembra desses erros pra não cometê-los de novo. —  o Bakugou a olha, ainda com a testa apoiada na parede —  C-claro que… não é exatamente a mesma coisa, né? Até porque nesses joguinhos você vai viver a mesma situação de novo, na vida quase nunca vai ser a mesma situação, mas… de toda forma, a gente aprende com nossos erros, é isso que eu tô querendo dizer.

—  Eu fui um merda com o Deku. —  ele diz de repente —  E pra quê? Porque eu tava com… sei lá, medo do que ele podia conseguir fazer, de onde podia ir. Coisas que eu nunca conseguiria fazer e lugares que eu não conseguiria chegar, aí eu fui um bosta com ele.

—  Bom, sim… mas o Deku-kun entende, e ele… já te perdoou, não? Talvez seja hora de você se perdoar também, Bakugou. —  ela diz gentilmente, não contendo a vontade de levar uma mão apaziguadora ao ombro dele.

—  Difícil pra caralho quando você cai como vilão até numa merda dessas.

—  Bakugou, eu já disse que não te vejo como um vilão mesm-

—  Eu acredito em você. —  ele a olha mais uma vez, isso a faz corar, sabe-se lá o porquê —  Acho que não tem nada a ver com o que você pensa de mim, é… o que eu penso de mim mesmo.

Oh… isso é… isso é tão triste. Ochako de repente se sente muito mal por ele, a ponto de sentir seus olhos marejarem. Tem muitas coisas que ela gostaria de dizer, mas todas parecem erradas. Ela poderia dizer que provavelmente não é isso, até porque se fosse assim, a garota não seria a protagonista, ela não se vê como uma de toda forma, seria mais provável que caísse no papel de amiga secundária ou algo dessa natureza… mas isso não é sobre ela e sua própria visão de si mesma, porque qualquer que seja, é muito melhor que a do Bakugou em relação a ele mesmo.

E é bem triste que alguém como ele se veja assim.

—  Bom, se for isso mesmo… eu acho uma pena que você se veja assim, porque… tenho certeza que qualquer pessoa que te conheça bem não te vê assim. Eu mesma… eu mesma posso não ser super próxima de você e… sei que você é incrível.

—  Mas se você não é próxima de mim, como vai saber disso?

—  Ah, porque… porque eu vejo como o Kirishima-kun, o de verdade, valoriza sua amizade com ele, ouço a Mina-chan falar das coisas legais que você faz por ela e pelos outros quando acha que ninguém tá olhando, eu ouço MUITO o quanto o Deku-kun te admira e te respeita, e… bom, você pode achar que não, mas eu tenho um bom julgamento das pessoas, eu… eu só sei que você é ótimo, eu saberia mesmo se ninguém tivesse me falado nada. —  ela admite, sentindo que falou demais e desviando o rosto por vergonha.

—  Tsk, você é boazinha demais, isso sim. —  ele se afasta da parede —  Acho que quando a gente sair daqui, vai ter que “se aproximar” de mim pra ver o quanto tá errada.

Ela não encara isso como um comentário auto-depreciativo, e o meio sorriso que ele dá logo depois indica que até pode ser, mas é também uma provocação, quem sabe até um convite disfarçado de desafio a conhecê-lo melhor. Isso a faz dar um sorrisinho constrangido.

—  Mas claro, você tá me devendo uma partida de futebol no videogame, não tá? Vamos pensar em mais jeitos de eu me decepcionar com você.

Ele dá uma risada que Ochako não consegue não achar charmosa, seu estômago cheio de borboletas quando o Bakugou abre a porta do depósito e gesticula para que ela saia antes. A garota anda pela quadra sentindo-se leve e pesada ao mesmo tempo, se é que isso sequer faz sentido.

Essa conversa com ele não poderia ter sido mais esclarecedora, mas também lhe deixa cheia de dúvidas e tristezas, é realmente lamentável que ele se veja tão mal, mas isso explica porque o garoto abraçou esse papel de vilão com tanta aceitação. Se o Bakugou se visse sob a perspectiva dela, com certeza não estaria nessa posição de vilão sem história ou motivação além da de encher o saco.

Então… qual seria a posição dele aqui se fosse assim? Será que… será que ele poderia ser um dos pretendentes? A ideia é ridícula e a faz rir no mesmo minuto. É, isso seria… absurdo… é, com certeza.

E ela nem tem tempo pra esse tipo de besteira! Até porque para além de tudo que essa conversa serviu, foi importante para lembrá-la de que precisa sair desse mundo, não só por si mesma, mas pelo Bakugou também. Ele não merece continuar aqui se torturando desse jeito!

Então sim, eles precisam sair. Talvez o Bakugou ache a saída naquela sala misteriosa, mas talvez não ache. Se for assim, o jogo segue dependendo dela, e só falta uma rota! Uma rota na qual ela já sabe o que tem que fazer: entregar uma atuação digna na peça da escola para que o Todoroki fique feliz.

Portanto, assim que chega para mais uma sessão de ensaio, Ochako está decidida a adotar uma nova postura. Nada de hesitações ou mesmo de desdém à tal peça, ela vai entregar sua alma à essa atuação.

A julgar pelo meio sorriso de satisfação do garoto de cabelos bicolores, ela está no caminho certo.


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Notas finais do capítulo

Ai ai, como eu amo escrever cenas em que o Bakugou se expõe pra Ochako :3

Obrigada por lerem, beijos e boa semana! E por favor, cuidem-se!



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