Tudo o que está em jogo escrita por annaoneannatwo


Capítulo 19
Na saída




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—  O quê? —  ela ouviu, mas pergunta só pra se certificar mesmo.

—  Não viu a cara que ela fez quando você falou que deu um toco no Cabelo de Merda? —  bom, Ochako viu… mas a expressão da garota parece não ter mudado em nada durante toda a conversa entre elas, é incrível que o Bakugou tenha percebido essa tal mudança, ainda mais se foi tão sutil —  Então é isso aí, Cara de Lua, já sabe o que tem que fazer.

—  M-mas… mas eu…

Como ela vai fazer isso? Ochako acaba de dispensar o Kirishima, ele parece ter sido compreensivo, e aparentemente eles estão de boa, mas… uma coisa é estar de boa, outra é já chegar no garoto do nada tentando convencê-lo de que deveria sair com outra menina, isso é… isso seria péssimo.

Sem contar que é muito estranho também. A Tsu… apaixonada pelo Kirishima? Isso não… isso não faz sentido nenhum, ela nunca… ai, é difícil até de imaginar uma interação romântica entre eles, é tão… esquisito pensar na Tsu apaixonada por quem quer que seja.

Sempre que esses assuntos românticos surgem, a amiga nunca tem nada com o que contribuir. A Mina já tentou instigá-la diversas vezes, perguntando o que ela acha do Tokoyami, do Shinsou, do Kuroiro, às vezes a questionava sobre a Yanagi, a Kodai, a Ibara. Independente de quem elas falavam, a opinião da Tsu é quase sempre a mesma: “Não tenho nada contra, gosto de me considerar amiga dessa pessoa, ribbit.”, a resposta só pende para algo mais negativo quando se trata do Mineta, mas de resto… a garota rã nunca se mostrou particularmente interessada em ninguém no sentido romântico.

Então imaginá-la com o Kirishima é tão… bom, não é que é esquisito, mas é que… é difícil visualizar, eles estão em frequências completamente diferentes. O Kirishima é intenso na demonstração de qualquer sentimento: se está feliz, está muito feliz. Se está bravo, está muito bravo. Indiferença não existe no mundo dele. Já a Tsu é… não que ela seja indiferente, de maneira nenhuma, a amiga se sente afetada por coisas que acontecem tanto quanto qualquer um, mas é totalmente comedida na forma de demonstrar. Ela pode dizer coisas extremamente doces do tipo: “Sou muito feliz por ter uma amiga como você, Ochako-chan!” até comentários que beiram o ofensivo em sua sinceridade: “O seu problema, Iida-chan, é que você é mandão quando nem tem certeza de qual ordem está querendo dar.” com uma expressão completamente neutra em seu rosto, mas o sentimento está lá, e Ochako sabe, pois é assim que a amiga é e não tem porque mudar.

O Kirishima desse mundo é igualmente intenso ao do original. Ele é expressivo, diz exatamente o que está pensando sem vergonha nenhuma e se expõe facilmente. Já a Tsu do jogo é… é difícil dizer, pois Ochako mal a vê, as interações entre elas são quase sempre monossilábicas, mas não parece ser lá muito parecida com a original, sendo mais calada e introvertida, mesmo que possa ser bem mais bruta quando decide falar.

Mais ou menos, né? Porque não faz muito sentido a Tsu não gostar dela por causa disso. Ochako foi jogada nesse mundo como vizinha e amiga dessa versão do Kirishima, e ele porventura já gostava dela, a morena não pediu pra que isso acontecesse, é só como a história do jogo é feita.

Mas… a Tsu não sabe que está num jogo, então não tem consciência disso. Ai, mas mesmo em um contexto no qual Ochako já estivesse inserida nisso desde o princípio, ainda não faria sentido a garota não gostar dela, o Kirishima não escolhe de quem ele gosta, e não há nada que ela pudesse fazer pra impedi-lo de se apaixonar, então… não faz sentido.

E é com certo pesar que a morena conclui que não precisa fazer sentido. A Tsu está com ciúmes, e não existe qualquer traço de racionalidade nesse sentimento. Ochako bem sabe disso, quantas vezes não se pegou pensando que a Hatsume é muito desagradável por ir encostando nas pessoas  —  leia-se Deku —  de maneira tão casual? A mecânica nunca fez nada de ruim para ela diretamente, e ainda assim a incomodava. Ainda bem que isso passou, e hoje Ochako a considera uma amiga e alguém com quem pode contar caso precise de alguma melhoria em seu traje, mas sim…  houve um momento em que ela não ia com a cara da Hatsume por basicamente motivo nenhum.

—  Você acha que não é isso?  —  o Bakugou pergunta, trazendo-a de volta à realidade —  Não parece ser outra coisa.

—  Não, eu… pensando bem, a Kyoka-chan e a Yaomomo-san desse mundo disseram algo parecido… —  agora ela se recorda do comentário da Yaomomo sobre talvez a Tsu começar a tratá-la melhor daqui pra frente… deve ter a ver com o fato de ela ter dispensado o Kirishima. Se um personagem do jogo fala isso, então fica difícil refutar… de toda forma, há outra coisa passando por sua cabeça —  Ei, Bakugou-kun… você falou que esses jogos não costumam misturar casais héteros e casais gays, né?

—  É.

—  Bom… mas e a Yaomomo-san e a Kyoka-chan?

—  O que tem elas?

—  Bom, elas… elas parecem bem… próximas.

—  Ué, se elas são amigas, então são próximas.

—  S-sim, mas… eu pude conversar mais com elas no sábado, e hã… elas não parecem só amigas… pra mim.

—  Você viu elas se pegando?

—  N-não! —  Ochako fica vermelha.

—  Então são só amigas, Cara de Lua.

—  Mas…

—  E por que isso interessa? Elas são NPCs e nem têm vida própria, só existem pra ajudar a protagonista a parar de ser besta e tomar atitude, então… colabora com elas. —  ele diz incisivamente.

—  Mas elas têm vida própria! Ou o quê, você acha que os personagens ficam parados igual a zumbis quando não tão interagindo comigo? 

—  Não… —  ele murmura —  Isso eu acho que não.

—  Pois então! Elas também têm vida, ué, e se elas se gostarem, mas ainda não tiverem perceb-

—  E por que você se importa?

—  Hum?

—  São NPCs, personagens secundárias. Você é a protagonista, foca só na sua história e cuida dela, já que nem isso você tá fazendo direito!

—  Será que eu preciso te lembrar que não peguei nenhum bad ending?

—  Mas não pegou good ending também.

—  Mas… será mesmo?

—  Hã?

—  Eu… atingi 100% de intimidade, e… pensa bem, não é melhor ser honesta com eles sobre meus sentimentos do que aceitar um namoro que não daria certo? O Deku-kun tá bem, o Kirishima-kun também, e eu não tive que fazer nada que eu não queria pra vê-los felizes, então… não sei… é só uma coisa que me passou pela cabeça…

—  Uma coisa bem idiota, Cara de Lua. Não inventa e presta atenção no jogo e no que você tem que fazer,

Ela já imaginava que seria essa a resposta dele, tanto que nem chega a ficar brava.

—  Tá, tá… falando em jogo… Bakugou-kun, como você sabia aquelas coisas sobre futebol?

—  Hum?

—  Quando você explicou pro Kirishima-kun sobre trivela e tal… como você sabia? Não é muita gente que entende de futebol hoje em dia…

—  Eu… —  ele murmura novamente, mas dessa vez não dá pra ouvi-lo.

—  Oi?

— Eu curto jogar… videogame disso também. —  o loiro parece envergonhado, coçando a parte de trás da cabeça e recusando-se a olhá-la nos olhos.

E ok, é que ele é realmente cansativo quando briga com ela, mas… agindo assim, é meio difícil não achá-lo… fofo. O Bakugou é uma pessoa complexa, dá pra imaginá-lo sendo tanto uma pessoa que expõe as coisas que gosta de maneira bem abrasiva, mesmo que sejam coisas de gosto duvidoso, e se alguém tiver algum problema com isso, que venha brigar com ele pra ver, mas ao mesmo tempo, também parece ser alguém muito relutante em assumir até para si mesmo do que gosta, então faz sentido que ele fique meio envergonhado em expor seus passatempos para ela. Não são só os jogos de namoro, ele gosta de videogames em geral, como boa parte das pessoas na idade deles, e sabe-se lá porquê, mesmo que seja algo tão trivial, até meio bobo, ela fica feliz por ele partilhar um de seus interesses, provavelmente um que nem o Kirishima deve saber.

—  Ah, parece legal! Mais legal que otoges, pelo menos.

—  Tsk, disso pode ter certeza.

—  A gente bem podia jogar quando voltar, né? —  ela não dá ênfase no “quando”, mas acha que não é necessário para indicar que é sim uma questão de “quando”, e não de “se”.

—  Noob do jeito que é, vou meter uns 20 gols no primeiro tempo ainda. —  ele dá um sorriso debochado, mas a frase não carrega nenhum tom de hostilidade.

Ele está provocando-a, como um amigo faria.

 

***

—  Ei-kun! —  ela hesita por um segundo em chamá-lo dessa forma assim que o vê, mas decide por tentar agir como antes, qualquer coisa diferente disso poderia irritá-lo. Ochako corre até ele, acenando animadamente quando nota a cabeleira vermelha passando pelo portão da escola.

—  O-chan, e aí?

—  Tudo certo. Indo pra casa?

—  Ah, hoje não. Tô esperando o Midoriya-kun, a gente vai num fliperama.

Ela acena com a cabeça, desejando que o Bakugou estivesse aqui pra ouvir isso e se dar conta de que sim, os personagens têm vida própria além do jogo. Bom… na verdade, o loiro chegou a concordar com ela nisso, só divergiu na questão de que ela, como protagonista, precisa se importar com o que acontece com eles quando não estão “em jogo”, por assim dizer.

—  Ah, que legal! Vocês se tornaram bons amigos,né?

—  É, não é que é mesmo? Sei lá, eu nunca pensei nada do moleque, achava ele até meio esquisitão, mas… ele é mó legal!

—  É, sim! —  ela sorri —  Fico bem contente por ele e por você, que são ótimos amigos pra mim, e agora podem ser bons amigos um com o outro também, né?

—  É… -- ele sorri também, coçando a cabeça. Olhando-o assim, Ochako sente uma certa paz que não sentia antes, nem em estar com ele, quanto menos vindo dele, agora ela parece se sentir mais natural em conversar com ele, sem a preocupação de ter que ouvir um “garotas não deveriam dizer isso!” ou o constrangimento de ser xavecada na cara dura.

Ela já havia notado antes, dado o fato de que o garoto nunca teve problema em se aproximar um pouco demais de seu rosto, mas… a cicatriz dele, acima da pálpebra esquerda, é idêntica ao do Kirishima original. Ochako se preocupou muito com as cicatrizes do Deku desse mundo terem sido causadas por algum motivo trágico, mas… o garoto parecia não ter a menor ideia de que sequer as tinha. Agora ela está curiosa em relação à origem do ferimento no olho do ruivo.

—  Ei, Ei-kun… não sei se você já me contou isso, desculpa, mas eu não tô lembrando agora… —  é bem provável que ele já teria contado considerando sua história com a protagonista, mas como Ochako não é exatamente ela, é necessário dar uma de avoada —  Mas… como você conseguiu essa cicatriz aí?

—  Ah… isso aqui? —  ele leva a mão ao olho —  Pior que eu nem lembro, O-chan. Acho que eu caí de bicicleta… ou de uma árvore, sei lá.

Isso é…

Foi mais ou menos o que o Deku disse quando ela perguntou pra ele, é como se… as cicatrizes só estejam ali porque… porque o Deku e o Kirishima originais as têm, assim como o cabelo do ruivo, que aparentemente está sempre com o cabelo estilizado dessa forma pois… é assim que Ochako normalmente o vê. Hum… será então que a presença desses personagens em específico e o fato de serem parecidos com pessoas que ela conhece são influenciados pela existência verdadeira deles no mundo original? Como se… tivessem escaneado a aparência física de seus amigos e conhecidos e jogado em cima desses personagens?

Mas, se for assim… por que o enfermeiro Hawks não tem asas? Ochako sente que tem uma ótima pista aí, afinal, entender o que se passa pode dar uma ideia de como isso aconteceu, e como ela e o Bakugou poderiam parar isso sem ter que passar por todas essas rotas que a deixam tão confusa… é, tem algo interessante nisso aí.

—  Ei, O-chan? Tá tudo bem? —  o Kirishima balança a mão na frente do rosto dela.

—  Hum? Ah… tá sim! 

—  Não vai falar que você ficou preocupada com isso aqui! É uma cicatriz, O-chan, não sei o que eu fiz, mas já sarou! —  ele sorri —  Além disso, cicatrizes são másculas, fala aí!

—  Oh… são, sim! Feridas de batalha e  tudo mais… Mas sabe o que é bem másculo também? Um tapa olho. —  ela ri, brincando.

—  Pode crer! Eu deveria usar um, ia meter medo em todo mundo! 

Ambos riem, e ela sente como se estivesse em uma conversa com o Kirishima original, que sempre entra na brincadeira com naturalidade, isso é… bastante reconfortante. E olha que ela nem é tão próxima assim do garoto. Saber que pode agir assim e ter uma conversa normal com esse personagem lhe enche de ânimo para o que pode ser feito na rota da Tsu, imagine ter uma relação quase idêntica à que tem com sua melhor amiga! Seria… seria maravilhoso!

O que não é maravilhoso, porém, é o semblante da Tsu desse jogo quando passa pelo portão para ir embora. Ela corre os olhos do Kirishima para Ochako, voltando para ele novamente e se encerrando nela.

E assim como a Tsu original, que quase nunca demonstra o que sente por meio de expressões faciais, essa garota se mantém neutra, não poupando mais nenhum minuto para observá-los: o garoto de quem gosta e sua rival não declarada conversando e se divertindo como se fossem muito próximos, logo depois de ela tê-lo rejeitado…

É, não precisa que ela demonstre seu descontentamento, Ochako sabe o que a Tsu provavelmente deve estar sentindo, e observa a garota de cabelos verdes passarem por eles.

—  Que calafrio… —  o Kirishima esfrega os próprios braços, como se estivesse com frio.

—  Bom, algumas garotas têm essa aura forte e misteriosa… —  a morena diz.

—  Quem? A Asui? Aquela lá é só esquisita mesmo.

Ai não…

—  V-você acha? Ela parece ser tão legal… —  Ochako mente, tentando se convencer disso também.

—  Meh, sei lá. —  ele dá de ombros, acenando quando avista o Deku.

— Boa tarde, senpai! Ah, Uraraka-senpai, você também vai com a gente?

Ela pensa que até seria muito divertido agora que não tem que lutar pra agradar esses rapazes e temer cada resposta que dá, acabaria sendo como sair com seus amigos mesmo, mas… Ochako tem certeza que isso é um teste, se topar sair com o Kirishima, mesmo que não sejam só eles dois, isso vai acabar afetando negativamente a intimidade com a Tsu, que já não é das melhores.

—  Hahaha, não.

—  Ah, O-chan, eu não convidei antes, mas se você quiser vir, vai ser legal!

—  Seria mesmo, mas eu tenho uns deveres pra fazer. Vão se divertir vocês, garotos, tá bom? —  ela olha primeiro pro Deku, depois pro Kirishima, apertando o ombro do garoto de cabelos verdes antes de se afastar.

Porque ela pode até não saber quem, onde, ou como, mas de uma coisa Ochako tem certeza: tem alguém observando cada uma de suas jogadas.

 

***

 

—  Hoho, será que ela percebeu algo? —  o enfermeiro coça a barba enquanto abaixa os binóculos.

—  Duvido muito, ela não é esperta o bastante.

—  Perdão, Otoge-sama, mas será que já não é hora de parar de subestimá-la? Ela claramente-

—  Claramente não sabe jogar e está fazendo o que bem entende. —  ela também abaixa seus binóculos —  E o pior que nem é ela o maior problema, é o garoto.

—  Será mesmo? 

—  Sim, ela só percebeu o que tem que fazer nessa rota por causa dele, o garoto é praticamente um guia, e eu odeio esses guias.

—   Bom, tê-lo colocado de vilão não funcionou pra afastá-los…

—  Não por enquanto. —  ela dá um sorriso.

—  Ah é? —  ele ergue uma sobrancelha —  O que está planejando?

—  Nada que você precise saber agora. Bom… não acho que ela vai passar dessa rota, mas mesmo que consiga, já sei o que vou fazer na próxima, não terá como ela encerrar o jogo.

—  Falando desse jeito, parece até que quer que ela continue aqui pra sempre, Otoge-sama. Será que está começando a pegar afeição por ela e pelo jeitinho doido dela de resolver as coisas?

—  Tsk, até parece, esse jeito estranho dela de contornar o jogo pra pegar good ending tá acabando comigo! Não… eu quero ela se comprometendo com o meu jogo, quero ela percebendo que não dá pra ganhar sem fazer escolhas, e que toda escolha tem sua consequência. Se pra isso, ela tiver que perder e ficar presa aqui refazendo as rotas até conseguir fugir do bad ending, que seja.

—  Isso se ela pegar algum. —  ele coça as costas, fazendo uma cara de incômodo, recebendo um olhar colérico da mulher de cabelos cor de rosa.

—  Pode torcer pra ela o quanto quiser, eu sei que essa garota não vai conseguir passar por essa rota. —  ela pega seus binóculos novamente —  Não se continuar desrespeitando meu jogo.


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Notas finais do capítulo

Achei que não ia conseguir escrever o capítulo, mas meu notebook ficou pronto antes do esperado e deu certo de escrever, espero que toda minha angústia não esteja expressa nas entrelinhas kdkdkklsç

Então é isso, né gente? Sigamos! Obrigada por estar lendo, curtindo e comentando a história, o apoio de vocês é sempre muito bem vindo, a cada semana surgem mais leitores pra essa viagem de fic, e eu fico mega feliz em ter todos vocês aqui.

Obrigada! E tenham uma boa semana!



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