James's Sacrifice escrita por DanMarFer


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Bem, nesse capítulo responderei a perguntas que fiz anteriormente, acredito que ninguém ficará surpreso com a resposta, só desapontado.
Mas, sem mais de longas, vamos a história.
Espero que gostem!



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O homem parecia que ia ter um treco. Sua pele já branca, ficou translúcida e seus olhos quase saltavam das órbitas.

— Quem está na porta Valter? — Perguntou a voz de uma mulher.

— Pe-Pe-Petúnia, qual era o nome do filho daquela sua irmã? — Perguntou Valter.

Harry estava confuso. O que a irmã da esposa desse homem tinha a ver com ele?

— Harry, já lhe disse, mas por que quer saber sobre aquela... — ela se interrompeu ao olhar sobre o ombro do marido e ver o garoto parado na frente de sua casa. — Tire-o aí, rápido — gritou ela se recuperando do choque. — Imagine se alguém o ver.

Valter puxou o garoto para dentro da casa e pôs a cabeça na rua checando se alguém os tinha visto, depois fechou a porta e se virou para o garoto tremendo de raiva.

— Quem te enviou? — Exigiu saber Valter.

— Falaram para vir a esse endereço e encontraria um bruxo que...

— Não vale bobagens — berrou Valter.

— Mas não é boba...

Harry foi interrompido por Valter que o empurrou para dentro do armário de vassouras dizendo que era sim bobagens, e que ele deveria aprender a não falar mentiras.

— Hey, me deixe sair! — Harry batia na porta do armário gritando para que o deixassem sair. — Me deixe sair!

Ele continuou a espancar a porta, mas em vão. Somente horas depois quando já tinha desistido e deitado na cama, que Valter finalmente resolveu falar com o rapaz.

— Sabem quem somos? — Perguntou ele com a voz um pouco mais controlada.

— Não, senhor.

— Sabe cozinhar?

— Sim, senhor, mas por que?

— Se vai morar conosco as regras são: sem perguntas, sem bizarrices e você cozinha.

Dizendo isso, Valter destrancou a porta e saiu deixando o garoto muito confuso.

— Mas senhor, eu não pretendo... — a voz de Harry morreu no meio da frase ao ver um garoto sentado no sofá da sala. — Duda?

O garoto dito arregalou os olhos ao observar o "convidado".

— Espera, você mora aqui? — Harry estava abismado.

Ele tinha certeza que havia cometido algum engano. A família do garoto que fazia de sua vida um inferno no colégio, não poderia ser uma família de bruxos, deveria ter errado o endereço, essa era a única explicação possível.

— Onde mais eu moraria? — Questionou ele.

— Não sabia que essa era sua casa — disse ele pensando no quanto poderia sofrer estando na casa daquele garoto, mas ele tinha esperanças que os pais de Duda impedissem que seu filho fizesse coisas do tipo, claro, suas esperanças foram em vão.

O restante do dia passou de uma forma muito desagradável. Harry descobriu que aquele casal era tão horrível quanto seu filho, se não pior. Também descobriu que eles, infelizmente eram seus tios, e que Duda ia para uma escola particular chamada Smeltings, na qual tinham uma bengala como parte do uniforme.

Harry também descobriu que viver com os Dursley era algo detestável e que ele não desejaria para seu pior inimigo. Ele se questionou como sua tia conseguia ser tão diferente de sua mãe, em todos os sentidos. Também percebeu que os Dursley odiavam os Potter e "gente da sua laia" como eles disseram. Mas dizer isso, não era o que irritava a Harry, o que realmente o irritava, era quando eles falavam que seus pais eram "aberrações".

Quando isso acontecia, o garoto se retirava e ia para o armário de baixo da escada, único lugar na casa que poderia chamar de seu durante sua estadia ali. Mas era estranho, porque seus tios pareciam agir como se ele fosse passar o resto da vida ali e aquele, com certeza, não era o objetivo de Harry, ele pretendia voltar para sua casa no dia programado, não mais depois disso.

Naquela noite Harry dormiu do jeito mais desconfortável possível, já que passou toda sua vida, na confortável cama de seu quarto na Mansão Potter.

No dia seguinte que as coisas começaram a ficar estranhas.

Tudo começou quando a correspondência chegou durante o café da manhã.

— Apanhe o correio, Duda — disse Valter por trás do jornal.

— Mande o Harry apanhar.

— Apanhe o correio, Harry.

— Mande o Duda apanhar — "afinal ele é seu filho" acrescentou Harry mentalmente.

— Cutuque ele com a bengala da Smeltings, Duda.

Harry se esquivou da bengala da Smeltings e foi apanhar o correio. Ele não entendia porquê estando ali a apenas um dia, os seus tios já o tratavam dessa forma. O que ele havia feito para merecer aquilo?

No capacho tinha apenas três coisas: um cartão postal de uma mulher denominada Guida, alguma coisa que Harry não sabia identificar já que nunca vira antes e uma carta endereçada à Harry. Quem saberia que ele estava ali? E quem o enviaria uma carta? Isso nem mesmo acontecia na sua própria casa, todas as cartas que chegavam eram endereçadas a sua mãe.

Harry a apanhou e ficou olhando, o coração vibrando como um elástico gigante. Apesar de suas dúvidas, lá estava ela, endereçada tão claramente que não poderia ter engano.

Sr. H. Potter

O Armário sob a Escada

Rua dos Alfeneiros 4

Little Whinging

Surrey

O envelope era grosso e pesado, feito de pergaminho amarelado e endereçado com tinta verde-esmeralda. Não havia selo.

Quando virou o envelope, com a mão trêmula, Harry viu um lacre de cera púrpura com um brasão; um leão, uma águia, um texugo e uma cobra circulando uma grande letra "H".

— Anda depressa, moleque! — gritou Valter da cozinha. — Está fazendo o quê, procurando cartas-bombas? — E riu da própria piada.

Harry voltou à cozinha, ainda de olhos fixos na carta. Entregou a coisa que ele não identificara e o postal a Valter, sentou-se e começou a abrir lentamente o envelope amarelo.

Valter rasgou o envelope que Harry não soube identificar, deu um bufo de desdém e virou o postal.

— Guida está doente — informou à Petúnia. — Comeu um marisco suspeito...

— Pai! — exclamou Duda de repente. — Pai, Harry recebeu uma carta!

Harry ia desdobrar a carta, escrita no mesmo pergaminho grosso que o envelope, quando Valter arrancou-a de sua mão.

— É minha! — disse Harry, tentando recuperá-la.

Quem ele pensava que era para pegar as coisas dele? Até o dia de ontem ele nem mesmo sabia da existência dos Dursley e agora eles queriam mandar na vida de Harry?

— Quem iria escrever para você? — zombou Valter, sacudindo a carta com uma das mãos para desdobrá-la e percorrendo-a com o olhar. Seu rosto passou de vermelho para verde mais rápido do que um sinal de tráfego. E não parou aí. Segundos depois ficou branco-acinzentado, cor de mingau de aveia velho.

— P-P-Petúnia! — ofegou.

Duda tentou agarrar a carta para lê-la, mas Valter segurou-a no alto fora do seu alcance. Petúnia apanhou-a cheia de curiosidade e leu a primeira linha. Por um instante pareceu que ela talvez fosse desmaiar. Levou as duas mãos à garganta e produziu um ruído de engasgo.

— Valter! Ah, meu Deus, Valter!

Eles se encararam, parecendo ter esquecido que Harry e Duda continuavam na cozinha. Duda não estava acostumado a ser desprezado. Deu uma bengalada forte na cabeça do pai.

— Quero ler esta carta — falou alto.

— Quero lê-la — disse Harry, furioso —, porque é minha.

— Saiam, os dois — ordenou com voz rouca Valter, enfiando a carta no envelope.

Harry não se mexeu.

— QUERO MINHA CARTA! — gritou.

— Me deixa ver! — exigiu Duda.

— FORA! — berrou Valter, e agarrando os dois, Harry e Duda, pelo cangote atirou-os no corredor e bateu a porta da cozinha. Harry e Duda na mesma hora tiveram uma briga furiosa, mas silenciosa, para saber quem ia escutar à fechadura; Duda ganhou, por isso Harry, os óculos pendurados em uma orelha, deitou-se de barriga no chão para escutar pela fresta entre a porta e o chão.

— Valter — disse Petúnia com voz trêmula —, olhe só o endereço. Como é que eles poderiam saber onde ele dorme? Você acha que estão vigiando a casa?

— Vigiando, espionando, talvez nos seguindo — murmurou Valter enlouquecido.

— Mas o que vamos fazer, Valter? Vamos responder à carta? Dizer a eles que não queremos...

Harry via os sapatos pretos lustrosos de Valter andando para cá e para lá na cozinha.

— Não — disse ele, decidido. — Não, vamos ignorá-la. Se não receberem uma resposta... É, é o melhor... não vamos fazer nada...

— Mas...

— Não vou ter um deles em casa, Petúnia! Quando recebemos aquela carta, nós não juramos que acabaríamos com aquela bobagem perigosa?

Harry e Duda não sabiam, mas a três dias Valter e Petúnia tinham recebido uma carta os obrigando a aceitar Harry em sua casa todas as vezes que o rapaz aparecesse. Isso significava que todos os anos, durante as férias escolares, Harry poderia aparecer e eles seriam obrigados a abriga-lo, independente de quando ele aparecesse. Claro que os Dursley teriam rejeitado a proposta, mas tinham medo de que aquela gente esquisita se irritasse e fizesse alguma coisa com eles, caso rejeitassem.

Aquela noite, quando voltou do trabalho, Valter fez uma coisa que surpreendeu o Potter; visitou Harry no armário.

— Cadê minha carta? — perguntou Harry, no instante em que Valter se espremeu pela porta. — Quem me escreveu?

— Ninguém. Endereçaram a você por engano — disse Valter secamente. — Queimei a carta.

— Não foi um engano — retrucou Harry com raiva —, tinha o endereço do meu armário.

— CALADO! — gritou Valter e algumas aranhas caíram do teto. Ele inspirou algumas vezes e então fez força para produzir um sorriso que pareceu bem penoso.

— Hum, sim, Harry, sobre este armário. Sua tia e eu estivemos pensando... você realmente está ficando grande demais para ele... achamos que seria bom se você se mudasse para o segundo quarto de Duda.

— Por quê? — perguntou Harry.

— Não faça perguntas — disse com rispidez o homem. — Leve essas coisas para cima agora.

A casa dos Dursley tinha quatro quartos: um para Valter e Petúnia, um para hóspedes (em geral a irmã de Valter, Guida), um onde Duda dormia e um onde Duda guardava todos os brinquedos e pertences que não cabiam no primeiro quarto. Harry precisou de apenas uma viagem para mudar tudo o que tinha do armário para o quarto no andar de cima. Sentou-se na cama e deu uma olhada à sua volta. Quase tudo ali estava quebrado. Outras prateleiras estavam cheias de livros. Eram as únicas coisas no quarto que pareciam nunca ter sido tocadas.

Lá de baixo veio o barulho de Duda gritando com a mãe:

— Eu não o quero lá... eu preciso daquele quarto... mande ele sair.

Harry suspirou e se esticou na cama. Ontem ele teria dado qualquer coisa para estar ali. Hoje, preferia estar no seu armário com aquela carta a ali em cima sem ela.

O que tinha acontecido para ele ter que ir conviver com aquelas pessoas? Será que era algum tipo de pegadinha bolada por sua mãe? Ele duvidava, conhecia Duda o suficiente para saber que aquele garoto não era do tipo que tem senso de humor.

Na manhã seguinte, no café, todos estavam muito quietos. Duda estava em estado de choque. Berrara, batera no pai com a bengala, vomitara de propósito, dera pontapés na mãe e atirara sua tartaruga pelo teto da estufa de plantas e nem assim conseguira o quarto de volta. Harry pensava no dia anterior àquela hora, desejando com amargura que tivesse aberto a carta no hall. Valter e Petúnia se entreolhavam, ameaçadores.

Quando o correio chegou, Valter, que parecia estar tentando ser agradável com Harry, fez Duda ir buscá-lo. Eles o ouviram bater nas coisas do corredor com a bengala da Smeltings. Então ele gritou:

— Chegou outra! Sr. H. Potter, O Menor Quarto da Casa, Rua dos Alfeneiros 4...

Com um grito sufocado Valter saltou da cadeira e saiu correndo pelo corredor, Harry logo atrás dele. Valter teve que lutar e derrubar Duda no chão para lhe tirar a carta, o que foi dificultado por Harry, que agarrara o pescoço do Valter por trás. Depois de um minuto confuso de luta, em que todos levaram várias bengaladas, Valter se endireitou, ofegante, com a carta de Harry apertada na mão.

— Vá para o seu armário, quero dizer, para o seu quarto — chiou para Harry. — Duda, saia, saia logo.

Harry deu voltas e mais voltas no novo quarto. Alguém sabia que ele se mudara do armário e parecia saber que ele não recebera a primeira carta. Isto significava com certeza que ia tentar outra vez? E desta vez ele tomaria providências para que desse certo. Tinha um plano. O despertador consertado tocou às seis horas na manhã seguinte. Harry desligou-o depressa e se vestiu em silêncio. Não podia acordar os Dursley. Desceu as escadas sorrateiro sem acender nenhuma luz. Ia esperar pelo carteiro na esquina da Alfeneiros e receber primeiro as cartas endereçadas ao número quatro. Seu coração batia com força quando atravessou sem ruído o corredor escuro até a porta de entrada.

— AAAAARRREE!

Harry deu um salto no ar — pisara em alguma coisa grande e mole no capacho — uma coisa viva!

As luzes se acenderam no primeiro andar e, para seu horror, Harry percebeu que a coisa grande e mole tinha a cara do tio. Valter estava dormindo junto à porta de entrada em um saco de dormir para impedir que Harry fizesse exatamente o que estava tentando fazer. Gritou com Harry quase meia hora e depois lhe disse para ir preparar uma xícara de chá. Harry foi para a cozinha arrastando os pés, infeliz, e quando conseguiu voltar o correio tinha sido entregue, bem no colo de Valter. Harry viu três cartas endereçadas em tinta verde.

— Quero... — começou, mas Valter estava rasgando as cartas em pedacinhos bem diante dos seus olhos.

Valter não foi trabalhar naquele dia. Ficou em casa e pregou a portinhola para cartas.

— Entende — explicou à Petúnia por entre os lábios cheios de pregos —, se eles não puderem entregar então terão de desistir.

— Não tenho muita certeza de que isto vai dar certo, Valter.

— Ah, a cabeça dessa gente funciona de maneira estranha, Petúnia, eles não são como você e eu — disse Valter tentando bater um prego com um pedaço de bolo de frutas que Petúnia acabara de lhe trazer.

Na sexta-feira chegaram nada menos de doze cartas para Harry. Como não passavam pela portinhola da correspondência tinham sido empurradas por baixo da porta, metidas pelos lados e algumas até forçadas pela janelinha do banheiro no térreo.

Valter ficou em casa de novo. Depois de queimar todas as cartas, apanhou martelo e pregos e fechou com tábuas as frestas em volta das portas da frente e dos fundos, de modo que ninguém pudesse sair. Cantarolou "Pé ante pé no campo de tulipas" enquanto trabalhava, e se
assustava com qualquer ruído.

No sábado as coisas começaram a fugir ao seu controle. Vinte e quatro cartas acabaram entrando em casa, enroladas e escondidas nas duas dúzias de ovos que o leiteiro, muito confuso, entregara à Petúnia pela janela da sala de estar. Enquanto Valter dava telefonemas furiosos para o correio e a leiteria tentando encontrar alguém a quem se queixar, Petúnia picava as cartas no processador de alimentos.

— Mas quem é que quer falar tanto assim com você? — Duda perguntou espantado a Harry.

Na manhã do domingo, Valter sentou-se à mesa do café parecendo cansado e um tanto doente, mas feliz.

— Não tem correio aos domingos — lembrou a todos, contente, passando geleia nos jornais —, nada de cartas idiotas hoje...

Alguma coisa desceu chiando pela chaminé do fogão enquanto ele falava e bateu com força em sua nuca. No instante seguinte, trinta ou quarenta cartas saíram velozes da lareira como se fossem tiros. Os Dursley se abaixaram, mas Harry deu um salto no ar para apanhar uma...

— FORA! FORA!

Valter agarrou Harry pela cintura e atirou-o no corredor. Depois que Petúnia e Duda tinham corrido para fora protegendo o rosto com os braços, Valter bateu a porta. Eles podiam ouvir as cartas disparando para dentro da cozinha, ricocheteando nas paredes e no chão.

— Já chega — disse Valter, tentando falar com calma, mas, ao mesmo tempo, arrancando tufos de pelos dos bigodes. — Quero vocês aqui de volta em cinco minutos prontos para sair. Vamos viajar. Ponham apenas algumas roupas nas malas. Não quero discussão!

Ele parecia tão perigoso com metade dos bigodes arrancados que ninguém se atreveu a discutir. Dez minutos depois eles tinham retirado as tábuas para passar nas portas e estavam no carro, correndo em direção à estrada. Duda fungava no banco traseiro; o pai o tinha dado um tapa na cabeça por atrasá-los tentando empacotar a televisão, o vídeo e o computador na mochila esportiva.

Eles viajaram no carro. E viajaram. Nem Petúnia se atrevia a perguntar aonde iam. De vez em quando Valter fazia uma curva fechada e seguia na direção oposta por algum tempo.

— Para despistá-los... despistá-los — resmungava sempre que fazia isso.

Não pararam para comer nem beber o dia inteiro. Quando a noite caiu Duda estava uivando. Nunca tivera um dia tão ruim na vida. Estava com fome, sentia falta dos cinco programas de televisão a que queria assistir e nunca levara tanto tempo sem explodir um alienígena no computador.

Valter parou finalmente à porta de um hotel de aspecto sombrio na periferia de uma grande cidade. Duda e Harry dividiram um quarto com duas camas iguais e lençóis úmidos que cheiravam a mofo. Duda roncou, mas Harry ficou acordado, sentado no peitoril da janela, espiando as luzes dos carros que passavam enquanto pensava... Comeram cereal velho e torradas com tomates enlatados frios no café da manhã do dia seguinte. Tinham acabado de comer quando a proprietária do hotel se aproximou da mesa.

— Com licença, mas um dos senhores é o Sr. H. Potter? É que eu tenho umas cem dessas na recepção.

E ergueu uma carta para eles poderem ler o endereço em tinta verde:

Sr. H. Potter

Quarto 17

Railview Hotel

Cokeworth

Harry tentou pegar a carta, mas Valter afastou sua mão. A mulher ficou olhando.

— Eu recebo as cartas — disse Valter, levantando-se depressa e seguindo a mulher que se retirava do salão de refeições.

— Não seria melhor simplesmente irmos para casa, querido? —Petúnia sugeriu timidamente horas depois, mas Valter não parecia ouvi-la. Exatamente o que andava procurando ninguém sabia. Ele os levou até o meio de uma floresta, desceu do carro, espiou à volta, sacudiu a cabeça, tornou a embarcar no carro e partiram outra vez. A mesma coisa aconteceu no meio de um campo arado, no meio de uma ponte pênsil e no alto de um edifício garagem.

— Papai enlouqueceu, não foi? — Duda perguntou, cansado, à Petúnia no fim daquela tarde. Valter estacionara no litoral, passara a chave no carro com todos dentro e desaparecera.

Começou a chover. Grandes gotas batiam no teto do carro. Duda choramingou.

— É segunda-feira — falou à mãe. — O Grande Humberto vai se apresentar hoje à noite. Quero estar em algum lugar que tenha televisão.

Segunda feira. Isto lembrou a Harry uma coisa. Se era segunda-feira — e em geral podia-se confiar que Duda soubesse os dias da semana, por causa da televisão — então o dia seguinte, terça-feira, era o décimo primeiro aniversário de Harry. Também era o primeiro aniversário que ele passava longe de sua mãe, o que o fazia se questionar o que ela estaria fazendo naquele momento.

Valter voltou sorrindo. Carregava um pacote comprido e fino e não respondeu à Petúnia quando ela perguntou o que comprara.

— Encontrei o lugar perfeito! — falou. — Vamos! Saiam todos!

Fazia muito frio do lado de fora do carro. Valter apontou para o que parecia ser um grande rochedo no meio do mar. Encarrapitado no alto do rochedo havia o casebre mais miserável que se pode imaginar. Uma coisa era certa, ali não havia televisão.

— Estão anunciando uma tempestade para hoje! — disse Valter alegre, batendo palmas. — E este senhor teve a bondade de concordar em nos emprestar seu barco!

Um homem desdentado vinha descansadamente em direção a eles, e apontava com um sorriso muito maldoso para um barco a remos velho que subia e descia nas águas cinza-grafite lá embaixo.

— Já comprei algumas rações para nós — disse Valter —, portanto, todos a bordo!

Fazia muito frio no barco. Salpicos de água gelada do mar escorriam pelos pescoços deles e um vento cortante fustigava seus rostos. Depois do que pareceram horas eles chegaram ao rochedo, onde Valter, escorregando, levou-os até a casa em ruínas.

O interior era horrível; cheirava a algas marinhas, o vento assobiava pelas frestas nas paredes de tábuas e a lareira estava úmida e vazia. Havia apenas dois quartos.

Afinal as rações de Valter eram uma embalagem de cereal para cada um e quatro bananas. Ele tentou acender a lareira, mas a embalagem de cereal apenas fumegou e carbonizou.

— Aquelas cartas viriam a calhar agora, hein? — disse ele, animado.

Estava de muito bom humor. Obviamente achava que ninguém teria chance de alcançá-lo ali, durante uma tempestade, para entregar cartas. Harry concordava intimamente, embora este pensamento não o animasse nem um pouco.

Quando a noite caiu, a tempestade prometida desabou ao redor deles. A espuma das altas ondas chapinhava nas paredes do casebre e um vento ameaçador sacudia as janelas imundas. Petúnia encontrou uns cobertores mofados no segundo quarto e preparou uma cama para Duda no sofá comido pelas traças. Ela e Valter foram se deitar na cama cheia de calombos ao lado e deixaram Harry procurar a parte mais macia do soalho e se enrolar no cobertor mais rasgado e ralo.

A tempestade rugia cada vez com maior ferocidade à medida que a noite avançava. Harry não conseguia dormir. Tremia e revirava, tentando encontrar uma posição confortável, seu estômago roncando de fome. Os roncos de Duda eram abafados pela trovoada que começou por volta da meia-noite. O mostrador luminoso do relógio de Duda, que estava pendurado para fora do sofá em seu pulso gordo, informava a Harry que dentro de dez minutos ele completaria onze anos. Deitado, ele viu seu aniversário se aproximar, perguntando-se onde estaria o remetente das cartas agora.

Faltavam cinco minutos. Harry ouviu alguma coisa estalar lá fora. Desejou que o teto não caísse, embora quem sabe conseguisse se esquentar se isto acontecesse. Quatro minutos. Talvez a casa na rua dos Alfeneiros estivesse tão abarrotada de cartas que quando voltassem ele pudesse surrupiar uma.

Três minutos. Seria o mar batendo tão forte na rocha? E (faltavam dois minutos) que barulho esquisito de trituração era aquele? Será que a rocha estava se desintegrando no mar?

Mais um minuto e ele completaria onze anos. Trinta segundos... vinte... dez — nove — talvez acordasse Duda, só para aborrecê-lo — três — dois — um...

BUM.

O casebre todo estremeceu e Harry sentou-se reto, arregalando os olhos para a porta. Havia alguém lá fora, que batia, querendo entrar.

 


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam?
Fiquem a vontade para comentarem independente da data que lerem.



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