Ozaias - A Menina e a Tempestade escrita por R R Portela


Capítulo 2
A Mulher Na Cabana




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Sob o céu escarlate do amanhecer, Ozaias recuperava-se da noite não dormida. O sol
avermelhava-se no oriente e Ozaias achava lindo. O frio leve da manhã e a geada caindo
o acalmava, mas seu coração ainda estava disparado.

Teve uma noite de chacina.

Encostou-se, na noite passada, em uma árvore. Intencionava dormir, mas quando o
sono começou a aparecer, foi atacado violentamente por três Gins lupinos. Sendo
espíritos animais, sentiam fome e queriam sua carne. Ozaias se defendeu. Sangue
vermelho salpicou o verde da vegetação. Sangue dos lobos. Mas também de Ozaias.
A batalha avançou pela noite, violenta, voraz. Homem e lobo misturavam-se. Os três
espíritos tinham mais inteligência que animais comuns e isso era problemático. Eles
planejavam. Punham suas estratégias em jogo. Ozaias defendia-se apenas com sua
perícia.

Após o combate, viu-se ferido. Alguns arranhões nos braços e nas costelas, mas a
pior ferida era uma mordida na coxa. Sabia que mancaria por um tempo. Precisava de
um curandeiro. Ou, pelo menos, de certas plantas curativas.
O sol surgiu de vez, amarelando-se, e Ozaias sabia que fora uma noite de sono
perdida. Resolveu caminhar. Não conseguiria nada se ficasse parado por ali. Talvez
apenas atrair mais predadores. Conhecia o mundo, viajava por ele desde o seu
nascimento e, sozinho, por dezoito anos.

Em um mundo onde o povo aderiu a outras formas de subsistência, como a
agricultura e a criação de gado, Ozaias era um Oyenna. O último Oyenna. O último dos
nômades.

Não teria sangrado tanto se pedisse minha ajuda.

Uma voz escura sussurrante no clarão da manhã. Ozaias respirou profundamente. Era
Eijar, sua sina.

— Não preciso da sua ajuda.

Precisa sim. Você sempre precisou. Seu corpo não aguentará muito mais se
continuar se defendendo sozinho, com uma espada quebrada.

Respirou profundamente. Talvez Eijar estivesse certo. A espada na cintura que
carregava estava há muito destruída, restando apenas um toco da lâmina menor que o
punho. Lutara contra os Gins na noite passada se defendendo com dificuldade, cortando
de um lado ao outro, confiando mais em sua perícia que na força de sua arma. Não foi
inútil. Ozaias sabia que era um grande lutador. Matou todos os três lupinos, mas a
desvantagem da arma tinha aumentado seus ferimentos. A ferida na perna traria mais
uma cicatriz permanente. Ozaias já perdera as contas de quantas estavam espalhadas
pelo seu corpo.

Caminhou o dia inteiro, ignorando as palavas de Eijar. O espírito cismava de lhe
passar sermão, falando que os dois estavam atados ao mesmo destino e que já era mais
que tempo de Ozaias entender isso. Mas o homem nada disse. Preferia ignorar o Enocle,
Espírito de Mau Menor. Mas também não queria perder fôlego. A ferida na perna
sugava muito de si mesmo. Doía infernalmente. E Ozaias foi sentindo seu corpo
esquentar. Seus passos foram ficando mais lentos. Já não ouvia Eijar com tanta clareza.
Seu corpo pesado caiu no chão e Ozaias desconfiava que a voz irritante e sombria de
Eijar seria a última coisa que ouviria em vida.

***

Não foi.

Despertou e viu um teto de palha sobre sua cabeça. No susto, tentou se pôr de pé,
mas sentiu-se fraco. Quase não conseguia sentir a perna e temia que ela pudesse estar
putrefata. Não estava. Tocou-a e viu que uma pasta avermelhada, molenga, encontrava-
se sobre a ferida. Seu primeiro pensamento foi sobre onde estava. Uma casa poderia
significar qualquer coisa. Desde um vivo até qualquer tipo de espírito. E qualquer um
deles poderia ser problemático.

Caminhou pela casa manquejando. Não estava completamente escuro por conta dos
buracos nas paredes de barro e no teto de palha. Abriu uma das portas e sentiu a forte
luz nos olhos. Usou suas mãos para tampar o sol forte. Estava muito quente e claro. Aos
poucos seus olhos foram se acostumando. Até que por fim viu onde estava.
Era uma cabana em uma clareira. Uma floresta densa, com árvores muito verdes de
troncos muito marrons. Na verdade, era um local de cores exuberantes. Tudo era muito
forte. O amarelo dos girassóis na beira da trilha que levava para fora de lá. Os pássaros
muito coloridos cantarolavam nos galhos das árvores.

— Não deveria estar de pé. — Disse uma voz. Assustado, Ozaias se virou.
Viu uma garota. Uma mulher atarracada, magricela, com não mais que vinte anos, de
cabelos curtos e olhos curiosos. Aproximou-se de Ozaias com uma cesta de palha.
Quando ela chegou perto, o homem viu que ela trazia frutas.

— Coma. Vai te fazer bem.

— Quem… quem é você? — Perguntou. Não usava sua voz para falar com outra
pessoa viva fazia muito tempo. Nem conhecia os tratamentos mais.

— Eu me chamo Lina. E você?

— Sou… Ozaias. Esse é o meu nome.

— É lindo! E incomum. Você não é dessas terras, não é?

— Não sou de terra nenhuma. Onde estou? Como vim parar aqui?

— Eu o encontrei caído no mato com uma ferida enorme na perna. Trouxe você para
cá e não faz ideia do quão difícil foi! Então eu te tratei. Está três dias desacordado. Teve
muita febre. Mas está melhorando, se consegue estar aqui. Andava te alimentando com
pastas de frutas. Acha que consegue comer alguma inteira?
Ozaias olhou para dentro do cesto. Não estava acostumado à gentilezas.

— Sim.

Pegou uma maçã e mordeu. O sabor doce invadiu sua boca. Como era bom estar
vivo.

Não sabia o que pensar na presença da mulher. Talvez sua mente estivesse afetada
por conta do tempo desacordado. Não sabia. Ela lhe deu um sorriso e foi lhe guiando
para dentro da casa.

— Eu não tenho como pagar isso que está fazendo por mim. — Disse. — Não havia
necessidade.

— Não havia, de fato. — Ela respondeu com ar de sabedoria. — Mas queria que eu
visse alguém à beira da morte e permitir? Minha avó não ficaria feliz com isso.
Entraram na casa. Ela colocou a cesta de frutas sobre a mesa. Depois se aproximou
de Ozaias, a diferença de tamanho dos dois ficando bem clara.

— Eu quero você descansando. — Ela disse. — Falou que não havia necessidade
para que eu cuidasse de você e quer me dar trabalho? Veja só!
Apesar de jovem, Lina tinha um jeito de falar típico de pessoas mais velhas. Apesar
de não travar mais contato com ninguém hoje em dia, Ozaias já conheceu o mais
variado tipo de gente. Pessoas que agiam como ela costumavam ter mais de cinquenta
invernos.

Lina era uma mulher estranha. Parecia amigável demais. Imaculada demais. Ozaias
observou enquanto a via retirar as frutas da cesta e pôr em cima da mesa, disposta de um
jeito belo. As frutas eram muito vermelhas, muito amarelas, muito roxas. As cores
daquele lugar eram muito fortes; até o vermelho da pasta na sua coxa era muito
vermelho.

Desconfiou. Ozaias conheceu muitas pessoas ardilosas. Os vivos sempre davam jeito
de serem mais perigosos que os mortos. O problema é que, se fosse um problema de
verdade, Ozaias não sabia como se defender. Estava enfraquecido. Ainda sentia dor na
ferida na perna. Não sabia nem onde estava sua espada.

— Vou fazer um almoço para nós. — Disse Lina. — Espero que dessa vez fique
quieto, senhor!

Não confie nela.

Disse Eijar, a sua voz tenebrosa penetrando como uma lâmina na
sua mente. Assim como não confia em si mesmo.

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