O País dos Doces escrita por Gab


Capítulo 2
O lar


Notas iniciais do capítulo

Se quiserem escutar música enquanto leem, o álbum 'titanic rising', da Weyes Blood é uma boa. Eu usei esse álbum pra escrever haha, então deixo essa sugestãozinha.



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‘Venha logo que precisamos da sua ajuda para o jantar’

‘Okay, eu já vou’

‘Espera um segundo… o que é isso no seu vestido, mocinha?’

Respirei fundo pois sabia que dali seguiria uma enxurrada de sermão que levaria uma semana inteira. É algo que eu não compreendo da minha madrasta, ela sempre está com muita raiva e nunca se cansa de responder asperamente as pessoas. Sempre escuto discussões dela com o meu pai. Eu gostaria de entender melhor os adultos, saber qual o motivo de tanta falta de empatia um com o outro. Mas creio que esta resposta também não me será entregue muito cedo, precisarei esperar o momento certo, assim como foi com o país dos doces.

‘Você está coberta de sujeira pelo corpo todo. Como isso foi acontecer?’ questionou asperamente, ‘bom, não quero ouvir… já imagino o que aconteceu. Se eu deixar você vai até amanhã falando besteiras. Venha logo me ajudar e depois vamos resolver esse problema. Onde já se viu... uma menina peste como essa, não consegue ficar um minuto sem me encher a paciência!’ disse indo para o corredor, ‘Mas logo vamos ver com o seu pai, aquele imprestável. Ele quem deveria cuidar de você, eu estou farta de suas travessuras… anda!’ agora na cozinha, ‘Venha colocar os pratos na mesa, assim podemos fingir que somos uma família feliz, não é isso que você gosta de fazer? Fingir por aí as suas baboseiras? Pois então vamos fazer isso hoje, já que teu pai já me encheu com todas aquelas conversas de contas e gastos, ele sequer perguntou como foi meu dia…’ agora me ajudando a deixar tudo preparado, ‘na verdade, eu não entendo o que ele quer. Ele sempre volta tarde e não dá a menor satisfação do que estava fazendo ou onde estava. Eu também sou um ser humano, sabe? Necessito saber que alguém gosta de mim…’

‘É…’ respondi com tristeza.

‘Gostaria que ele se importasse mais, e que também pudesse cuidar mais de você, pois eu não aguento’ responde com desdém, ‘ele chegou muito estressado… eu também estou, por isso se comporte! Não toleraremos uma garotinha peste igual você!’

‘Tudo bem, não falarei uma palavra sequer!’ respondi. 

‘Ótimo, sabe como suas histórias enchem a cabeça do seu pai… minha também, mas eu ainda tenho mais paciência para suportar por alguns segundos que seja’. 

‘Mas e se ele perguntar das roupas sujas? O que eu digo?’

‘Ora, verdade, você está um desastre’ pegando-me pelo braço e me levando para o quarto, ‘troque de roupa e vá rápido para podermos jantar’ diz exasperada. 

Procuro um outro vestido bonito para que eu me vista adequadamente. Um ponto importante da minha relação com o meu pai, é que ele sempre espera o máximo de mim. Ele também espera isso da minha madrasta, mas de mim é triplamente mais cobrança. Sempre preciso estar apresentável, comportada e sem encher a cabeça dele de ideias. Mas às vezes era inevitável escapar das conversas formais e fugir para o que minha mente produzira. Ele se irrita fácil com a minha imaginação e não gosta que eu faça isso, nem mesmo fora da presença dele. Mas nem sempre obedecemos os nossos pais, não é mesmo?

Em relação ao país dos doces, eu ainda não contei pra ele sobre minhas visitas. Até porque se ele já se irrita com as minhas brincadeiras fantasiosas, imagina se ele descobrir que eu realmente tenho a capacidade de entrar em um mundo mágico. Ele não acreditaria, a minha madrasta já não o fez. Contei para ela somente da minha primeira viagem, mas aquela nem contou, pois não deu muito tempo de explorar como dessa última vez. Tive que voltar rápido pois eu precisava treinar minha leitura. Foi antes da aula que relatei minha rápida viagem, mas ela nem se importou; como professora, ela é dura às vezes, na verdade tinha de ser, pois meu pai exigira uma educação excepcional, uma vez que eu não podia frequentar a escola.

Ele diz que eu não serviria para um escola pública, assim como não me encaixaria numa particular. Mas na verdade eu sei que ele não teria dinheiro suficiente para uma particular. Minha madrasta vive lembrando ele da nossa condição financeira. Ela tem uma grande capacidade de se importar com números, mesmo que não seja uma boa professora de matemática. Ela costumava dar aulas de literatura infantil para uma escola aqui perto, mas meu pai a obrigou desistir do emprego devido alguma ocasião especial que eu não entendi muito bem. Eles repetem os mesmos assuntos todos os dias, mesmas conversas de manhã e de noite quando meu pai volta do serviço. Eu tento não ouvir o que eles conversam, mas é algo meio difícil a cada vez mais que o tom de voz eleva algumas casas.

Visto-me e busco me comportar no jantar. Sento e espero até que a comida seja servida. Meu pai me encara por alguns segundos, mas eu não consigo distinguir, se está triste ou bravo, ou talvez angustiado. Mas ele esboça um sorriso meio forçado com os olhos cabisbaixo. O que me surpreende fortemente, pois não era comum que ele fizesse isso. Não parecia o mesmo de todos os dias, ele tinha um ar diferente. Retribuo com hesitação e logo minha madrasta chega com o jantar.

‘Bom, como soubemos hoje do que Clarice passou a ter, teremos que mudar completamente nossa dieta. Então, aqui está o jantar… eu sei, não é o que comemos diariamente, mas temos que nos habituar logo’, olhando com pouco de desdém para mim, ‘espero que goste, pois é isso que vai comer de agora em diante’. 

‘Vamos ver se essa gororoba vai ajudar’, diz o meu pai pegando um pouco de legumes, ‘ela precisa se manter saudável, mas do jeito que você gasta, não sei se conseguimos comprar tudo para a dieta e ainda para os remédios necessários...’.

Daqui em diante seguiu o que sempre costumava ser o jantar, com brigas e mais brigas. Minha madrasta pedia para gente fingir, mas eles sempre eram os primeiros a se esquecerem da atuação. No mesmo dia, antes de que eu conseguisse entrar no país dos doces, eles haviam brigado também. E por incrível que pareça, assim como dessa vez, não escutei uma palavra da conversa. 

Degustei o jantar com muita ansiedade, pois sabia que depois dele poderia pensar em um jeito de conseguir entrar no país dos doces novamente. Terminei e mesmo sem ser ouvida, agradeci pela comida como de costume deveria fazer. Corri para o quarto e fiquei pensando como o país funcionava. Como ele apareceria? Como eu poderia controlar quando ir? 

Pensei em uma possibilidade de conseguir, fechei os olhos e mentalizei com todos as minhas forças o portal multicolorido que aparecera mais cedo. Desejei tanto escapar daquele lugar barulhento para a calmaria do país dos doces, mas quando abri os olhos não havia nada para me satisfazer.

Me senti tão estúpida e deprimida. Será que tudo não havia passado da minha imaginação? Será que tudo que eu havia vivenciado era falso? Não aceitava tamanha injustiça! Mentalizei novamente, mas agora com mais vigor. Os olhos foram fechados com tanta força que eu imaginava que produzira uma careta engraçada, mas sei que não conseguiria ver. Forcei, forcei, forcei. Em minha mente o portal crescia tão pequenino que não podia ser visto pelos meus olhos, mesmo que eu abrisse eles. Mas de tão microscópico, ele crescia lentamente para algo maior. 

Uma onda de luz veio em minha direção, ao menos na minha imaginação. Não tive coragem de abrir os olhos pra ver se realmente acontecera. Somente quando ouvi um grito vindo da cozinha é que consegui voltar a realidade. Abri os olhos e lá estava, um círculo com tantas cores que reluziam pelo quarto todo.

 Era hora de descobrir de vez o que acontecia nesse lugar maravilhoso…


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado!
Avisem qualquer coisa de errado que encontrarem.



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