Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 41
Febre




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Fecho a porta logo atrás de Samir dando uma volta na chave. Sento-me no sofá sentindo o perfume dele preso nas minhas roupas amarrotadas. Passo a mão pelos cabelos me questionando se deveria mesmo ter deixado ele ir embora. Baixo as pálpebras acomodando-me diante da televisão como única fonte de luz do local.

Preciso acabar tudo. Por um ponto final no que tenho com Noah. Desde meus sentimentos por ele até o que seja lá que ele está tentando recuperar agora. Não posso passar o resto da minha vida sendo afetada por uma ligação dele e palavras que podem muito bem serem mentiras. Sei bem a sensação de perder alguém por escolha dessa mesma pessoa e o quanto é desesperador, faria qualquer coisa para mudar. Até mentir.

Pensei em fazer isso com relação a meu pai, mas só de imaginar isso me cansa. Minha cabeça dói. Suspiro, desligando a televisão e dormindo sem me prezar a trocar de roupa.

A luz do sol transpassa minhas pálpebras. Apesar de ser contra a vontade, acordo encarando diretamente o teto branco. Não tem emoção. Felicidade, empolgação ou sequer tristeza e desespero. Nada. Ergo o tronco, imaginando ser apenas o tédio refletido na falta de necessidade em minha vida. Duvido muito que pessoas precisando mais do que eu estejam passando por um momento de crise existencial.

Acho que ouvi em algum lugar algo relacionado a como o homem em seu tédio volta-se a si mesmo. E pelo que posso notar, isso se torna um inferno. Critico-me duramente sobre minhas reações aos últimos acontecimentos. Minha cabeça piora, o estômago revirando. Em segundos um simples fator de emoção torna-se a sensação de enjoo e embrulho resultantes de alguma doença. Corro até o banheiro quase atrapalhando-me com meus pés e a baixa pressão súbita, pontos pretos aparecendo na visão.

Curvo minhas costas quase não conseguindo enfiar o rosto no sanitário a tempo do líquido quente escorrer da garganta, o gosto e cheiro impregnando meu corpo inteiro além de transmitir-se para as paredes do cômodo. Penso já ter acabado quando a sensação se repete. E outra vez. E mais outra. Fico exausta, minha garganta em chamas e lágrimas nos cantos dos olhos. Dou descarga, decidindo não ir para a faculdade.

—Feliz aniversário, Elise — resmungo ainda de joelhos.

Levanto-me. Escovo os dentes, bochecho várias vezes até o amargo sair da boca. Tomo alguns goles de água na cozinha e começo a fazer chá, apoiada na bancada como se fosse minha única forma de ficar de pé. Por vários momentos sinto a luz magoar meus olhos, o estômago dolorido. Rendo-me a um banho para me livrar do fedor de vômito jogando as roupas sujas no cesto. Fico de pijama, pego os analgésicos dentro da mochila e os tomo com o chá. Arrumo minha cama deitando-me em paz esperando a dor passar sem ter ideia alguma do que pode ter sido a causa.

***

Peguei no sono. Coloco as pernas fora da cama, um caminhão de ácido descendo pela minha garganta até pousar no estômago ainda dolorido. Pelo menos já parei de vomitar. Levanto da cama ainda me apoiando onde consigo, a dor imobilizando levemente minhas pernas. Não como nada desde mais cedo, então começo a preparar o almoço, algo mais leve sem exagerar no quesito do sal ou da carne ficando mais com salada e alguns pedaços de batata cozida no almoço anterior. Meu celular vibra.

—Oi.

Oi, querida. Meus parabéns. Só pra falar que amo você.

—Brigada, mãe. Como você tá?

Os negócios estão indo bem, tudo estabilizado por agora. Joseph quer comemorar seu aniversário esse fim de semana, o que acha de irmos te visitar?

Apesar da imagem me parecer constrangedora nada vai mudar se eu ficar paralisada de vergonha sempre que encontrar o namorado da minha mãe (ou quase noivo a essa altura).

—Me parece bom —imagino ela conhecendo Noah sem motivo algum — Preciso comer alguma coisa. Que tal me mandar uma mensagem com os detalhes depois?

Sem problemas. Beijo.

Ela desliga. Ponho a comida na mesa e concentro-me na tarefa de terminar já avisando ao meu chefe sobre a situação. Como sempre, compreensivo, ele fala que sequer vou precisar repor na minha folga da próxima terça. Agradeço imensamente. Tento comer, meu celular ao lado conforme respondo as mensagens escandalosas de Louis e as fotos que manda da ultrassonografia com o título GÊMEOS quase me fazendo sofrer de infarto. Yuri faz um texto carinhoso. Ryder me cumprimenta através de áudio enviado por Tyson. Fico feliz que sejam apenas eles a saberem do meu aniversário, o que logo me faz estranhar o silêncio de Samir.

Será se fui longe demais com o beijo ontem? Mas foram só beijos... Recordo-me do quanto ele considera sinceridade um ponto essencial para nossa relação. Será se não fui sincera? Sinto que acabei o usando para tentar me esquecer dos meus problemas. Meu estômago revira.

Duas batidas na porta. Querendo evitar a comida mais que qualquer coisa, encaminho-me até ela destrancando e esperando ver Samir do outro lado, o terno bem passado, o cabelo cheio de gel e a pele bronzeada saudável além do sorriso contagiante. Tudo desmorona ao encontrar Noah, Tetsuro ao seu lado fazendo bico. De primeira, ele passa os olhos por mim dando um passo mais próximo, desconfiado. Não gosto da aproximação. Nem do fato dele saber meu quarto. Faço uma careta, sem saber se é de dor ou de repulsa.

—Acertou, era o 35. E... — Tetsuro passa os olhos pelo meu quarto por cima da minha cabeça — Está sozinha

—Claro que eu tô. O que estão fazendo aqui?

O canto da boca de Noah entorta. Parece perturbado. Falei algo errado? Ah. Ontem... Apoio o cotovelo acima da cabeça na soleira da porta, tentando me manter de pé sem as pernas ficarem bambas. Como se não bastasse o rosto irritante, o olhar afiado de Tetsuro nota imediatamente.

—Opa. Aconteceu alguma coisa?

—Não. Vai me responder ou não?

—Você tá bem? —Noah estende uma mão onde imagina que estou. Quero dispensá-la. Afastá-lo para o mais longe de mim.

—Não é da sua conta.

Tetsuro ergue as sobrancelhas tão alto que parecem chegar ao couro cabeludo.

—Sabe... Quem perguntou se você tá bem foi o Noah e não eu.

—E daí?

—E daí que geralmente você é um doce com ele e babaca comigo.

—Cala a boca, Tetsuro — resmungo.

Engulo o seco. Uma onda de dor transpassando meu corpo fazendo agarrar discretamente a porta puxando-a até quase fechar. Não olho Noah, foco em Tetsuro. É bem mais fácil falar com ele, suas expressões denunciam seus pensamentos na maior parte das vezes.

—Se não vão dizer o que querem, vou voltar a dormir.

—Espera! — Noah dá um passo mais a frente, continuo ignorando seu rosto.

Pisco algumas vezes, sem conseguir focalizar o rosto do irritante de Artes Plásticas. Alguns pontos pretos surgem na minha visão e imediatamente junto as sobrancelhas. O que está acontecendo comigo?

—Noah, mantenha as mãos na frente do corpo.

—Tetsuro, mas que diabos...?

—Ela vai cair!

Não percebo que estou fazendo isso até já ter batido com força contra o peito de Noah, minha cabeça girando. Mesmo nesse estado, ainda percebo a mão dele pousando protetora e espalmada no meio das costas, a outra chegando a tocar minha testa conforme fecho os olhos tentando não ver tantos pontos pretos na visão.

— Por que não me disse logo que ela tá tão mal? —Noah parece brigar com Tetsuro —Ela tá ferida? Algum sangramento?

—Se eu me movesse mais alguns centímetros tenho certeza que ela me daria um soco. E não, ela tá bem tranquila.

—Não seja idiota! Elise acabou de cair nos meus braços e quer me falar “ela tá bem tranquila”?

Eu sou idiota? Não você, o cara se cagando de ansiedade só pra poder...

—Cala a boca!

—Deveria ter tomado uma atitude antes!

—Podem parar com isso? É só febre.

Pouso a mão no peito de Noah, querendo me afastar... Mas o corpo dele parece tão geladinho e reconfortante. As forças me falham. É a primeira vez desde que os conheci que Tetsuro perde as estribeiras com Noah. Imagino que nem esse rato tenha uma paciência divina.


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