Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 37
Tentativas




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Tendo conseguido milagrosamente um espaço na reserva da sala de música, sento-me na cadeira de plástico no mesmo local combinado com Noah, fundo da sala um tanto mais próxima da última janela e visível ao pátio. Encaro o saxofone preso na parede á minha direita, um instrumento dourado com tantos botões que me deixa enjoada. Tiro o celular do bolso mandando uma mensagem rápida a Samir.

Elise: Russel me deu saxofone. Tem alguma dica?

Pressiono a testa, agora mais por costume que por dor. As dores de cabeça baixaram significativamente melhorando minha vida.

Samir: Trouxa.

Elise: Babaca.

Samir: N tenho nenhuma ideia sobre saxofone, mas um amigo pode ajudar. Onde c tá?

Elise: Sala de música 17. Pq?

Cruzo os braços sobre o peito, esperando. Faço uma careta com a demora e pergunto sobre o instrumento á Yuri. Ela diz que também sabe pouquíssimo e ainda muito mau. Coço a nuca, encostando a cabeça no encosto da cadeira e olhando o teto. As lâmpadas são estranhamente circulares, postas estrategicamente em cada lugar para iluminar diretamente os instrumentos. Ouvi em algum momento Russel falar que cada um é a forma de liberdade da alma presa ás palavras expressar-se verdadeiramente. Até que gostei do conceito.

Levanto da cadeira indo na direção do infame soprador. Puxo de seu local sentindo o formato, o peso, pressionando levemente os botões sem saber ao certo seus nomes ou divisões, apenas reconhecendo-o. Baixo as pálpebras, desmontando e remontando mentalmente o objeto em minhas mãos. O material é diferente, sua disposição, a forma como funciona. É tudo diferente, tal como o som.

Escuto a porta abrir e logo os passos levemente suaves de Noah até fechá-la novamente. Abro os olhos. Viro-me para ele parado ao lado da porta, parcialmente congelado. Como se esperasse alguma coisa, uma mão segurando a bengala e a outra presa em suas costas onde o violão está.

—Ei, Noah — chamo — Tá tudo bem?

Ele se ilumina. O rosto relaxa, ele respira fundo e se move pegando a bengala para seguir na direção de onde me escuta.

—Achei que não viria — ele confessa ainda sorrindo.

Meu coração dói. Ele estava com medo? Recordo-me bem do sumiço de quase quatro dias que graças á doença dele se prolongaram por mais de dez longos dias sem contato um com o outro. Ponho o saxofone no lugar entendendo que ele quer mesmo restabelecer nossa antiga amizade.

—Não vou mais sumir.

A bengala de Noah bate nos meus sapatos e junto as sobrancelhas, confusa. Ele bate um pouco mais acima, no meu tornozelo. É leve, apenas para saber onde estou. Ao confirmar, acerta um mais forte na parte de trás do meu joelho e perco parte do equilíbrio imediatamente o xingando conforme ele tira os óculos escuros.

—Ai! O que tá fazendo?

—Brigando com você.

—Por que?

—Por mentir.

Levo a mão até o local atingido massageando o ponto de impacto. Faço uma careta. Esqueci que algumas vezes Noah é tão bobo quanto o possível.

—Quando menti pra você?

—Acabou de dizer que não ia mais sumir, mas eu sei que vai. Vem me evitando desde a história com o seu violão.

Desvio o olhar do rosto dele, voltando-me para o saxofone novamente.

—Ele não é mais meu.

—Claro que é! Você só me emprestou.

—Dei ele a você.

—Eu... Diabos, Elise. O que tem de errado?

Sinto a mão dele no meu cotovelo. O toque ainda é gélido e leve, um farfalhar de folhas ao vento. Após meu silencio a sua pergunta ele espalma a mão em meu antebraço seguindo até meu ombro e me virando, como se soubesse que não o olho.

—Me conta o que eu fiz de errado. Por favor.

Pressiono os lábios encarando meus sapatos.

—Não tem nada de errado, Noah — só o que eu ainda sinto por você — Eu comecei a trabalhar, tenho menos tempo e já vou comprar outros instrumentos com o meu salário. Pode pensar no violão como um presente de desculpas pelo sumiço.

—Não quero um pedido de desculpas.

—E o que quer?

Noah fica quieto. Solto-me de sua mão em meu ombro cruzando os braços sobre o peito e suspirando alto. Queria que ele entendesse. Sua aproximação é dolorosa, preciso vê-lo com Kya sabendo que não terei o mesmo. Por mais que o queira feliz não quero ter que presenciar isso. Não quando dói tanto.

—Desculpe, Elise — Noah encolhe os ombros, as sobrancelhas juntas, olhos baixos.

Passo a mão pelo rosto e coloco ambas na cintura, assentindo.

—Desculpa também. Só... Vamos nos concentrar, tá bem?

Noah assente. Sentamos nas cadeiras no fundo. Levo o saxofone pousando-o na cadeira vaga ao meu lado. Começamos com ele me ensinando como fazer o som sair claramente, a técnica de sopro e como ajudar a prender a respiração por um tempo considerável. Aos poucos me conta a função dos botões apesar de ter que se render e me fazer pesquisar no celular. Ao pegar o aparelho, vejo a notificação da mensagem de Samir.

Samir: Vai saber daqui a pouco.

Já posso até imaginá-lo invadindo o campus todo de terno e chamativo como sempre. Faço uma careta à imagem mental e volto a me concentrar. Fazendo por semelhança de som, Noah me orienta se está próximo ou não de como deveria soar.  Anoto os acordes que considero principais e já peço Noah para tirar o violão da capa, vamos começar logo com os acordes dele. Parecem mais fáceis.

Sentamos de frente um para o outro e ele os repete, sem cantar. Um ou outro saem do tom, não combinam com a melodia. Chamo sua atenção para isso sugerindo uma opção diferente que pode modificar o resto, porém irá fazê-lo soar mais conexo.

—Elise.

—Hum?

—Falou a verdade sobre a minha voz?

—Como assim?

—Quando... Disse que era a melhor que já tinha ouvido.

Arrumo a postura na cadeira, engolindo o seco. Por que ele quer falar disso? Ao me recordar sinto-me envergonhada graças a Tetsuro e sua ironia. Foi só um elogio e nenhuma parte dele foi mentira. A voz de Noah mudou a minha vida. E escutá-la de novo, amadurecida, foi ainda melhor. Porém, diferente de antes, ela me trouxe paz e inspiração. E cada vez mais fica difícil falar sobre isso. Incomodada, desvio o olhar para as cordas do violão, como se elogiasse Summer.

—Sua voz é incrível, Noah.

Não confiro, mas sei que ele está sorrindo. Por que sorrindo? Lembro-me de ter ficado feliz também quando ele elogiou o modo como toco, então compreendo que ele não deve mostrar sua voz a muitas pessoas desde o ensino médio.

—Ei. A Kya é legal?

Ergo os olhos e o sorriso de Noah já sumiu, os lábios tensos conforme os dedos buscam as cordas do instrumento. Ele ficou mal humorado? Ah. Devem ter acabado em alguma briga e acabei de pisar em terreno perigoso. Talvez seja agora que Noah surta como no primeiro dia.

—Por que quer falar dela?

Arqueio uma sobrancelha. Sua voz parece receosa. Estou prestes a lhe questionar o que diabos lhe aconteceu para se tornar tão...

—Elise!

A porta bate. Levanto a cabeça a tempo de vê-la sendo fechada pelo tênis de Samir. Já fica estranho só pelo fato dele estar usando tênis.  Aos poucos noto a calça jeans rasgada e a camisa branca com corrente de prata no pescoço, a barba já crescida de volta ao rosto, o cabelo bagunçado em seus cachos e o sorriso suspeito.

—O que faz aqui?

Samir mostra a mão esquerda segurando a alça de um objeto embrulhado em papel de presente. O tamanho e formato peculiares me fazem ficar imediatamente de queixo caído.

—Surpresa! — fala.

Solto uma risada pelo quanto ele parece simples e alegre em presentear alguém.

—Licença, Noah. — toco seu braço no violão e me levanto indo na direção de Samir.


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