Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 31
Complicações




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Novamente voltando para casa apenas na manhã seguinte, sou recebida pela minha mãe, sozinha dessa vez, na cozinha. O café preparado pela moça da cozinha que sempre se retira ao terminar suas tarefas pretendendo não incomodar a nenhuma das duas. Me parece que ela mais evita ficar perto de Catherine do que qualquer outro motivo nobre.

Terminando, converso um pouco com ela e depois vejo-a partir para resolver algum problema necessitando sua presença na construção de algum prédio famoso na cidade ao lado. Novamente, sinto o aperto no peito ao relembrar que é a mesma cidade onde meu pai mora agora.

Subo a escadaria larga até o segundo andar em conceito aberto passando pelo piso de madeira em passos largos para chegar no meu quarto. Revestido discretamente com espuma, isola os sons exteriores, a não ser pela porta de vidro na direção da varanda. É quase o dobro do meu quarto no dormitório, cama larga, closet, pintura clara, resquícios de instrumentos, livros sobre a história da música, partituras de acordes e músicas tanto clássicas quanto modernas. A escrivaninha, o termostato, o teto personalizado cheio de imagens de instrumentos que já quis tocar.

Sento-me na beirada da cama, encarando o vazio. É a primeira vez que fico sozinha em alguns dias. Absorvo a ideia de minha mãe estar seguindo em frente e minha dor pela distância com meu pai, a saudade de dias que mal consigo me lembrar dele cantando na cozinha. Não imaginava que doeria tanto ele ir embora e começar outra vida. Faço uma careta, deitando na cama e me encolhendo.

Se importar dói tanto assim? Questiono-me se deveria mesmo continuar nesse caminho, se não seria bem mais fácil simplesmente deixar tudo de lado e seguir ignorando fatores exteriores. Porém, da mesma forma que dói, também nunca me senti tão acolhida pelas pessoas ao meu redor. Nunca me senti tão conectada á minha mãe, ou Louis. Nem tinha ideia de que poderia chegar a sentir algo assim por Yuri e agora... E agora até mesmo amo Noah.

Pensar nele traz de volta a lembrança da sua mão na de Kya. Noah estava satisfeito em me apresentar ela, queria que eu gostasse dela tanto quanto ele gostava. Isso também dói. Os dois ficam bonitos juntos, talvez conseguissem um dueto angelical em algum momento no futuro. Por que me apaixonei por ele? Por que esse tipo de amor tem que estar relacionado logo a ele? Venho encarando meus sentimentos como errados e doentios faz meses, esforçando-me para livrar-me deles sem incomodá-lo. Por que logo ele?

Minha expressão relaxa.

—Então foi por isso — murmuro.

Busco o celular no bolso da frente da calça. Tiro-o encarando o visor repleto de algumas mensagens. Charlie, Samir, Andrea. Noah. Retiro as notificações prometendo que iria conferir elas depois. Vou até os contatos e desço até o nome “Michael”. Ainda dói tanto. Deveria mesmo fazer isso? Engulo o seco, o estômago embrulhado ao pressionar a tela. Levo o celular até o ouvido, estremecendo pelo contato gelado.

O outro lado chama ainda quatro ou cinco vezes. Tenho certeza que ele está me ignorando ou passando o seu telefone para a minha madrasta. Fecho os olhos, aguardando e tentando silenciar o grito em meu peito.

Alô?

—Oi, Debra. Posso falar com ele?

... Olha, Elena...

—Elise.

Isso. Desculpe. Posso te falar a verdade?

—Claro.

Não acha que já chega? Digo, vocês dois só são lembranças ruins um pro outro, não é? Michael lembra do homem horrível que era e você não pode esquecer tão cedo.

—Debra, só pedi pra falar com ele.

Elise. Não entendeu? Não quero que fale com ele. Você decidiu ficar com a sua mãe e o dinheiro dela, não foi? Michael ficou sozinho. Eu fui a única a ajudar e desde que ele melhorou e você ainda decidiu não morar com ele...

—Eu não tinha obrigação nenhuma de cuidar de um homem crescido! — elevo a voz, subitamente perdendo toda a compostura —Eu era uma criança, por que deveria cuidar dele? Era pra ser o papel inverso! Ainda espera que eu de alguma forma ficasse do lado dele enquanto ele me assustava? Vai me dizer que iria querer a Alice perto dele?

Não precisa se alterar.

—Claro que eu vou me alterar! Me deixa falar com o merda do meu pai, Debra!

Não ligue mais. Nenhum de nós dois vai atender.

—O que?

A ligação termina. Aperto o celular na minha mão. A dor transforma-se em raiva. Quero ligar novamente, dizer algumas verdades que por tanto tempo não pronunciei por achar serem inúteis. Quero que saibam que por mais que pensem estarem certos e em paz ainda deixaram uma ponta solta: eu. Sou o intermédio, sou a lembrança de uma vida passada tanto para minha mãe quanto para ele. Meu peito comprime.

***

Ao me acalmar, ligo para Samir e limpo as lágrimas do meu rosto. Levanto-me da cama indo até o piano de calda no canto do quarto. Sento-me no banco e ergo a tampa sentindo as teclas empoeiradas.

Céus, mulher, onde esteve?

—Tive alguns problemas. Você... Ainda quer ter o encontro hoje?

Te ouvindo assim, claro que eu quero. Preciso te animar.

—Tarefa difícil. Eu tô em Bishop Hill. Consegue vir pra cá?

O que foi fazer aí?

—Eu sou daqui. Não quer vir logo? Pode mudar o encontro de algumas horas da noite para o dia inteiro.

Não quero ficar sozinha. Não quero mais pensar no meu progenitor. Não quero me preocupar com Louis. Não quero sentir a dor de amar Noah.

Gostei da ideia. Que tal me mandar sua localização?

—Quer vir parar na minha casa?

E conhecer minha futura sogra.

—Idiota.

Desligo a chamada. Vejo as mensagens de Samir e envio minha localização sem pensar muito.

Samir: Chego em uma hora.

Respiro fundo. Apoio os cotovelos nas teclas e escondo meu rosto nas mãos. O que estou fazendo? O que está acontecendo comigo? Por que dói tanto? Tudo por ter suprimido antes? Como vou conseguir seguir em frente com isso? Não tenho ideia. Não sei a resposta para muitas das perguntas que rondam minha cabeça.

Sendo assim, decido esquecê-las, nem que seja momentaneamente. Saio do piano e tomo um banho demorado de banheira, passando superficialmente pelas mensagens dos outros. Andrea me manda vários pontos de interrogação e um “Onde se enfiou” entre eles. Charlie é mais assertiva. Pergunta se estou bem, por quê sumi e onde fui parar. Noah me manda um áudio. De quase cinco minutos.

Relaxo a cabeça na banheira imaginando-o brigar comigo por deixa-lo plantado me esperando na sala de piano sem nem avisar antes. É a primeira mensagem dele, enviada na manhã de quinta. A segunda é um áudio mais curto, de três segundos. A última é só a frase “Espero que esteja bem”.

—Você é um pé no saco — encaro a tela do celular.

Prometo escutar seus áudios depois. Deixo o aparelho de lado e me concentro em terminar o banho antes de Samir acabar sendo barrado pelo porteiro e os seguranças.


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