Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 16
Dispensada


Notas iniciais do capítulo

Agora, para as tretas



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Sem conseguir entrar em contato com Noah, vou para a sala de música onde reservei o violão e pouco depois o piano. Passo pelos instrumentos, distraída agora que sinto meus dedos muito melhores que antes. A ponta continua cheia de calos e adormecida, então mesmo as juntas doloridas posso tranquilamente tocar alguma coisa. Meus dedos envolvem o braço do violino já procurando o arco quando meu celular vibra no bolso. Atendo sem olhar o identificador.

—Quem é?

Elise. É o Noah.

Meu corpo inteiro sofre as consequências de escutar sua voz tão próxima do meu ouvido. De coração acelerado sento-me na cadeira de plástico ao meu lado. Pouso o violino nas pernas e fecho os olhos, desejando gravar com ferro a memória da voz dele.

—Como conseguiu meu número?

Charlie.

Sorrio, imaginando a expressão dela quando Noah pediu meu contato. No fundo ainda quero ser a única a ter esse privilégio de ouvir sua voz de tão perto. Faço uma careta sabendo não funcionar assim e também sabendo que sequer deveria pensar dessa forma.

Só queria te avisar que não vou poder treinar hoje — os sons de fundo na chamada mostram que está em algum lugar agitado — Pode mudar pra amanhã?

Se meus cálculos estão corretos durante a madrugada de hoje para o sábado e do sábado para o domingo vou estar junto a Ryder na banda. Imagino se ele vai querer sair do encontro direto para apresentação ou não.

—Claro —escuto minha resposta sem sentido e bato na testa.

Vou estar exausta amanhã! Questiono se meu QI desce pra -50 sempre que Noah está por perto. Mesmo com toda a força de vontade do mundo ainda é difícil tanto esquecê-lo quanto ignorá-lo. Entretanto, se for falar a verdade, por mais que minha consciência me oriente a fazer o certo, meus sentimentos se opõem. É irritante.

Noto então a chamada ainda em curso e abro os olhos juntando as sobrancelhas.

—Tem mais alguma coisa que queira me contar?

O outro lado fica mudo.

—Só... Obrigado, Elise.

Noah desliga. Meu rosto inteiro fica vermelho, calor pulsante em todo o corpo. Sem graça e de alguma forma envergonhada e animada, abraço um instrumento que não é meu e escondo a face mesmo sem a presença de uma alma sequer na sala. Suspiro, sem saber como vou superar Noah se ele falar meu nome dessa forma.

***

Fico de pé do lado de fora do dormitório esperando ver a vã de Ryder em algum canto da esquina. Confiro minha roupa mais uma vez, envergonhada de não ter nada que seja adequado a um encontro. Mesmo a calça jeans e a camisa azul clara de botões acompanhada de jaqueta sendo minhas melhores peças do guarda-roupa continuo achando ser apenas outra combinação casual. A maquiagem leve muda um pouco do meu parâmetro sem-cuidado-algum, assim como o cabelo gentilmente trançado por Charlie.

Encaro a tela do celular outra vez. Já passa de 20:30. Pressiono os lábios passando a pensar que exagerei. Pensamentos duvidosos nublam minha mente e destravo o aparelho na minha mão discando o número de Ryder. Cai direto na caixa postal. Outros vinte minutos de espera e ligo novamente. Nada.

Suspiro, conformada. Ele não vai vir. Deve ter sido algum tipo de vingança sobre o que aconteceu conosco. Não me sinto magoada ou decepcionada. Só sinto ter sido uma perca de tempo. Volto para meu quarto e troco os sapatos e minha calça por algo mais velho e confortável. Tiro a camisa de botões passando uma camiseta pela cabeça. Deixo o penteado de Charlie.

Faço meu jantar. Sento-me e assisto televisão. Distraio-me com as notícias. Alguma celebridade morreu de overdose, algum país está em decadência. O normal do noticiário da noite. Confiro o horário e percebo estar perto do combinado para encontrar os outros na boate minutos antes da apresentação.

Penduro o violão no ombro. Pego as chaves, o celular e carteira guardo no bolso da capa do instrumento. Caminho até o local, despreocupada. Percorro as ruas mais movimentadas tomando cuidado para não esbarrar em ninguém. Andando, passo a me perguntar de Ryder foi mesmo tão infantil assim. E se ele esqueceu? E se aconteceu alguma coisa e ele acabou machucado ou incapacitado de me falar alguma coisa?

Também pode ser o caso de ter sido assaltado ou pior. Imagino vários cenários diferentes tanto contra quanto a favor dele. Isso inclui o que encontro ao chegar no local da boate, mais de vinte minutos de caminhada depois. A vã está aberta, Ryder está tranquilamente passando o necessário para a apresentação às mãos de Tyson o qual carrega para dentro do local barulhento e escuro. A luz do poste mostra ele estar perfeitamente bem se não um tapa vermelho marcando a lateral do rosto.

Antes de chegar perto, Yuri sai das portas traseiras da boate com uma expressão nem um pouco convidativa. Recuo, sem saber se devo me aproximar. Temo pela minha vida sabendo que Yuri me daria uma surra se a tirasse do sério no estado em que está.

Penso até em me esconder, porém ela me identifica quase imediatamente e seu rosto muda. Volta a ser a mulher receptiva e colorida, animada como Louis. Abre os braços, sorrindo grogue.

—Chegou cedo! — comenta — Por que está aí parada?

Aproximo-me devagar, sorrindo para ela.

—Você tá linda! — exalta, a voz alta demais para o meu gosto — Qualquer um seria um sortudo de ficar com você.

Ok. Está estranho. O olhar mortal dela não é para mim, pelo menos. Atrás dela, Ryder bufa tirando sua guitarra da parte de trás da vã e indo direto para dentro da boate sem nem olhar para trás.

—O que tem de errado? — pergunto.

Yuri fuzila o ponto por onde Ryder sumiu, Tyson seguindo-o após me cumprimentar. É palpável a tensão entre os dois e lembrando da marca vermelha no rosto dele já até sei quem foi responsável por ela.

—Desculpe por isso — fala e massageia as têmporas. — Ele... Ryder é um lixo, como diabos namorou ele por dois anos?

Desvio o olhar. Se contar a ela sobre o bolo que ele me deu será se iria acabar matando-o? Talvez. Não talvez, muito provável. Certo, Yuri com certeza cometeria um assassinato.

—Também não sei. Me conta o que aconteceu.

Yuri pressiona os lábios, hoje em tons azulados. Ela combinou bem as cores da calça de couro exibindo suas pernas na lateral, o cropped e as ondas em seus cabelos. Fica linda como sempre.

—Eu fui sem noção, desculpe — ela me abraça, não sei se confortando a mim ou a ela — Pedi que ele me ajudasse hoje a tarde com algumas compras. Estávamos na loja e... Eu... Escutei uma conversa de um cara sobre uma Elise. Fiz uma piada sobre a pessoa que o cara ligou fosse você... Aí escutei algo sobre violão e a sua voz.

Gelo passa pela minha espinha e afasto Yuri, olhando-a nos olhos.

—Você encontrou o Noah?

Ela parece surpresa pela minha reação, mas assente.

—Yuri. Me conta exatamente o que aconteceu.

Ela suspira, dando um passo para trás e se apoiando na vã.

—De início eu achava que nem era você. Aí associei ao que disse. Cara cego, voz bonita. Cursando Música. Brinquei com o Ryder que a possibilidade de ser ele o cara por quem você o trocou era muito alta e ele... Perdeu a paciência.

Arregalo os olhos, em expectativa nada agradável. Lembro-me muito bem dos acessos de raiva de Ryder direcionados a outras pessoas. Levando em questão ele ser mais velho o considerava um idiota por sempre estar envolvido nas brigas mais idiotas possíveis.

—Ele machucou o Noah?

Yuri nega com a cabeça e suspira.

—Ryder o convidou pro show de hoje. Deu uns três ingressos. A menina com o Noah os aceitou e Ryder... Falou sobre você.

Pressiono o centro da testa.

—Falou que era deprimente namorar alguém que sonha acordada.

Fico quieta, esperando ela continuar para então reagir.

—Eu o impedi de falar mais alguma coisa. Sinto muito. Depois daquilo ficou enfurnado no quarto de hotel até dar o horário de chegarmos aqui. Disse... Que vai procurar pessoalmente o Noah. Só falou sobre o encontro de vocês dois a alguns minutos e eu perdi a paciência.  Bati nele.

Faço uma careta.

—Não bateu o suficiente.


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