A Origem da Energia - Ascender da Lenda escrita por OrigamiBR


Capítulo 14
Impulsividade existente


Notas iniciais do capítulo

O que, um combo de dois capítulos, sem mais nem menos? Pois é, percebi muito depois que o capítulo havia ficado muito curto, e como já estou alguns na frente, posso me dar esse luxo, hehe.



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Fogo mostrou onde ficavam os aposentos dos três após uma longa caminhada pelo templo palaciano. Havia alguns aprendizes trafegando, e todos eles cumprimentavam a mestre do Santuário com respeito, mas não esboçavam nenhuma reação a eles. Uma coisa em comum era que todos que estavam por lá usavam roupas muito leves: por vezes tendo alguns garotos e homens com a parte de cima dos corpos à mostra, e meninas e mulheres de vestidos, túnicas no máximo; a maioria usava uma espécie de biquíni rústico, de tecido respirável, mas bem revelador.

Quando chegaram na porta, alguns outros alunos olhavam e comentavam, curiosos, mas nenhum deles os abordou. Entraram no quarto, composto por duas camas, e uma terceira que foi colocada pouco tempo depois. Os três resolveram revezar para tomar banho, se limpando de toda a fuligem e detritos acumulados nas roupas e pele. Uma muda das mesmas roupas dos aprendizes foi colocada enquanto as próprias deles estavam secando. Depois, foram dormir, exaustos, mesmo estando no início da noite.

A manhã veio rápido, a abóboda dos dormitórios sendo acesa pela refração dos raios solares. Os três levantaram com presteza, e saíram trajados com a roupa emprestada em direção ao refeitório para o café da manhã: Vergil com uma calça vermelha e folgada, com uma pequena corda marrom servindo como cinto e exibindo seu torso atlético e agora com algumas cicatrizes leves; Niéle vestindo um biquíni marrom com um padrão flamejante e também uma calça vermelha e folgada, sendo bem fácil de se mover; e Kai estava com uma túnica sem mangas, e ao invés de terminar numa saia, terminava na mesma calça vermelha, e sendo amarrada com uma faixa larga marrom na cintura, lembrando um macacão.

Diferente do Santuário de Guará, os aprendizes e instrutores comiam numa área praticamente descoberta, com um espaço entre o topo do domo e o telhado, o que permitia que o ar externo circulasse também por cima, mas ao mesmo tempo impediria a queda de chuva ou lava. Adicionalmente, o local também tinha algumas plantas, que ajudava a manter o ambiente fresco e agradável. As pessoas sentavam em alguns bancos com mesas circulares, e outros simplesmente sentavam no chão e conversavam. Ao contrário também do templo de Carã, havia uma quantidade um pouco maior de Sensitivos do Fogo, principalmente de aprendizes. Fogo não estava por lá, mas não duvidaria que ela fosse aparecer logo.

Depois do desjejum e café da manhã, os residentes lavavam cada um seus pratos em várias pias conjuntas, deixando num cesto trançado para serem usados mais tarde. Os talheres eram colocados numa bandeja e deixados para um grupo de outras pessoas para lavar. Tudo era muito organizado e rotineiro, o que deixou Vergil admirado: era quase uma disciplina militar. Acompanhando o fluxo, todos eles, incluindo o trio, se dirigiram ao local de treinamento, onde a instrutora maior estava os esperando.

Fogo estava sentada no chão de cerâmica escura da ampla sala. Se levantou e socou um punho na mão, o que ecoou o som pelo local e liberou uma pequena faísca.

— Tão prontos, galerinha? – soou a voz jovial e divertida da mestra – Os professores vão continuar com o treino do resto do povo, enquanto eu cuido desses novos... Hoje a gente tem o Equilíbrio com a gente!

Imediatamente os olhares repousaram nos três garotos, um círculo se abrindo quando o mar de pessoas foi se dispersando, indo para cada instrutor em específico, mas alguns mantendo o interesse. A mestra caminhou para eles, enquanto em sua mão uma chama agitada e disforme era criada, seguindo o balançar dos braços pelo movimento, mas parecendo estranhamente controlada. A labareda percorria toda a extensão de seu corpo, como se fosse uma aura natural dela, uma manifestação involuntária do elemento.

— Queria ter visto quando você usou o Fogo, garoto – comentou ao chegar a menos de 5 passos do lutador, a voz claramente empolgada – Deve ter sido incrível...

— Não acho que foi, Fogo. Eu estava muito irritado pelo que tinha acontecido – respondeu sem jeito Vergil, olhando para o lado envergonhado. Niéle olhou empaticamente para ele.

— Ah, mas aí é uma sensação pura. Você não pensa, você não hesita, você apenas sente, e se deixa levar pelo sentimento. Você é capaz de muito mais, Vergil... Só precisa acreditar nisso. Todos nós acreditamos em você – respondeu Fogo, o sorriso sincero acompanhando as palavras – Deixe seu instinto aflorar.

— É verdade, Vergil – contou Kai, encarando o garoto com um daqueles olhares determinados dela, aquele que veio desde que ele a aceitou no grupo, de quem tinha plena confiança na pessoa que aprovou tudo quem era.

— E-Eu... Não sei... – hesitou o rapaz – É muita pressão, muita responsabilidade... Não sou isso tudo quem vocês acham que eu sou.

— Mas você é, Vergil... – aquiesceu Niéle, pondo uma mão no ombro dele com carinho – E você não está sozinho: estamos aqui com você.

Com um aceno, as três mulheres entraram num consenso. Niéle e Kai se afastaram dele, e a mulher Fogo se aproximou um pouco mais, chegando a menos de 1 metro de distância. Inclinou-se para ele, o rosto bem próximo.

— Viu só? Isso tudo faz parte de sua Harmonização Mental…

— M-Mas eu não sinto nada de diferente – respondeu Vergil, incomodado com a proximidade.

— Pense um pouco, já que gosta tanto disso. Pense em como sentir tudo isso. Sentimentos não são ruins: são apenas parte de você. Se permita sentir tudo, tanto coisas ruins como boas. O cerne do Fogo está aí...

Sentou no chão calmamente e fechou os olhos. Sentiu a presença de Fogo se afastar, e sua consciência transitar. Não se viu dentro da sala das esferas; ao invés disso, seus pensamentos circularam por tudo que passou. Lembrava bem sobre a paciência que a Água lhe proporcionava, algo que havia esquecido. Recordou da sua coragem e liberdade, reaprendidas com o Ar. Notou o final de tudo, a aniquilação que queria evitar, com a passagem por Tau. Sentiu sobre o início do ciclo da vida, vindos da Luz. E agora procurava toda aquela pura e crua emoção que estava dentro de si, algo que fosse primitivo e bruto.

O fogo. Uma reação química exotérmica, mas que também representava a coragem, a intensidade, o poder, a confiança... Mas ao mesmo tempo o amor, a paixão e a força. Tudo que era vivo tinha sua chama, sua vontade de viver, atravessando todos os obstáculos que surgem durante sua existência. O fogo não era apenas destruição e cinzas, mas também recomeço e energia. Vergil se sentiu agitado, inquieto, mas de uma forma prazerosa, do jeito que alguém procura fazer sempre algo que gosta. De forma egoísta, mas sem atropelar os outros, quase uma antítese da Luz, ou mesmo da Água, com a adaptação e paciência. A Sala das Esferas entrou em foco novamente, e uma das esferas laterais disparou um feixe carmesim em direção à central. Sua forma alterou-se para uma flama, e ele abriu os olhos. De início, nada parecia estar diferente, mas o garoto estava com a sensação de que todas suas moléculas do corpo iriam se incendiar, suas mitocôndrias agindo como resistores em alta-tensão direta. Arriscou uma olhada para os lados e viu a mestra com uma felicidade quase maníaca, afirmando veementemente com a cabeça para que ele fizesse o que estava pensando. Levantou do chão com um potente salto e gritou: um enorme furação flamejante partiu de seus lábios e lambeu o teto em cúpula, se expandindo e dissipando pouco depois. Freou sua queda com um controle rápido do Ar e olhou para os outros. Niéle e Kai estavam bem longe, mas se via que estavam empolgadas como ele, mas Fogo pareceu desapontada.

— Ah... – suspirou a mulher, pondo a mão nos cabelos – Você não conseguiu a Harmonização completa..

— O que? – questionou o lutador. Ele definitivamente havia usado Fogo, e se sentia um pouco mais forte também, por isso não entendeu quando ela falou aquilo.

— Você ainda está com algo lhe inibindo... – analisou Fogo, apoiando a mão no queixo e olhando por todos os cantos – Sua Energia ainda não está totalmente liberada. Ainda há algo lhe barrando...

Boa parte dos alunos olhou estranho para a mestra, mas alguns instrutores confirmaram sua sentença. A liberação não havia sido completa do jeito que conheciam.

— Bem, pelo menos você não está em perigo de Transcendência. Mas recomendo procurar saber o que está acontecendo... Pense mais sobre o que você não está admitindo.

Com o aviso, toda a massa de alunos foi voltando para seus próprios treinamentos, mesmo que não tivessem sido chamados para observar. Vergil ficou confuso, pois ao mesmo tempo em que estava feliz por ter usado o aspecto, achou a atitude dela muito indiferente, e a maga compartilhava do mesmo pensamento.

— O que será que pode ter acontecido? – inquiriu o garoto.

— Não sei... Você fez tudo direitinho – assegurou Niéle – Até criou um turbilhão no teto!

Kai permaneceu calada por um tempo, pensativa, mas então, com olhar determinado, puxou Vergil.

— Venha comigo...

— Descobriu algo?

— Só venha...

A maga fez menção de se movimentar, mas parou subitamente quando viu a palma de Kai na frente.

— Isso precisa ser entre mim e ele, Niéle...

A alta garota ainda esticou o braço, hesitante, mas acatou com a decisão, recuando. Olhou para eles enquanto sumiam pela esquina com aflição. A dupla foi andando até uma das outras arenas de treinamento quando ele se desvencilhou do aperto. Não havia mais ninguém por perto.

— Ai! Pra quê isso?!

— Vergil, descobri o porquê: você não admite gostar de Niéle...

A súbita afirmação combinada com a abordagem frontal de Kai lhe deixou pasmo e presenteado com uma vermelhidão absoluta no rosto e orelhas de forma bem visível.

— N-Não sei por que fala isso... – balbuciou sem jeito e virando o rosto – E-ela é uma grande amiga minha, assim como você...

A ninja cruzou os braços, nem um pouco convencida da declaração. Trocou o peso de perna e continuou:

— Vamos, Vergil, eu não sou cega... Posso não conhecer sobre amor, paixão ou afins, mas sei quando há algo especial acontecendo. Sei do jeito que ela lhe olha, e percebo quando trocam olhares mais demorados. Há algo sim entre vocês, mas você não quer admitir.

O garoto pôs a mão no rosto, tentando ao mesmo tempo pensar e esconder a vergonha, mas sentindo uma agitação, uma inquietude que não sabia de onde vinha. Não gostou da sensação.

— E o que isso tem a ver com tudo? – finalmente falou, depois de respirar fundo.

— A Harmonização Mental exige que se acesse tudo que você tem direito com o elemento. Certamente o Fogo deve ter algo haver com o amor ou algo do tipo, mas você não está considerando isso! – lançou Kai, elevando a voz de uma forma que nunca vira no tempo que viajou com ela.

Ela andou e se aproximou muito rápido dele, praticamente encostando-se a seu corpo, mas em tom de desafio. O garoto tirou a mão do rosto, mas não se afastou do contato, a irritação começando a tomar lugar de seu constrangimento. Os dois se encararam, faíscas quase saltando da linha de visão.

— Do que você tem medo, Vergil? – sussurrou enfaticamente, pontuando o nome dele quase com ácido. Seu olhar, determinado, não daria brecha para nada além da verdade.

— De falhar! De não conseguir o que quero! – protestou o garoto, jogando os braços para cima e começando a andar ao redor de Kai, furioso não com ela, mas consigo mesmo – Não posso simplesmente chegar nela e dizer “Ah, eu gosto de você, vamos namorar?”. Não é tão simples! E-eu... – a voz foi perdendo a força e o fervor, parando também de andar e sentando encolhido no chão perto da borda da arena, a vergonha, hesitação e derrota tomando conta de si.

A ninja diminuiu a incisão, se aproximando mais empaticamente, mas mantendo o pulso firme.

— Acredite em mim, Kai – confessou Vergil, o rosto baixo e coberto com uma das mãos e respirando muito pesadamente, mas ela sabia que ele estava extremamente frágil, quase chorando – Tem muito que eu quero fazer e dizer, mas não é tão fácil… Não posso...

— Não há motivo para hesitação, é bem simp--

— Não é! – elevou a voz novamente, mas apenas para pontuar sua frustração – Não é... Se eu e Niéle passarmos a ficar juntos, o que será de você? O grupo se desfaz? O que será de nós três? Ou outra, o que será se ela não aceitar? Vai ser só nós dois, depois de tudo que prometi? Temos uma missão pra cumprir, e não posso me distrair ou me desviar dela. Se eu fizer isso, tudo que a gente conhece vai pro saco: já era! Acabou! Não vai existir arrependimento, empatia, más escolhas, ressentimento, nada! NADA!

Ele ia falar mais, mas o que partiria de sua garganta ficou paralisado com a tapa que recebeu no rosto da mulher, que ecoou pela arena. Estonteado, levantou o rosto para ver Kai com lágrimas nas laterais dos olhos, o lábio inferior tremendo levemente. A dor do lutador não se comparou ao que acabou de presenciar, enxergando aquela poderosa e forte mulher também tão frágil quanto ele.

— Esse tapa doeu mais em mim do que em você, acredite – disse Kai, a voz tremulando, porém mantendo a intensidade – Você não faz ideia de como é frustrante ver você assim, Vergil... Eu sou muito grata a você, e ver meu salvador, aquele que me deu uma razão de viver, se perder para o desespero e medo por conta de uma “missão”... É inadmissível!

— Eu concordo...

Uma voz distante, mas perfeitamente nítida chamou a atenção dos dois: Niéle estava na lateral de um pilar, o olhar triste também, mas determinado. Caminhou a passos rápidos, se aproximando do par. Pegou Vergil pelo braço e o forçou a levantar com um único movimento.

— Você já se esqueceu do que aprendeu com Luz? – disse a garota de cabelos cacheados, os olhos passando a sensação de queimar e congelar ao mesmo tempo.

— Não, mas--

— Pois parece que sim! Ela falava sobre gratidão e esperança, e é isso que você faz pra todos nós, mas não reserva nada pra você. Nós duas estamos aqui por nossas escolhas, e ficamos por sua causa. Você não tem responsabilidade por isso porque foi nossa decisão, mas não pode ficar se lamentando ou hesitando porque pensa no “bem maior”! Pensa um pouco!

— Isso, Vergil – apoiou Kai, reforçando – Você acaba não pensando em si mesmo, só avançando e avançando sem parar. Você tem, sim, direito a pensar em você mesmo... Sendo o Equilíbrio ou não.

Um misto de vergonha, frustração, raiva e egoísmo lhe alastraram por dentro. Sabia que elas estavam certas, mas não queria aceitar. Gostava muito das duas, as amava como família, mas não queria agir por instinto. Parecia errado ser egoísta. Ele tinha uma missão, um objetivo, e não pararia por nada, nem por si mesmo, para cumpri-la. Só que diferente das outras vezes, ele não conseguiu conter ou lidar com os sentimentos: recuou alguns passos para trás, as mãos nos cabelos, nenhum pensamento. Apenas emoção pura, crua, bruta e nua…

Uma violência sem pudores foi tomando conta. Rugiu como nunca, muito mais forte de quando usava seu ataque de voz, a garganta sendo forçada no limite pelo nível de decepção consigo mesmo. Gritou, liberando tudo que sentia para fora, toda aquela sensação ruim. O eco varreu todo o Santuário, chamando a atenção dos Sensitivos praticantes, mas não através do som, e sim pela vibração das linhas de Energia. A mestra do Santuário deu um suspiro aliviado, sentindo as ondas pelo local, esperando aquilo há algum tempo, o advento do ser que consertaria todo o tecido da realidade e a liberação total da Essência do Fogo. Toda a ilha parecia tremer, e o vulcão ameaçou entrar em erupção novamente, mas havia algo ainda mais forte que a própria chama da natureza naquele momento, e esse alguém estava reverberando a Energia como nunca foi feito antes. O Primeiro Nível explodiu a seu redor, a ventania empurrando partículas de fuligem para os lados, e imediatamente se expandiu drasticamente no Segundo Nível, a aura de cor coral pegando uma grande área, rachando o chão e oscilando as proteções. A contrariedade consigo mesmo chegou a níveis tão altos que só quando parou de gritar que o Nível de Energia foi recedendo. Ajoelhou ofegante, sem ar, mas se sentia muito mais leve e solto.

Ele realmente havia se esquecido do que era ser verdadeiro, de ser não só um mero instrumento, mas sim de alguém que forja o próprio caminho, que decide, que lidera, que comanda, mas que avança, que se arrisca e quem consegue o que quer. A vida não pode ser vivida pensando só no passado ou no futuro. O passado é somente uma lembrança e o futuro ainda não aconteceu. É por isso que o tempo atual é o presente, e deveria ser apreciado como tal. Virou para as companheiras, e mesmo com os olhos marejados e o rosto inchado, deu um sorriso: o seu Fogo interior havia sido libertado, finalmente.


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Notas finais do capítulo

Esse capítulo foi um pouco inspirado por Doom, então ele menciona a parte da agressividade e violência, mas é apenas uma influência, hehe. Até o próximo



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