Future Looks Good escrita por Love Rosie


Capítulo 8
Capítulo VIII - Thousand different pictures that your mother took of you


Notas iniciais do capítulo

Oie!

Estamos chegando ao fim do Junho Scorose e, consequentemente, de Future Looks Good.
Esse capítulo é mais um daqueles de fechamento de ciclos e vou dedicá-lo a RosaDWeasley que favoritou essa história!
E bora pro capítulo, então.



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S C O R P I U S   M A L F O Y

Quando pisei em Hogwarts pela primeira vez não imaginei que minha última semana no castelo seria assim. Nem nos meus sonhos mais estranhos, tipo aquele em que eu era uma flecha indo em direção ao alvo, pensei que chegaria à formatura sendo melhor amigo de Albus Severus Potter.

O plano sempre fora não chamar muita atenção, me misturar entre os outros alunos e tentar passar despercebido até o sétimo ano. Ingenuidade minha pensar que com o sobrenome Malfoy conseguiria tal proeza. Além disso, mamãe sempre dizia que meu cabelo era claro demais e meu coração bondoso demais para que isso fosse possível. Ela acreditava que eu seria um candidato perfeito para a Lufa-Lufa se não fosse tão persistente em alcançar meus objetivos. Ela também dizia que eu tinha o condão de criar teorias conspiratórias para assuntos simples e que criava tempestades – contidas, controladas, mas ainda assim tempestades – em copos d’água.

Mamãe se surpreenderia se conhecesse Rose, mas saberia lidar com ela. Também saberia lidar comigo lidando com Rose. Astoria andaria comigo pelo jardim da mansão, colheria um jasmim e colocaria no cabelo perguntando em seguida se estava bonita. Ela sempre estava. Então depois perguntaria “por que sinto que o coração do meu rapazinho está chorando?” e eu, após uma tentativa falha de esconder-lhe o assunto, contaria tudo já que nunca conseguia fugir de seus olhos verdes penetrantes que não aceitavam nada menos do que a verdade. Não fazia ideia do que ela me diria, do conselho que daria, somente que seria com a voz doce e calma que usava sempre, até quando me repreendia por alguma atitude malcriada.

Era a mulher mais fantástica de todo o universo. Gostava de acreditar que ela era boa demais para um mundo podre como o nosso e por isso foi embora cedo, porque seria sorte demais para um garoto azarado como eu se, além de ter sido presenteado com uma mãe como aquela, ela ainda estivesse aqui para sempre. Só queria ter herdado dela a sabedoria para encarar a vida, porque estava completamente perdido.

Não imaginei também que perderia o último jogo da Grifinória, que perderia sequer um jogo de Rose. A partir do sexto ano comecei a imaginar que assistiria este jogo no meio da torcida vermelho e dourada, na primeira fila para não perder nenhum lance. E então após o jogo voltaria de mãos dadas com princesa da Grifinória, ouvindo-a falar sobre sua vitória fantástica, sorrindo por fechar a graduação com chave de ouro e por finalmente ter resolvido as pendências com a mãe. E a beijaria.

Contudo, naquela altura a final da Copa de Quadribol de Hogwarts enfrentada entre a casa dos leões e Lufa-Lufa não me interessava nem um pouco. Esta última enfrentava acirradamente a liderança de pontos com a Sonserina, então estava torcendo para a Grifinória apenas por razões técnicas, para que nós pudéssemos levar a taça das casas esse ano mesmo tendo perdido feio no quadribol, nada a ver com minha ex.

E não estava nada ansioso para saber se meu pedido à Ministra seria efetivamente atendido, visto que a resposta, apesar de gentil, não fora nada esclarecedora.

Estirado em minha cama, afundado em melancolia, quase não percebi a movimentação de Albus pelo nosso quarto e olha que ele não era nada silencioso, por isso nem mesmo a mais profunda tristeza seria capaz de me distrair quando o baú aos pés de sua cama fez um estrondo ao ser fechado.

— Caralho, Potter. Será que dá para esperar chegar na sua casa para começar a destruir suas coisas? Nós aqui em Hogwarts não temos culpa por seja lá o que o baú lhe causou. – nem precisei reclamar porque Neil Overcliff o fez por mim.

— Obrigado, Neil. – falei.

— Ah, calem a boca vocês dois. – Al praguejou – Alice quer que eu vá ao jogo hoje eu sei lá porque e agora não encontro meus abafadores de ouvido.

— Você não pode, sei lá, ouvir o jogo? – sugeri.

— Pior do que ver quadribol é só ter de ouvir a gritaria do pessoal da Grifinória. Então não, não posso simplesmente ouvir o jogo. – rebateu.

— Já que abomina tanto assim, por que não recusou o convite da Longbottom? – indaguei.

Albus se aproximou e colocou a mão sobre meu ombro dramaticamente.

— Oh, pequenino escorpião – fechei a cara pois ele sabia muito bem que odiava que me chamassem de escorpião – Ainda tem que aprender muito sobre relacionamentos, especialmente sobre o meu. Primeiro, Alice manda em mim. Segundo, não foi um pedido e sim uma intimação e terceiro, recusar significa sem beijos e aceitar significa mais do que beijos. – terminou sugestivamente como se tivesse falado algo de fato agregador à minha vida – Vai saber o que significa quando for mais velho.

Apenas assenti com um sorriso falso nos lábios e retirei sua mão que pesava em meu ombro. Folgado.

Durante o tempo do jogo fiquei inquieto, com a sensação de que deveria estar lá, deveria acompanhar Rose com o onióculo uma última vez. Sentia falta de vê-la, de ouvir sua voz, de sua risada e seus abraços. Não estava mais com raiva ou bravo, porém acreditava piamente que se em praticamente um mês ela não havia me procurado, então era porque ela havia decidido que ficar sem mim lhe faria melhor.         

Perambulei pelo salão comunal, tentei me distrair observando as criaturas do lago negro, passeei pelas masmorras, cumprimentei os quadros e nada de alguém aparecer com o resultado. Me enfiei até mesmo na biblioteca, causando irritação no fantasma da Madame Pince, que ralhou comigo por estar sapateando no cômodo que estava vazio, por sinal. Não me importei com suas reclamações e deixei que meus pés me levassem até a mesa ao fundo, entre as prateleiras de História da Magia e Runas Antigas. Sábado. Sentado ali, me rendi às boas lembranças que tinha daquele lugar. Não pude evitar sorrir ao passar a mão pela mesa de madeira, onde havia um “S + R” entalhado na lateral, quase imperceptível.

Tudo bem, eu me rendo. Estava cheio de curiosidade, preocupação e mais do que tudo, saudade. Me levantei depressa, com certa agressividade nos movimentos, o que deixou Madame Pince possessa novamente, não que eu ligasse de verdade.

Comecei a deambular pelos corredores novamente, agora muito mais movimentados, com alguns alunos radiantes e outros com expressão triste.

— Malfoy! – ouvi a voz de Anthony Zabini chamar enquanto se aproximava. No cabelo com tranças diminutas que iam da raiz até a nuca, grudaram alguns confetes amarelos – Fiquei triste quando saiu do time, a Sonserina perdeu um bom goleiro, mas devo confessar que fora de campo você ainda faz muito.

— Valeu, Tony. Muito gentil da sua parte. – agradeci meio sem graça – Mas por que resolveu me tecer elogios do nada?

— Ué, não está sabendo? A Grifinória venceu o jogo, cara, Lufa-Lufa não tem mais de onde tirar pontos, o que significa...

— Que a Sonserina vai levar a Taça das Casas! – completei animado.

Não vou negar que essa nova informação alegrou um pouquinho meu dia, porém não a ponto de esquecer o que eu iria fazer. Atravessei os jardins rapidamente, quase tropeçando em vários alunos distendidos na grama aproveitando o sol do fim de primavera.

Estava descendo o decline que levava ao campo quando avistei Rose indo em direção ao vestiário acompanhada de uma mulher morena de meia idade, um pouco mais baixa do que a ruiva, com os mesmos cachos cheios da outra. Hermione fucking Granger, a Ministra da Magia, estava em Hogwarts. Não era um treinamento, aquilo era mesmo real e tudo por minha causa. Okay, nem tudo, eu só pedi para que ela considerasse assistir um jogo da filha e ela foi mesmo. Quer dizer, a Ministra estava ali atendendo um pedido meu. Podia sentir a transpiração fluindo em diversas áreas do meu corpo. O que eu deveria fazer?

— Melhor não se meter nisso. – Hugo Weasley disse próximo ao meu ouvido, me fazendo saltar de susto.

— Como você chegou aqui? – perguntei incrédulo com a capacidade de ser sorrateiro daquele jeito.

— Chegando, ué. – respondeu simplesmente, ajeitando a vassoura que carregava – Rose proibiu qualquer um de entrar no vestiário, parece que a conversa vai ser longa. – comentou – O pessoal não gostou muito, mas quando viram que mamãe estava junto não quiseram nem rebater. – ele se divertia com a situação.

— E o que fazemos até elas terminarem?

— Eu vou tomar um banho e aproveitar o dia. Sugiro que você faça o mesmo, cunhado. – piscou na última palavra dita, dando-me tapinhas nas costas.

— Não estamos mais juntos. – informei.

— Detalhes, meu caro. Detalhes.

O ruivo deu de costas e saiu andando. Ciente de que não adiantaria nada ficar ali parado como uma estátua debaixo do sol, decidi imitá-lo torcendo para que, independente do quanto demorasse, as duas mulheres saíssem de lá apenas quando suas divergências estivessem solvidas. Enquanto isso, desfrutar de um saboroso almoço não parecia má ideia.

R O S E   G R A N G E R – W E A S L E Y

O último jogo como capitã e membro do time da Grifinória desencadeou emoções muito além do que imaginava. Tentei focar nas estratégias, na direção do vento, no ar abafado, na inclinação da vassoura, no reflexo do sol que me impedia de ver os aros da Lufa-Lufa com clareza, juro que tentei. Porém na reunião do vestuário me dei conta que aquela era a última vez que entrava com meu time em campo, que os coordenava e motivava. No ano seguinte quem iria obrigar Hugo a cuspir o chiclete para não se engasgar durante o jogo? Quem iria enfeitiçar os óculos de Henry para que permanecessem grudados em seu rosto durante a partida? Como escolheriam um novo apanhador sem a minha supervisão? Será que Stephan Spinnet se lembraria de colocar as munhequeiras  durante os treinos para não correr o risco de machucar o pulso pelo peso do bastão?

Mesmo com tantos questionamentos, sabia que o time ficaria bem sem mim, eles aprenderam a andar sozinhos, a reconsiderar vários pontos essenciais para os jogos e entenderam que quadribol era coisa séria, portanto não adiantava insistir caso sentissem que não queriam mais. Para funcionar era necessário comprometimento. Eles sabiam, entretanto o que seria de mim sem minha equipe?

Entrei no time aos 12 anos e tanta coisa aconteceu desde então. Amadureci, me tornei mais do que a garotinha que fazia quase tudo em busca de concretizar seus objetivos, aquela que James acreditava ter braços curtos demais para ser artilheira. Nesse meio tempo aprendi muito mais do que manobras de quadribol, aprendi a conviver, aprendi a ser mais paciente e gentil, entendendo que os jogadores não funcionariam na base de gritos ou ameaças de castigos (por mais que esses fossem necessários para corrigir os membros mais negligentes), aprendi a ouvir, a falar e a ensinar, colocando em mente que todos possuem algo a acrescentar, só lhes faltam oportunidades e que um cargo ou posição não me colocava acima de ninguém. Angariei companheiros fiéis nesta jornada, além de cinco Taças das Casas em cinco anos, mérito de todos, obviamente. Aquela, no entanto, era uma batalha perdida, já que ganhando ou perdendo a partida, a Grifinória não tinha pontos suficientes para vencer todas as casas, o jogo decidiria se iríamos ficar na segunda ou terceira colocação, porém a Copa de Quadribol ainda poderia ser nossa, então é claro que não entregaríamos os pontos.

Após dar muitas recomendações em nossa reunião pré-jogo, recebi um abraço coletivo de todos os companheiros, o que fez com que eu chegasse ao campo com os olhos marejados. Levantei voo, assim como meus companheiros e por costume, varri o local com os olhos. Não encontrei os olhos que naquele dia ensolarado estariam mais azuis do que cinzas e que sempre amenizavam minha ansiedade, e essa era uma situação nova com a qual deveria me acostumar. No entanto encontrei outros olhos, levemente mais escuros do que os meus, com os cachos curtos voando ao vento, a pele escura que quase não apresentava sinais da idade e as vestes que deveriam passar por casuais, porém se destacavam pela elegância e pelo evidente sinal de que ela não se encaixava ali. Na parte coberta da arquibancada, local dedicado ao corpo docente de Hogwarts, estava a Ministra da Magia me encarando com uma expressão neutra.

Tentei ignorar voando para o outro lado, porém seu olhar parecia queimar em minhas costas. Aquele foi um jogo difícil de encontrar concentração. Era idiota, mas a cada lance, a cada gol, a cada manobra, olhava para ela para conferir se estava se agradando. Eu queria impressioná-la, queria que ela estivesse orgulhosa dos meus feitos. Contudo ela continuava inexpressiva.

O jogo terminou e senti um alívio, a sensação de dever cumprido tomou conta de parte do meu ser. A outra parte ainda estava preocupada com a presença imponente da minha mãe num campo de quadribol.

Confesso que quando me ergueram e fui colocada sobre os ombros dos nossos batedores aos gritos de “Weasley é nossa rainha”, desconsiderei a comparência dela por ali. Uma vez de volta ao chão, a realidade me chamou e ela tinha uma voz parecidíssima com a da mulher que me colocou no mundo.

— Rose, podemos conversar? – me virei para encarar mamãe, abandonando o sorriso que ostentava até então.

Considerei fazer alguma malcriação, mas ofender a chefe de governo do nosso mundo na frente de diversos adolescentes fofoqueiros não seria bem-visto e por mais brava que estivesse com seu desempenho maternal, a carreira de Hermione não deveria ser afetada por boatos de problemas familiares.

— Oi, mãe. – Hugo se manifestou ao perceber que eu estava estática e não responderia tão cedo. A mulher lhe lançou um sorrisinho acolhedor – Por que não nos acompanha até o castelo?

A sugestão do meu irmão estalou em minha mente.

— Vamos conversar no vestiário. – determinei. Aumentei um pouco o tom de voz para sobressair aos cochichos dos jogadores que estavam atrás de mim – Não quero ninguém lá.

Os protestos começaram, mas foram cessados pela fala calma da Ministra.

— Por favor, queridos. – reforçou gentilmente – Estamos precisando ter um papo de mãe e filha.

Ninguém arriscou desobedecer e ainda meio inconformados os jogadores começaram a caminhar em direção à escola. Enquanto seguia com minha mãe ao local indicado, olhei de relance o caminho percorrido pelos meus colegas e tive a impressão de ver uma conhecida figura loira mais acima. Afastei o pensamento rapidamente, estava ficando maluca, começando a imaginar coisas.

Chegamos ao cômodo nada propício para ela. O cheiro de suor se misturava com o de grama, contrastando com o perfume fino que a mulher usava, um aroma que costumava chamar de cheiro de mãe. Comecei a refletir sobre o que estava acontecendo, organizar os fatos em minha mente, pois tudo parecia confuso. Ela se dignara a largar os afazeres de sua movimentada agenda e se deslocou até Hogwarts apenas para falar comigo. Seja lá o que ela pretendesse, eu não iria perder a compostura (apenas se ela o fizesse antes), era hora de demonstrar que eu era uma mulher formada e responsável e sabia lidar com qualquer situação com civilidade, tive de fazer um esforço enorme para me convencer disso. Fiz uma promessa interna e silenciosa de que desta vez eu não perderia o controle.

— E então, o que você veio fazer aqui, afinal? – perguntei de cara, tentando manter um tom de voz firme – Quer conferir pessoalmente as minhas provas dos N.I.E.M.s?

— Não aja como se eu não lhe tivesse dado educação, Rose. – repreendeu – Sem acusações, apenas escute.

— Sou toda ouvidos. – disse cruzando os braços sobre o peito e me sentando numa das banquetas que havia ali, indicando outra para que ela se acomodasse. Me diverti um pouquinho com o quanto ela destoava de todo o ambiente.

Mamãe se sentou de frente para mim, as pernas cruzadas, os saltos sem tocar o chão devido à altura do assento, as mãos graciosamente colocadas sobre a perna e a expressão mais suave do que a do nosso último encontro, o que me acalmou um pouco.

— Vim até Hogwarts porque precisava ver você. – clarificou. – Assistir você.

Por isso eu não esperava. Pensei que talvez fosse para me fazer assinar documentos abrindo mão da herança ou do sobrenome dela.

— Você passou o semestre sem falar comigo e agora diz que precisava me ver? – a mágoa se manifestava em minha voz, disfarce algum seria capaz de esconder – Acho um tanto incoerente.

— Não fiquei sem falar com você o semestre inteiro, cheguei a escrever para você, lembra? No entanto admito que exagerei e não me orgulho de ter deixado você no escuro.

— Você me renegou enquanto filha por decidir trilhar caminhos diferentes do que pensava ser correto. – acusei – Chegou a pensar, por um só momento, como eu me senti?

— O tempo inteiro, Rose. – respondeu depressa, uma ruga se formou em sua testa indicando aflição – Não imagina o quão doloroso foi para mim também. Toda semana, quando recebia apenas a carta de Hugo eu sentia como se uma parte do meu coração se despedaçasse.

— Então por que caralho não me escreveu? – inquiri exasperada. Se aquilo era verdade, o que a impedia de entrar em contato?

— Não use palavrões. – repreendeu.

— Foda-se. – repeli sem pensar, me arrependendo no mesmo instante ao lembrar do trato silencioso – Foi mau.

— Você é adulta agora, acho que tenho que me acostumar com isso. – declarou baixinho – Sinto muito mesmo por não ter escrito, mas depois de tudo o que me disse antes de entrar no trem pensei que não fosse querer ver qualquer carta minha sem enviar como resposta feitiços explosivos no envelope.

— Isso é possível?

— Você se surpreenderia. – soltou uma risadinha como se tivesse lembrado de algo engraçado relacionado a feitiços por correio.

Ficamos um tempo nos encarando completamente desconfortáveis. Nunca havíamos precisado ter uma conversa como essa. Eu fui uma criança obediente, mamãe me corrigia e raramente eu voltava a repetir o erro, Hugo era o mais atentado nesse sentido, necessitando frequentemente de ser colocado de castigo para aprender a lição. E ali estávamos pela primeira vez em dezoito anos, num diálogo complexo em que uma das partes deveria ceder para haver conciliação; e se estávamos mesmo dispostas a nos acertar, deveríamos ser sinceras.

— Você disse que eu sou um desperdício dos seus esforços. – comecei expondo a frase que matutava em minha mente desde janeiro.

— Eu não disse isso exatamente. – refutou constrangida, passando as mãos nos olhos, criando coragem para continuar – Disse que havia desperdiçado esforços com você.

— É a mesma coisa.

— Não reduzi você a isso, Rose. É diferente. – bufei incrédula e ela continuou – Também não me orgulho disso. Mas você disse que eu sou uma péssima mãe.

É, eu disse isso aí mesmo. E não tem nem outra interpretação, disse com todas as palavras.

— Nos últimos meses ouvi muitas coisas que não gostaria, Rose. Seu pai não parou de falar um segundo sequer no quanto eu estava sendo injusta com você, uma realidade que não queria aceitar. – passou a mão pelos cachos, bagunçando-os – Sua madrinha e até Harry se meteram nisso. É difícil para mim aceitar que estou errada e acho que a ficha só caiu quando Ron disse que você não era como Gina, estava mais para Viktor Krum.

Assustei-me com aquela informação. O nome de Krum era tabu em nossa casa pelo interesse romântico que ele teve pela minha mãe na juventude, coisa que papai não superou muito bem. O nome do meu irmão, inclusive, era para ser uma homenagem ao romancista Victor Hugo e já dá para imaginar o motivo dele se chamar apenas Hugo, não é?

— É. – mamãe confirmou ao ver minha careta de espanto – Eu acabei me projetando em você, Rosie. E gostaria muito que você seguisse carreira numa profissão menos arriscada, mais parecida com outros dos seus interesses, talvez até cursando uma faculdade trouxa. Seu pai, eu, seus tios e tantas outras pessoas lutaram muito para que vocês, nossos filhos, pudessem ter uma vida tranquila, e então justo a minha filha escolhe algo perigoso como o quadribol.

— Mãe, vocês lutaram para que tivéssemos uma vida normal, sem medo, sem amarras. Isso significa que deveríamos ter liberdade para escolher o que fazer da vida. – apresentei minha perspectiva – Isso não se aplica apenas à mudança de ramo de Dominique, à sexualidade de Fred ou à indecisão de Albus quanto a uma carreira. O apoio que eles recebem por isso deveria se estender a todos, sem exceção. E isso me inclui. – respirei fundo para concluir – Eu sou sua filha. Não filha da Ministra da Magia, não filha da heroína de guerra, eu sou sua filha, Hermione Jean Granger-Weasley. E você já era importante demais para mim antes de eu descobrir como era importante para o nosso mundo. E eu só queria que você sentisse orgulho de mim, mamãe.

Quando terminei de falar, reparei que lagrimas molhavam pelo rosto da mulher à minha frente.

— Acha que não sinto orgulho de você?

— É o que parece. Você sempre me repreendeu não apenas pelo quadribol, mas também por não usar salto alto nos seus jantares do Ministério, por comer pizza com as mãos, por não me sentar com uma boa postura. Você vive me corrigindo por tudo.

— E por isso acredita que não me orgulho? – repetiu. – Rose, você e seu irmão são os maiores tesouros que tenho. –  senti o coração esquentar ao ouvir aquilo – Não tem como não me orgulhar de vocês, sou extremamente grata por terem me perdoado por todas as falhas que tive na criação de vocês.

— Todo mundo erra. – tentei reconfortá-la.

— Eu me lembro de cada uma delas, até das que vocês não se lembram. – confessou com o olhar distante – A sua primeira palavra foi “mamãe” e eu não estava lá para ouvir pois estava acompanhando Shacklebolt numa viagem. Foi o dia em que seu pai aprendeu a usar um telefone celular apenas para que eu pudesse ouvir sua voz. – ela sorriu tristemente – Pouco tempo depois de parar de amamentar seu irmão eu comecei minha campanha para Ministra e passava dias fora de casa. Quando retornei ele não me reconheceu e chorava copiosamente toda vez que o pegava no colo. Me lembro de cada aniversário perdido, de cada atraso, de todas as vezes que chegava em casa e todos já estavam dormindo, do olhar cansado do seu pai por ter de lidar praticamente sozinho com duas crianças pequenas que sentiam falta da mãe e de cada briga que tivemos por isso. – eu prestava atenção em cada palavra que saía da boca dela e poderia afirmar com absoluta certeza que mamãe nunca havia sido sincera assim comigo antes – Eu ocupo um cargo pomposo e cheguei a pensar que por isso estava acima da verdade, sabia mais do que todo mundo e que você, por ser minha filha, deveria fazer as coisas do meu jeito. Acontece que me esqueci do quão sortuda sou por ainda ter o seu amor depois de tudo, por você não me odiar.

— Eu nunca odiaria você, mãe. – garanti – Não importa o que acha que fez de errado quanto à minha criação, eu tenho orgulho de ser filha de uma mulher brilhante como você.

— Você é fantástica. – declarou com a voz embargada – Meu coração quase saiu pela boca a cada volta que você dava naquela vassoura. Não entendo nada de quadribol, mas sei que nesta nova temporada não perderei nenhum jogo dos Cannons.

— Papai te contou? – perguntei também um tanto engasgada e com os olhos marejados.

Ela assentiu.

— Imagino que não tenha sido uma decisão fácil. Pelo que ele me disse, todos os times eram realmente bons.

— É. Vou receber menos no Chudley, mas dinheiro nunca foi exatamente um problema, não é? Além disso venho me correspondendo com eles e a proposta inicial será o bastante para alugar algum lugar para morar e...

— Morar? Está pensando em sair de casa? – o tom severo de Hermione preencheu o lugar, coisa que ela logo percebeu, pois amenizou para continuar – Vamos deixar este assunto para as férias, tudo bem?

Concordei com ela. Já bastava de confusão por enquanto.

Mamãe alisou minhas tranças antes de levantar do seu assento me envolver num abraço caloroso. Tentei impedi-la alegando que estava suada e nojenta, informação essa que foi ignorada com maestria, pois ela não parava de me apertar. Era engraçado que a mulher menor do que eu por alguns bons centímetros, estava me envolvendo com tamanha dedicação e força.

— Desculpe, Rosinha. Eu te amo mais do que tudo, querida. – era estranho ver minha mãe me chamando de Rosinha, era algo meio que exclusivo de Ronald. Mas gostei.

— Me desculpe também, mãe. – pedi – Você está longe de ser uma péssima mãe.

Engatamos uma conversa sobre o que ela andava fazendo no Ministério, o que havia rolado em nossa família nos últimos seis meses. Mamãe garantiu que não se esqueceu de meu aniversário e que meu presente estava guardado em casa. Pediu desculpas novamente por não ter enviado uma carta na data, se limitando desejar felicitações no rodapé da carta que papai enviara. Atestei não haver problema algum nisso (embora tivesse sim ficado chateada no dia).

Estávamos a caminho de Hogwarts quando ela mencionou o motivo das minhas noites mal dormidas.

— Foi ele quem disse que eu deveria vir até aqui, pelo menos para ver com meus próprios olhos seu talento com o quadribol. – contou – Scorpius é um bom garoto, isso é evidente, porém não consigo ver ninguém, nem mesmo ele que se enfiou num perigo tremendo por Albus, arriscando perder um cargo no Ministério por uma amiga que não é muito próxima apenas por ela estar triste pela relação com a mãe. – disse desconfiada, jogando um olhar sugestivo.

Tive de disfarçar o choque em saber que Scorpius havia avisado minha mãe sobre minha situação em Hogwarts e que vinha se correspondendo com ela para situá-la sobre o que acontecia comigo. Entrei num conflito entre raiva e gratidão e depois veio mais culpa por ter dito coisas horríveis quando ele claramente estava tentando ajudar. Aquela carta fazia total sentido agora e eu me senti podre por dentro.

Aparentemente não disfarcei bem pois minha mãe tornou a falar.

— Desde quando, Rose? – perguntou séria.

— Desde quando o que? – me fiz de desentendida.

— Desde quando você e o Malfoy estão juntos?

Suspirei derrotada e comecei a contar tudo. Sobre como havíamos começado a nos aproximar, sobre o relacionamento às escondidas, os motivos para que fosse assim e, inevitavelmente, sobre o término e o que levou a ele.

— E agora não sei como resolver isso. – confessei – Quero dizer, eu realmente gosto dele e ele também parecia gostar de mim. Ele fez algumas reclamações sobre mim que estou disposta a corrigir se ele quiser reatar o nosso lance, mas... E se ele não quiser?

Mamãe parou na frente da gárgula que dava para a entrada da sala da diretora McGonnagal e me encarou com ternura.

— Só pelas cartas que ele me enviou deu para perceber que ele gosta de verdade de você, querida. Que quer cuidar de você. – aquilo aliviou um pouquinho o aperto no meu coração – Aproveitando que estou aqui, irei debater alguns assuntos com Minerva. Por que não toma um banho, come algo e me encontra na torre da Grifinória em uma hora para acharmos uma solução para tudo isso?

— Tem certeza? – quis confirmar. Não conseguia enxergar muitas maneiras de me resolver com Scorpius.

— Vamos dizer que, pelo estresse que causei a você nos últimos meses, estou te devendo uma.

Assenti me preparando para ir em direção ao dormitório, no entanto mudei de ideia. Eram meus últimos dias na escola, eu merecia algo melhor. Me dirigi à escada mais próxima na intenção de subir para o quinto andar e curtir um relaxante banho no banheiro dos monitores.


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Notas finais do capítulo

Confesso que foi difícil escrever esse diálogo entre Rose e Hermione porque tocou em pontos delicados pra mim, mas espero que vocês tenham gostado.

O próximo capítulo é o último e será postado no dia 29/06. Já estou com saudade hahah.
Beijinhos e até segunda!