Vapor escrita por Downpour


Capítulo 23
23. Peixe fora d'água




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CAPÍTULO 23

 peixe fora d'água 

 

 alissa fontes

 

            Alissa tinha acabado de chegar da faculdade, tinha sido um dia cheio onde ela tinha corrido porque ela teve que alternar entre a faculdade e o local em que realizava o estágio. Para complicar, a forma como a base curricular de psicologia era organizada na Austrália era bem diferente do Brasil, então ela nunca ficava exatamente na mesma turma. Tinha sido uma bela de uma burocracia resolver aquele problema na secretária da Universidade, o que resultou na garota ter uma grade bastante confusa e que lhe tomava boa parte de seu tempo.

            Ela abriu o portão e subiu as escadas se arrastando conforme o calor terrível vencia seu corpo suado e cansado, a menina se esgueirou para dentro de casa, se deparando com a avó sentada em sua poltrona como de praxe. Dona Amélia já tinha seus cabelos grisalhos que normalmente estavam presos em um coque apertado, contudo naquele dia os fios cinza estavam soltos em cachos bem cuidados, a senhora vestia um vestido de tecido fino enquanto assistia uma de suas novelas favoritas. Ao lado dela estava Luísa, uma garota quase que da idade de Alissa, cerca de 21 anos. Luísa tinha uma pele escura linda e reluzente, seus cabelos estavam soltos em longas tranças dredadas. A menina era alta, tinha mais de um 1,75m o que fazia Alissa se sentir bem baixinha ao seu lado. Mesmo assim ela passava um ar de elegância e era incrivelmente gentil.

            — Alissa! Como vai?

            A garota sorriu enquanto fechava a porta atrás de si.

            — Extremamente cansada. E vocês duas? — perguntou deixando sua mochila, que estava deveras pesada, no chão enquanto apoiava seu corpo na parede, procurando recuperar algum fôlego.

            — Estamos vendo a novela das sete, esperando você chegar. — Amélia disse sem tirar os olhos da televisão — Quase que não te esperamos para o jantar. — por fim, a senhora desviou o seu olhar para a neta em tom de repreensão.

            Alissa apenas assentiu suavemente.

            — Estou indo guardar essas coisas e tomar um banho, tudo bem? Assim que terminar eu desço para jantar.

            — Então ande e não fique parada, menina!

            Luísa segurou o riso ao ver aquela a cena, de fato a forma em que Dona Amélia demonstrava carinho pelas pessoas que ela amava era um tanto diferente e engraçada.

            Em passos rápidos Alissa se dirigiu para o andar de cima, deixou sua mochila em algum canto do quarto e retirou suas roupas rapidamente indo direto para o chuveiro. Sentiu-se mais aliviada do que nunca ao sentir a água gelada do chuveiro cair nas suas costas nuas, como se aquilo fosse um tipo de massagem para confortá-la pela rotina puxada que estava tendo.

            Enquanto se banhava, Alissa não pode evitar pensar que estava tão ocupada e cansada que às vezes mal tinha tempo para pensar em Calum Hood. Todavia ele sempre estava lá, o rapaz sempre dava um jeito de aparecer em sua mente queria ela ou não, era bem comum que Alissa acordasse melancólica por ter sonhado com ele. Era isso que Calum tinha se tornado, um sonho distante, alguém que tinha desaparecido como vapor. Mas ela não sentia raiva por conta disso, embora aquele tivesse sido seu medo há muito tempo atrás, Alissa estava minimamente feliz por pelo menos durante um ano, Calum Hood ter sido seu namorado, e ter mostrado a ela que ela era merecedora de carinho e afeto. Calum tinha lhe mostrado o lado mais lindo possível do amor e ela se sentia eternamente grata a ele por isso.

            A garota saiu do chuveiro assim que terminou seu banho, e após se enrolar na toalha, abriu seu guarda-roupa procurando por alguma roupa leve para usar.

            Estavam em março, e ainda assim estava terrivelmente quente em São Paulo, então ela acabou por pegar uma camiseta larga e velha do Corinthians – que costumava a pertencer ao seu pai, como aquela camiseta tinha ido parar nas mãos dela era um mistério – e um shorts de flanela preto. Aproveitou para enrolar seus cabelos na toalha e por fim, desceu para poder jantar com sua avó. A aquela hora Luísa já teria ido embora porque era o fim de seu expediente, Alissa se sentiu levemente entristecida por não ter tido tempo de se despedir da menina.

            — Cheguei vó.

            — Com essa camiseta? — a senhora torceu o nariz, coisa que fez Alissa dar risada. Era como se Amélia soubesse que aquela roupa pertencia a Victor.

            Victor.

            Ele tinha ficado bem triste quando descobriu que a menina iria sair da Austrália, porém como a relação dos dois estava começando a voltar ao normal, ele respeitou as decisões da filha. Tinham combinado de que a garota iria para Sydney passar o final do ano na residência King, também aproveitaria para ver os amigos que tinha feito lá nesse meio tempo. Vez ou outra ele mandava mensagens para filha, demonstrando preocupação. Não era exatamente como se eles tivessem feito as pazes ou algo do gênero, a verdade era que Victor tinha reconhecido que perdeu uma parte importante da vida de sua filha, e não queria ficar tão distante assim de sua filha novamente, embora ele nunca pudesse ser exatamente próximo da mesma.

            Era algo novo para Alissa, mas ela estava se acostumando, e por mais surpreendente que fosse, ela estava gostando.

            — E então, o que tem para o jantar? — a garota perguntou enquanto ajudava a avó a levantar da poltrona e a guiava até a cozinha.

            — Eu comprei uma lasanha vegana que Luísa recomendou, não faço a mínima ideia se essas comidas de veganos são boas ou não.

            Alissa se sentiu na necessidade de conter o riso, aquilo era realmente a cara de sua avó. Comprar algo para poder agradar alguém sem ter muita ideia do que se tratava. Acontece que apesar de ser meio rude e grossa a primeira vista, sua avó tinha um coração bem amolecido e gostava de ajudar os outros.

            — Então eu acho que deve estar uma delícia, sente-se a mesa que eu vou pegar a lasanha.

            Foi questão de poucos minutos até que Alissa conseguisse arrumar a mesa e por a comida para que as duas pudessem comer. A princípio as duas estavam comendo em silêncio até que Dona Amélia levantasse a sua cabeça como se estivesse ponderando sobre o que fazer.

            — Criança...

            — Diga vó.

            — Já fazem três meses que você está aqui... Você não tem nenhum namorado, não?

            A forma direta em como a avó fez aquela pergunta foi um choque para Alissa, ela ficou boquiaberta por alguns momentos até que sua avó fizesse uma careta mandando ela fechar a boca.

            Ainda abalada ela respondeu.

            — Eu não tenho interesse de namorar ninguém no momento.

            — Por que não? Você é linda, seria uma perda de tempo.

            Alissa deu uma risadinha baixa, a forma como sua avó tinha acabado de elogiá-la junto de sua costumeira brutalidade era adorável.

            — Eu terminei um namoro recentemente vó, antes de vir para cá. Nós dois decidimos que nossas vidas não eram mais compatíveis e decidimos terminar. — disse com sinceridade enquanto brincava com o seu garfo.

            — E você ainda o ama.

            Ergueu o olhar, seus olhos estavam arregalados com aquela fala. Como era possível que sua avó conseguisse ler aquilo nela com tanta facilidade? Sem que tivesse muito tempo para pensar, foi surpreendida com um tapa de leve da sua avó.

            — Você deixou o seu namorado para vir cuidar de mim?

            — É... sim, eu deixei. — disse timidamente.

            Sua avó estreitou o olhar.

            — E por que vocês não voltam?

            — Ele é um cantor, vó. Quando nós começamos a sair as coisas estavam mais tranquilas, só que agora a carreira dele está ascendendo e ele está ficando cada dia mais famoso. Ele vive de tour para tour.

            — E por que isso seria um empecilho? Esses jovens de hoje em dia... Não é porque vocês dois estão distantes que...

            Alissa deu um meio sorriso.

            — Então a senhora não vai me repreender por eu ter namorado um músico? — perguntou com curiosidade, esquecendo-se de usar o verbo no passado.

            Amélia abriu e fechou a boca, ela normalmente não gostava muito de ser interrompida, mas daquela vez deixaria passar.

            — Alissa, quando sua mãe começou a namorar com Victor, eu não acreditei que aquele relacionamento não iria dar certo desde o começo. Não queria que a minha filha se casasse com um jornalista, essa não é exatamente um profissão rentável e era esse o meu medo. Alexandra não me ouviu e seguiu no relacionamento, mais tarde eu fui perceber que na verdade o problema em questão não era a profissão dele e sim a falta de compatibilidade dos dois. Alexandra e Victor viviam como gato e rato em um eterno relacionamento ioiô, era por isso que não iria dar certo.

            “E de toda forma, sua mãe conseguiu se virar muito bem com um diploma de jornalismo. Fiquei extremamente orgulhosa dela quando ela conseguiu terminar a pós graduação e engatou no mestrado.”

    “O que eu quero dizer é, num relacionamento você não deveria se importar com a ocupação do seu parceiro – claro que isso é importante. Mas isso não deve ser mais importante dos sentimentos que vocês nutrem um pelo outro.”

            Alissa sorriu, quase que emocionada com as palavras de sua avó. Dona Amélia não era exatamente uma pessoa que faria longos discursos a todo momento, mas quando fazia acabava por emocionar a neta.

            — Espero que algum dia, ou talvez nas próximas vidas vocês possam se encontrar novamente. — a senhora murmurou e por um instante Alissa sentiu que aquilo não se aplicava somente a ela.

            — Você está falando do vovô. — concluiu surpresa.

            Amélia apenas assentiu.

         — Em breve eu irei partir, me encontrar com ele novamente.

         — M-M-Mas v-vó como você pode falar sobre morrer tão naturalmente?

            A senhora apenas deu de ombros.

            — O que seria a morte se não mais uma fase da vida a ser ultrapassada? Eu não tenho medo do incerto criança, tenho medo de viver assim para sempre. Isso é o que eu tenho medo.

            Alissa apenas piscou, não havia palavras o suficiente em sua boca para poder demonstrar o quanto ela admirava a sua avó, então apenas continuou a observando em silêncio.

 

***

 

            Alissa Fontes tinha chegado ao final do ano como quem tinha sido atropelado por uma manada. A garota tinha uma rotina terrivelmente cansativa, que se resumia a cuidar da avó, levar a avó no hospital, comprar remédios, sala de espera de médicos, arrumar a casa junto de Luísa, visitar sua mãe e a irmãzinha além da faculdade e os estágios. Quando o segundo semestre acabou ela mal pode acreditar. Era quase que mágico ver o fim de ano se aproximando em uma cidade grande, as vitrines das lojas eram enfeitados por guirlandas e gorrinhos de Papai Noel. Alissa amava o Natal, e adorava ver as cores da cidade mudando conforme dezembro se aproximava. Todavia, embora as festas de fim de ano lhe trouxessem uma sensação de quentinho no coração, naquele ano em específico, a garota estava sentindo seu estômago se revirar de forma nervosa. Algumas semanas atrás Marina tinha lhe ligado para informar que ela e Ashton estavam a convidando para passar o feriado de Natal com o casal e o restante da banda em uma casa na praia. Parecia ser uma ótima ideia a princípio, e Victor não reclamou, já que sua filha ainda ficaria pelo menos uma ou duas semanas em sua casa. Só que aquela viagem com a banda implicava em ver Calum Thomas Hood novamente.

Alissa tinha que admitir que estava arranjando todas as formas possíveis de não pensar no rapaz. Fora a várias festas do campus que seus colegas lhe convidaram, arranjou uma bela porção de trabalho e estágios para fazer. Porque assim a sua mente nunca ficaria vazia o suficiente para vagar sobre as memórias que ela teve com ele, e... Duke...

Céus como ela tinha saudade de Duke.

         “Será que Calum está alimentando nosso filho bem?” pensou, e logo em seguida balançou a cabeça surpresa em como seus pensamentos deslizaram suavemente para a região de sua mente considerada proibida.

         Porque uma vez que se permitia lembrar, mais difícil ficava de esquecer. Ainda mais quando as canções dos meninos viviam tocando na rádio, aonde quer que ela fosse.  

         — Você está sendo covarde. — Dona Amélia disse enquanto cruzava os braços na frente da neta.

         Alissa ofegou, nem tinha percebido que a avó tinha parado a sua frente com o olhar de indignação no rosto.

         — Por que ao invés de ficar olhando para o corredor feito uma idiota, você não manda uma mensagem logo para esse menino, ein?

         — E-Eu não estava pensando em ninguém vó.

         — Balela. — a senhora balançou a mão no ar fazendo pouco caso da fala dela — Você faz exatamente a mesma expressão sonhadora de peixe fora d’água que nem a sua mãe quando começou a sair com Phill.

         Dona Amélia sabia que sua filha iria pegar um avião para Sydney nos próximos dias, e só não tinha rebatido, dizendo que não aprovava o fato de ela passar uma semana na casa dos King, porque a garota iria passar a virada de ano com os amigos que ela tinha feito lá. E era visível a expressão de felicidade de Alissa ao falar com Ashton e Marina, então a senhora nunca seria a pessoa que iria tentar intervir.

         Na verdade Dona Amélia tinha se afeiçoado bastante a sua neta. A princípio ela não queria companhia, não gostava da ideia de que toda a família pensava que ela era inapta e que Alissa deveria interromper seu sonho para passar mais tempo com ela. Tentou fazer de tudo para a garota voltar para a Austrália, contudo acabou caindo nos encantos da menina.

         No final das contas, Amélia estava feliz de que antes de partir, tenha tornado a se aproximar da neta que não via a tanto tempo. E acima de tudo, queria ver aquela menina feliz e de bem com a vida.

         — Qual o nome dele mesmo?

         — Calum Hood. — respondeu derrotada, sabendo que sua avó estava tentando provocá-la e sendo bem sucedida.

         A senhora fez uma careta ao ouvir o nome estrangeiro, e então olhou para a neta atentamente.

         — Alissa?

         — Sim, vó.

         — Saía hoje para comprar alguns biquínis, Luísa ficará a tarde toda comigo.

         A mais alta franziu o cenho, visivelmente confusa.

         — Mas por que eu-

         — Você não vai para a praia rever seu ex-namorado, cabecinha oca? Então trate de comprar biquínis novos, anda, vai logo. Se você demorar mais dois minutos vai ter que comprar com o dinheiro do seu bolso.

         — A senhora está me dando dinheiro? — Alissa ergueu as sobrancelhas surpresa e então foi necessário ver a expressão assassina de sua anciã por alguns momentos que a menina deu um beijo em sua bochecha de despedida e se pôs a correr para fora de casa.

 

           

           

 

 

 


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