Antares escrita por Tahii, éphémère


Capítulo 1
Como nós reescrevemos as estrelas?


Notas iniciais do capítulo

[Tahii] Olá, pessoas maravilhosas. Tudo certo por aí? ♥
Estou muito feliz por ter a oportunidade de escrever essa história com a quldditch e contribuir com o Junho Scorose. Muita coisa boa de uma vez só ♥

"Rewrite the Stars" nos inspirou fortemente, sendo a música principal por aqui, e Romeu e Julieta nos deu a base para o dramah kkkkk.

Espero que gostem ♥

↕ Playlist: https://www.youtube.com/playlist?list=PLm_bv0SbG68WYLGfkT336Iuoi5xqBtFJR



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/792091/chapter/1

— Romeu e Julieta — o senhor Baldrick encostou em sua mesa de madeira e fez com que um livro fino voasse de uma das estantes para sua mão. Era um sinal de que faltavam quinze minutos para o final da aula. Scorpius se debruçou sobre a carteira, escorando a cabeça no dorso de sua mão, cutucando Adam ao ouvir seu quase ronco; ele dormia profundamente, sem peso algum na consciência. — Quem terminou a leitura?

Alguns alunos levantaram as mãos. Scorpius foi um deles. 

O professor Baldrick sempre tinha uma variedade de ideias para deixar seus alunos mais próximos dos trouxas, o que incluía desde manuseio de artefatos eletrônicos esquisitos até ingestões perigosíssimas — para não dizer ultrajantes — de comidas típicas. Usar os últimos momentos da aula para falar sobre a literatura inglesa deles foi uma de suas metodologias mais sensatas. Não tinha a aula mais interessante de Hogwarts, embora ganhasse em disparada do senhor Binns segundo pesquisas não oficiais, mas ela ainda era obrigatória e ele se provava estranhamente carismático a cada dia, além de que as garotas lhe achavam charmoso por algum motivo não muito claro para os rapazes.

— Como devem ter notado, Romeu e Julieta é, talvez, a história de amor mais célebre de todos os tempos, e o enredo desta peça, embora não nos demos conta, perpetua na mente humana de uma forma magnífica — tirando os olhos do livro, ele lançou um olhar por toda a sala. — Todos nós vivemos um amor proibido vez ou outra, cedo ou tarde. Romeu e Julieta, como personagens, são a nomeação e personificação do protótipo de amantes desafortunados. É comum que os trouxas façam referências à eles em situações que implicam romance e tragédia, amor e ódio… Quem poderia me dizer qual é o grande infortúnio do destino?

— Romeu, filho único da família Montéquio, e Julieta, filha única da família Capuleto, se conhecerem durante um baile de máscaras e apaixonarem-se perdidamente — depois de alguns instantes de silêncio, Rose Weasley respondeu num tom quase inaudível. 

— E por que, senhorita Weasley? A paixão não é uma felícia?

— Eles estariam transformando duas famílias tradicionalmente rivais em uma só. Poderiam se apaixonar por qualquer outra pessoa, mas… Foi um infortúnio enxergarem apenas um ao outro. 

— A senhorita diria, então, que a morte deles teria sido causada pelo amor idealizado a partir de uma proibição assídua, ou seria pelo fatídico destino?

— O amor deveria ser livre, professor, mas está constantemente atrelado ao destino. 

— Vinte pontos para a grifinória — sorriu contente, apontando para a lousa com a varinha. — Para a próxima aula, gostaria que vocês descrevessem cada personagem da trama de maneira sucinta. Os que não terminaram de ler, aproveitem a oportunidade para finalizarem e se inspirarem na senhorita Capuleto e no senhor Montéquio para escreverem um pergaminho de, no mínimo, setenta centímetros — a sala o interrompeu numa sonora reprovação — sobre o que acharam da história deles. Busquem inspiração no Romeu de vocês, ou em suas Julietas. 

— E se a minha Julieta for a poção que nunca terminarei por causa do tanto de lição que o senhor nos dá? — Alvo perguntou num tom debochado, causando alguns risos. 

— Apenas espero que ela não cause sua morte, senhor Potter, tampouco lhe chame de Romeu durante o fim de semana que todos vocês terão para colocar as lições em dia já que a visita à Hogsmeade foi cancelada devido à forte tempestade prevista — o senhor Baldrick sentou-se em sua mesa, animado, suspirando enquanto analisava os rostos da turma. — Quem gostaria de ler um trecho para finalizar a aula? — apesar do silêncio, ele insistiu. — Senhor Turner? Senhorita Parkinson? Acredito que o senhor Zabini esteja revisando a história em sonhos — disse antes de enfeitiçar uma pena para fazer cócegas no nariz de Adam, que deu um espirro alto, endireitando-se na cadeira logo em seguida. — Para compensar o longo e babento devaneio do nosso Mercúrio, por que o senhor Malfoy não lê alguma fala do senhor Montéquio, hum?

— Porque não queremos que as garotas gostem dele mais ainda, senhor Baldrick — Alvo retrucou numa voz ingênua enquanto o amigo pegava o livro debaixo da carteira. 

— A cada dia sua língua está mais afiada, senhor Potter. Seria uma pena se eu a transformasse em algo menos letal, não acha?  

Com um floreio de mão, o professor indicou a frente da sala, arqueando as sobrancelhas para que Scorpius fosse até ali. Ostentava uma expressão absolutamente exultante, provavelmente mais do que orgulhoso por conseguir sanar seu desejo quase patológico de envolver os alunos em suas aulas. Levantando-se de onde estava, o loiro andou a passos largos, sentindo algo borbulhar na boca do estômago conforme o silêncio absurdo em que se encontravam pesava em seus ombros. Demorou um pouco para achar a página certa, e as diversas anotações feitas pareciam apenas atrapalhá-lo. 

— Onde lerá, senhor Malfoy? 

— Cena dois — folheou as páginas buscando por sua marcação. — Jardim dos Capuleto. 

— Por ser a mais icônica, cinco pontos para a sonserina. Quando quiser. 

— Só ri das cicatrizes quem nunca foi ferido… Silêncio! Que luz é aquela na janela? É o sol nascente, é Julieta que surge. Desperte, sol, e mate a lua ciumenta, que está pálida e doente de tristeza, pois vê que você é mais perfeita que ela! Deixe de servi-la, já que ela é tão invejosa! Seu manto é esverdeado e triste como a túnica dos dementes: jogue-o fora! É minha dama, é o meu amor. Se ela ao menos soubesse!... Está falando ou não? Seus olhos falam… Respondo ou não? Sou muito ousado… Não é a mim que ela fala — pigarreou, tentando conter a sensação claustrofóbica que subia por seu peito e nublava a visão que tinha das letras pequenas. — Duas estrelas devem ter emprestado o brilho a seu olhar. E se fosse ao contrário? Seus olhos no céu, e os astros seriam apagados, como o dia faz com a luz das velas. E tanta claridade se espalharia no céu, que os pássaros cantariam, pensando que era dia com luar. Como ela apóia seu rosto na mão! Como eu queria ser uma luva em sua mão, para poder tocar aquela face! 

Scorpius fechou o livro, olhou para o senhor Baldrick, que sorria, fitando a porta da sala de aula. Cabisbaixo, voltou para o seu lugar, sentindo-se desconfortável ao notar que todos permaneciam imersos no mesmo silêncio. A aura instaurada era clara. Não era porque as aulas do Sr Baldrick eram entediantes ou por causa da leitura de Scorpius; em realidade, estavam quietos por conta do equinócio de primavera que aconteceria no dia seguinte. Até mesmo Rose Weasley, a aluna mais engajada com as loucuras da matéria, parecia estar estranha naquela tarde. 

Alguns segundos se passaram até que o professor falasse algo. 

— E com essa bela leitura, obrigado sr. Malfoy — direcionando a Scorpius um aceno de cabeça grato, olhou em volta; estava acostumado com um tipo de silêncio diferente daquele —, encerramos nossa aula de hoje. Mas gostaria de aproveitar os minutinhos que ainda nos resta e falar com vocês sobre o assunto que, creio eu, é a fonte da preocupação de vocês: o equinócio de primavera.

Adam saltou na cadeira, parecendo mais acordado que nunca. Todos os alunos agora ajeitavam a postura e esticavam suas cabeças, preenchendo a sala com o ruído de cadeiras e mesas alinhando-se e de um burburinho contínuo. Scorpius mesmo sentia como se tivesse acabado de tomar uma poção para disposição, e encarava o professor com a cabeça aprumada e olhos que mal piscavam. Quando tudo ficou em silêncio novamente, o senhor Baldrick voltou a falar.

— Como todos devem saber, o equinócio é o fenômeno natural que marca o início do outono e da primavera, uma vez que a inclinação da Terra fica perpendicular à luz do sol e nossos dois hemisférios, norte e sul, são iluminados uniformemente. No equinócio de primavera, o dia e a noite tem a mesma duração de 12 horas, e também por isso, esse é o dia que suas marcas devem aparecer.

Ah, as marcas. Claro que Scorpius sabia sobre elas: havia uma lenda, mais antiga do que poderia saber, em que, num belo dia, um casal de dezessete anos acordou no equinócio de primavera com marcas em seus corpos, marcas que faziam referência a algum detalhe específico da vida do outro. Quando, uma vez com a marca, seus olhares se cruzaram, uma luz lhes tomou conta, e de repente eles sabiam que eram almas gêmeas e que seus destinos estavam selados até o fim dos tempos.

Pessoas de dezessete anos de fato apareciam ainda nos dias atuais, no equinócio de primavera, com marcas em seus corpos. No entanto, inúmeras variantes passaram a ser aplicadas: alguns decidiam não ficar com suas almas gêmeas, alguns desistiam de procurá-la, outros tinham marcas que faziam referência a alguém que já tinha uma alma gêmea, outros não acordavam com marca alguma. Estes eram conhecidos como únicos, e foram eles que começaram a alimentar o ceticismo com relação à lenda; afinal, a conexão selada pela luz era rara, tão rara que surgiram diversas especulações. A marca que carregavam tinha mesmo alguma relação direta com outra pessoa? Sequer existia algo como uma alma gêmea? Qual seria a probabilidade disso realmente acontecer? 

Scorpius podia não admitir em voz alta, mas no fundo, assim como a maioria dos adolescentes, preferia acreditar nessa história, ou melhor, torcer para que ela acontecesse em sua vida. Só de pensar sentia um revirar de estômago, uma sensação que ao mesmo tempo que parecia lhe adrenalizar, também o aterrorizava. E se ele fosse uma alma única? Seu destino seria ficar com alguém que não tivesse sua metade? Ficar com alguém que deveria ser de outra pessoa? 

— Não tem muito o que posso fazer por vocês — continuou o senhor Baldrick com uma expressão pesarosa —, mas gostaria de aconselhá-los como costumo aconselhar toda turma de último ano. Caso recebam suas marcas, continuem tomando suas vidas um passo de cada vez. Sei que é um sinal de sua alma gêmea, gravado contra a sua pele, mas o destino ainda assim se escreve sozinho, e a felicidade ainda se encontra em outros lugares. Estão dispensados.

Adam lançou um olhar exaurido para os amigos, porém satisfeito, enquanto se espreguiçava. A sala, repentinamente, preencheu-se com o barulho de conversas paralelas e de cadeiras arranhando o piso. Enquanto Scorpius guardava suas coisas dentro da mochila, Alvo se aproximou, ajeitando o óculos em seu rosto insatisfeito. 

— Ótimo — grunhiu após tentar respirar fundo. — Quando eu consigo chamar a Hubi para sair, o passeio é cancelado.

— Quando você consegue que ela aceite ter um trasgo como você de companhia, o passeio é cancelado — Adam corrigiu-o petulantemente, prestes a desencadear horas intermináveis de falação por parte de Alvo. — Você já a chamou setenta e três vezes, no mínimo. Chamar setenta e quatro não vai fazer tanta diferença, vai? Além do mais, não é porque foi cancelado que vocês não podem ter um encontro. 

— Ah, é? E vamos nos encontrar onde, Romeu? Num armário de vassouras? 

— Se você quer desperdiçar essa chance, o problema é seu, Potter — o moreno revirou os olhos, andando em direção à porta. — Duvido que ela vai querer algo com você depois do equinócio.

— Ainda estou pensando como que ela quer algo com você antes — Scorpius apontou, incrédulo. Fazia tempo que via seu amigo se rastejando atrás de Hubi Spinnet, e ela nem era tudo aquilo. — Mas o Adam está exagerando. 

— Estou? — ele semicerrou os olhos, cruzando os braços. — Todo mundo fica pirado depois da marca. Relacionamentos acabam, as pessoas ficam paranóicas e nem lembram mais da vida antes desse carimbo de hipogrifo. 

— Muita gente segue a vida como se nada tivesse acontecido, tem gente que não recebe a marca — Scorpius virou-se para eles, dando alguns passos de costas. — Você mesmo vive dizendo que o mundo não gira em torno dessa história, Alvo, por que está tão preocupado?

— O meu mundo não gira, meu caro, mas o da Hubi pode girar. 

— De qualquer forma — Adam encerrou o possível estopim para uma discussão sem fim —, por que você não se encontra com ela numa estufa de herbologia? Uma vez você disse que ela gostava de plantas. 

— Estufa? — Alvo fez uma careta, desgostoso. 

— Ou, simplesmente — sem querer, Scorpius esbarrou em alguém, derrubando alguns livros no chão — adie. Desculpe, Weasley — ela assentiu, pegando a bolsa e a colocando no ombro. 

— Não foi nada. 

— Rose, se você fosse se encontrar com alguém dentro de Hogwarts, onde você escolheria? — Alvo perguntou enquanto saltitava na direção da prima, abraçando-a pelos ombros até fora da sala. 

— Ah, depende… 

— Biblioteca — Adam respondeu por ela, como se fosse óbvio. — Ela vive na biblioteca. 

— Você vai se encontrar com quem? — Rose ignorou Adam. Suas feições pertenciam a uma pessoa genuinamente cansada. — Hubi?

— Íamos para Hogsmeade — ele suspirou, inconformado.  

— É uma pena. Hogwarts não tem lugares bons para encontros, a não ser as torres, é claro, e os jardins... Mas com a tempestade, nenhuma opção parece razoável. 

— Queria algo mais privativo do que as torres, se assim posso dizer — Alvo deu um grande sorriso para ela, o que foi o suficiente para que Scorpius e Adam soltassem uma risada uníssona. 

— Alvo Severo Potter, sonhador como sempre. Coitado! 

— Tente um armário de vassouras então, Al — a Weasley não parecia gostar muito das observações de Adam, tampouco de ajudar Alvo nesses assuntos. 

— Ou, simplesmente, adie — o Malfoy insistiu.

Não dá para adiar — grunhiu. — Ela é a Hubi. Talvez nunca mais aceite sair comigo de novo. 

— É, você não tem cara de ser a alma gêmea dela mesmo — a ruiva riu, cruzando os braços. 

— Obrigado por falar o óbvio. Tem alguma ideia para resolver o meu problema antes desse maldito equinócio ou não? 

— Tente criar um feitiço contra a tempestade. Parece ser a única solução para o seu problema. Ou...  Tente nascer de novo; quem sabe na próxima você não vira a alma gêmea dela? — sorriu, cínica. — Passar bem.

Rose estava exausta antes mesmo que as aulas acabassem naquela sexta feira. Somado à tempestade e ao fato de que ainda tinha a ronda para fazer e a extensa pilha de relatórios acumulados aguardando-a na sala dos Monitores, estava cansada e furiosa — esperava ter pelo menos um dia de descanso naquele final de semana, mas agora via que era pedir demais.

Sem contar a questão do equinócio de primavera. Estava em um não-relacionamento com Lorcan Scamander havia quase cinco meses e sabia que o assunto das marcas seria abordado cedo ou tarde, mas não tinha ideia de que seria tão árduo lidar com aquilo tanto quanto estava sendo. Afinal, Lorcan parecia irritantemente convicto de que ela teria uma marca que faria referência à ele e vice-versa, e mesmo que não fosse esse o caso, ou mesmo que um dos dois fosse único, o rapaz ainda não parecia disposto a abrir mão do quase-relacionamento. Ela, por sua vez, não sabia dizer se isso era bom ou ruim, visto que a marca parecia ser a única forma de oficializar o que tinham. E isso não parecia lhe agradar profundamente. 

Era bom, claro, se olhasse pela perspectiva de que ele parecia ser o príncipe do seus sonhos encatados. Lorcan era gentil, compreensivo, carinhoso, fazia suas vontades com um sorriso no rosto e tinha um relacionamento muito bom com sua família em geral. Mas era ruim considerando a certeza que tinha, de que ele não permaneceria firme nas afirmações que fazia agora. Ninguém parecia agir dentro de suas faculdades mentais quando a marca aparecia, de qualquer forma.

Havia ainda o relógio que seu tio Jorge lhe deu durante o recesso de Natal. Mais nova invenção das Gemialidades Weasley, o relógio astral prometia à pessoa que o ligasse durante o equinócio de primavera uma contagem regressiva bastante precisa sobre quanto tempo restaria até que se unisse à sua alma gêmea. Rose obviamente achou aquilo uma completa besteira, mas por algum motivo, o manteve guardado na cômoda de seu dormitório, dentro do saquinho de veludo vermelho que o embalava.

Não podia acreditar que estava considerando mesmo ligá-lo no equinócio.

Com a cabeça nas nuvens, passeava pelo mesmo corredor do quinto andar pelo que parecia ser, no mínimo, a quarta vez, quando ouviu alguns passos ecoando à sua esquerda. Tinha sido um ruído bem discreto, que poderia facilmente confundir-se com um dos barulhos que os quadros e o próprio castelo fazia à noite, mas Rose tinha pego alunos fora da cama o suficiente pra saber diferenciar. Com passos pequenos, ela seguiu naquela direção rapidamente, concentrando os passos nos calcanhares para que fosse silenciosa e continuasse ouvindo o caminho que o aluno traçava.

Estava começando a ficar ofegante quando finalmente viu o vulto esgueirando-se para a torre do relógio. Te peguei, pensou triunfante, abrindo um sorriso de canto. Agora sem se importar com os barulhos dos próprios passos, Rose parou sob o batente da porta e esperou. Ali bloquearia todas as saídas de quem quer que estivesse à espreita.

— Hubi? — uma voz estranhamente familiar chamou num sussurro; de início ela não conseguiu identificar quem era por conta do alto barulho vindo do relógio, mas quando ouviu as palavras que se seguiram, revirou os olhos com força, sentindo a raiva inundar seu rosto com um calor característico — Estou aqui, gatinha.

— Aqui onde?

Aqui — a voz de Alvo agora estava mais próxima, e ela pôde ouvir seus passos novamente enquanto ele seguia naquela direção.

Assim que Alvo chegou perto o bastante da porta, deu de cara com uma Rose completamente impaciente, os braços cruzados sobre o peito, o pé direito batendo contra o chão, a cabeça balançando numa negativa repreensiva, tudo resultando numa aura de profunda incredulidade. A primeira reação do rapaz foi gritar e tentar correr para longe, mas ela foi mais rápida e o segurou pela gravata. 

— Você é idiota? Seja sincero. 

— Talvez — segurando a mão da prima, soltou-se. — Você está agindo como se não fosse a autora dessa ideia genial. 

Eu?

— Sim, você — seu tom de voz subiu a um agudo terrível, típico de quando queria se safar das consequências de seus atos. — Foi você quem sugeriu torres ou jardins… Eu escolhi uma torre, e só não é a melhor opção porque, bem, a minha prima chata está me atrapalhando.

— Você tem menos de dez segundos pra dar o fora daqui e ir direto pro dormitório — determinou após alguns instantes, observando a baixa habilidade de Alvo em retórica. 

— Não te comove o fato de estar arruinando a minha única chance de ficar com a Hubi?

— Para ser sincera, não, e além disso, não posso te acobertar. Se você tivesse sido mais esperto e não estivéssemos nesse fatídico momento, eu poderia até me sentir um pouco triste por você amanhã. 

— Rose, não estamos falando de uma coisa qualquer. Depois de amanhã é o equinócio, você acha que ela vai estar pensando em mim?

— Não sei. Vou chamar o Scorpius, aí você pergunta isso pra ele e para a McGonagall, já que é pra ela que você vai ser levado.

Não! — ele caiu de joelhos, sem conseguir reprimir as lágrimas de crocodilo que costumava usar para convencer Harry Potter a ter piedade. — Não. Rose, por favor, tente me entender — a ruiva revirou os olhos e bufou, irritada. — Depois de amanhã, a nossa vida acabou. Simples assim. Acabou. Não vai sobrar ninguém sem uma paranoia na cabeça, ninguém vai querer beijar por um bom tempo, quem dirá sair com alguém. É impossível adiar o que está prestes a acontecer aqui. 

— Não seja dramático — pediu, começando a andar de um lado para o outro. — Ninguém é tão radical assim. 

— Ah, é? E o que você e o Lorcan vão fazer se as marcas de vocês forem relacionadas à outras pessoas? Não é como se vocês fossem algo a mais do que pessoas que casualmente se beijam — o rapaz se levantou, passando a mão sobre os joelhos para limpar qualquer vestígio de sujeira. — Vocês vão conseguir assumir um relacionamento sério sabendo que não foram feitos um para o outro? 

— Não tenho estrela na testa para saber o que vai acontecer, mas ficaremos juntos independente disso — Alvo deu uma risada, negando com a cabeça. — E isso nada tem a ver com o fato de que não é para você estar aqui. 

— Eu também não tenho estrela na testa — ele a imitou, pondo as mãos na cintura —, mas quero ficar com a Hubi independente do que vai acontecer. Posso perder ela, entendeu? Pra sempre — seria uma discussão interminável, estava na cara. 

— Tá bom — ela se deu por vencida. — Mas da próxima vez, a Ginevra vai ficar sabendo disso.

Alvo pareceu concordar, fazendo um coração com as mãos e abrindo um enorme sorriso enquanto Rose simplesmente abandonava o caso. 

Era verdade que não estava nem um pouco otimista com a situação, mas as palavras de Alvo sobre ela e Lorcan soaram pesadas demais, com o mesmo efeito que, ela imaginou, diversos socos desferidos contra a boca de seu estômago teriam tido. Sentia-se ligeiramente zonza e nauseada quando deu as costas para a torre e voltou à ronda, e diversas vezes precisou parar e se apoiar contra as paredes do corredor para recobrar o ar e firmar a postura.

Alvo nunca pareceu acreditar na história das marcas e ele decididamente recorreu ao drama para conseguir o que queria, mas nada disso mudava o fato de que estava assustadoramente certo. E pelo resto da noite, nenhuma das pseudo-garantias que Lorcan deu foi suficiente para que Rose deixasse de visualizar o rosto do namorado, contorcido em frustração, cobrando-a por algo que nem ao seu alcance estava.

○ ○ ○

Sábado foi um dia tão tempestuoso quanto o previsto. Hogwarts parecia ter sido tomada por uma grande onda de suspense capaz de manter a maioria dos alunos quietos, ocupados com afazeres que não costumavam dar importância, pensando sobre coisas que sempre deixavam para depois enquanto o céu parecia estar prestes a desabar por tanta água que caía. Na torre da grifinória, Rose terminava seus relatórios de Monitoria; na biblioteca, Scorpius elaborava o trabalho do professor Baldrick, ou melhor, tentava

Seu grande argumento girava ao redor do fato de que Romeu e Julieta poderiam ter mudado o trágico destino. Parecia-lhe bem óbvio que os dois não dariam certo, e se isso era tão evidente, por que tentar? Todos não deveriam buscar formas de viver em paz, felizes? Do que adiantou o grande amor deles?

— Nada — disse para si mesmo, esperando que suas palavras fossem compreendidas pelo professor. 

Scorpius tinha um bom exemplo em casa: sua mãe era uma alma única, e seu pai… Bem, seu pai também; ele não havia recebido outra marca se não a dos comensais da morte, e por isso não era digno de ter uma alma gêmea. O risco de compartilhar de coisas opostas ao amor não poderia ser corrido. Vários bruxos que se envolviam com as artes das trevas também não costumavam ter marcas, o que era uma prova de que tudo estava intrinsecamente ligado ao destino individual de um sujeito, e não necessariamente à parte que seria compartilhada com alguém. A marca era, portanto, uma distração, o estopim da mudança do curso de diversas vidas. 

A marca de seu avô Lucius, como outro bom exemplo, nada tinha a ver com sua avó Narcisa, mas a dela tinha a ver com ele. De um lado, Narcisa viveu com sua alma gêmea, mas do outro, Lucius viveu com o fardo de não ter ao seu lado a pessoa “ideal”. Felizmente, ele não parecia acreditar muito nessas histórias, o que contribuiu para que tivessem uma vida consideravelmente boa, independente de qualquer lenda. 

Por que Scorpius acreditaria nisso, então? Por que alguém acreditaria? Se era assim tão difícil de achar… Não conseguia avaliar a relevância de ter a pele marcada por algo que sequer lhe pertencia, não tinha a curiosidade de saber quem seria a sua metade, de saber se estava fadado a viver feliz ou triste, e tudo isso pelo simples fato de que poderia não significar nada. Mas então por que o desejo inegável de saber que não era uma alma única persistia lá no fundo?

O relógio marcava quase três da tarde quando Scorpius deixou a biblioteca com sua bolsa de couro. Havia recebido um bilhete da diretora McGonagall para que os Monitores-Chefe se apresentassem na sala de Monitoria. Ele foi o terceiro a chegar, dando de cara com Rose Weasley, da Grifinória, e Freya Clearwater, da Corvinal; teve que esperar alguns minutos num costumeiro silêncio até que os demais chegassem. 

— Quando faltar uma hora para a meia-noite, vocês reunirão todos os estudantes do último ano de suas respectivas casas e os levarão à Torre de Astronomia, onde o professor Baldrick e a professora Sinistra estarão aguardando para mostrar o fenômeno do equinócio. Fica terminantemente proibido qualquer tipo de movimentação nos corredores após a uma da manhã, com uma tolerância de quinze minutos. Entenderam?

— Todos devem ir, diretora? — Rose Weasley tirou as palavras da boca de Scorpius, que já tinha a mão levantada. 

— Todos. Sem exceção — frisou. — Qualquer aluno que insistir em ficar por três vezes ou mobilizar os outros, perderá pontos e correrá o risco de conseguir uma detenção. Principalmente os envolvidos nos times de quadribol. 

Scorpius não entendeu o motivo de tamanha rigidez, mas não era sua função questionar. McGonagall não colocou em pauta o fato de que um verdadeiro dilúvio ainda ilhava Hogwarts, e quando o rapaz pensou em mencionar aquilo numa dúvida genuína, todos já estavam deixando a sala, pensando em estratégias caso tivessem que lidar com alunos opositores. Cada dupla parecia ter nomes em mente. Porém, essa não era a maior preocupação de Scorpius, visto que Ellie Travers, sua dupla, era sinônimo de disciplina. Ele não tardou em se despedir dos colegas e ir em direção ao salão comunal na expectativa de tirar um cochilo antes do jantar. 

Sua atitude pareceu muito sensata, vale dizer. O Salão Principal estava quase explodindo em burburios sobre o equinócio. A boa notícia era que o dilúvio parecia ter chegado ao fim; o céu que aparecia através do teto enfeitiçado do Salão mostrava nitidamente as estrelas. 

— Você já viu algo na sua bola de cristal? — a pergunta de Dominique talvez constituísse a décima segunda vez que Roxanne era obrigada a ouví-la. Era a melhor aluna em Adivinhação, e aparentemente o único calmante disponível para bruxos de dezessete anos estressados.

— Não — sibilou, mordendo uma asinha de frango em seguida.

— Você tentou, pelo menos? 

— Não, pelo simples fato de que não me interessa.

— Como isso é possível?  

— O que adianta eu ver o futuro? Ele vai se revelar de qualquer forma. Hoje, inclusive, à meia noite. Além do mais, é muito subjetivo tentar encontrar a sua alma gêmea numa bola de cristal, para não dizer teoricamente quase impossível. Precisa de muita habilidade. 

— Se tivesse, você tentaria?

— Não — revirou os olhos. — Minhas expectativas são bem baixas, o que já serve de consolo caso eu seja uma alma única. 

— Você acha que ser único é ruim? — Rose perguntou, realmente interessada na resposta, já que havia ocupado parte de seu tempo livre pensando em como seria se ela fosse uma alma única. 

— Sei lá — Roxanne deu ombros. — Para mim, talvez não tanto, mas para você, talvez sim. Digo, você está com o Lorcan e de repente você é uma alma única e ele tem uma alma gêmea. Não se sentiria meio deslocada? E, pior, isso não iria acontecer com o Lorcan, mas com todas as outras pessoas que tiverem uma marca. Você não vai ter, vai ser diferente, vai servir para roubar a alma gêmea de outra pessoa. 

— Você não me deixou mais tranquila — Dominique suspirou pesadamente, escorando os cotovelos sobre a mesa de madeira. — Eu gostaria de ver quem é a minha alma gêmea. 

— A marca é uma pista disso, do nosso destino

Rose negou com a cabeça, tentando fazer seus neurônios pararem de pensar nesse assunto. Era loucura, francamente. 

Após o jantar, a única coisa razoavelmente saudável que lhe restava fazer nos seus últimos minutos de vida — como diria seu primo Alvo — era tomar um banho e esperar que o relógio batesse onze horas da noite para reunir os alunos e rumar para a Torre de Astronomia. A forte tempestade havia passado, agora definitivamente, como se fosse mágica, e Rose não duvidava; ainda era possível sentir o cheiro de terra molhada, a temperatura estava baixa, um vento gelado deixava toda a aura do castelo ainda mais estranha, mas o céu estava limpo, tão limpo que quando chegaram na torre mais alta de Hogwarts, conseguiam ver as estrelas perfeitamente. A professora Sinistra e o professor Baldrick estavam com a varinha apontada para o céu, conjurando um feitiço não-verbal que nenhum aluno ali, nem mesmo Rose, sabia qual era. 

Todos estavam, em geral, quietos. Alguns conversavam quase que silenciosamente. Rose procurou Lorcan entre os alunos, logo tendo algumas de suas angústias acolhidas pelo olhar terno do rapaz. Seu coração parecia fraquejar a cada instante conforme o equinócio se aproximava, e alguns pensamentos começaram a lhe perturbar à medida em que teve que quebrar o contato visual com o rapaz para prestar atenção no que os professores diziam. Levou a mão ao bolso da capa para verificar se o seu relógio astral estava ali; ao senti-lo, respirou fundo. 

Não havia um só adolescente ali que tinha uma feição tranquila no rosto. Mesmo que dissessem não acreditar na magia das marcas, que elas não determinariam suas vidas e blá, blá, blá, todos tinham medo de não apenas ficarem à mercê de uma busca quase impossível, mas também de sentirem o peso da responsabilidade da própria vida, da própria felicidade, caso fossem únicos. 

— Se até a meia noite de segunda-feira vocês não acharem uma marca em seus corpos, isso significa que são únicos. Se acharem, não se desesperem e nem façam loucuras — o professor Baldrick alertou, fitando cada rosto. — Deem tempo ao tempo, e uma chance para o destino acontecer como deve. 

Os dois professores fizeram um feitiço para que os alunos conseguissem olhar além da exosfera terrestre, tendo a plena visão de planetas e estrelas se movimentando quando o toque da meia-noite soou. A mágica estava ali, naquele movimento que durou exatos sete minutos; ao chegar ao fim, alguns alunos já puderam ver um sinal em suas peles. Rose tentou manter a postura — como Monitora Chefe, era seu trabalho se esforçar para transmitir aos alunos algo de exemplar —, mas percebeu que aquilo, naquele momento, seria bem mais complexo e completamente fora até de seu alcance. Sentia o rosto petrificado numa expressão contorcida e esquisita, suor frio começando a brotar das palmas de suas mãos e os olhos inquietos, que iam ansiosamente de um lado para o outro. Seu pescoço doía com o esforço que fazia para manter a cabeça no lugar.

Ao seu lado, Dominique levantou o braço diante do rosto. Foi uma das primeiras a receber a marca, que consistia num espelho oval, de moldura, desenhado em seu pulso esquerdo, assim como uma aluna da Sonserina, que teve um testrálio marcado em seu dedo indicador. Alguns não viram nada acontecer, outros não moveram um fio de cabelo para procurar. Voltar para os Salões Comunais foi mais fácil do que McGonagall achou que seria, e dormir, uma missão mais difícil do que os céticos esperavam. 

Rose deitou em sua cama sem sono, como se tivesse sido atingida por uma súbita onda de adrenalina, mas talvez o nome apropriado fosse terror. Encarar os olhos brilhantes de Lorcan foi tão terrível quanto vê-lo procurar pela sua marca quando o relógio bateu meia noite, mas ainda pior foi o tamanho do sorriso que ele abriu para ela quando, ao arregaçar as mangas do uniforme, encontrou-a na lateral no antebraço. Era uma lâmpada fluorescente bem discreta, mas que pareceu ser gravada contra as pálpebras de Rose à ferro quente; conseguia vê-la claramente mesmo de olhos fechados. Também não achava que a imagem deixaria seus pensamentos, pelo menos não tão cedo. Afinal, o que teria uma lâmpada a ver consigo?

Na calmaria de seu dormitório, pensava também se devia ter sentido algo, porque tirando o medo, nada permeou seu coração. Não quis buscar em seu próprio corpo a tal pista do destino, e a única escolha racional que lhe restava, para aquele momento, era dormir. No entanto, não conseguiu; revirou-se dez, vinte, trinta vezes sobre a cama para dar por conta que a ansiedade, que lhe corroía dolorosamente de dentro para fora, não pretendia deixá-la. Virou-se, então, de lado e enfiou a mão por debaixo do travesseiro, alcançando com as pontas dos dedos o saquinho  de veludo vermelho, decorado com o símbolo das Gemialidades Weasley. Tirou de dentro dele o pequeno relógio dourado e, segurando-o diante dos olhos, tentou conter o desejo de acioná-lo, mas foi vencida num instante em que sua razão vacilou. Tudo pareceu ainda mais absurdo quando os algarismos apareceram no visor, indicando o tempo que faltava até ter a primeira conexão com sua alma gêmea. 

04 dias 23 horas 05 minutos

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

[Quldditch] E então pessoas, gostaram?? Esperamos que sim, fizemos com toda a animação e carinho do mundoo

Sabemos que tá complicado a vida de geral, e a de potterhead não é exceção, mas esperamos aliviar um pouco as mazelas do mundo com essa fic amorzinhoo

Esperamos ansiosamente pelos comentários de vocês, e até logo ♥ ♥