Somos Nó(s) escrita por Anny Andrade, WinnieCooper


Capítulo 9
Me Espera - II


Notas iniciais do capítulo

Olá leitores, tudo bem?
Chegamos na parte dois dessa canção tão maravilhosa. Precisávamos muito dessa divisão, e nem sabíamos antes de chegarmos nesse momento.
Desejo a vocês uma boa leitura!



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Eu ainda estou aqui
Perdido em mil versões irreais de mim

Chego em casa. Já é mais de meia-noite. Tive que dormir num hospital trouxa já que minha avó estava mal. Quando vejo a secretária eletrônica mais de oito recados para serem ouvidos. Aperto o botão.

― Hermione estou tentando te ligar não sei se... – um longo e agudo bipe se fez ouvir indicando que a ligação havia caído. Outro recado:

― Hermione porque você não atende?... – outro bipe. Outro recado:

― Hermione você me deu esse número dos seus pais e uma ficha pra colocar no telefone trouxa. Por que não está... – outro bipe. Outro recado:

― Talvez não esteja em casa, é isso? Olha não sei se estou fazendo certo, mas tenho que te falar algumas coisas... – Outro bipe. Outro recado:

― Acho que não preciso necessariamente, colocar ele no gancho toda hora né. Parece que desliga. Olha preciso te dizer que seja o que fiz pra te magoar foi errado e peço desculpas. Juro que não sei o que aconteceu. Estávamos namorando e de repente você se levantou e se despediu dizendo até logo. Como assim até logo? Hermione eu fiquei a tarde inteira pensando nesse até logo. Eu não sei o que fiz pra você aparatar do meu quarto e dizer até logo. – outro bipe. Outro recado.

― Metade das fichas que você me deu acabaram. Preciso ir direto ao ponto. Espero que você escute isso. Olha eu sinto muito. Sou um babaca, ou talvez ainda preciso desenvolver um emocional maior que uma colher de chá como você diz. Quero te dizer que não sei mais viver sem você. Não sei mais o que é um dia sem te ver. Me perd... – outro bipe. Outra mensagem:

― Fui me apoiar no feletone e desliguei. Bom acho que desliguei. Por que você não está falando? Você disse para mim que sua voz sairia do outro lado. Olha escute. Eu não quero ser um até logo para você. Quero ser um pra sempre. Um te vejo aqui agora e pra sempre. Não sei o que te dizer. Só sei que não posso viver brigado com você... Eu juro que o que tenha feito com você foi errado e que você está completamente certa. Eu sou um idiota. Um idiota que te ama e não sabe mais viver sem você... – outro bipe. Outro recado:

― Preciso desenvolver um autocontrole para não acabar com todas as fichas. Preciso te dizer que amo. Amo quando franze a testa me explicando algo óbvio para você e tão difícil para mim, amo quando me olha apertado com seus lindos olhos castanhos me explicando pela milésima vez alguma coisa que desconheço, amo quando briga comigo e sua voz sai fina e perplexa, amo quando aperta seus dentes em seu lábio debaixo nervosa com alguma situação. Amo tantos detalhes em você. Que me dói pensar num até logo. Não quero um até logo. Quero um agora... - outro bipe. Outro recado.

― Eu te amo, e não tenho medo de falar. Não mais agora. Quero que você me ame também. Nunca acredito quando me diz que me ama porque isso me torna tão sortudo. Sortudo por ter a mulher mais incrível do mundo querendo meus braços, beijos e meus carinhos. Queria tanto te ver e te abraçar agora. Mas sei que fiz uma besteira muito grande. Me perdoe. Eu te amo.

Outro bipe. Nenhum outro recado. Eu sorrio e começo a rodopiar na sala. Pego minha varinha e sem avisar meus pais. Aparato na toca.

.

.

 

Estou aqui por trás de todo o caos
Em que a vida se fez

Eu estou colocando o vestido azul, pareço outra pessoa. Enquanto olho no espelho imagino o que vão dizer, se vão rir de mim. Respiro fundo algumas vezes, imaginando o quanto Krum foi gentil me convidando quando nenhum dos garotos desse castelo pensou em ter a mesma gentileza. Sinto meu rosto começar a esquentar quando me lembro de Rony usando as palavras “você é uma garota".

― Óbvio que sou uma garota. – tento não ficar ainda mais nervosa. – Idiota.

No primeiro momento eu fiquei tentada a recusar o convite, eu estava tentada a esperar por ele. Para que o milagre do baile caísse sobre aquela cabeça de cenoura estúpida e ele fizesse algo. Como nos filmes que os trouxas assistiam, tudo acontecia no baile, tudo dava certo para a garota. Certamente a vida não acontecia dessa maneira. Sempre fui inteligente. Deveria desconfiar.

Continuo me arrumando tentando afastar ele de minha cabeça. Mas é tão difícil.

― Não vou poder te esperar pela vida toda. – Suspiro para o ar.

Mesmo que eu queira. Mesmo que meu coração diga que é possível. Mas meu cérebro diz que não é a melhor escolha. E em escolhas racionais eu sou especialista.

Estou pronta para descer as escadas.

Sorrio.

Percebo o olhar de surpresa das outras pessoas.

Respiro fundo.

Escolha racional. Não emocional.

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Tenta me reconhecer no temporal
Me espera

Vejo seu reflexo no espelho. Ela está sorridente com as primas em volta, com algumas amigas que riem contando histórias. Seu vestido creme com flores amarelas e algumas estrelas na barra. Certamente quisera representar não somente a si, mas a ele.

Aquele que enxergou ela, mais do que eu pude enxergar.

Seus olhos pintados. O cabelo com cachos que ela raramente quis alisar. Seu corpo se libertando de mim. Foi isso que ela disse quando partiu pela primeira vez, que iria se libertar. E provavelmente foi isso que aconteceu. Longe de mim ela parecia livre, não tinha mais vergonha de comer na frente dos outros, parecia feliz em seu corpo. Ajudava outras pessoas a também se tornarem felizes.

Seus olhos me encontram e ela sorri.

Seus passos até mim são confiantes. Ela me abraça, me puxa para perto de onde estão todas, me entrega um broche e pede que eu o coloque em seu cabelo. Estou tentando segurar minhas lágrimas, tentando em vão.  Ela está tão bonita.

Quando termino, ela ainda sorri pelo espelho.

Suas amigas e primas saem do quarto sabendo que o momento se aproxima. O casamento nos jardins dos meus sogros como é a tradição. Lá fora todas as pessoas aguardam por ela, para admira-la, para torcer pelo futuro dela.

― Obrigada mamãe.  – Ela diz tocando o cabelo.

Sinto seus braços em volta de mim. Certamente não conseguirei segurar o choro durante o dia de hoje.

― Você está linda. – Digo guardando esse momento na memória.

― Te amo. – Sua voz me acerta no peito.  Um “te amo" que sempre me fazia sentir uma pontada de culpa misturada com gratidão.

Ela está pronta, enquanto eu me pergunto se não esperei tempo demais para admira-la. Sem pressão. Apenas o orgulho que sempre senti da pequena flor que agora se tornará a rosa mais brilhante do roseiral sempre precisar mudar absolutamente nada.

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Tenta não se acostumar eu volto já
Me espera

Ronald Weasley é um idiota, com o emocional de uma colher de chá. Que pode se comparar em igualdade a uma pedra. Quero gritar isso na cara dele. Como ousa falar que estou confraternizando com o inimigo? Ufg! Ele disse Vitinho de novo. Quero lançar alguma coisa na cara dele. Quero jogar verdades em palavras de que ele está é com ciúmes. Vou embora. Não mereço escutar tudo isso. Tento aproveitar minha noite. Viktor é uma ótima pessoa. Dança bem, me conduz com maestria. Mas sua conversa é cansativa, vive me pedindo explicações de palavras em inglês. Vive treinando meu nome e isso está me entediando, não consigo demonstrar nenhum sorriso para ele sem forçar. Aí. Não quero admitir. Mas sinto falta das conversas de Rony. Ah o que estou pensando? Aquele legume insensível que não teve a capacidade de me convidar. Aliás, eu sou uma mulher independente, eu devia convidá-lo, quebrar os protocolos. O que estou pensando? Não quero convidá-lo. Me despeço de Viktor e dou graças aos céus por estar livre daquele papo cansativo. Só que Rony me acha e começamos a discutir. Ele está com ciúmes, tem que estar. Suas orelhas vermelhas, sua voz falha, não aguento e grito a verdade que tenho em meu coração. Que ele deveria me convidar antes de eu ser sua última opção. Ele fica mudo. É a deixa que tenho para me isolar no quarto e chorar. Só que não posso. Quando entro aquelas garotas exuberantes no baile me olham. Lilá e sua cara de desgosto, Parvati e sua cara de nojo. Não aguento, preciso descer. Não consigo nem tirar o vestido. Desço para o salão comunal me certificando de que Rony não está. Sento de frente a lareira e começo a chorar. Choro porque pra mim é difícil pensar e imaginar todas as palavras maldosas dirigidas a mim pelas garotas, por Rony. As palavras dele me doem mais. Fico chorando por tanto tempo que perco a noção das horas.

― Você está chorando. – a voz dele nas minhas costas me assusta. Meu coração salta do peito. Não quero o encarar, porque se eu o encarar vou querer brigar. Não quero brigar. – Você não quer conversar comigo?

Suspiro. Enxugo as lágrimas que caem do meu nariz. Não quero o ver. Mas ele se senta do meu lado no sofá. Sinto o cheiro do perfume dele. Como eu queria ter dançado com ele a noite e ter sentido esse cheiro perto.

― Podemos fazer um acordo? – ele me pergunta, mas ainda não quero responder. Sei que minha voz sairá chorosa, sei que vou sucumbir às lágrimas. – Podemos fingir que nossa discussão nunca aconteceu?

Quero virar meu rosto e gritar que não. Não quero esquecer.  Que quero que ele confesse. Confesse que estava com ciúmes de mim, confesse que me achou linda na festa, confesse que gosta de mim, mais do que uma amiga que pode pedir as lições emprestadas.  Que gosta de mim como uma garota.

Mas não faço nada disso. Ele suspira e começa a se aproximar de mim do sofá. Sua perna se encosta na minha e eu tenho uma vontade louca de deitar minha cabeça em seu ombro. Enroscar meu rosto em seu pescoço. Ronald Weasley está me enlouquecendo. Mas, ele faz a coisa mais improvável do mundo, passa os dedos em minhas bochechas e seca parcialmente minhas lágrimas que ainda caiam. Automaticamente sinto meu rosto ficar vermelho. Sinto meu coração bater mais forte.

― Harry precisa da gente, ele ainda está competindo. Não podemos ficar separados.

Quero gritar que ele estava fazendo isso, dias atrás quando não aceitou o amigo sendo um dos campeões e não ele. Rony e seu complexo de inferioridade. Não aguento. Penso em sua mão me acariciando. Penso no seu cheiro. Penso que devia ser ele a dançar comigo naquela noite. Mesmo não se mostrando tão bem dançando quanto Viktor. Mas ao mesmo tempo saberia me distrair e me faria rir. E talvez fugíssemos no fim da festa para alguma daquelas carruagens e pudéssemos conversar. Nos beijar. Não estou no meu juízo perfeito. Desta forma levanto e aponto meu dedo indicador no rosto dele.

― Eu volto a falar com você! – ele parece apavorado. – Se me prometer que no próximo baile ou festa que tiver você vai comigo. Porque assim evitaremos esse tipo de briga.

― Quer que eu vá com você? – como ele consegue ser tão tapado? Quero lhe bater. Mas jogo meu cabelo para trás e começo a ir para as escadas.

― Sempre quis ir com você. Mas você nunca prestou atenção. – sussurrei tão baixo que tinha medo dele escutar, ao mesmo tempo querendo que ele escutasse.

Ele não responde. Novamente é incapaz de encarar a verdade. Ele fica balançando seus pés de um lado para outro e então eu reparo, em sua mão. Sua mão direita completamente vermelha. Não com sangue. Mas parecia que tinha hematomas.

― O que aconteceu com sua mão? – não consegui me controlar.

― Destruí meu boneco do Krum. – ele deu de ombros e não me encarou.

Não me aguentei e sorri. Ele havia acabado de me confirmar com todas as letras que estava com ciúmes de mim. Ciúmes a um nível que o fez odiar seu jogador preferido de quadribol no momento.

E eu percebo a verdade que estava tentando esconder no começo da noite. Vou continuar esperando.

.

.

Eu que tanto me perdi
Em sãs desilusões ideais de mim

Ele está sofrendo, consigo perceber em cada resposta sem vida, em cada olhar que lança em direção a qualquer um de nós. Está sofrendo, mas diferente de Rose não grita, fica apenas em silencio. Lembro-me da única vez em que gritou com a gente, na piscina, quando acredito que ficou sufocado não apenas dentro da piscina, mas sufocado com todas as palavras que nunca dizia. Gritou pedindo atenção, gritou implorando para ser importante, mesmo já sendo.

Fico analisando quando será o próximo grito, se um dia ele virá. Porque ele permaneceu aqui conosco, quando sua irmã resolveu partir. Tomar a liberdade que ela merecia, foi o que disse antes de bater a porta do quarto pela milésima vez. Ele ficou. Continuou aqui como se soubesse que os anos que passará em Hogwarts tinham sido suficientemente longos para que logo quando voltasse já partisse.

E nem sei se ter ficado foi o melhor, não quando vejo seu corpo definhando dessa maneira. Vejo ossos que nem sei o nome, vejo a sombra embaixo dos olhos, profundo demais para que eu possa chamar de olheiras. Vejo a falta de apetite, a recusa por qualquer atividade ao ar livre. E vejo o momento em que ele aparata no auge da noite e quando volta minutos antes de Rony fazer o café da manhã.

Enquanto seguro minha caneca com chá penso em o quanto ele sempre foi bom em se tornar quase invisível, mesmo que aos meus olhos estivesse sempre brilhando com sua fascinação pela vida trouxa, seu talento peculiar com as artes. Ele era o artista da casa. Eu, regras e organização. Seu pai aconchego e sonhos. Rose lutas e discursos. Ele arte, pura arte.

Sento-me em sua frente, seguro sua mão gelada, pele e osso. Seus olhos parecem implorar para desaguar tudo que ele carrega. Quando tudo começou eu pensei que seria como Rony e eu, que levaria um tempo, mas que logo as coisas aconteceriam, afinal o amor é uma grande conquista que pode levar tempo. Esqueci que nem toda história de amor será como a nossa, será real, terá um futuro. E decido que ele, diferente do que fiz, não pode esperar.

― Hugo, quero te dizer algumas palavras. – Seguro sua mão com força. Procuro dentro de mim cada uma das palavras certas.

Ele espera. Me permite continuar segurando suas mãos. Esboça um leve sorriso.

― Querido, nem sempre estamos destinados a viver a história que sonhamos. – vejo no olho dele que sabe bem do que estou falando. – Algumas vezes ficamos presos em histórias que nunca conseguem chegar ao fim e isso é muito perigoso. Porque quando não fechado o livro, deixamos de conhecer outra história, que pode se tornar a nossa preferida. Como vai decidir qual é a melhor se não se permitir conhecer outras? Muitas vezes nos surpreendemos com aquele livro que deixamos passar despercebido no fundo da estante, aquele que a capa não chama atenção, que as letras são pequenas e as páginas amareladas, que alguém desnaturado fez marcações. Quando lemos esses livros quase sempre encontramos as melhores histórias.

Suas lágrimas escorrem pelo rosto. E me sinto agoniada de ser a responsável por isso. Suas mãos apertam as minhas com força, sinto cada uma das veias pulsando. Depois de alguns minutos ele se acalma. Sorri.

― Uma metáfora com livros? – Questiona. – Mamãe, só você é capaz dessa proeza.

Acabo deixando uma risada escapar. Não posso evitar.

― Você sabe como eu sou, - Digo percebendo que meu chá já está frio e horrível. – Preciso de mais chá.

― Espera. – Ele se levanta e me abraça. – Obrigado por continuar olhando para mim.

Sei que Hugo vai tentar. Sei que ele vai voltar a ser mais do que um rascunho, será a obra completa que eu tive a honra de criar.

― Eu nunca deixarei de olhar, meu querido.

Ele beija meu rosto. Escuto o sussurrar do “te amo”.

Sinto pena da garota que o deixou escapar e carinho por aquela que vai permitir que ele viva outro capítulo.

Rony entra na cozinha logo após nosso filho desaparecer escada a cima. Ele envolve minha cintura enquanto eu encho o recipiente para esquentar mais água para o chá. Beija meu pescoço. E permanece parado ali, na curva.

― Tudo bem? – Me pergunta.

Agora está.

― Você sempre será minha história preferida. – Digo o beijando novamente. Ele não compreende nada, mas continua aceitando os beijos.

.

.

Não me esqueci de quem eu sou
E o quanto devo a você

Para dançar! Ronald me chamou para dançar! Com certeza é ciúme do Viktor. Não me importo! Ele me chamou para dançar. Estou tão feliz que quero sorrir. Mas me contenho até chegar com ele na pista de dança. Ele me leva pra um lugar bem afastado. Finalmente para e me olha. Parece não saber o que fazer. A música é agitada, então começo a mexer meus ombros e meus pés. Ele olha para mim apavorado, olha pros lados como se estivesse procurando alguém. Começa a se mexer desajeitadamente e quero rir. Ele bufa com as orelhas vermelhas. Parece cada vez mais desconfortável, então a música muda. Parece planejado. É uma música lenta. Ele parece não saber o que fazer, me permito colocar meus braços em volta de seu pescoço. Ele arregala os olhos de vergonha. Não consegue se mexer e eu preciso novamente tomar as rédeas da situação. Pego suas mãos e as coloco em minha cintura. Ele parece quase desmaiar com esse meu ato. Não me importo. Quero que essa noite seja minha e mágica. Afinal ele estava me devendo uma dança há anos. Afinal, minha espera estava terminando.

.

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Tenta me reconhecer no temporal
Me espera

Ele está deitado em meu colo. Seu rosto triste, seu coração parece partido. Suas rugas de preocupação parecem ter voltado. Ele tão parecido com o pai fisicamente. Meu artista preferido. Sempre amante das imperfeições. Sempre querendo consertar o que não tem conserto me conta a história da namorada trouxa.

― Ela foi estuprada mãe. A vida inteira pelo padrasto. Desde os doze anos. – sua voz sai entrecortada. Sinto a dor se alastrar dentro de seu coração só de imaginar. – Ela tentou fugir uma vez, ele bateu na mãe dela, ela tentou o denunciar uma vez, ele quase matou a mãe de tanto soco que lhe deu no rosto.

― Filho, pessoas são más às vezes. Trouxas ou bruxas. – falei a verdade que sabia. Não queria o fazer sofrer por algo do passado que ele não tinha como controlar.

― Ela tem cicatrizes pelo corpo inteiro. De cortes que ela fez em si mesma para transformar em dor física aquilo que ela sofria interiormente. – ele parecia perdido em pensamentos, como se imaginasse a namorada se flagelando pela história horrível que ela teve de protagonizar. – Eu quero tanto fazer essas cicatrizes sumirem. Uma a uma.

― Eu tenho certeza de que você vai. Você consegue filho. É isso o que você é. Uma cura.

― Cura? – ele me encara sem entender. Então falo tudo o que sei de meu filho.

― Você nunca foi desejado por mim. Veio no susto e logo no primeiro dia que chegou. Eu sabia que você era meu. Inteiramente meu. Em meio as brigas que eu travava com sua irmã você era minha cura. E sei que você faz isso sem pensar. Sem planejar. Sei que sempre vai conversar com sua avó, que está cada dia piorando de seu Alzheimer, sei que passa horas explicando coisas pro seu avô para o distrair da doença dela. Sei que conversa com Rose e são confidentes apoiando um no outro. Sei que cuida de sua prima. Desde pequeno, desde aquele dia que socou o rosto do garoto que a fizera sofrer. Você é a cura. E sei que vai cura-la também.

Ele parece querer chorar diante de minhas palavras. Mas não o faz. Fecha seus olhos e me permite acariciar seus cabelos. Peço aos céus que essa garota seja curada por ele e ao mesmo tempo o faça sorrir e viver sem ficar remoendo lembranças para sempre.

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Eu que tanto me perdi
Em sãs desilusões ideais de mim

Eu ia o chamar para a festa. Ia mesmo. Mas ele resolveu fazer o que? Enfiar a língua na boca de Lilá Brown. Ufg! Chamei quem? Mclaggen. Quem mais chamaria a atenção dele para ter quem sabe um pouco de ciúme de mim? Quero chorar. Passo a noite inteira fugindo desse garoto pavoroso. Ele tenta dançar comigo. Fujo. Ele tenta conversar comigo num lugar afastado. Fujo. Ele tenta me agarrar pela cintura. Quase o estuporo. Ele é um grude, parece meleca de trasgo. Quero matar o Ronald por ter me feito passar por essa noite pavorosa. Ele vive se gabando de suas defesas no quadribol. Quero gritar na cara dele falando que Ronald defende muito melhor. Só não o faço porque estou brigada com ele. Ufg! Visco! Quem colocou um visco em cima de nossas cabeças? Ele começa a se aproximar de mim. É tão grande que se lança para baixo procurando meus lábios. Ele me abraça, estou presa! Começo a me sacudir parecendo uma cobra e me arrasto para baixo desviando de seus lábios que encontram meu braço esticado. Ele abre os olhos parecendo chateado. Diz algo sobre tradição. Digo que estou enjoada achando que vou vomitar. Saio correndo. Talvez eu vomite mesmo até o fim da noite.

.

.

Me espera

Eu aparato para o quarto dele. Devia ser proibido eu sei. Mas não me controlo. Quero o abraçar e o namorar naquele instante. Talvez seja só meus hormônios aflorados ao máximo ou minha paixão por ele aumentando cada vez mais ao ver que ele demonstra pequenas atitudes. Atitudes como me deixar mais de oito recados na secretaria eletrônica. Mas ele não está no quarto. E eu sento em sua cama frustrada. Começo a reparar em volta e vejo um livro no criado-mudo. Toco a capa e leio o título “Doze maneiras seguras de encantar bruxas”. Nunca vi Rony ler um livro por vontade própria. Começo a folhear encucada com o título. Percebo ser uma espécie de autoajuda, com dicas de como conquistar garotas. A porta abre. E eu coloco o livro onde estava sem que ele perceba.

― Hermione? – a voz dele soa atrás de mim. Não estou nervosa pelo livro. Na verdade quero rir dele e dizer que o livro não lhe ajudou em nada. Já que estava encantada por ele desde os quatorze anos. Mas não digo.

Viro meu rosto e ele está de tolha. Tinha acabado de sair do banho. A toalha estrategicamente pousada só em sua cintura com seu peitoral todo a mostra. Um pouco definido por causa do quadribol, mas ao mesmo tempo tão magro e desajeitado, um pouco grande demais, um pouco largo demais, cheio de sardas. Não resisto, sorrio e me encaminho até ele que não está entendendo nada ainda. Começo a passar meus dedos por cada sarda que amo tanto. Ele cada vez mais confuso, mas gostando me abraça e sei que não vai me soltar.

― Você me deixou mais de oito recados todos apaixonantes na secretaria eletrônica. Não consegui me controlar para te ver outro dia. Tinha que te ver agora.

Ele parece satisfeito com o que falo. Começa a beijar meu pescoço e sinto minhas pernas bambearem.

― É que você saiu daqui com um até logo. – confessa sua insegurança em meio aos beijos.

― Eu tinha que ir ao hospital, minha avó está internada. E eu subitamente lembrei disso e só aparatei. Nem percebi a palavra que havia dito.

― Mas eu percebi. E fiquei pensando nela o tempo todo. – ele para de me torturar com os beijos no pescoço e me olha. – Sua avó está bem?

― Vai ficar. Foi um susto. – eu sorrio e começo a beijar seu ombro. Sinto ele estremecer. – Até logo. Significa breve. Breve significa rápido. Então significa que queria te ver logo. Tão logo que aqui estou rendida em seus braços.

Então ele me beija, com tanta urgência que nem parece que havíamos ficado juntos naquela mesma manhã, naquele mesmo dia. E eu retribuo porque me permito ser feliz e mostrar essa minha face só pra ele. Querendo lhe agradecer por enlouquecer por causa de uma palavra, querendo lhe agradecer por sempre me esperar e sempre me entender.

― Dorme aqui comigo. – ele me pede em meio aos beijos.

Eu apenas confirmo com a cabeça porque estou fraca demais pra contestar. Me perco em seus braços em seu carinho. Me permito ser feliz sem pensar em mais nada.

.

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Tenta não se acostumar eu volto já
Me espera

Perfeito. Tudo está perfeito. Ele dança comigo. Todo desajeitado. Pisa nos meus pés diversas vezes. Me pede desculpas um milhão de vezes.  Não me importo com nada. Quero aproveitar cada segundo. Encosto meu rosto na curva de seu pescoço pela primeira vez. Queria tanto fazer isso durante tanto tempo e agora posso sentir seu perfume de perto. Aproveito o momento e fecho meus olhos. Escuto a música longe, porque não me importo de verdade com ela, no momento me importo com nós dois. Com essa dança. Esperei tanto por esse momento. Quando o vi com aquelas vestes no baile de inverno pensei o quanto ele está diferente, por mais que as roupas fossem antigas e ele tivesse odiado cada segundo que passou dentro delas, confesso que quando o vi cheguei a lembrar de filmes antigos que minha mãe gostava de assistir, filmes de príncipes e princesas que tinham a imagem esquisita, mas que continuam tendo um final feliz.

Aqui em seus braços, dançando pela primeira vez juntos. Tudo que penso que isso é parte de um final feliz. Se estivéssemos em um filme subiram os créditos enquanto finalmente nos beijássemos. Poderíamos nos beijar. Seria o momento perfeito, em meio ao casamento. Todos estão preocupados com a noiva e com o novo, alguns procuram por Harry, mesmo com todos dizendo que o garoto não veio para a cerimônia. Hoje sua roupa lembra os filmes mais modernos. Seria a cena do baile de formatura, a qual não teremos porque sairemos atrás das Horcruxes. Fico um tanto frustrada quando sinto ele me girar imitando um casal ao lado. Começo a rir porque nossos pés se enrolam e quase caímos. Ele fica nervoso e resmunga algumas palavras. Voltamos para o ritmo calmo que tínhamos conseguido encaixar. Volto a me colocar na curva de seu pescoço e me deixo ali aproveitando cada centímetro de pele, cada aroma que seu perfume libera.

Sei que poderá passa o tempo que for, esse ainda será meu lugar preferido, a curva de seu pescoço, seu perfume ainda será um dos meus cheiros preferidos, ainda esperarei por ele, por seu toque, seu sorriso, seu jeito de me irritar. Ficamos de um lado ao outro. Aproveitamos o ultimo segundo, antes de tudo estourar.

.

.

Mesmo quando eu descuido (me desloco)
Me desmando (perco o foco)
Perco o chão (e perco o ar)
Me reconheço em teu olhar (que é o fio pra me guiar)
De volta, de volta

Passo o tempo todo segurando sua mão. Sinto suas rugas e me sinto ainda mais conectada a ele. Seus olhos vermelhos de chorar, seus lábios secos e cortados pelo vento. A casa está silenciosa, completamente diferente do que sempre fora. Não consigo me lembrar uma única vez em que estive nessa sala e que fosse possível escutar o barulho do mundo que acontecia do lado de fora.

Parece que algo está fora do lugar, ele se deita em meu ombro e quase consigo ler seus pensamentos. Quando seu irmão partiu foi exatamente a mesma reação que enfrentamos. Mas agora parecia que a sensação era ainda mais intensa e perturbadora.

― Nunca nos preparam para isso. – Ele diz em um sussurro.

A vida da casa começa a voltar. Escutamos pessoas na cozinha, gente subindo e descendo as escadas, algumas crianças do lado de fora. Hugo e Íris foram para a garagem com Arthur Weasley. Meu sogro precisa de companhia. Vejo Rose se aproximando do sofá. Scorpius permanece afastado observando a cena, Albus o tira da sala. Ficamos nós três sentados, apáticos.

Ela o abraça como se tivesse voltado a ter oito anos, quando ele permitia que tomasse todo o sorvete que queria enquanto eu brigava para que ela não comesse. Molly também acabava sendo cúmplice de minha filha, deixando ela livre para comer o que bem entendesse. Olhando Rose agora, posso ver a semelhança, pequena, mas vejo. Na postura, nos cabelos, o jeito de tratar a comida. Rony parece ver o mesmo, pois a abraça com força e se permite chorar em seu cabelo. Um dor que ambos dividem.

― Papai, a vovó iria odiar se manchássemos o sofá dela. – Rose diz fungando o que acaba nos fazendo rir.

Ele beija sua testa e ela parte.

Estamos novamente sozinhos. Eu e Ele.

― Meu pai pediu para ela esperar por ele. – Rony diz baixinho. – Como eu fiz, naquele dia. Hermione, não importa o que aconteça você me espera?

Seguro seu rosto com minhas mãos. Tem rugas na testa e pés de galinha ao redor dos olhos. Não deixo que desvie seu olhar.

― Minha escolha sempre será essa. Eu te espero. Você me espera. Eu te escolho. Você me escolhe. – Digo e o beijo.

Mais um beijo molhado por lágrimas.

Eu ainda estou aqui

...


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostando, até o próximo...



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