Somos Nó(s) escrita por Anny Andrade, WinnieCooper


Capítulo 1
Morada.


Notas iniciais do capítulo

Primeira One da série. Esperamos que aproveitem a leitura.



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Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor?

Sou uma péssima esposa. Ando mal humorada, meus cabelos simplesmente não se desembaraçam mais, me sinto uma bola andante, meus pés estão inchados e preciso desesperadamente de café. Mas meu marido não me deixa tomar café. O medibruxo fez o favor de avisar que poderia fazer mal para o bebê. Fazer mal para o bebê? E quanto a minha sanidade mental? Desta forma, não conseguia simplesmente olhar para o rosto dele. Não conseguia ouvir a voz dele. Ronald Weasley simplesmente me irritava em todos seus trejeitos.

― Saia de casa e só volte a noite!

Foi um ultimato. E como um marido exemplar seguindo o protocolo do especialista de não me estressar no final da gravidez, ele saiu sem brigar comigo. O que normalmente faria se eu não estivesse com quase 39 semanas.

Tentei aproveitar minha liberdade temporária comendo tudo que tinha de cafeína e chocolate em casa, mas então observei o calendário pregado na geladeira.

Primeiro de março. Um novo mês começando. Primeiro de março. Aniversário do Rony. Eu sou um péssima esposa!

 

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Não quero redescobrir, a minha verdade
Se ela me parece tão mais minha, quando é nossa

Ela é uma ótima filha. Inteligente, aluna exemplar, líder em tudo o que faz, representante das minorias, livre de preconceitos e estereótipos, incrível por fora e por dentro. Rose é só orgulho. E eu é claro, sou só o filho casula perdido no meio do caos que se instaurou em casa. Minha irmã querendo mover barreiras e se mudar de casa sem motivo aparente.

― Eu vou me mudar dessa casa. Vocês querendo ou não!

Era um ultimato. O tom da voz de Rose muito parecido com o tom de voz da minha mãe quando me mandava limpar o banheiro sem magia. E como meu pai estava querendo evitar mais brigas, ele não retrucou, simplesmente abaixou a cabeça e deixou que ela se trancasse em seu quarto batendo a porta muito forte.

Olhei para o meu relógio de pulso e então percebi qual era a data. Primeiro de março de 2025. Aniversário duplo em casa. Comemorações e sorrisos trocados. Minha irmã e meu pai fazendo aniversário.

Então porque as portas estavam sendo batidas e os sorriso substituídos por gritos? Mas Rose era uma ótima filha. Não era?

 

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Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor?

Fico sentado na calçada em frente a nossa casa. Não poderia ficar estressando minha adorável mulher grávida, ela já andava estressada o suficiente. Passei os últimos dias esperando por objetos voando em minha direção,  exatamente igual quando ela me encontrou beijando Lilá Brown tantos anos antes e como relembrou por pelo menos cinco brigas nos últimos meses.

Mas como poderia me afastar, quando ela estava prestes a dar a luz ao nosso primeiro bebê, decidimos ser uma surpresa. Talvez isso também a estivesse estressando.

Olho para a grama perto de minhas mãos e brinco com as mais altas enquanto espero o tempo certo para retornar para minha casa. Por um momento olho o céu me lembrando que não somente março estava começando como também eu estava um ano mais velho.

Puxei uma um pedaço de grama. Coloquei bem em frente ao meu rosto. Fechei meus olhos sabendo que tudo isso podia ser maravilhoso. Tantas linhas tortas que nunca deveriam ser reescritas porque são dessas linhas que surgiam tantas boas histórias. E agora estava dando frutos.

Sopro o pedaço de folha verde.

― Feliz Aniversário Ronald Weasley. – Digo ao vento.

 

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Não me deixe preencher com vazios, o espaço que é só teu
Não se encante em outro canto, se aqui comigo você já fez morada

Eu vejo os dois juntos e me questiono se um dia terei a mesma coisa.

Quando temos 15 anos tudo parece tão complicado, não temos certezas de nada, mas quando olho para meus pais tudo que vejo é amor.

Estou encostada na pia de nossa cozinha, Hugo está mexendo em algum artefato trouxa na sala, aposto que é algum videogame supermoderno. Mas meus pais estão rindo enquanto jogam confetes em cima do bolo de aniversário gigante que resolveram fazer esse ano.

Uma data especial que consegue liberação especial da escola. Não irei mentir e dizer que não espero por isso todos os anos. Por esse bolo, pelos risos, por ele sujando o rosto dela, dela beijando as mãos dele.

Eu amo toda essa demonstração. Esse sentimento de morada que apenas de olhar para eles podemos identificar.

Quando reparam em mim parecem orgulhosos.

― Hugo, vamos cantar parabéns! – Minha mãe chama meu irmão mais novo enquanto Rony Weasley se aproxima de mim.

― Feliz Aniversário minha doce flor. – Beija minha testa.

― Feliz Aniversário Pai. – Respondo sorrindo.

Uma festa para dois.

Uma festa para nós.

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Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor?

― Olá pequeno bebê... Sua mãe é um monstro insensível. – Acaricio minha barriga sentada na cadeira perfeita para amamentar que tínhamos comprado semanas atrás. – Insensível uma palavra que usava tanto com seu pai e veja quem é agora? Os hormônios estão me enlouquecendo e com certeza ainda não enlouqueceram seu pai por ele ser nada insensível em relação a mim, em relação a nós. Ele é incrível, e você vai ama-lo assim que o ver. Ronald Weasley é amante dos Cannons, sua primeira roupa na maternidade será um body dos Cannons bordado por sua avó Molly com os dizeres “Granger-Weasley número 1”. Acho que ela tem esperanças que tenhamos mais filhos com esse número 1. – ri com o nariz. – Seu pai, é um exímio jogador de xadrez, vai te ensinar um dia e espero que aprenda prestando atenção no homem incrível que ele é. Seu pai é o melhor amigo que alguém poderia ter, resgatou Harry da mediocridade que vivia e apresentou sua casa e seu amor ajudando em todos os caminhos e em todas as lutas que teve de lutar. Seu pai é um excelente namorado, lembra que sempre gosto de torta de maçã em meu aniversário, lembra de me dar um livro que falei meses atrás displicentemente para ele, lembra sempre que sou linda mesmo estando uma bola andante inchada como estou agora. Seu pai é um excelente pai, mesmo antes de você sair da minha barriga, comprou a melhor cadeira de amamentar, inventou com seu tio George uma babá eletrônica dos bruxos indicando o tipo de choro, se é fome, sono ou dor, e mesmo antes de tentar tenho certeza que funciona, porque seu pai é assim: incrível. – sinto o bebê chutar em concordância, mesmo antes de conhecer seu pai. ― Gosto de pensar que ele é um casaco de lã, todo feito de pequenos nós, que o transforma na pessoa incrível que é. Ele é um casaco que se acha inferior a aquela jaqueta bonita de couro, aquele casaco que tem vários remendos e uns buracos por dores que passou, mas que ainda é o melhor para se usar, ele nos abraça e acalenta, mostra que apesar dos defeitos aparentes ele é perfeito para o que se propõe a fazer e se encaixa em você de forma magnífica. E eu sou um monstro, com hormônios aflorados que o magoou no dia do seu aniversário.

Então eu começo a chorar, porque estou chateada comigo mesma por ter o chateado. Sinto uma mão em meu ombro e quando estico o meu rosto meu marido está me olhando com os olhos marejados.

― Rony me perdoe. – Pedi segurando sua mão ainda pousada em meu ombro. – Eu me esqueci completamente e me arrependo tanto do que fiz com você essas últimas semanas. Não vai querer se separar de mim não né?

― Depende do que fará pra se redimir. – ele levanta a sobrancelha sorridente.

Me ajuda a levantar da cadeira de amamentar, por que absolutamente não consigo fazer mais nada sozinha, estico meus braços em volta de seu pescoço e lhe dou um abraço, pousando minha cabeça em seu ombro, sentindo minha pontuda barriga relar nele impedindo que nos aproximemos mais do que já estamos enlaçados.

― Quer que eu cozinhe maravilhosamente para você? – pergunto pensando se conseguiria preparar qualquer coisa com magia ou sem, qualquer comida que ele quisesse.

― Estava pensando mais na nossa tradição de aniversário, você sabe... você com sua melhor langerie e eu como vim ao mundo.

Comecei a dar risada e tirei meus braços em volta de seu pescoço.

― Olhou como estou? – passei a mão por toda extensão de meu corpo. – Minha melhor langerie é do tamanho de um elefante, e além disso não vai conseguir fazer nada comigo nesse estado.

― Mas você precisa se redimir e tradição é tradição. – ele sempre me convence com poucas palavras e eu estou me sentindo culpada ao extremo.

― Ok vai se preparar que colocarei minha melhor langerie. – digo o empurrando para nosso quarto.

 

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 Como cortar pela raiz se já deu flor?

Como inventar um adeus se já é amor?

― Tradição de aniversário. – digo a minha pequena de oito anos.

― Tradição de aniversário. – ela me olha cúmplice sorrindo com os olhos brilhantes em frente a maior vitrine de sorvetes trouxas próxima de minha casa.

— Mamãe ficará brava.

Ela pondera depois de escolher o maior pote individual de sorvete e o regar com todas as caldas que encontrou disponíveis.

― Quem não vê não sente. – disse o que sabia. Hermione sempre muito dura com Rose, querendo que ela seja perfeita, inclusive em seu peso, que ao meu ver não estava nada acima da média para sua idade, mas ela insistia em dizer que ela comia açúcar demais. – Nossa tradição de aniversário, tem que ser cumprida.

Disse sorrindo olhando sua felicidade, seus olhos brilhantes, seus cabelos vermelhos esvoaçantes, seu rosto vermelho de excitação de ingerir muito açúcar de uma vez.

 

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Não me deixe preencher com vazios, o espaço que é só teu
Não se encante em outro canto, se aqui comigo você já fez morada

Isso pode soar um pouco esquisito, mas nossa família é compostas de tradições. Aniversários. Natais. Embarque para Hogwarts. Eu não sei se gosto de participar das tradições, mas sei que gosto de observá-las. Mas de todas, a minha preferida é o aniversário de Rose e papai, porque eles parecem se completar, tão parecidos nos gestos, nos olhares, em como encaram a comida e em como isso deixa Hermione nervosa.

Poderia me sentir descolado nesses momentos, perguntar porque sou tão diferente em relação a eles. Mas é sempre quando estou prestes a entrar nesse pensamento que ela me puxa para perto. Me abraça e sussurra em meus ouvidos.

― Também divido com você. Não importa se nasceu nesse dia ou não. É nosso dia.

Essa é a Rose, ela nem sempre está feliz com o que temos aqui, muitas vezes se esconde no quarto para chorar, tenta a todo custo fazer nossa mãe esquece-la nem que por um minuto. Mas quando me vê parece que precisa me proteger mesmo que eu esteja seguro.

― Dessa vez não quero fazer nenhum pedido.

Então quando ela faz 17 anos quem ganha o direito de pedir sou eu.

Fecho meus olhos e peço.

Peço que as tradições continuem para todos nós. 

 

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Não quero reescrever, as nossas linhas
Que se não fossem tortas, não teriam se encontrado

Não deveria estar trancada no quarto. Mas estou tentando não enlouquecer. Porque exatamente isso que ela faz comigo, desde que comecei a compreender o que significa enlouquecer. Ela me enlouquece.

Com todas as regras, com todos os olhares de reprovação, com todas as escolhas que eu não faço,  com todas as escolhas que ela faz por mim.

Cubro a cabeça para poder gritar em paz, sinto vontade de aparatar em qualquer lugar longe daqui. Longe deles todos. Dessa vida sufocante e perfeita. E estou prestes a fazer isso quando vejo a porta se abrir.

― Tradição de aniversário.

Meu pai entra mesmo despois de eu ter gritado, ele traz sorvete mesmo depois de eu ter batido a porta. Mesmo depois de todo o drama. Porque é isso que ela faz comigo. Ele me ajuda a continuar nos trilhos da vida.

― Aqui sempre será sua morada.

Sua voz é sincera e me entrega a colher. Abrimos o pote em silêncio e lá permanecemos. Sozinhos. Não deixando a tradição de lado.

― Feliz Aniversário.Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor? – digo baixinho.

Meu pai sorri satisfeito. Mais uma crise controlada. Mais um dia em que o nó permanece intacto mesmo depois de tantas tentativas de desfaze-lo.

 

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Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor?

― O que acha? – e ela estava com minha langerie preferida colocada por cima da blusa de qualquer jeito e eu comecei a rir.

Óbvio que as tradições de aniversário teriam que mudar aquele ano. Mas era tão bom ver a Hermione um pouco menos nervosa comigo.

― Oh meu Deus Rony. Acho que a bolsa estourou. – ela olhou em pânico pra mim e vejo que muita água escorre no meio de sua perna. Muita água.

Hermione começou a passar mal e eu mal conseguia pensar em todos os passos que ela havia colocado na geladeira com post its, pegar a bolsa, pegar as chaves do carro, pegar Hermione. Tudo parecia confuso demais.

Deveríamos aparatar, mas ela estava com tanta dor que quem sabe o que poderia acontecer no processo. Eu estava perdido e em pânico.

Nem posso me lembrar como chegamos até o hospital. Só me lembro de ficar apreensivo enquanto ela apertava minhas mãos e prometia que seria a última vez que passaria por aquilo. Sua respiração pesada misturada com dor e raiva. Provavelmente de mim por ter sido quem a colocou naquela situação.

E quando menos esperávamos o choro.

Lágrimas de alegria e alivio.

Momentos de glória após tanto medo.

― É uma menininha.

Depois de tanto anos, de tantas histórias ali estávamos nós. Dando flores ao mundo. Permitindo que o amor continuasse através de outra pessoa.

Minha pequena flor. Minha pequena Rose.

― Feliz Aniversário Rony. – Hermione sorriu enquanto me entregava um dos melhores presentes.

 

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Não me deixe preencher com vazios, o espaço que é só teu
Não se encante em outro canto, se aqui comigo você já fez morada

― Você sabe, essa será sempre sua morada. O lugar que pode voltar e chorar o quanto precisar. – meu pai dizia para mim.

Estava parada de frente a porta de saída de casa. Da casa de meus pais. Tinha um emprego, e achava que já era hora de me preocupar comigo mesma e sair de lá. Sair do olhar julgador de minha mãe. Que me dava exatamente agora. Mesmo assim olhava para ela num misto de medo e gratidão.

― Não me julguem eu preciso crescer e me libertar. – pedi aos dois.

Hugo não estava em casa. Resultado de seu estudo semanal em um cursinho na região. Ele precisava de uma ajuda extra pra tentar cursar a faculdade de artes visuais que tanto queria. Não precisava me despedir dele. Sei que o verei em breve.

― Não tem como cortar suas raízes Rose, sempre será parte de nós. – minha mãe disse a verdade que sabia. E ela tem razão. Não quero deixar de ser parte deles. Nunca deixarei de ser. Só preciso descobrir quem sou e viver minha vida como quero viver.

 

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Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor?

Era linda, uma bola vermelha da cabeça aos pés não havia nome melhor que Rose para lhe dar. Era delicada e aí mesmo tempo sabia chorar e chamar a atenção de forma estridente em poucos segundos.

E Rony sorria com lágrimas nos olhos ao embala-la na minha frente, ele cantava o hino dos Cannons. Ela vestia o body que Molly havia costurado.

A perfeita visão de minha pequena morada em minha frente. Uma morada nunca foi uma casa. Uma morada sempre foi um lar. Pessoas para onde você vai e se sente bem. Minha morada era uma tríade e pela primeira vez na minha vida sinto que minhas raízes estão sólidas e que não mudaria nada do que vivi em todos esses anos.

 

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Como cortar pela raiz se já deu flor?
Como inventar um adeus se já é amor?

― Lembre-se uma morada nunca é um prédio. Lembre-se de fincar suas raízes em algo sólido e permanente. – sussurrei no ouvido de minha filha antes dela partir de nossa casa para sempre. Longe de meus olhos.

Nossas vidas são marcadas por momentos únicos. E enquanto ela se vai consigo me lembrar de cada um desses momentos. As lembranças também fazem de mim sua morada.


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Notas finais do capítulo

Aguardamos comentários. Até o próximo.