Na ponta dos dedos escrita por annaoneannatwo


Capítulo 3
Capítulo 3




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Izuku observa a Uraraka de soslaio quando ela volta para a sala depois de ter levado seu amigo até lá fora, as bochechas dela parecem mais rosáceas do que o normal e dá para notar quando ela parece respirar profundamente antes de ir até os sofás, a Ashido a puxa pelo braço para que se sente ao lado dela, daqui da cozinha, onde ele se empenha em  lavar as louças, não dá pra ouvir tudo, apenas gritinhos empolgados da garota rosada e algo que parece a Uraraka dizendo “Sim, ele é bem gentil…”

O All Might lhe disse certa vez que ser o tipo de pessoa que sempre vê o melhor em todos é essencial para um herói. Desconfiar de tudo e todos é muito fácil, qualquer um pode fazê-lo, mas o Símbolo da Paz sempre deve ter esperança nas pessoas que salva, em cada uma delas.

E Izuku sempre achou essa uma das partes mais fáceis, pois é uma característica inerentemente sua, ele teve que dar duro pra adequar seu corpo à individualidade inédita recém-adquirida, teve que preparar sua mente para lidar com isso tudo, mas nunca, nunca precisou trabalhar nada em relação à sua capacidade de simpatizar com todos até que oferecessem algo para não simpatizar.

E então, Yubi Hirotaka chegou.

É uma sensação estranha e incômoda, como comer algo que não desce bem ou as unhas do dedo do pé grandes demais roçando contra a meia, mas não é exatamente assim também, é só… um desconforto, algo que ele talvez esqueceria facilmente fosse outro dia, mas hoje está deixando-o agoniado. Olhar para o amigo da Uraraka o deixou assim, ouvi-lo rebatendo-o sobre o uniforme da Uravity é algo que fica voltando em sua memória a ponto de causar pontadas no estômago, e por mais que tente, por mais que queira que não seja assim, é difícil fugir da conclusão à qual ele chega.

Izuku não foi com a cara do Yubi.

Por quê? Ele não sabe! Algo no olhar dele, na voz, no jeito que monopolizou a atenção de todo mundo presente com uma história extremamente pessoal que deixou a Uraraka visivelmente desconcertada, só… só não. É amigo de infância dela, quer ajudá-la a fazer uma coisa muito bacana, mas… mas… mas não. Só não.

—  Você está bem? —  o tom grave e sereno do Todoroki não o impede de dar um pulinho de susto.

—  E-eu? Claro… claro! P-Por que eu não estaria? —  normalmente, perguntas assim são retóricas, mas então Izuku se lembra que o Todoroki não entende o que é uma pergunta retórica, quer dizer, ele sabe o que é, mas é incapaz de reconhecer uma quando a ouve, o que significa que deve ter uma resposta que aponta porque Izuku não estaria bem.

—  Porque você está lavando a mesma caneca já tem uns três minutos.

—  Oh! —  ele a enxágua e coloca no escorredor rapidamente, sentindo suas orelhas queimarem de vergonha —  Limpeza nunca é demais.

—  Economia de água também não. Quer dizer, talvez eu não seja a melhor pessoa para falar sobre isso já que posso produzir minha própria água, de certa forma, mas independente disso… —  ele suspira — O amigo da Uraraka é curioso. — e simplesmente muda de assunto completamente do nada!!!

—  Oh, hã… sim, acho que sim. —  e então, uma pergunta lhe corre para a ponta da língua, uma que não é retórica —  O que você achou dele, Todoroki-kun?

—  Já disse, curioso.

—  Hã… curioso, curioso como?

—  Dos dois jeitos, ele tanto me pareceu curioso no sentido excêntrico quanto no sentido de ter curiosidade, principalmente em relação à Uraraka, mas não posso opinar muito além disso. —  ele o olha — Por quê?

—  Nada! —  que ideia perguntar para o Todoroki! O que Izuku estava esperando ouvir? “Não fui com a cara dele.”? O que ele quer? A confirmação de que não foi o único? Uma validação de que pode se sentir assim? Ahhrgh, qual é o problema dele?

Izuku balança a cabeça e decide que deveria aproveitar para já secar a louça também, ele não sabe se a conversa com o Todoroki terminou, mas tudo indica que sim pelo modo como o híbrido faz um leve aceno de cabeça e lhe dá as costas, o garoto de cabelos esverdeados se move para alcançar os panos dobrados e guardados.

—  Deku-kun! —  ela está perto! Perto! Três anos já e ele ainda não sabe o que fazer quando fica diretamente de frente para esse par de olhos castanhos e bochechas rosadas —  Opa! Te assustei? Só queria te ajudar a secar a louça já que você lavou tudo sozinho.

—  N-não precisa, Uraraka-san! Imagina! —  num rompante de falta de noção, ele tenta puxar o pano na mão dela.

—  Ah, mas eu faço questão! —  e ela puxa de volta, iniciando a competição de cabo de guerra mais sem propósito ou sentido já vista —  Era… era meu convidado, afinal.

E ele cede porque realmente não há lógica em recusar ajuda ou dispensar a companhia dela, mesmo que seja em algo tão trivial quanto secar a louça, vai ver Izuku sente que não deveria tê-la visto com aquela expressão quando retornou depois de levar seu amigo até a porta, como se ele tivesse roubado um breve momento particular dela antes de ser sugada pelo furacão cor-de-rosa da Ashido.

Não é a primeira vez que o aspirante a herói se sente assim. Aquela vez no primeiro ano, quando a ouviu chorar no telefone com o pai após a luta contra o Kacchan no Festival Esportivo, uma ocasião no segundo ano em que a notou envergonhada ao ganhar um suéter da Yaoyorozu, o olhar de respeito que ela lança para o Iida vez ou outra, são momentos em que mil coisas devem correr pela cabeça dela, em que ela se permite só parar e respirar, e Izuku está aqui, observando-a sem o menor direito e sabendo que se algum dia ele mencionasse isso para ela, a deixaria rubra em constrangimento e talvez em desconforto, quem é que quer se sentir observado assim? Provavelmente não ela, ainda mais por alguém a quem considera um bom amigo.

—  O chá tava muito bom, Deku-kun!

—  Ah, obrigado! É aquele que o Iida-kun trouxe. —  ele dá uma rápida olhada no relógio da parede, já está ficando tarde para ir ao cinema hoje, mas ainda daria pra ir amanhã, se ela quisesse, ele com certeza quer! —  Uraraka-s-

O celular dela, colocado na bancada, faz um barulhinho, o que chama a atenção dela. A manipuladora de gravidade o pega e seus olhos se arregalam, quando ela leva a mão à boca, ele já pensa no pior: aconteceu algo com os pais dela?

—  I-isso é… —  ela balança a cabeça em descrença e… abre um enorme sorriso quando vira a tela do celular para ele —  Olha, Deku-kun! O Hiro-kun mandou uns esboços de ideias que teve para o meu traje!

Oh… então não é nada com os pais dela, e não é nada ruim, que ótimo! Ainda assim, ele não sabe se está sorrindo como sempre sorriria diante de algo que a deixa empolgada, algo que não envolvesse o amigo dela. Ao olhar para a tela do celular, porém, ele há de admitir que o rapaz é talentoso, mesmo em rabiscos simples dá para ver que ele cumpriu o prometido e quer criar algo que realmente seja do gosto dela, o desenho poderia muito bem ter sido feito por ela mesma se Izuku fosse um desavisado.

—  Que incrível! Parece uma armadura! —  ele diz animadamente, já imaginando as possíveis funcionalidades que a roupa traria, o garoto de cabelos alaranjados aparentemente blefou, ele sabe sim algumas coisas sobre design de trajes de heróis.

“Blefar”, como se isso fosse um jogo e ele se sentisse oponente do Yubi, o que Izuku está pensando? Uraraka está sorrindo, provavelmente se imaginando no traje, toda sonhadora.

Outro momento em que ele a pega em uma expressão nada mais que adorável, mais um que lhe é inteiramente particular e ele roubou porque… gosta muito de olhar para ela.

 

***

Sábado à noite não é o momento favorito dele para estudar, mas não há mais nada para fazer, então Izuku afunda-se na lição de Legislação Heroica junto do Iida, do Todoroki e do Aoyama, que por algum motivo não parece minimamente interessado na matéria, e sim… em observá-lo prestando atenção na matéria. Desde que o loiro passou a achar que os dois têm uma conexão porque seus corpos não são compatíveis com suas individualidades —  o que é verdade até certo ponto, mas Izuku apenas se dedicou para tornar seu corpo compatível com o One for All, um trabalho ainda em progresso, mas progredindo, de fato — e a lhe servir queijos diferentes, eles se tornaram amigos, mas Izuku não pode dizer que o entende de verdade e que não sente arrepios quando o pega observando-o com um olhar e sorriso serenos.

—  A-algo errado, Aoyama-kun?

—  Não sei… —  ele suspira —  Diga, Midoriya, por que está estudando hoje? Você não ia ao cinema com a Uraraka?

—  Ah, não deu certo, ela… —  ficou muito animada com os desenhos que recebeu e foi mostrar para as meninas, Izuku só foi vê-la de novo na hora do jantar, e já estava tarde —  …nós dois acabamos ocupados e… espera, como você sabe que a gente ia no cinema, Aoyama-kun?

—  Ora, como eu não saberia? —  os olhos dele brilham, indicando que esse é o máximo de clarificação que oferecerá no assunto —  Si pitoyable, n'est-ce pas? Você poderia estar voltando do cinema a uma hora dessas, mas está aqui estudando…

—  Não há demérito nenhum em estudar, independente do dia e da hora, Aoyama-kun. —  o Iida intervém, ele aparenta estar irritado com a conversa atrapalhando suas anotações meticulosas.

—  Claro, claro… —  ele acena, mas não parece estar concordando de fato —  Enfim, Midoriya, só lamento que não tenha dado certo.

—  B-bom, talvez a gente ainda vá amanhã… eu vou combinar com ela certinho.

—  Faça isso logo, então. Nunca se sabe… —  ele balança as sobrancelhas.

—  Isso soou como uma ameaça. —  o Todoroki observa.

—  Talvez seja, mas não de minha parte… enfim, vamos estudar! O conhecimento é magnifique! —  o Aoyama sorri e pega seu lápis animadamente.

—  Aoyama-kun, o que você quis dizer agora?

—  Moi? Nada, nada, só… eu não subestimaria o amigo da Uraraka, vocês podem parecer um pouco fisicamente, mas as semelhanças param por aí.

—  Quê? Quem parece fisicamente?

—  Ora, você e o Yubi-kun. 

—  Você não percebeu? —  surpreendentemente, é o Iida que faz essa pergunta — Depois de um tempo, amenizou-se, mas assim que o vi, achei que fosse um primo seu, Midoriya-kun.

—  Sim, são parecidos. Só os cabelos dele são laranjas enquanto os seus são verdes. —  o Todoroki explica como se Izuku não soubesse a cor do próprio cabelo.

—  Oui, o Yubi-kun também é mais alto, mais bronzeado, e tem um senso de moda mais apurado, quer dizer, ele… tem um senso de moda, —  o Aoyama está tentando ofendê-lo? — ...enfim, Midoriya, só estou te aconselhando porque sou seu amigo e tenho uma abordagem mais sutil que a da Ashido.

—  Certo, eu hã… agradeço. —  Izuku acena sem saber qual conselho está recebendo, exatamente, mas discorda que o Aoyama faça qualquer coisa de maneira sutil.

De toda forma, o garoto de cabelos esverdeados considera o que foi falado aqui, não a parte sobre ter qualquer semelhança física com o Yubi porque isso não faz sentido, e sim… a parte em que ele decidiu que combinaria certinho com a Uraraka sobre ir ao cinema amanhã, ela parecia animada com a ideia de dividir a pipoca doce, o que o deixa igualmente empolgado. É, será legal.

 

“Ei, Uraraka-san! Tudo bem? Desculpe atrapalhar sua noite, mas estava pensando se você ainda gostaria de ir ao cinema comigo amanhã? Hoje não deu tempo porque acabou sendo um dia meio louco, né? Mas se você estiver interessada em ir amanhã, eu ficaria muito feliz!”

 

Ugh, isso tá horrível! Izuku olha para o que escreveu como se a mensagem fosse uma ofensa a ele e sua mãe, apagando o texto rapidamente.

 

“Ei, Uraraka-san! Tudo certinho? Desculpe atrapalhar sua noite, mas queria saber se o cinema ainda está de pé amanhã. Hoje não teve como, né? Mas se você quiser e puder, seria legal!”

 

Melhor… menos formal, mais direta, e não fala nada sobre o dia de hoje ter sido louco, porque não foi, ué! Foi um dia normal, normal!

E ele também vai agir de um jeito normal e parar de surtar por causa de uma mensagem de texto para alguém com quem conversa todo dia! Isso já tá ficando ridículo!

Antes que ele possa apertar “Enviar”, Izuku precisa conter um grunhido ao receber uma notificação de mensagem… dela! Droga! Ela vai ver que ele visualizou a mensagem no minuto em que foi enviada, e vai saber que ele estava com a conversa dela aberta, o que Uraraka vai pensar disso?

Não, calma… calma, não é assim, talvez ela nem tenha percebido ou pode só achar que ele estava com o celular na mão —  e ele está — tudo tranquilo.

 

“Oi, Deku-kun! Tudo certinho por aí? Desculpa atrapalhar sua noite, só queria te avisar que não vou poder ir ao cinema com você amanhã, acabou surgindo um outro compromisso, te conto tudo na aula segunda se a gente não se vir antes! A mostra de cinema vai até o fim do mês, certo? Podemos ir outro dia quando todo mundo puder ir também, né?”

 

Ha… hahaha, o timing não poderia ser melhor nem se tivesse sido combinado, pelo menos ele não passou a vergonha de mandar essa mensagem péssima pra ela, que… que alívio, ufa!

Então… então é isso, eles não vão ao cinema amanhã, ela arranjou outro compromisso, deve ter a ver com o traje que o Yubi está desenhando para ela querer contar tudo a ele no dia seguinte. Bom… é para algo bacana que só tem a beneficiá-la, o que ela ganharia indo ao cinema com ele? Nada. 

Sim, é melhor assim. E é o que ela disse, eles podem ir outro dia, não é? É, claro. Tá tudo bem. Tudo bem mesmo!

—  E aí, Midoriya, tudo bem, cara? —  Izuku dá de cara com o Kirishima no elevador —  Tava mesmo descendo pro teu andar porque queria falar contigo rapidão.

—  Oh, claro, Kirishima-kun! Pode falar, se for algo em que eu puder te ajudar.

—  Na verdade, é meio que um pedido de desculpas pelo que rolou hoje lá na área de convivência. Cê sabe… —  ele ergue as sobrancelhas ao notar a expressão de Izuku indicando que não, não sabe — Ah, a Mina falando besteira sobre o amigo da Uraraka e tal, ela… ela fala sem pensar, mas não faz por maldade, viu? Então não fica chateado com ela tentando jogar a Uraraka pra cima do rapaz daquele jeito, eu já conversei com ela e pedi pra baixar a bola porque você é afim da Uraraka, e não é muito másculo ficar dando palpite nisso, só você e a Uraraka sabem de vocês, né?

—  Hã… o quê?

—  O que o quê?

—  Eu… a-af-afim da Uraraka… da Uraraka-san? EU?

—  Hã, é… você. —  ele confirma com um aceno lento de cabeça.

—  Ki… Kirishima-kun, ha… hahaha, isso é… o que… por que você acha que eu… que eu g-gosto da Uraraka-san?

—  Ué, não… não gosta?

—  Gosto! Q-quer dizer, ela é minha amiga, mas… mas ser “a fim”, eu… eu não… —  ele respira fundo, sem a menor ideia do que dizer — Obrigado, Kirishima-kun.

—  Hã… de nada. Você tá b-

—  Tô ótimo, obrigado por se preocupar! —  Izuku confirma energicamente enquanto olha para o painel de botões do elevador —  Então… 4º andar?

—  Não, eu… vou lá pra baixo pra poder ir pra ala feminina, vou ver a Mina. —  ele explica, corando — Por favor, não me entrega pro Presida.

—  Não… não vou, pode ficar tranquilo. —  as portas se fecham e fica um silêncio constrangedor enquanto o elevador desce, Izuku foca o olhar no chão, sentindo que seu rosto está queimando.

—  Então, Midoriya… —  ding! E as portas se abrem no 2º andar, Izuku praticamente grita um “Boa noite” enquanto corre para o quarto e agradece pelo Aoyama não ter vindo junto dele, optando por ir à área comunal para fazer… o que quer que o Aoyama faça quando fica sozinho na cozinha à noite.

Porque agora Izuku precisa ficar sozinho, e pensar sozinho. Ele… é a fim da Uraraka? Por que o Kirishima pensa isso?

“E por que não pensaria?”

A retórica tem a voz justamente do Aoyama, por que não pensariam que ele é a fim da Uraraka? Izuku melhorou muito no traquejo social para conversar com as garotas da sala… menos com a manipuladora de gravidade, e ele a observa sempre que a percebe em seu campo de visão, repassa as anotações que fez sobre a individualidade dela em seu caderninho constantemente, e ele… não consegue imaginar o que teria sido de sua vida se não tivesse a conhecido naquele exame de admissão, talvez nem houvesse uma se ela não tivesse lhe aplicado um tapa na cara que o impediu de se espatifar no chão.

Não, mas é mais que isso, realmente não dá para imaginar uma rotina sem ela por perto porque seria muito triste.

Então ok, talvez ele seja a fim de sua melhor amiga.

 

“Tudo certo, Uraraka-san! Não tem problema, marcamos para outro dia quando todo mundo puder, será divertido! Até segunda na aula!” 

 

Mas não, não tá tudo certinho por aqui


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Notas finais do capítulo

Não sei o porquê, mas esse capítulo me deixou tão emotiva u.u
Obrigada por estarem curtindo e acompanhando! Beijos!



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