O Passado do Lobisomem escrita por Heringer II


Capítulo 16
Capítulo 16


Notas iniciais do capítulo

Espero que gostem! ^^



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Apertei o play e comecei a ouvir o diário de Aldo. A partir de agora, vou começar a narrar o que ele dizia naquele gravador.

*

No dia 27 de julho de 1938, nosso bando resolveu ir em direção à fazenda Angicos, no estado de Sergipe.

Cerca de 12 horas antes, o nosso chefe, sim, ele, o “rei” do cangaço, Lampião, pediu que eu fosse na frente para ter certeza que a volante (a polícia da época) não estava preparando nenhuma armadilha. Apesar de ser alguém que eu respeitava muito, sei muito bem que Lampião era um bandido, e o que nós cometemos naquela época eram crimes. Há quem diga que não era, mas não convém entrar nessa discussão agora.

“Vá depressa móde num se molhar, porque vem chuva mais tarde”, dizia ele, com aquele sotaque nordestino e aquele autoritarismo que botava medo até nos homens que se diziam mais “machos” dali.

Sim, eu era do bando de Lampião. Talvez você estranhe eu dizer isso porque não se tem registro meu em nenhuma das fotos nem vídeos que se tem do cangaço. Eu não era bem uma pessoa que se mostrava para as câmeras. Eu tinha 15 anos quando mataram covardemente Lampião. Fazia poucos meses que eu estava no bando dele.

Em outubro de 1937, um subgrupo de Lampião, comandado pelo cangaceiro Corisco atacou a cidade de Piranhas, em Alagoas. Lampião gostava de montar esses subgrupos. Eu fazia parte de um que foi enviado para o interior da Bahia uma vez. Além de mim, neste subgrupo, haviam outros sete. Isso mesmo, deles, eu era o oitavo.

Em outubro de 1937, um subgrupo de Lampião, comandado pelo cangaceiro Corisco atacou a cidade de Piranhas, em Alagoas. Lampião gostava de montar esses subgrupos. Eu fazia parte de um que foi enviado para o interior da Bahia uma vez. Além de mim, neste subgrupo, haviam outros sete. Isso mesmo, deles, eu era o oitavo.

Era em Piranhas onde eu vivia com meus tios. Minha mãe morreu no meu parto, meu pai foi misteriosamente assassinado. Meus tios me criaram.

Quando o grupo que Corisco comandava atacou a cidade, eles vieram até a minha casa e ameaçaram matá-lo. Eu, no entanto, peguei uma espingarda que meu tio guardava e os expulsei de lá.

Quando voltaram para o acampamento, falaram isso para Lampião. Por incrível que pareça, ele gostou tanto da minha atitude, que pediu que eu me juntasse a eles.

Lampião apreciava coragem. Uma vez ele me contou como o cangaceiro Jararaca havia se juntado ao bando. Estava Lampião com seu bando andando pelo sertão, quando foram encarados por Jararaca. Ele disse: “dizem por aí que você tem o costume de corta as cabeças dos caba, mas eu não tenho medo de você não!”. Quando os outros ouviram isso, avançaram para matar Jararaca, mas Lampião disse: “um caba com uma corage dessas tem que é que ficar vivo!”.

Fui até onde Lampião tinha me mandado e, de fato, vi que não havia nenhuma emboscada da volante.

Na verdade, fui eu que atraí a volante. Quando os soldados me viram, imediatamente perceberam que eu era um cangaceiro do bando de Lampião. Foi então que me seguiram.

Quando cheguei ao acampamento...

— Aldolino! – gritou Lampião.

— Pois não, seu Lampião!

— Diga pra mim como é que tá a situação na cidade que cê acabou de ir.

— Tudo limpo, seu Lampião!

— Tu tem certeza, caba?

— Com certeza, seu Lampião!

— Tá certo, vai descansar que mais tarde nós vai andar muito por essas vereda!

— Como quiser, seu Lampião!

Os soldados da volante ouviram nossa conversa e naquela mesma noite bolaram a emboscada que matou Lampião.

Era uma noite chuvosa e todos estavam dormindo, cada um em sua barraca. Eu acordei no meio da noite para urinar. Andava sempre com a minha arma, até para esses momentos. Ninguém sabe quando será necessário. Pois é, naquela noite, foi. Para tal, fui até um rio meio distante do acampamento e me aliviei. Foi quando vi uma tropa de homens fardados, todos com armas de grosso calibre. Era a volante! Eles andavam silenciosamente. Somente eu os vi chegar. Percebi então que eles iriam matar o bando. Imediatamente peguei o meu fuzil e disparei.

Desesperados, eles começaram a atirar também, o que acabou acordando todo mundo.

Imediatamente, o barulho dos trovões e da água caindo foram substituídos pelo ruído que os fuzis faziam ao atirar.

O bando lutou bravamente. Ninguém fugiu. Mas, claramente, a volante estava levando a vantagem. Vi, então, um dos soldados se aproximando pelo rio que eu estava perto. Era o oficial Antônio Honorato da Silva, que estava com seu rifle apontado para Lampião. O chefe estava tão concentrado nos inimigos em terra, que não percebeu que havia um se aproximando pelo rio. Imediatamente peguei meu fuzil e mirei em Antônio Honorato. No entanto, acabei pisando em falso, e escorreguei na lama, e o meu fuzil acabou atirando em Lampião.

Não, não foi o oficial da volante que assassinou Lampião. Fui eu, alguém que andava com ele, que o respeitava, e que era respeitado por ele. Quando vi Lampião sangrando na região umbilical por minha culpa, e todos os outros cangaceiros sendo assassinados e tendo suas cabeças decapitadas, fiquei muito desesperado. São imagens que não saem da minha cabeça. A volante se tornou uma marca de heroísmo por supostamente ter matado Lampião, mas quem realmente o havia assassinado tinha sido eu. A morte dele veio rápido. Até hoje ninguém sabe o que realmente aconteceu... Eu precisei sair dali, prometi a mim mesmo que nunca mais eu iria voltar naquele lugar. E assim o fiz.

*

Quando a gravação acabou, eu olhei para Aldo e ele me entregou um álbum de fotos. Sim, o mesmo álbum de fotos que ele havia gritado por eu ter olhado anteriormente.

— Veja. – falou ele.

Quando abri o álbum, vi várias fotos de Aldo jovem, trajado de cangaceiro. Devo admitir que era até engraçado, o que me fez soltar um leve risinho.

— Do que está rindo?

— Ah... Nada, nada.

Continuei olhando, e me surpreendi ao ver que tudo aquilo que Aldo relatava no gravador era real. Nas minhas aulas de história eu sempre ouvi falar que Lampião havia sido morto por policiais. Quem diria que a história real é bem mais sinistra! Bem que meu professor de história dizia: “existem muitos fatos históricos que ainda precisam ser averiguados”.

Olhei para Aldo, e ele estava chorando. Fiquei surpresa com aquilo.


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Notas finais do capítulo

Por essa vocês não esperavam!