Apenas Um Drink escrita por Carolline Stephany


Capítulo 3
Capítulo 3


Notas iniciais do capítulo

Oi, oi, gente (se tiver alguém lendo)! Esse é o último capítulo de um conto que gostei muito de escrever, e espero que tenham gostado de ler, também!
Aproveitem a leitura!



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Por que uma desconhecida era melhor que seu próprio marido?

O pensamento jogou uma descarga elétrica por sua espinha, fazendo-a revirar-se em seu próprio banco. A verdade tendia a ser desconfortável, embora “desconfortável” não fosse bem a palavra certa. “Desconcertante” talvez coubesse melhor.

E Daniela ainda mantinha os olhos sobre ela, dessa vez segurando um sorrisinho que certamente queria dar. Anna não entendeu quando suas bochechas esquentaram. Não era uma reação comum a uma situação tão comum. A sensação enroscou-se na boca no estômago e o sentimento de exposição voltou. Agora, não se sentia mais sem pele, e sim sem roupa, o que deixava seu corpo muito mais quente.

— Está me analisando? – talvez não devesse ter feito essa pergunta. Era uma piadinha sem graça que Daniela devia ouvir todas as vezes que conversava sobre seu trabalho, mas já estava em sua segunda dose de tequila, e não tinha como pegar suas palavras de volta.

O sorriso escondido escorregou por seu rosto; os olhos nunca largando os seus. A mulher ajeitou o corpo, muito menos desengonçada ou inquieta que Anna. A sutileza precisa parecia ser uma velha amiga que nunca a abandonava. Mesmo assim, cada vez mais deixava de pensar como seria estar em sua pele e adentrava à ideia de como seria estar com ela durante um dia.

Seus joelhos se roçaram quando cruzou as pernas dentro do minúsculo espaço que tinha disponível. Anna sentiu a pele se arrepiar com o contato. Sua pele era macia e a fazia querer tocá-la, e saber que não podia fazia apenas com que seus dedos coçassem.

— É uma mania ruim – suas unhas bem aparadas arranharam a madeira da bancada. Um barulhinho leve e contínuo que mal se destacava através da música, mas que Anna podia sentir graças ao seu cérebro ocioso. – Analiso o que me interessa.

 A respiração de Anna travou no peito. Muito ar tentando sair ao mesmo tempo em um espaço não muito grande. Seu corpo, desacostumado a produzir todo aquele misto de sensações, as despejava em quantidades imensas e desproporcionais a um ser humano que estava tentando agir normalmente, e tudo isso sob a ótica centrada da mulher à sua frente. O ar ficou mais quente e pesado, e as rajadas pareciam vir dos olhos dela. Anna não se moveu.

Não queria se mover. Queria continuar encarando-a, sentindo a rajada constante de seu olhar invadindo seu corpo sem tentar expulsar a sensação, mesmo que inconscientemente. Queria se remexer novamente na cadeira apenas para ter uma desculpa para encostar nela novamente. Não sabia os motivos para nada daquilo, mas era a situação mais empolgante que acontecera em sua vida dentro de rotineiros três anos, e apenas queria um pouco mais da sensação de dormência e agitação em seu estômago.

Mas estados de quase torpor não duravam para sempre. Seu celular vibrou e, como mágica, a carruagem virou abóbora. Ela foi jogada para fora da bolha em que se encontrava e o trompete do jazz gritou em seu ouvido, junto de todos os burburinhos e risadas animadas, lembrando-a de que não estavam ali sozinhas. Por mais que parecesse. Por mais que quisesse.

“Onde você está?”.  A mensagem era simples, mas quase podia sentir a irritação de Josh saltando da tela.

Parecia impossível que já tivesse se passado uma hora desde que resolvera se aventurar do lado de fora. Em seu sonho mais louco, não tinha hora para voltar para casa e poderia ficar ali ou em qualquer outro lugar sem se preocupar com nada. Talvez não fosse um sonho tão inacessível quanto parecia ser mais cedo (quando sequer pensava nisso), mas uma ousadia de cada vez.

— Eu preciso ir – encolheu os ombros, detestando dizer isso.

Odiou olhar nos olhos de Daniela. Ela mantinha o olhar compreensivo, mesmo que a decepção insistisse em ultrapassar os limites que a mesma provavelmente colocou. Mas não foi isso. Odiou a enxurrada de “quases” que foi jogada em seu colo. Muitas coisas poderiam acontecer. Havia muitas possibilidades, um mundo vasto a ser explorado, e que agora estava sendo jogado fora.

— Você tem algum papel?

Anna franziu as sobrancelhas. Não era bem o que esperava ouvir naquele momento específico. Mesmo assim, pegou sua bolsa de couro gasta e arrancou uma das folhas de seu bloco de anotações, vendo-a já com uma caneta na mão. Daniela escrevia rápido, embora sua letra fosse redonda e bem desenhada, mas não conseguiu discernir mesmo assim o que estava sendo escrito ali. Culpava totalmente a bebida, mesmo que não se arrependesse nem um pouco.

Daniela guardou a própria caneta e inclinou o tronco para frente, guardando o papel na bolsa de Anna, com uma calma quase hipnotizante. Ela não fazia ideia do que estava escrito ali, mas estava dobrado com tanto cuidado que temia que derretesse assim que tocasse.

— Me ligue, se quiser – especificou, retomando sua postura impecável de antes. – Eu vou entender se não o fizer.

Encarou a mulher, mesmo sabendo que parecia tão desconsolada quanto se sentia. Em algum momento da noite, acreditou fielmente que apenas se despediria de Daniela e que nunca mais vê-la não seria uma ideia tão incômoda assim. Agora, só de pensar nisso, fazia pesar seu estômago e suas costas tencionaram-se. Sua voz se perdeu, fazendo-a apenas assentir enquanto a mulher dava um sorrisinho em resposta. O sorriso, dessa vez, não atingiu os olhos. Daniela parecia praticamente certa de suas convicções e, fossem elas quais fossem, não a animavam muito.

— Espero que tenha tido um bom aniversário.

Anna assentiu freneticamente, agora recusando-se a olhá-la nos olhos.

— O melhor – sussurrou, mal mexendo os lábios. Talvez o álcool tivesse aflorado seus sentidos, mas o sentimento dolorido e indigesto apertava seu estômago, mandando-a gritar, e reprimi-lo apenas fazia doer mais. Voltar para seu apartamento também não melhorava seu estado de espírito.

E assim, ela foi embora: Carregando a própria bolsa agarrada ao peito e arriscando dois ou três olhares para trás, apenas para constatar que os olhos de Daniela nunca desgrudaram dela, até a primeira curva chegou e isso foi inevitável.

Desceu de todos os degraus que se encontrava e respirou fundo antes de virar a chave na fechadura e se deparar com o barulho do chuveiro ligado. Não pôde deixar de apertar os olhos com força. Tanto que havia se planejado...

Foram os cinco minutos mais longos de sua vida. Era como olhar para uma bomba que sabia que iria explodir, mas sem saber para quando que fora programada. Anna estava no quarto tirando os sapatos e acessórios quando Josh saiu do banho, de braços cruzados sob o pijama e cabelos molhados, encarando a figura da esposa sentada na cama. Ela o olhou antes de voltar a tentar tirar a pulseira.

— Onde você estava? – vociferou, levantando levemente o queixo para cima, exibindo sua barba bem aparada. O deixava mais rabugento.

— No bar – sua voz não era tão imponente quanto a dele, mas já era uma vitória que não tivesse começado a se explicar logo depois de dizer aquilo.

Ele não devia estar considerando como algo bom, no entanto. Suas sobrancelhas se franziram; esperava por uma resposta maior que nunca veio.

— Desde quando você freqüenta bares? –resmungou, abrindo os braços ao lado do corpo. – Quando começou a beber? Você está fedendo a álcool.

Isso certamente era discutível, embora Anna não estivesse com a mínima energia para rebater que tinha que lidar com situações piores. Respirando fundo, levantou-se para guardar os sapatos na sapateira. Não gostava de como ficava ainda menor que Josh sem os saltos. Mas o fato de se importar menos com isso a deixou maior, pelo menos em sua opinião.

— Hoje é meu aniversário e eu queria comemorar.

Quando nenhuma resposta veio, decidiu que era hora de encará-lo. Seus olhos azuis, frios e sem vida estavam meio arregalados; incrédulos, até. A boca entreaberta dava uma sugestão de que sua vontade era de negar que aquele era o dia até que se tornasse verdade, mas sempre desistindo, porque qualquer calendário o desmentiria.

Nada saiu dele e Anna se enfiou no chuveiro, ouvindo uma sessão renovada de reclamações de como ela nunca fizera nada parecido antes. Josh jamais recebeu uma resposta – pelo menos não uma verbal, porque sua cabeça projetava várias coisas que queria dizer, mas que apenas não jogava para fora. Era incrível como ele era capaz de mudar uma situação e fingir que não era ele quem estava errado na história.

Quando saiu, ele continuava rondando pelo quarto, mais vermelho e rouco. Anna ainda continuava absorta no fato de como se encontrava entorpecida diante de um cenário que costumava deixá-la tão ansiosa. O sentimento ruim vinha e batia em sua pele, fazendo-a formigar, mas não chegava a entrar. A sensação tinha cheiro de nova.

— Eu estava trabalhando – repetiu pela quinta vez naquela noite.

Não estava, esse era o ponto. Não era uma reunião ou qualquer coisa compreensível. Seus colegas de trabalho apenas escolheram um dia para se socializarem depois do trabalho e Josh não se preocupou em dizer que não iria por ser aniversário de sua esposa, porque nem ele mesmo lembrava.

— Eu sei – mentiu. – E eu estava me divertindo.

— Não gosto que você saia à noite – sem mim.

— É uma pena – Anna trancou o ar por cinco segundos, processando o que havia dito. Não pretendia dizer isso. Era apenas um pensamento que foi mal filtrado, e estava prestes a pedir desculpas quando decidiu que não, ela não ia. – Porque eu já saí – provocou.

Era empolgante. Não sabia se fora graças ao álcool ou à conversa inspirada que tivera com Daniela, mas sentia-se bem em dar as respostas que queria dar diretamente a Josh, ao invés de reclamar para sua irmã e vê-la despejar tudo em cima dele nos Natais, depois de tomar muito vinho.

— Você vai dormir no sofá? – perguntou, assim que notou que estava prestes a dizer alguma coisa.

Não pela primeira vez na noite, ele a encarou surpreso, como se nunca esperasse que ela flagrasse o seu drama de todas as brigas. Josh endureceu a mandíbula, aceitando o desafio que apenas ele via.

— Não, eu não vou – sentou-se na cama para provar seu ponto.

Anna assentiu, seguindo até o armário e buscando um cobertor e travesseiros novos. Não estava quente o suficiente para que fizesse questão de dormir com o ar-condicionado, e a noite estava ácida demais para que quisesse passá-la com seu marido.

— Boa noite, Josh – disse antes de sair e fechar a porta. Não se deu o trabalho de ver sua expressão certamente incrédula. Já havia deixado de ser divertida.

O sofá não era confortável. As molas soltas a deixavam com dores nas costas, mesmo que os agora vinte e sete anos ainda não fossem os culpados disso, e o forro áspero dava coceira, mas eram pequenos preços a se pagarem por uma noite de paz.

Antes que pudesse se deitar, encarou a bolsa na poltrona à frente. Quase podia ver o papelzinho dobrado através do couro. Sem pensar muito, a pegou como uma criança entusiasmada com o brinquedo novo e desenrolou o papel enquanto desbloqueava o celular. Já passava da meia-noite.

Embora parecesse meio antiquado num primeiro momento entendia o porquê do papel, agora, com a cabeça mais clara e menos alcoolizada. Daniela poderia ter discado seu número no celular, isso era óbvio, mas ela queria deixar o controle total e completamente nas mãos de Anna, sem interferências ou facilidades para que um determinado final fosse atingido.

Finalmente se deitou, cobrindo-se até a cabeça como uma adolescente que queria mexer no celular até mais tarde sem que os pais vissem. Colocar um novo contato era uma situação não muito frequente, embora esse fosse um de seus menores pensamentos. A foto de perfil de Daniela ficou disponível e sentiu todo o peso ir embora. Qualquer número errado que ela tivesse colocado e o contato nunca mais seria possível – embora Daniela não parecesse o tipo de mulher que esquecia o próprio número.

Era ela, ao vivo em cores. Os cabelos loiros, agora soltos, batiam até os ombros levemente ondulados, e sua cabeça apoiava-se na mão. Ela mantinha aquele sorrisinho que vira diversas vezes naquela noite, mas agora tingido num batom vermelho, e era bom vê-la de outra forma.

Seus dedos finalmente destravaram. Era a mesma Daniela com a qual passara a noite conversando. E era diferente, no entanto. Sabia disso assim que salvara seu contato.

“Oi. Sou eu, Anna”.

Daniela provavelmente não responderia, pelo menos não agora. Talvez ela sequer respondesse, e estava tudo bem, não é? Algumas coisas acabavam antes mesmo de começar, e deveria estar tudo bem. Não era a melhor sensação do mundo, mas era a que tinha.

Dois minutos inteiros e Anna já estava se preparando para desligar o celular e para a ideia de que nunca receberia uma resposta quando o aparelho vibrou em sua mão.

“Olá, querida”.

Ela não dormiu aquela noite.

 


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Notas finais do capítulo

É isso, pessoal, espero que tenham gostado! Como eu disse, esse é um conto muito importante pra mim e torço pra que tenham gostado de ler!
Muito Obrigada!
Até mais!



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