Apenas Um Drink escrita por Carolline Stephany


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Oiee, estou postando o segundo capítulo desse conto! Muito obrigada a quem leu o capítulo anterior, e espero que goste deste!
Boa leitura!



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A pergunta comum e simples, que dava margem a um início de conversa, não deixou seus músculos menos enrijecidos. Ao pegar a caneca os dedos travaram na haste, como se nunca mais fosse conseguir tirá-los dali. Deu um longo gole na bebida mais amarga do que se lembrava e rolou os lábios para se livrar da espuma.

Não que a resposta fosse complicada, era apenas incômoda. Esse tipo de coisa costumava desencadear sobrancelhas unidas e olhares penosos, dependendo da quantidade de informação que a pessoa já tinha – não que aquela mulher tivesse muita –, e esse era um combo que não estava disposta a ganhar de presente.

 – Bem... É meu aniversário – as sobrancelhas de Daniela se arquearam em uma surpresa comedida. – Resolvi passar de uma forma diferente – não que tivesse opção.

Ficava cada vez pior à medida que falava sobre isso. Talvez porque Daniela não conhecesse todos os lados como ela. E provocar a quebra de expectativas de alguém era, no mínimo, constrangedor. A pessoa começava a construir um castelo de cartas, imaginando sua vida, e então você simplesmente o soprava. Ela não ficaria chateada de fato, mas ainda manteria aquele olhar confuso quando visse tudo no chão.

— Então eu pago a próxima rodada – sua primeira reação foi negar com a cabeça, algo que a mulher deixou passar com um gesto de mão. Era tocante que uma desconhecida se importasse mais em deixar sua noite de aniversário minimamente agradável e seu marido não, embora doesse. – Está com alguém?  – ela não moveu o corpo, deixando apenas os olhos correrem por cima do ombro de Anna.

O ar escapou de seu peito, deixando-o menos inflado de confiança novamente. Uma montanha-russa, cheia de picos e depressões, numa velocidade instável. Não deveria se sentir assim, mas se sentia, e duvidava que isso fosse mudar.

— Não – limpou a garganta, sem conseguir evitar que os olhos encarassem a saída. – Meu marido teve um imprevisto. No trabalho – a vontade de esconder o rosto com as mãos só não foi maior que o bom senso e a vontade de parecer um ser humano funcional. Por que tão explicativo?

Se Daniela notou a falta de segurança, não comentou, limitando-se a concordar com a cabeça enquanto virava o restante da bebida; nenhum tipo de incômodo enrugando seus traços.

Ela lembrava as mulheres nas quais se inspirava – e falhara miseravelmente – aos quinze anos. Os cabelos loiros, consideravelmente mais claros que os seus; a postura impecável e nem por isso menos relaxada; a maquiagem precisa e trabalhada de alguém que sabia o que estava fazendo... Tudo naquela mulher gritava “sucesso”.

Ao contrário de Anna, ela realmente parecia ter acabado de sair do trabalho, ainda que o coque despojado pusesse isso em dúvida. O vestido tubinho era elegante demais para uma mera passada no bar e comedido o suficiente para alguém que não pretendia se divertir à noite, e a meia-calça passava alguma credibilidade. Era preta como a que tinha em casa, mas não ostentava um buraco na dobra do joelho.

Era quase um desrespeito se dirigir à ela envolvida em tamanha simplicidade, ainda que o ar de simpatia banisse por completo o sentimento.

Perdida em seus próprios pensamentos, deixou passar o momento em que passaram a se encarar. Daniela de forma muito mais concentrada, com a cabeça ligeiramente inclinada, como se visse um novo espécime; enquanto que Anna tinha certeza de que tinha o olhar muito mais solto e sem foco, que mal chegava a ser desconfortável graças à desatenção.

— Você não me parece alguém que sai com freqüência.

Anna soltou uma risadinha abafada, apertando as mãos sobre o colo até que os dedos estalassem.

— Eu não saio.

Sentia-se sem pele. O verde de seus olhos – por mais sensacionais que fossem, admitia – parecia entrar por brechas de portas trancadas, e apenas queria que parasse. Era intrusivo demais. Enquanto isso, sua parte mais sensata rebatia com um frescor renovado: Parar com o que?

Daniela fez um barulho do fundo da garganta antes de continuar a falar.

— E existe um motivo para isso?

Existia um motivo? Anna sempre viu como um conjunto de conveniências que a fizeram chegar até ali. Trabalhar com sua loja online não exigia que saísse tanto, então ela não saía. E, à noite, Josh estava em casa – quase sempre. Querendo ou não, algumas coisas mudavam depois do casamento, e as saidinhas de sexta à noite com os amigos foram se tornando menos freqüentes até se tornarem nulas.

As suas, pelo menos. Porque, se fosse para ser sincera consigo mesma, não se lembrava de muitos finais de semana no último ano em que Josh não saía. Ele ia para aquele mesmo bar beber com os amigos à tarde e, de alguma forma, foi definido que aquele era um lugar o qual ela não gostava de freqüentar, então ele ia sozinho.

Nesses dias sem companhia, costumava sair. Dava voltas pelo quarteirão numa bicicleta que hoje se encontrava jogada no depósito, ou andava pelo centro. Tardes boas com noites desgastantes. Não que ele dissesse algo, mas sempre que era o primeiro a chegar em casa no fim da tarde, isso rendia respostas atravessadas e Josh dormia no sofá por livre e espontânea vontade.

Então, a fim de evitar maiores estresses, apenas parou de fazer. E estava tudo bem. Certo? Por que a dificuldade em respondê-la?

— Meu marido – sua voz estava perto de falhar. O frescor amargo da cerveja foi bem-vindo, antes de continuar. – Meu marido não gosta muito de sair – comigo.

Daniela continuou encarando-a. As expressões paradas e discretas; a cabeça apoiada sobre a mão atenta a qualquer nova coisa que Anna dissesse. Um vinco sutil surgiu entre suas sobrancelhas quando notou que nada mais sairia dela. Em meio à sutileza e suavidade mordazes, deve ter sido sua reação mais alarmante até agora, e mesmo assim ela não parecia ter dificuldade em se expressar.

 – Ele deve ter seus motivos, mas estou perguntando sobre você.

Sua voz afiada, mesmo que levemente doce nas bordas, a desfiou como seda. Anna estava prestes a desmanchar-se no chão de madeira, com as mãos agitadas novamente; o suor frio deixava a aliança deslizar com mais facilidade enquanto brincava com a mesma.

Os assuntos que tentava não pensar estavam sendo arremessados todos sobre si, e Daniela não parecia nem um pouco disposta a engolir suas palavras. A conversa a fazia sentir que sua vida normal talvez não fosse tão normal assim. Os olhos ardiam um pouco e a queimação na boca do estômago a fazia querer rebater aos gritos a mulher que não tinha nenhum tipo de culpa sobre isso.

— Assunto ruim? – o açúcar agora quase escorregava por sua boca; o tom cadenciado dançava pelo ambiente, sobrepondo-se ao jazz agora mais marcante e quente.

Suas próprias mãos pararam de se movimentar exageradamente e um ar gelado beijou sua espinha, desfazendo os nós de adrenalina que se instalaram em seu corpo. Demorou mais que o aceitável para que notasse outras duas mãos, separando as suas da confusão em que se colocaram.

Subiu os olhos, vendo-a levemente inclinada para frente e focada em seu rosto; as sobrancelhas franzidas em uma singela preocupação. O aperto sutil que ela deu em suas mãos podia ser o reforço de acalento ou apenas uma forma de tirá-la de seu transe, mas apenas a fez pensar que Daniela tinha dedos confortavelmente gelados.

— Eu... – forçou um sorrisinho. Seus músculos, os faciais, pelo menos, estavam tão travados que deve ter parecido uma careta. – Soa ruim dizendo em voz alta.

A mulher à sua frente deu um sorriso de entendimento. Era difícil ler seus olhos, embora fosse fácil, também. Ela não continha o olhar pesado e desesperado para julgar, como sua mãe geralmente fazia quando o assunto “Josh” acabava surgindo. Era bem mais sutil, como se entendesse tudo o que dizia e o que deixava de dizer.

Ela voltou à postura de início e destruiu qualquer contato corporal, deixando as mãos deslizarem levemente pelo seu colo. O ar era pesado e quente; leve e frio. O peso da conversa forçava seus ombros a se encolherem, mas sua cabeça estava erguida pela primeira vez na noite, enquanto Daniela pedia uma dose de tequila para as duas, como o prometido.

— Se fosse bom, não pareceria ruim.

Mordaz e direta. Se fosse qualquer outra pessoa – ou qualquer outra situação –, teria franzido os lábios com menos sutileza que fizera e saído dali, fazendo questão de pagar pela própria bebida. Ao invés disso, aceitou a tequila e virou de uma vez, sempre consciente do olhar sobre si. O álcool rasgou por sua garganta forte o suficiente para que acreditasse por um segundo que podia soltar fogo. Apenas a atenção da mulher a impediu de tossir e expurgar o desconforto, por mais que seus olhos lacrimejassem com a sensação.

— Seu marido parece ser seu maior conflito, mas acho que você não gostaria da minha solução – comentou, arrumando uma das argolas do brinco que havia se enroscado. – Por que não me fala de você? – Daniela parecia disposta a mudar o foco da conversa e, por algum motivo, Anna não entendeu. Por que falar sobre si?

Por que não falar sobre si? Seu cérebro entrou em conflito. Neurônios desesperados, procurando algo para responder e tentando descobrir o que falar. Onde estava engavetada toda a sua vida, e quando trancou essa gaveta? Talvez tenha sido uma série de fatores que tornou sua vida desinteressante, pelo menos aos olhos do mundo. E Anna estava bem com isso, até não estar mais.

— Eu... – limpou a garganta, mais para ganhar tempo que por qualquer outra coisa. – Tenho uma loja virtual. Vendo itens de papelaria.

Mesmo sem querer, seus ombros se encolheram para frente, o que a transmitiu uma onda de decepção com o ato. Lutara tanto para isso. Foram noites planejando e formatando o site. Sentava-se com um grupo de amigos no tapete da sala, cada um com uma taça de vinho, enquanto pensavam em como poderia ajudá-la. Ironicamente, Josh nunca estava por perto. E para que tanto esforço, se quando as pessoas falavam de seus incríveis empregos, tinha vergonha de falar o seu?

O olhar de interesse de Daniela foi uma surpresa, bem diferente do desdém que seu subconsciente já estava preparado para receber. Afinal, ela era grande, enorme, gigante. Anna se enquadrava apenas entre os meros mortais. E a mulher queria ouvi-la! Não menos de uma vez naquela noite, reprimiu sua vontade de agradecer.

Agradecer pelo que?

— Você acabou de tocar no meu ponto fraco – sorriu. – Parabéns, está a um passo de ter uma cliente fiel.

Anna soltou um risinho antes de tirar o cabelo de cima do ombro. Não havia uma resposta a se dar depois disso. Ela diria o site, obviamente, mas era um bom momento para fazer uma propaganda tão aleatória sobre seu trabalho? E...

— E você? Com o que trabalha? – felizmente, sua boca agia mais rápido que seu cérebro. Ou talvez fosse o álcool. Não sabia dizer com exatidão.

— Análise comportamental – Dani olhou para a borda do vestido, ajeitando-o; a falta de jeito jamais percorreu seus traços suaves. Seus olhos grudaram nos de Anna mais uma vez. – Acabei de dar uma palestra.

Levou tudo de si para que não escancarasse a boca na mais limpa e pura surpresa. Ao mesmo tempo, perguntava-se por que diabos estava surpresa. Uma peça importante do quebra-cabeça foi encaixada e a imagem já era vista com maior clareza. Muitas ainda faltavam, mas era fascinante ver tudo se encaixando. Daniela era densa e, mesmo assim, não se sentia esmagada por sua gravidade.

— Parece interessante – foram as palavras menos atrapalhadas que sua mente se deu o trabalho de produzir.

— E é – comentou, parecendo mais absorta do que provavelmente estava, de fato. – Me deixa saber que as pessoas estão mentindo ao dizer que meu trabalho parece interessante.

Anna engasgou com a própria respiração, piscando com mais força os olhos pesados. Repassou a frase em sua mente, fazendo-a caber em escassos segundos, para saber em qual momento deslizara de forma tão grotesca. Sempre, sempre tinha como sair dos trilhos.

— Eu... Eu não...

— Eu estava brincando – sua voz suave a atingiu com a leveza de uma bomba.

Era claro que estava. Se o pico de adrenalina não a tivesse sugado, seus olhos teriam enxergado o canto dos lábios de Dani levemente erguido; ou a suave linha na lateral dos olhos, num divertimento quase implícito.

— É claro – as palavras saíram junto com o ar, disputando espaço na boca, e os ombros relaxaram de imediato. Em qualquer outro caso, sua cabeça estaria explodindo de tanto esforço que vinha fazendo para se socializar.

Mas não era qualquer outro caso.

Pela primeira vez em anos, se sentiu colocada em um pedestal invisível, que quase podia sentir abaixo dos pés. Dentro do verde de seus olhos, não havia o típico orgulho de ganhar mais ou a felicidade mesquinha de ter um emprego melhor. E ainda havia um pequeno detalhe do qual não percebera que sentia falta até ter: Suas palavras importavam. Não houve bocejos, desviadas de olhares ou quaisquer outros sinais de tédio enquanto conversavam, e isso era assustadoramente ideal. A ideia de querer morar dentro daquela hora pesou em seus ombros. Por que um bar era melhor que sua própria casa?

Por que uma desconhecida era melhor que seu próprio marido?


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Notas finais do capítulo

Então é isso, gente, espero que tenham gostado! Se tiverem gostado, comentem, pois isso incentiva muito quem tá escrevendo! Obrigada por ter chegado até aqui!
Até mais!



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