Toda primeira terça-feira do mês ia visitar o tumulo de seu pai antes de ir à escola. Como estudava a noite sempre tinha que sair de casa mais cedo porque o cemitério ficava longe de sua escola. Hoje era o dia, quando atravessou os portões do cemitério um arrepio subiu por sua espinha, o ar parecia pesado, mas como não era um ambiente normal, seguiu o caminho normalmente até o tumulo de seu pai.

— Oi pai.

Klaus Gama

1971 – 2015

Colocou uma rosa branca em cima do tumulo, sempre trazia uma flor, deixava o caminho menos nostálgico e era o símbolo de seu respeito ao falecido.

— Já faz cinco anos, nos três primeiros anos foi muito difícil passar sem você, mamãe começou a beber e a voltar tarde para casa, mas superamos, hoje faz dois anos que ela esta sóbria, voltou a trabalhar como corretora e eu estou no meu ultimo ano do ensino médio. – Sua voz saia embargada em quanto reprimia as lagrimas que teimavam em escapar, fazendo seus olhos arderem. – O que deveria ser bom, mas não é, estamos em uma possível pandemia, a China se isolou, mas é possível que o vírus chegue aqui no Brasil, e pode ser que eu não venha lhe visitar por um tempo, espero que não se sinta sozinho.

O sol dava seus últimos suspiros antes que o véu da noite cobrisse os céus, deixando o laranja cintilar por mais alguns minutos.

— Esta na minha hora, meu ônibus passa daqui alguns minutos. – Limpou as lagrimas que inevitavelmente escorreram por sua pele alva e se levantou.

— Ela era minha! – Gritou um homem ao longe. Bianca olhou para a origem do som e ficou surpresa de ver dois homens brigando, um era moreno e usava uma mascara de chacal negra com detalhes dourados e o outro era extremamente branco, como se não tivesse sangue correndo em suas veias, seus cabelos eram cumpridos lhe dando um charme fúnebre em conjunto de suas vestes negras. – Essa é a terceira vez que você roupa uma alma de mim.

— Ela era devota do meu panteão, o que eu poderia fazer além de encaminha-la para o submundo? – Tentou se justificar.

— Não me venha com as mesmas desculpas Thanatos, aquele homem era ateu!

— Não era não! Você fala dessas três almas, mas não menciona as cinco da semana passada, Thanatos é sempre o ladrão e Anúbis sempre é o inocente, corta essa! – Zombou o grego.

— Semana passada não foi minha vez, foi de Hela. – Disse Anúbis confuso.

— Agora quem é que esta repetindo as mesmas desculpas? – Bianca olhava para aqueles homens com estranheza, eles eram cosplayers? Estavam gravando algum filme na região e não estava sabendo?

— An... Senhores aqui não é lugar para discussões, irão perturbar os mortos. – Avisou a menina em tom doce, mas eles não lhe deram ouvidos.

— Eu disse que ia acontecer se você pega-se as minhas almas de novo! – Gritou Thanatos furioso, levantou as mangas até os cotovelos e pulou em cima de Anubis. – Se Osíris não adestra seu cachorro eu tomo o serviço.

Os dois começaram a se atracar dando socos e chutes, até que Thanatos levou Anúbis ao chão, prendendo seu braço nas costas e fazendo o outro comer grama.

— Thanatos seu desgraçado! Depois que eu acabar com você Hades terá que catar seus pedaços! – Em um revés o deus grego foi empurrado para longe com uma lufada de poder.

Antes que Bianca pudesse entender o que estava acontecendo foi arremessada para trás pelo corpo do deus grego, sentiu sua cabeça bater em algo duro antes de perder a consciência. Quando seus olhos se abriram deu de cara com os dois homens agachados ao seu lado, eles pareciam desesperados.

— Olá mortal – Saudou o moreno, seus olhos estavam transbordando de culpa.

— Isso é tudo culpa sua! – Acusou Thanatos em quanto folheava um livro de capa preta. – Se Hades ficar sabendo disso serei enviado para o tártaro.

— Minha culpa? – Disse o outro injuriado – Você que começou a briga.

— Como não percebemos que tinha uma mortal aqui? – Se perguntou ao fechar o livro. – Ela não esta na minha lista.

— Nem na minha, já verifiquei. – Disse o egípcio – Osíris vai comer meu coração se descobrir que matamos uma mortal.

— Oi? – Interrompeu Bianca, se estava confusa antes, agora estava em outro patamar. – O que esta acontecendo aqui? Vocês são cosplayers, atores? Como raios vocês brigam no meio de um cemitério!

— Você esta confusa é compreensível – Disse Anúbis cabisbaixo, provavelmente imaginando a irá do senhor do Duat. – Eu sou Anúbis, o deus dos mortos, esse branco idiota ao meu lado é Thanatos, deus da morte.

— Vocês são deuses. – Falou a loira incrédula

— Quando eu empurrei Thanatos ele acabou caindo em cima de você, o que lhe resultou em um ferimento fatal em sua cabeça. – Apontou para um tumulo de granito onde estava seu corpo com a cabeça toda ensanguentada, o sangue que saía começava a criar uma poça.

— Eu to morta. – Disse entrando em desespero – Eu nem terminei o ensino médio! Não aprendi a dirigir, nem sequer dei o meu primeiro beijo!

— Serio? – Exclamou Thanatos surpreso.

— Eu tinha uma vida longa pela frente! Agora estou morta. O que vai ser dos meus leitores agora?

— Antes que se desespere por completo, poderia nos dizer qual é a sua religião? – Perguntou Anúbis para pobre alma a sua frente.

— Religião? Não sigo nenhuma, mas sou politeísta. – Respondeu a garota meio confusa com a mudança brusca de assunto.

— Perfeito! – Falou o egípcio como se tivesse acabado de ganhar na loteria. – Jogamos ela na Roda do Samsara e ninguém precisa ficar sabendo!

— Não faça planos em quanto eu ainda estou aqui! Não deveria ser eu a escolher a jurisdição da minha alma? – Perguntou estressada.

 Os deuses a encararam com um sorriso tremendamente suspeitos, se ainda estivesse viva teria engolido em seco e saído correndo. Espera! Ainda da para correr.

Em um pulo se levantou e correu para longe daqueles deuses encrenqueiros, mas antes que pudesse ter a oportunidade de correr para muito longe seu corpo espiritual foi coberto por ataduras e foi puxada para trás.

— Não tão rápido, cachorrinha. – Falou Anúbis com um sorriso cúmplice.

— Cachorrinha o cacete, não ouse me comparar a essa raça maldita! – O deus pareceu ficar magoado com sua ofensa.

— Não gosta de cachorros?

— Prefiro gatos, são menos barulhentos e mais elegantes. – Respondeu Bianca.

— Essa se daria bem com Bastet. – Falou Anúbis para o grego.

— Chega de conversa fiada, precisamos nos livrar das evidencias – Falou Thanatos esfregando as mãos em entusiasmo.

— Vão se livrar das evidencias? – Disse uma voz grossa de um homem velho vindo atrás dos deuses. O velho apertou as orelhas deles e os fez se levantarem.

— Ai ai...

— Vocês são uma vergonha, Hades e Osíris vão saber o que aconteceu aqui. – Disse o velho.

Graças à interferência do estranho homem de vestes orientais a jovem Bianca se livrou das ataduras e correu até onde seu corpo tinha ido parar.

Seus cabelos loiros estavam manchados de vermelho, seus olhos antes azuis agora se encontravam opacos. Sua pele estava pálida, havia um ferimento terrível em sua cabeça, sua perna direita estava em um ângulo suspeito.

— Como se não bastasse ter a cabeça rachada, minha perna também foi quebrada, deuses idiotas! – Abaixou a cabeça e começou a chorar, mesmo não saindo lagrimas de seus olhos.

— Olha o que fizeram com a jovem dama! – Disse o velho deus – Só por causa de algumas almas. Fiquem aqui em quanto limpo a bagunça de vocês.

O Velho se aproximou da garota e com uma voz muito mais amena lhe chamou.

— Olá, eu sou Yu Huang Shang-ti, o soberano do céu e do inferno. – Apresentou-se.

— Eu vou pro inferno? – Perguntou a moça desesperada – Quantos pecados da para realizar em dezoito anos?

— Não, você não irá para o inferno, mas também não poderá ir para o céu. – Informou o deus.

— O que vai ser de mim? – Perguntou em desespero.

— Você ainda tem um tempo para viver na terra antes de em fim sua alma ser julgada. – Respondeu o deus com uma expressão calma, tentando tranquilizar a pobre alma desafortunada.

— Serei uma alma penada.. – Bianca estava em choque, em nenhuma perspectiva que pensava era boa.

— Faremos o seguinte, lhe enviarei para uma realidade onde poderá realizar os desejos desta vida e quando viver todo o tempo que tinha antes dessas crianças idiotas atrapalharem, você poderá em fim encarar seu karma e descansar em paz. – Explicou Yu Huang Shang-ti com um ar tranquilizador.

— Não entendi direito.

— Divirta-se criança. – Antes de encarar a escuridão novamente viu o velho deus lhe lançar uma piscadela marota.