No More Secrets: Terceira Temporada escrita por CoelhoBoyShiper


Capítulo 7
B-26342




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/791490/chapter/7

Eram tantas coisas para se absorver que a cabeça dele chegava a doer.

Bill Cipher estava vivo. Ali. Bem na sua frente. E Dipper havia o revivido.

Após a façanha, Bauer tinha guiado Dipper e Bill até um claustro individual e saído com Thomas para discutir algo com ele em outra galeria. Pines deitou Cipher com delicadeza no colchão improvisado. Mesmo que curado e trago de volta dos mortos, a condição do demônio ainda era de extrema fraqueza.

— Ugh! — gemeu Cipher, retesando o maxilar.

— Desculpa — disse Dipper ao terminar de acomodar Bill. Depois, recorreu até o embrulho que o troll havia deixado para eles próximo da porta. Dipper desatou o nó e descobriu que eram roupas limpas e novas para Cipher. E com “limpas” e “novas”, ele queria dizer o melhor que os monstros dali conseguiam improvisar com os materiais que tinham. Era uma camiseta regata e um short curto de lona, arame e couraça.

Ao levantar o olhar das roupas até o menino loiro que estava estirado a apenas alguns passos dele, o coração de Dipper tamborilou atrás do seu pulmão. Lembrou-se de como Bill costumava ser antigamente. Do quanto o demônio era vaidoso e fazia de tudo para manter sua aparência impecável. Por um momento, quis ter aquele velho Bill de volta. O arrogante, metido a besta, que desfilava dentro da sua casaca dourada com sua gravata borboleta e bengala lustrosa. Tinha saudades de vê-lo vestido ao seu caráter, e não daquele jeito. Machucado, seminu e entocado numa vala claustrofóbica.

— Aqui. — Entregou Dipper, retirado do seu enleio.

— Obrigado — agradeceu com a voz lânguida e levemente rouca, mas não começou a se vestir. Manteve os olhos fechados e levou, com dificuldade, as costas da mão à testa.

— Precisa de ajuda?

— Não, não, eu só... preciso de um tempinho.

Suspirou. — Entendi. — Ele estava pronto para sair da sala quando...

— Dipper! Espera!

Os pés dele frearam a um passo da saída. Levantou a cabeça sobre o ombro para Bill. — O que foi? — perguntou com a voz mais controlada que conseguia. Ele sentia que, se falasse muito alto, até mesmo as ondas sonoras poderiam ferir Bill mais do que ele já estava ferido.

— Vem cá? — miou com tom melindroso.

— Claro. — Caminhou até o leito e ajoelhou-se na altura do outro.

— Vocês não deveriam ter vindo até aqui. Este é o último lugar onde alguém deveria pisar — firmou.

— Eu não poderia te deixar naquele estado, Bill. De jeito nenhum — Dipper apressou-se, não se arrependendo nem um pouquinho de nenhuma das palavras que proferia. — Quando você me chamou e eu te vi aqui tão... — Ele nunca conseguiria finalizar aquela frase.

Bill aumentou os olhos. O lilás de suas pupilas reluziu com a força do espanto. — Eu... não te chamei aqui? — Então seus olhos viraram dúvida. — Como sabia que eu estava aqui?

Dipper sorriu. — Tom me falou que era o único lugar em que você poderia ter parado, dado às circunstâncias. E você me chamou, sim. — Ele apontou o dedo para a sua testa, indicando sua marca de nascença.

Bill arquejou de surpresa e, finalmente, sorriu de volta, com a doçura de quem compartilhava uma piada interna com outro.

— Então eu não alucinei que tinha te visto. Heh! — Até mesmo o riso dado parecia cansativo demais para seu corpo dolorido, mas caloroso demais para o deleite de Pines. Como ele havia sentido falta daquela risada debochada...

— Cadê o Stanford?

A fisionomia dele caiu. E lá se ia o prazer de Dipper. Tão momentâneo quanto o clima. Um sopro. Um dia ensolarado que subitamente havia se fechado num temporal, um raio intenso cortando as nuvens cinzentas e carregadas o seu céu emocional. Abaixou a cabeça, olhando para as costelas saltadas do demônio.

O rosto de Bill se contraiu numa carranca desconfiada. — Dipper? O que houve? — inquiriu, conhecendo o garoto perfeitamente mesmo que ele não dissesse uma palavra.

— Time Baby... — prendeu a respiração para evitar perder o fôlego com a pontada familiar que levava no coração toda vez que aquele assunto ressurgia — ... levou ele e Mabel.

Houve um silêncio torturante de dois segundos até Bill gaguejar: — Eles estão...?

Não! — Dipper disparou impulsivo. — Não. Ninguém está.

— Como você pode saber disso? Viu Time Baby com os seus próprios olhos!

— Eu sei, Cipher! — Dipper levantou a franja para mostrá-lo a sua Ursa Maior mais uma vez. — Do mesmo jeito que eu sabia que você também estava.

Bill se calou, desacelerando, e cravou o escrutínio sobre o garoto, tentando ler suas intenções. — E qual é o plano?

— Por enquanto, não sei. Preciso saber onde eles estão primeiro. Alguma ideia?

Bill soprou entre os dentes com zombaria e revirou os olhos. — Conhecendo Time Baby, eles poderiam estar em qualquer lugar do Multiverso.

As mãos de Dipper voltaram a tremer e, como uma enxurrada de uma represa rompida, balbuciou: — É tudo minha culpa.

Cipher tomou o ar com cautela e, em seguida, tocou a mão do garoto com carinho.

— Pinheirinho... — O apelido que Dipper uma vez havia odiado rodeou os lábios finos de Bill e rodeou nas entranhas de Pines. Ele levantou a cabeça de volta para mirar o loiro. — Você fez o que podia. Você não tinha como saber. Eu não tinha como te contar. Não é culpa de ninguém.

— Eu perdi tanto tempo, Charlie. Tanto tempo te afastando quando você só queria nos ajudar... — Mordeu o lábio inferior para que este parasse de tremer. Dipper lembrou-se de quando, durante a primeira linha temporal, fora ignorado e afastado de Stanford por 10 anos após eles terem transado. Lembrou-se de como aquilo havia sido uma das piores sensações da sua vida, uma das suas piores fases. E imaginou como seria estar no lugar de Bill durante os milhares de anos em que passou o evitando, mal se dando conta de que fazia com Bill o mesmo que Ford fizera com ele uma vez. O quão arrasado Cipher deve ter ficado?

— Eu não o vejo assim. Estou grato por ter conseguido passar ele todo com você, mesmo com as circunstâncias, mesmo com a linha temporal tendo sido alterada. Estive feliz que dediquei uma grande parte da minha existência a te perturbar, mesmo que na maioria das vezes tivesse sido contra a minha vontade. — E deu aquele sorrisinho de travessura.

A visão da face dele é quase cômica para Pines. Dipper uma vez havia pensado que Bill era a criatura mais perigosa do Universo. E agora ali estava Bill, alguém que Dipper havia julgado ser tão implacável e majestoso, fazendo biquinho e provocando-o, sem poderes, tão pequeno e frágil quanto uma criança. Exatamente como a criança que uma vez ele se passou para poder ser o amigo “imaginário” de Dipper. A cena abre um parêntese enorme de sentimentos dentro de Dipper nos quais ele ainda tem medo de nomear.

Os dedos do demônio se fecham ao redor da palma do outro. A face de Pines se aquece, e então entra em quase combustão ao captar a intimidade do toque. Dipper usou sua outra mão para abri-la sobre o peito nu de Bill, traçando sua pele até achar uma veia pulsante próxima a sua clavícula. O pulso de Cipher estava aumentando tão rápido e forte quanto o dele.

Ao notar o que fazia, Dipper escorreu a mão para fora do corpo de Bill, mas o demônio a recuperou com rapidez e a recolocou sobre o coração. O ato surpreendeu e confundiu Dipper ao mesmo tempo.

— Eu achei que você estaria furioso. Achei que todos estariam — revelou Dipper. — Pelo o que eu fiz — esclareceu.

— Eu também — Bill revelou de um jeito mais chocante ainda. Era verdade. Depois de anos sendo pintado erroneamente por Time Baby como uma ameaça, um monstro inescrupuloso e sem coração, Bill mais do que ninguém deveria esperar temer a aceitação e confiança de alguém. E ali estava Dipper mesmo assim, sem um pingo de medo dele. — Mesmo quando se faz a coisa certa pode-se haver consequências, Carneirinho. Ficar remoendo toda decisão que você tomar não vai te impulsionar nunca, só te atrasar. Confie em si mesmo, perdoe-se e siga em frente.

Dipper encaixou sua mão no maxilar pontiagudo de Cipher, aproximando os seus rostos um do outro ainda mais. — Obrigado — murmurou. Fazia anos que ele precisava ouvir aquelas palavras de alguém. — Digo o mesmo sobre você.

— O que importa é que você veio consertar as coisas. Sempre soube que você viria. — No que ele responde, seu hálito quente e sedutor sopra e se enrosca ao redor da mão de Pines.

A porta se abre com um ruído desagradável. Os dois giram as faces para receber o visitante. Entre a fresta, a cabeça de Tom apareceu.

— Dipper, tem como você dar um pulinho aqui?

— Claro. — Se levantou e bateu as mãos em volta da sua roupa para dissipar a poeira. Antes de deixar o aposento, olhou para Bill mais uma vez por sobre o ombro e assegurou: — Já volto.

Cipher assentiu. — Eu sei que vai. Você sempre volta pra mim.

A frase havia sido dita da maneira que mais irritava Dipper: daquele jeito inidentificável entre ser seriedade ou brincadeira, do jeito que só Bill sabia como fazer. E havia causado nele uma reação mais incômoda ainda: um arrepio prazeroso no coração, também só do jeito que Bill sabia como fazer.

Dipper saiu, deixando com que esses pensamentos intrusivos ficassem juntos de Bill, fechados lá dentro daquele quarto. Tom o levou até a mesma sala onde Dipper tinha visto Milo fazer o seu Índigo. Bauer e mais outros quatro monstros estavam reunidos em volta da mesa, aguardando pela dupla. Eles levantaram os seus olhares os dois assim que entraram.

— O que estamos fazendo? — Dipper quebrou o gelo de prontidão.

— Precisamos de você — suspirou Bauer.

— Pra...?

— Fugir daqui. Estivemos planejando uma fuga desde que chegamos nesse lugar, mas sempre faltava alguma coisa. Você era a peça que faltava para fazer o plano dar certo! — anunciou a garota-libélula em disparada, meio animada.

Dipper respirou fundo e assentiu.

— Me digam o que tenho que fazer.

— Quando Seth vier me buscar — falou Tom; Dipper voltou o olhar pro amigo — você vai vir comigo. Escondido na camuflagem. Vamos subir juntos na plataforma sem que ele saiba. Assim você poderá conseguir invadir o sistema e desativar a doma da prisão por dentro.

— E como eu vou fazer isso?

Bauer desenrolou um pergaminho sobre a mesa. Nele, residia o esquema rudimentar do que parecia uma planta de construção.

— Alguns de nós já foram levados até lá em cima e conseguiram retornar com algumas informações. Logo próximo ao quartel, não muito longe da sala do comandante, há uma área restrita — Bauer ensinava, apontando para os respectivos locais no mapa enquanto fazia. — Acreditamos que lá é uma espécie de casa das máquinas. É onde guardam todo o registro dos prisioneiros e procurados do Mindscape. É também onde trabalham os engenheiros responsáveis pela manutenção da doma que bloqueia a magia.

As sobrancelhas de Dipper entortaram em confusão. — Como sabem de tudo isso?

— Temos um infiltrado. Alguém próximo da Guarda.

— Massa, então por que não pedem para ele desativar isso?

— Não é tão simples. As únicas pessoas que podem acessar a sala restrita são o comandante e os engenheiros que veem aqui poucas vezes. Aliás, uma vez um de nós tentou invadir a sala quando teve que subir lá para uma inspeção de corpo delito. A porta é trancada e protegida por um sistema de leitura e verificação de espécies registradas. Fora o comandante, um monstro ou um agente comum da Guarda não conseguiriam entrar.

— E eu não sou um monstro, e, tecnicamente, também não sou um prisioneiro já que passei pela segurança despercebido. E tenho dentro de mim a energia que a Guarda usa para manipular suas armas e ferramentas — disse Dipper, estupefato e de queixo caído, descruzando os braços. — Eu tenho uma chance de passar pela verificação.

— Exatamente — sorriu Bauer, extasiado. — Tu é nosso trunfo, garoto!

— Não! — A nova e irreconhecível voz invadiu o ambiente e cortou direto pelo entusiasmo de conspiração da tropa. Dipper girou nos calcanhares para ver quem havia sido. Na moldura precária da porta de entrada, Cipher residia trêmulo, pálido, trajado nas suas roupas novas e simples, sustentando-se com uma mão no batente enquanto dilacerava Pines com o seu olhar de tristeza e raiva. — Não, Dipper, eu não vou deixar você ir!

— Bill!

— Não quero ouvir mais nenhuma palavra — explodiu. Marchando pra dentro do quarto sem ser convidado, Bill segurou as duas mãos de Dipper com toda força que ainda lhe restava. — Isso é um suicídio, Dipper. Se eles te pegarem, você está morto, entendeu?

— Bill... — recomeçou, manso.

Enquanto pensava no que mais poderia dizer, um apito passou a ecoar na sala. O bracelete de Tom havia reacendido e trinava exatamente da mesma forma que Dipper vira acontecer no bar do Dragon Spit. Todos redirecionaram suas atenções para o dispositivo, inclusive Tom, que pareceu espantado de um segundo para outro. O demônio olhou para os participantes e disse com ares de assombro:

— Estão tentando me rastrear...

A porta da sala rangeu com rudez e Narigudo irrompeu com Milo às pressas.

— O que tá pegando, Narigudo? — Bauer perguntou com aflição, sua autoridade cedendo de leve.

— São eles. O Comandante e dois guardas — soprou Milo, ainda num pálido doentio do seu procedimento de mais cedo, entre sua respiração ofegante, servindo de intérprete dos chios de Narigudo. — Vieram buscar o novato. — Apontou para Tom.

— Dipper! Pegue o casaco de camaleão. Precisamos ir agora. Só vamos ter uma chance de fazer isso — apressou Lucitor, usando a sua “voz de mentor” para Dipper. Aquele não era um pedido.

— Dipper! — Bill voltou à censura, odiando o fato da atenção do garoto não estar nele. — Eu acabei de te ter de volta! — chamegou.

— Baueerr... — lamuriou Milo, olhando pra sala e de volta pro corredor em ansiedade, o que recuperou a atenção de Pines até ele. O garotinho salamandra parecia tão indefeso. Dipper evitou que sua mente lhe levasse até as opções mais obscuras do que aqueles guardas poderiam fazer com o garoto caso descobrissem que ele fazia parte de uma conspiração para derrubar o Exílio. Assim que notou Pines o observando, Milo escondeu a sua pata decepada, o que lançou uma dor lancinante e arrependida no peito de Dipper.

Pines focou o olhar no horizonte por um instante, tentando reorganizar seus pensamentos e não ter uma nova crise de pânico. Foi quando seus olhos reencontraram o pano da sala que era usado para esconder o monstro mutilado. Hippo – o monstro que havia dado tanto de si por uma nova oportunidade de vida, que acabara apenas uma casca do que costumava ser. Uma forma geométrica, bidimensional e amorfa naquela realidade.

Era daquele tanto que aqueles seres precisavam da sua ajuda.

— Eu preciso ir — respondeu Dipper a Cipher, sem mais pestanejar.

Bill estava prestes a abrir a boca para protestar de novo quando Thomas interferiu: — Billy, esse não é só o jeito que os prisioneiros têm de fugirem daqui, mas o nosso também.

E o loiro se calou, reflexivo.

Dipper encarou ele com piedade. Colocou uma palma sobre o maxilar de Bill e resgatou o seu rosto para que ficassem novamente cara a cara. — Temos que resgatar Ford e Mabel. O quanto mais cedo sairmos daqui melhor — frisou, dando seu ultimato.

O bracelete de Tom piscava a piava como uma bomba relógio.

Bill respirou fundo.

— Okay — cedeu. — Vão. Rápido.

Tom bateu no ombro de Dipper, dando a largada. Os dois dispararam com Bauer na direção da saída. Um grito de Cipher fez o garoto frear um pouco antes de deixar o ambiente:

— Dipper!

Ele voltou a olhar para Charlie pela última vez. — O que foi?

— Prometa que vai voltar para mim.

Dipper virou o rosto, escondendo um sorriso íntimo de prazer do restante dos monstros. Com o coração refestelando naquela gostosa sensação quentinha, ele respondeu Cipher com a única resposta certeira que poderia lhe dar:

Eu sempre volto pra você.

E saiu da sala, seguindo Tom e Bauer com toda força de vontade reestabelecida.

*

Uma plataforma, idêntica à qual Seth havia descido mais cedo, pousou na área superior do Exílio.

Dipper se contraiu ainda mais dentro da sua capa invisível, tentando usar um pedaço do pano para cobrir o nariz. Ainda assim não havia sido o bastante para deter o fedor horrendo de cadáveres que predava o lugar.

Tom estava logo ao seu lado, esperando pela sua “carona” chegar. Eles já estavam reunidos, prontos para subir até a área de controle. Atrás de uma pirâmide de entulhos, Bauer se escondia com outros dois monstros, acompanhando o decorrer da cena a certa distância; na prancha metálica, esperavam dois guardas fardados e armados em cada extremidade, aguardando pelo prisioneiro requisitado.

— Thomas Draconius Lucitor — avisou um numa voz robótica. — O Major requisita sua presença.

O demônio deu um passo adiante ao ser chamado. Dipper entrou na plataforma na mesma hora que o amigo. Um dos guardas estalou o dedo e o prato voltou a flutuar. Só que, ao invés de voltarem para o vértice da cúpula por onde entraram, uma curva foi feita e o trajeto enveredou para a muralha metálica na base da doma do presídio.

Penetraram numa fenda retangular na pedra, e a plataforma deslizou em linha reta até encaixar-se num deck de desembarque. Mais ainda, luzes neon esverdeadas brilhavam com intensidade, iluminando uma porta forte com a insígnia de ampulheta do governo chumbada na sua lataria. O cheiro metálico desapareceu assim que um dos guardas ativou um comando num painel na parede próximo ao portal. A porta se dividiu em duas, emitindo um ruído de despressurização e uma bruma de fumaça verde quente. Eles a atravessaram para um novo ambiente.

Parecia um saguão enorme e futurista. Um verdadeiro delírio luxuoso em contrapartida às condições de moradia dos prisioneiros lá embaixo. O soldado mostrou um distintivo holográfico a um vigia, que deu permissão para atravessaram para a próxima ala.

Colocaram em Thomas a mesma algema que Dipper havia visto colocarem nele mais cedo quando o escoltaram sob custódia até o Exílio. O zumbido da energia verde que brotava das amarras indicava a Dipper que as algemas não só doíam no pulso de Tom, como também neutralizavam qualquer capacidade dele de utilizar magia.

Agora se encontravam num corredor extenso. Marcharam segurando Lucitor em cada braço até um extremo do corredor, onde jazia a porta com o holograma em display num visor digital de nome: “101 - Comandante”

A passagem se abriu com a porta a deslizar e todos entraram no aposento. De uma escrivaninha futurista, Seth levantou a cabeça da papelada e seus olhos se iluminaram de perversão no que encontrou Tom entre os guardas.

— Thomas... — maliciou Seth, que, em seguida, fez um gesto para dispensar os dois soldados. — Como foi a sua visitinha no nosso... — pausou, buscando a palavra que fosse mais maldosamente perfeita — ... playground? — Abafou um riso rouco.

Agora era na sala apenas Tom, Seth e um Dipper invisível.

Tom permaneceu calado, de pé próximo a porta, encarando afinco Seth de cabeça erguida no seu trono particular. Seth semicerrou os olhos para o antigo servo, como se tentasse ler suas intenções.

— Ainda não falando nada, é? Ah... clássico, típico Tomzinho. — Suspirou, deslizando suavemente o dedo escamoso sobre o tampo de touchscreen da sua escrivaninha. — Obediente, serviçal... — Dipper sentiu o amigo tensionar a musculatura ao seu lado. — Vamos lá, Lucitor! Eu não quero guardar rancor do tempinho que passamos juntos. Me veja como um velho amigo. Você tem sorte de eu não ter te deixado naquele lugar para apodrecer. Deveria estar me agradecendo.

Por mais que quisesse ficar ali e defender Tom com unhas e dentes, Pines engoliu o nó pesado na sua garganta e tocou o amigo no ombro, sussurrando bem baixinho no seu ouvido: — Estou saindo. Mantenha ele ocupado aqui dentro.

Porém, quando estava para dar o primeiro passo pra fora da sala, os painéis verdes de iluminação mudaram para vermelhos piscantes e uma sirene começou a trinar pelo escritório. Seth franziu o cenho e apertou um dispositivo na parede às suas costas que se parecia com um interfone de tecnologia avançada.

— Qual o problema? — perguntou ele rígido a quem parecia um secretário.

— Temos um problema, Comandante — o chio no intercomunicador respondeu.

O nó que Dipper tinha engolido disparou direto de volta à sua garganta. A boca do seu estômago esfriou. “Sabem de mim? Fui descoberto?!”

— Rápido — ordenou Seth ao funcionário.

— Blendin Blendin está aqui de novo. Ele vem insistindo em falar com o senhor a todo custo desde hoje cedo. Foi ele que acionou o sistema de segurança. Está tentando chamar a atenção.

“Blendin?!” O queixo de Dipper caiu, perplexo. “Blendin está aqui??”

Seth deu um suspiro de quem já estava cansado de ter que lidar com uma certa situação mais de uma vez. — Deixem ele entrar logo — avisou, desligando o intercomunicador. As luzes de emergência se apagaram e voltaram a luminosidade normal.

Dipper cimentou os pés no lugar. Não sairia dali tão cedo. Blendin entrou em seguida, também acompanhado de mais dois escoltas. Ele não havia mudado uma vírgula de aparência desde a última vez em que Dipper havia o visto há mais de dez anos. Com o macacão cinza de lycra, a cabeça careca de lustrada (o efeito colateral de fazer tantas viagens no tempo), e o olhar enfezado no rosto redondo que parecia se recusar a sair dele.

— O que foi agora, Blendin? — perguntou Seth numa voz monótona, colocando as mãos à sua frente na mesa e entrelaçando os dedos.

Blendin apontou um indicador para o Comandante com ímpeto. — Você sabe muito bem o que está acontecendo! Se continuar ignorando o que Time Baby está fazendo conosco na Central do Tempo isso causará consequências terríveis para todos os agentes do tempo e para vocês também!

— Não é minha responsabilidade interferir nos desejos do Governador.

— Ainda assim, você toma a maior parte das decisões por ele. E hoje é o mais próximo que Time Baby consegue ter de um braço direito desde que Bill Cipher foi exilado por ele!

— O que o Governador faz não cabe a mim questionar. Todos nós sabemos disso, Blendin — repetiu com a voz engrossando.

Blendin riu com deboche. — É porque isto não te afeta ainda! Time Baby está desativando todas as fitas métricas do tempo! Ele ameaça fechar e dissolver de vez o Congresso de Viajantes do Tempo! Não consegue imaginar o quão destrutivo isso seria para manter a autonomia por aqui? — De queixo erguido e peito estufado, Blendin voou um passo à frente a Seth, mas foi detido pelos guardas que o imobilizaram pelos braços.

— Destrutivo à sua autonomia, você quis dizer — corrigiu Seth com uma vírgula de displicência. — Tirem-no daqui — o réptil gesticulou marrento para os guardas, que começaram a arrastar Blendin para fora sob seus protestos de desespero.

“Time Baby está fechando os portais do tempo?”, meditou Dipper a investigar. “Por quê? Será que ele está com medo de que as minhas mãos caiam de novo numa nova fita do tempo e eu estrague todo o plano dele reescrevendo a história por uma terceira vez?!”

— Mantenha-o aqui — reforçou o aviso num sussurro para Lucitor e acompanhou Blendin e os outros para o exterior da sala, furtivo. Assim que atingiu o corredor, a porta se fechou automaticamente e deixou Seth e Thomas a sós.

O Comandante continuou analisando sua planilha holográfica sem nem se dar o trabalho de levantar o olhar da mesa. Tom permaneceu parado. Ele tinha que enrolar.

— Então... você conseguiu virar comandante dentro do tempo em que estive fora — falou Tom, neutro. Seth abriu um sorriso largo, brioso e perverso mais ácido do que uma garrafa inteira de ácido sulfúrico.

— Olha só quem ainda tem uma língua. Parece que os monstrengos lá de baixo pegaram leve com você. — Continuou deslizando o dedo sobre a tela.

— Você é um monstro também, Seth. E não há nada que você possa fazer que vai mudar isso. Você pode virar até o próprio Governador se quiser, que isso nunca vai mudar.

O dedo de Seth parou de deslizar. Seu risinho se desfez. O réptil travou como se as palavras de Tom ativassem um novo comando nele, um perigoso, um mecanismo de defesa. Seth respirou fundo, mantendo a compostura, afastou a mesa, se pôs de pé e começou a caminhar lentamente na direção do servo.

Tom estremeceu discretamente.

— Devo te lembrar da sua posição diante seu mestre, Lucitor? — ameaçou Seth, com o peito quase batendo contra o rosto de Tom e fazendo uma sombra larga e escura que obscurecia o serviçal. Mas Tom não abaixou a cabeça dessa vez.

Tom abriu a boca para retrucar de novo...

*

Enquanto isso, Dipper andava pé ante pé pelo corredor da base militar. Vidraças o ladeavam, e ele temia que até mesmo as suas palpitações pudessem criar ecos que o denunciassem. Caminhou passando os olhos sobre os crachás impressos em cada porta do almoxarifado até finalmente achar um com o nome “Sala de Comando – ACESSO RESTRITO.”

Olhou para os lados e, em seguida, para o painel de leitura de digitais que faiscava diante dele, ao lado da porta pesada de aço. Respirou fundo. Era agora ou nunca. Se desse ruim, pensou, pelo menos ninguém iria vê-lo, convenceu-se a pensar por este lado positivo.

Retirou a mão de dentro da sua capa de invisibilidade e, arriscadamente, a colocou no scan de palmas que liberava o acesso à sala.

Uma energia subiu pelo seu braço na forma de um arrepio incomum. Era a energia de Índigo emitindo daquele dispositivo e se conectando com o organismo de Pines.

“Vamos lá... vamos lá...”, torcia ele silenciosamente enquanto o sistema processava o seu DNA.

A tela apitou e no visor apareceram as palavras “Acesso Liberado – Governador”. E Dipper tomou um susto. “O sistema confundiu o meu DNA com o de Time Baby?! Como...?”, pensou ele, afoito, com a testa já se enrugando.

Mas aquele não era o tempo para dúvidas. A questão era, a porta agora estava aberta e Dipper podia prosseguir. Saltou para dentro do aposento. O interior era pouco iluminado pelas centenas de pontinhos de LED das mais diversas cores a piscarem de milhares de supercomputadores ao seu redor. O espaço irradiava um cheiro de cobre e o zumbir de milhares de fiações ligadas e emboladas uma sobre as outras. À certa distância, uma claridade esverdeada brilhava. Dipper a seguiu até encontrar uma tela holográfica faiscando sobre um painel físico de botões.

— Okay, e como eu vou fazer pra mexer nisso agora? — suspirou, tão desapontado por não ter pensado direito naquela parte do plano que teve que falar em voz alta.

— Só pessoal autorizado sabe como operá-la — ruidou uma voz ameaçadora do seu lado esquerdo.

Sua espinha esfriou.

Lentamente, Dipper olhou na direção do seu algoz.

Da escuridão da sala, Blendin saiu com uma arma pontada para o garoto.

— Eu já sei onde você está — reforçou frio. — Agora tira a roupinha de invisibilidade ou eu atiro.

*

De queixo e peito pra cima, Tom respondeu sem tirar os olhos dos de Seth:

— Quer que eu repita?

O maxilar do comandante retesou.

— Tem que ter muita audácia pra ser atrevido do jeito que você está sendo na posição em que se encontra.

— Isso é o que você pensa. Eu não estou sozinho e não sou o último membro. A Rebelião nunca esteve mais viva. Stanford Pines retornou. É só uma questão de tempo para a mensagem se espalhar entre os monstros.

Seth jogou a cabeça para trás e explodiu numa gargalhada arrepiante. — O rebelde humano?! Eu não me preocuparia com ele desta vez, ele está sob a sola do sapato de Time Baby agora. Está confiante demais, Tomzinho.

— Não estamos todos? Você não está? Se escondendo por trás dessa fardinha, nessa posição que você está, achando que isso vai mudar alguma coisa sobre quem você é: Um traidor da própria raça.

— Essa é a única carta que você tem? — disse Seth, com a voz voltando a ficar sombria. Ele se aproximou devagar, mas com o porte ameaçador de um predador esgueirando furtivo até a presa encurralada. — A questão é, Lucitor: é essa “fardinha” que me diferencia de você. É essa posição que faz com que todos do Mindscape me respeitem, sendo rebelde ou da Guarda. É esse “traidor” que vai estar sempre acima de vermes como você e sua corja. E você, Thomas? — Suas pupilas queimaram num verde doentio no que ele semicerrou os olhos para o rebaixado. — O você tem além das mentiras que conta pra si mesmo?

Quase interrompendo o discurso, Lucitor cuspiu na cara de Seth.

— É só isso que ser monstro engloba pra você, Seth?! — vociferou Tom. — Regador de suas origens! Renega até mesmo usar da arma mais linda que a nossa raça já elaborou. Renegou a própria magia que estava dentro de você!

O corpo inteiro do réptil endureceu. Ele fechou os olhos e sacudiu a cabeça, como se processando o que Tom acabara de fazer. Seth levou uma mão ao rosto e limpou o cuspe da bochecha. — “Seth” não é a maneira mais adequada de se dirigir ao seu mestre. E “magia” é um truque patético da sua laia!!

Com a mesma mão, ele ergueu a palma no ar e a fechou num punho rígido... pronto para golpear Tom de volta. Quando estava à altura de esbofetear o subordinado, uma sirene alta disparou de novo e silenciou a reprimenda.

— O que foi dessa vez? — sibilou entre os dentes e caminhou até o comunicador, acionando o microfone. — Que é?!

— Se-senhor Comandante! Um invasor foi pego aqui dentro e capturou um de nossos soldados! Ele está fazendo Blendin Blendin de refém! — uma voz apreensiva e intimidada chiou do outro lado.

— Como é que é?!? — rugiu Seth, pela primeira vez esboçando uma reação genuína de surpresa e esgueirando um olhar desconfiado pra cima de Thomas.

O brado de soldados vociferou dos alto-falantes e dos corredores exteriores. Desorientado e furioso, Seth desligou o comunicador rudemente e marchou até a saída do seu escritório. — Você vem comigo! Não vai sair da minha vista dessa vez — disse para Lucitor, puxando-o pelo pescoço com uma mão, as garras afiadas assim de perfurar a jugular de Tom.

Desativou a porta e correu até a aglomeração de seguranças que se juntava a outro extremo do saguão, próximo à área de controle. — Que putaria tá sendo essa aqui?! — Seth berrou tão alto que Tom jurou ver os outros subordinados tremerem ligeiramente.

— C-Co-mandante! — O soldado mais próximo bateu uma continência malfeita.

— Não era pra essa merda aqui ser a porra de uma área de controle?! — brigou, empurrando o soldado da sua frente e atirando-o para o outro extremo da sala. — Como deixaram isso passar?!

— Não sabemos ainda...! — tentou explicar um, mas Seth pisou para dentro da saleta, atravessando a porta de aço recém-arrombada com o porte de uma manada a debandar.

Lá dentro, um círculo de agentes armados apontava suas pistolas para o chão. Mais à frente, perto do núcleo dos supercomputadores, estava um garoto humano com metade do corpo desaparecida por debaixo do que parecia ser uma capa de invisibilidade, apertando Blendin com uma chave de braço, usando-o de escudo humano enquanto segurava uma adaga afiada contra o pescoço do refém. No chão, havia muitas pocinhas frescas de sangue; o alumínio da placa do supercomputador estava amassado e entortado; e a testa de Blendin estava cortada – sinais incontestáveis que apontavam uma briga recente.

Tom cruzou olhares com Dipper assim que eles se identificaram em silêncio.

— Rápido! Senão eu o mato! — ameaçava Dipper no que um oficial tentava convencê-lo a negociar.

— Relatório. — Seth puxou um dos guardas fora da sua posição. — O que esse humano está fazendo aqui?

— C-chefe! Ele quer que você lhe dê a senha para acessar o sistema.

Seth comprimiu os lábios para evitar um riso. — Ele está tentando desativar a concha de energia do presídio. Espertinho...

— É o que todos nós também desconfiamos. O que vamos fazer?

— Dá logo a porra da senha pra esse garoto e terminamos com isso.

— O-o quê?!? Mas, chefe...!

Seth puxou o subordinado mais uma vez para mais perto e soprou entre os dentes: — Seu animal! Será que você não entende que esse garoto não poderia desativar a barreira anti-magia nem se eu quisesse?! Que só Time Baby e pessoas autorizadas por ele podem desfazê-la. Não é qualquer um que tem o poder para controlá-la. Mesmo com a gente dando a senha, ele só seria capaz de acessar o sistema, mas não o modificar. Nós damos a senha pra esse garoto, ele solta Blendin, e nós o prendemos. Ele não vai ser capaz de liberar o sistema. É um humano qualquer que algum rebelde provavelmente está se aproveitando!

— Mas, senhor!

— Trate um probleminha como se ele fosse um problemão que você dá o poder para que ele realmente se torne um! — interrompeu Seth, mandão.

O réptil deixou Tom aos cuidados de outro soldado e deu um passo adiante, colocando-se na linha de fogo do conflito. — O que você quer? — perguntou a Dipper, calmo e de peito estufado.

— A senha que me impede de acessar o sistema. — Dipper meneou a cabeça, usando-a para indicar a tela aberta do computador conectado ao seu grande processador.

Seth se curvou para o soldado ao lado novamente e sussurrou discreto no seu ouvido:

— Eu não ligo para Blendin Blendin. Eu ligo para o bom funcionamento do meu campo de concentração. Alerte aos outros soldados para estarem prontos para atirar assim que o garoto der as costas pra nós. — Em seguida, ele voltou a Dipper, ficando um passo a mais para perto dele. — Te daremos a senha, na condição que você solte o nosso associado.

— Acha que sou burro?! — cuspiu Dipper. — Essa não pode ser a sua única condição! Como sei que vocês não vão me matar logo em seguida?!

— Você ficará sob nossa custódia, de prisioneiro. Conseguiu invadir um órgão público, seu caso deve ser julgado dignamente numa Corte com a presença de Time Baby — finalizou Seth, com a tranquilidade e elegância de quem explicava as direções de um caminho para alguém perdido.

Dipper analisou a proposta. Após estudar, em silêncio, na sua mente, os pós e contras por um breve minuto, ele assentiu.

De mãos pra cima, mostrando que não tinha arma alguma, Seth se preparou para ditar pra o passe: — A senha é...

Dipper se apressou, arrastando Blendin junto dele até o painel de controle. Sempre sustentando a faca sobre a garganta do inimigo, Dipper virou o rosto para abrir a caixa de texto do computador.

— Dígito B-26342... — Enquanto ouvia, Dipper digitava tecla por tecla, número por número. Enquanto dizia, Seth havia discretamente estalado o dedo para a sua trupe; Blendin, que via tudo, reparou: O sargento mais próximo à linha de fogo se aproximou, com a arma apontada para a cabeça de Pines, pronta para apagá-lo enquanto ainda estava distraído com os números.

No mesmo segundo, o indicador de Dipper apertou a tecla ENTER e o sistema deu um apito de reconhecimento: ACESSO AUTORIZADO. Vários e prováveis ícones digitais apareceram sob o LCD – cinco, e o nome destes: PORTAS, ENTRADAS, SAÍDA, COMPOTAS e, ali, embaixo, quase que escondido no cantinho do dispositivo... DOMO. Dipper tocou o dedo na última alternativa, e uma nova janela se abriu com algumas opções. “Propriedades, Rendimento, Recalibração...”, parou de pensar por um tempo, “... e Desativação.”

Um comando se acendeu em luz verde no teclado. Diante Dipper, uma caixa de leitura de impressão digital (parecida com a da entrada de segurança) aguardava para scanneá-lo. Dipper pousou a palma, e o sistema começou a processar a sua autorização...

O dedo do sargento ia se curvando no gatilho...

Então...

Tirando a mão debaixo do lençol, Blendin revelou a todos a sua arma. Mirada bem em cima da cabeça do general que já estava para executar Dipper.

E, sem hesitar por nem um segundo, Blendin disparou o gatilho e o homem saiu voando – seu corpo caiu duro, imediatamente morto, com sangue verde-musgo esguichando de dentro do seu crânio estourado!

Seth empalideceu e seu queixo caiu para dar uma fisionomia de boca aberta, indiscutivelmente em choque.

Com a emoção de despreparo pela reviravolta, Seth abaixou a guarda, levantou seu dedo indicador para a dupla e gritou:

ATIREM!!!

 

~~~

 

QUATRO MINUTOS E VINTE E SETE SEGUNDOS ATRÁS

— Eu já alertei o sistema! Guardas estarão aqui em um minuto! — Blendin continuava trêmulo a brandir sua arma. — Anda! Revele-se!

Fugir? Revidar? Não. O espaço era muito pequeno. Lutar? Será que ele estaria pronto? Não. Ganhar tempo? Não! A última coisa que Dipper teria que fazer seria ter mais tempo nas mãos. Converse com Blendin. Rápido! Enrole-o!

— Ei! Ei! Calma aí! — começou.

— Silêncio! Joga a capa fora. Agora!

— B-Blendin!

Blendin suprimiu um grito de susto. O invasor o conhecia?

— Eu... te conheço? — A mão dele tremia e chacoalhava a arma.

— Blendin, sou eu. — Dipper desceu o capuz, rezando para que fosse reconhecido.

Por um segundo, Blendin manteve uma expressão confusa na sua face. No seguinte, ela já havia se dissolvido com um cair de queixo. — Dipper?! — exclamou, abaixando a arma. — Eu não acredito.

Tá bom que ele era um rostinho conhecido, mas o modo que Blendin agira havia sido tão, tão estranho que foi a vez de Dipper ficar confuso.

— Você veio. Funcionou! — Blendin deu um sorriso satisfeito.

— O que funcionou? — A pergunta fora sincera. Dipper abaixou os braços juntamente com sua guarda.

— Quem te enviou?

— Os carinhas lá debaixo. Estou com os monstros! — disse Dipper sem um pingo de medo.

— Perfeito! — Parecia impossível para o sorriso de Blendin se alargar mais do que já estava. — Eu também!

Você é o infiltrado?!

Blendin cobriu o bracelete que tinha no braço que parecia ser um intercomunicador portátil como o de Seth, e olhou para os lados, desconfiado. — Do que você precisa? — perguntou com um ar conspiratório.

— Preciso desativar o domo do Exílio.

— Eles não te falaram que isso é praticamente impossível?

— Sim. Sei que apenas Time Baby pode desativar. Mas eu sou um Índigo para este mundo, Blendin. Talvez as regras não se apliquem a alguém como eu!

Blendin sorriu amplamente, como se estivesse orgulhoso de si mesmo. — Sabia que meu plano funcionaria trazendo você pra cá!

Dipper arregalou os olhos. — Hã? Que história é essa?!

Os passos dos soldados lá fora se aproximavam. Blendin perdeu a animação e olhou preocupado na direção do som. Blendin balançou a cabeça, displicente. — Não temos tempo para explicar nada agora. O sistema daqui é protegido por uma senha, Dipper.

— Então me dá a senha. Rápido!

— Eu não sei qual é! — lamentou, entrando em pânico. — Só o Comandante tem!

— Inferno! — Dipper socou o punho na parede ao lado, cortando o lado da mão numa quina de ferro pontiagudo e fazendo sangue chuviscar ao redor dele e pintar o piso. —  Ai! R-Relaxa. Eu tenho uma ideia — Dipper continuou, esforçando-se para falar através da dor. — Se faz de refém meu.

— O-o q-quê?!

Havia então o som da porta sendo empurrada, alto e surdo. Ela estava para ser arrombada em dois segundos!

— Rápido! — Dipper apressou Blendin aos urros. — Finge que a gente brigou!

Levantando a mão alto, Dipper acertou a culatra da sua adaga com força na testa careca do aliado. O golpe fez a pele de Blendin se abrir e escorrer um rastro de sangue pelo o seu rosto tensionado de dor. — Aou! — gemeu ele, levando alguns dedos à têmpora. — Ótimo plano... Ai!

— Obrigado e... desculpa. — Ágil feito uma serpente, Dipper puxou e girou Blendin para a sua frente, enroscando-se nele e erguendo a lâmina da faca teatralmente ameaçadora para a traqueia do oponente. — Esconda a sua arma atrás do meu disfarce, me dê cobertura se necessário!

Mais uma investida bruta, e, rapidamente, a porta de segurança despencou. Um enxame de soldados afiados com armas irrompeu.

— PARADO! — ordenou o primeiro. — SE AFASTE DO MEMBRO.

— Quero a senha do sistema! — Dipper esbravejou, como se competisse com o segurança quem mandava mais alto. — TRAGAM-ME O COMANDANTE AGORA!

 

~~~

 

Beep! Beep!, soou o apito de reconhecimento do sistema.

O som era tão surpreendente para os subordinamos, que todos eles pararam de novo, interrompendo o Ataque Soviético iminente. De medo. De espanto! E todos, em sincronia, dirigiram seus olhares para a mensagem de aprovação na tela:

AÇÃO AUTORIZADA.

Seguido de mais um novo e impressionante som: o de uma gradual queda de energia, algo muito grande e potente começava a se desligar por todos os lados do Exílio, o som de um motor colossal morrendo que tinha o impacto de um canhão de morte. Algumas lâmpadas da sala e do corredor piscaram, dando piques falhos de energia.

A cúpula havia sido desativada com sucesso.

Ninguém dentro da sala de controle se mexeu.

Dipper tirou a mão do leitor, com um sorriso no rosto não só pelo prazer de ouvir o burburinho do grito de comemoração dos monstros ao longe, mas com a sensação arrepiante de sentir o Poder retornar a invadir e percorrer suas veias.

A magia estava de volta.

Com a voz de quem parecia ter uma pedra entalada na garganta, Seth disse esbaforido: — Como você conseguiu desligar essa porra sem a autorização do Time Baby?!?

— Ei, “mestre”! —  chamou uma vozinha metida atrás de Seth.

O Comandante virou para ver o atrevido: Thomas Lucitor, que jogava sua algema bloqueadora de poderes (agora inútil) no chão e apontava bem as mãos para o peito do Lagarto-chefe. As mãos do demônio que brilhavam forte de vermelho com uma esfera de plasma cheíssima de magia, pronta para atacar.

— “Magia é um truque patético”, né? — completou Tom, encerrando a frase ao disparar o míssil energético bem na cara de Seth.

O Comandante Septarsis foi arremessado ao outro extremo da sala, seu corpo perfurou a parede de concreto e foi jogado de oferenda à matilha de monstros enraivecidos no pátio metros abaixo de onde estavam!

O restante da tropa gemeu estupidamente. Alguns levantaram suas armas e atiraram contra Lucitor, mas seu Poder congelou a trajetória das balas ao seu redor, e foi capaz de redirecioná-las de volta a quem havia atirado.

Após essa triste tentativa de contra-ataque, os seguranças passaram a recuar, fugindo e subsequentemente bloqueando a única saída que tinham daquele lugar.

E todo o prédio caiu em caos.

Um dos soldados remanescentes, ainda enraivecido pela ludibrio, conseguiu disparar a arma despercebido. A bala acertou em cheio o peito de Blendin, que desabou de costas, grunhindo de dor. O ataque havia vindo tão rápido que, por um milésimo, Dipper ficou paralisado, assistindo ao ajudante agonizar tão facilmente na sua frente. Permitiu-se cair de joelhos perto do ferido, indo com as mãos já automatizadas ao coração de Blendin para pressionar o furo e estancar o sangue. Seu enleio modos operandi se perdeu quanto notou que outro fardado agora mirava na sua cabeça. Os reflexos de Dipper despertaram do seu encanto e, quase que involuntário, o seu Poder se manifestou, abrindo em plasma azul na sua frente e criando uma barreira de força que ricocheteava para longe as balas. Pelo furo que a queda de Seth tinha causado na parede, monstros alados invadiram o aposento, carregando mais monstros terrestres nas suas costas. Agora munidos de seus poderes mágicos, coragem e muito, muito ódio e rancor, as anomalias avançaram para cima das autoridades. Em trinta segundos, Dipper pôde ver diante dos seus olhos, ao vivo e em cores, quase todas as maneiras em que se poderia matar uma pessoa. Decapitações, dilacerações, estripamentos, empalamentos, carbonizações, tiros. E a maior parte era de componentes da Guarda. O ambiente fora completamente empesteado pelo odor metálico de sangue e a cacofonia de pânico.

Estava sendo um expurgo!

— ... I-ipper! — gorfou Blendin, engasgando-se com o sangue que subia até sua boca. O garoto voltou sua atenção a ele. — Eu sabia que você viria. Eu... te trouxe aqui...

— Blendin, do que você está falando?!

— Quando dei... a fita métrica do tempo... para Mabel na outra linha temporal...

Dipper nem teve tempo de se chocar por descobrir que mais alguém, além dele, Mabel, Ford e Bill sabia da existência de uma cronologia original do universo.

— ... eu queria que você usasse. Para mudar as coisas. Consertar... Aii! — rangeu os dentes quando a mão de Dipper pressionou mais o ferimento. — Eu planejei. Eu sabia que você acabaria aqui no Mindscape, nos ajudando... era a minha única alternativa. Você... era a única pessoa que sabia e poderia viajar no tempo... sem ser descoberto. Foi tudo um plano... meu plano... nosso plano.

— Por que está me contando isso?

— Porque... o plano agora está ameaçado. — Um soluço. O corpo de Blendin treme, entrando em colapso. — Time Baby acabou de desativar todas as trenas. Ele quer botar a viagem do tempo em extinção para... para te impedir de consertar as coisas.

— O que eu posso fazer?

— Nada! — chorou Blendin, desesperado, perdendo a linha de raciocínio. — Viajar no tempo está completamente extinguido do universo! Você não vai ter outra escolha...

— Outra escolha a o quê?!?

Matá-lo.

A mente de Dipper deu curto-circuito e o escarcéu entre monstros e mindscapianos pareceu silenciar-se totalmente.

— Você vai ter que matar Time Baby, ou então... ele vai matar todo mundo! Neste mundo... e no seu!

Já branco, Blendin começou a desfalecer. Desamparado da cabeça aos pés, Dipper se viu incapaz de dar continuidade a si próprio. Permitiu que a cabeça do aliado se deitasse no chão e que a vítima descansasse para sempre. Levantou-se, com a magia da barreira na qual havia se cercado já esmaecendo.

“Faça alguma coisa, Dipper!”, tentou alertar a si mesmo.

“Faça alguma coisa!”

A parede adjacente havia desabado, e a luta deu continuidade ao longo do corredor e de todo o saguão ao fundo. De lá, Dipper conseguiu ver um grupo de artilheiros capturando Tom ao jogar nas suas pernas uma boleadeira medieval. O tutor caiu de boca no chão e pareceu desacordar com o impacto, sendo puxado para as garras da Guarda.

“Anda! Faça!”

Assim, de dentro do lugar mais sombrio de Dipper, algo veio, emergiu. Algo mágico. Visceral. Primal. Intenso. Forte. Sentia-se como a pior câimbra já tida por alguém. Era preciso aliviar aquilo, ou ele explodiria! Então... chegou.

Todo o cenário encheu-se da energia azulada que seu poder emitia. E, num piscar de olhos, Dipper havia conseguido invocar a magia na sua mais pura e abundante forma. A energia apareceu por toda sua parte, vibrando em cada molécula de ar em fiozinhos de luz neon. Dipper tocou no tecido da realidade, e, ao seu comando mental, os fachos de matéria se redesenharam diante dos seus olhos, criando algo novo, algo que ele poderia usar... um objeto.

Quando se deu conta e voltou aos seus sentidos, Dipper pôde ver o que era...

A sua adaga... havia aumentado de tamanho, prolongado e espichado, tornando-se numa katana enorme que sibilava coberta por uma aura crepitante de cor índigo, era como se a lâmina estivesse em chamas encantadas. No seu outro braço surgia mais um objeto: um escudo, à semelhança da espada.

Aparentemente, ter uma arma mágica não era o bastante para ele.

Com um ânimo enlouquecedor estabelecido, Dipper usou a magia para flutuar a um metro do chão, e disparou como uma bola de canhão a caminho da guerra.

Porém, quando estava na metade do caminho, sentiu algo diferente. As cenas que o perfilavam começaram a diminuir de velocidade, indo de velozes à câmera lenta e de câmera lenta a nada. Ou então ele estava rápido demais.

Tudo havia congelado.

Mas isso não era o mais impressionante (ou assustador) de tudo... isso seria o fato de que aquele feito não vinha de Dipper.

Mais alguém estava ali com ele. Alguém, com o Poder até mais forte e evoluído do que o dele, tinha acabado de parar o tempo!

Dipper sentiu uma vibração diferente às suas costas. Por algum motivo, parecia ser a única pessoa naquele lugar agora que conseguia se mexer normalmente. Deu as costas para ver quem era e...

A poucos passos de distância, também presente e indiferente do que acontecia ao redor, jazia uma entidade infame. Com a cabeça maior do que o corpo pequeno e enrugado que flutuava a um metro no chão, sentado num assento/plataforma, a cicatriz no formato da ampulheta do Governo do Tempo brilhou em verde esmeralda à testa da criatura bebê.

Os olhos azul-cintilante semicerraram; um sorriso pontiagudo se abriu de lado na carinha infantil e debochada.

Era Time Baby.

Time Baby em sua forma original.

— Você acha que já não criou confusão suficiente no mundo pra uma pessoa só? — o Governante arrulhou passivo-agressivo, seguido de um suspiro desapontado. — Fui obrigado a parar esse seu... espetáculo.

Estalando aos dedos, um corpo desacordado surgiu flutuando de atrás dele. Time baby revelou que carregava consigo o seu próprio refém em suas garras: ... Bill Cipher.

O bebê sacudiu o corpo adormecido de loiro como um chocalho.

A mensagem era clara para Pines: dê um passo e Charlie já era.

— Vamos conversar... — continuou o Governador.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Continua...
Curta e comente! É de GRAÇA, e é a principal coisa que me motiva a continuar escrevendo esta história :)

LEMBREM DE CLICAR EM "ACOMPANHAR HISTÓRIA" para serem notificados no e-mail quando sair o próximo capítulo



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "No More Secrets: Terceira Temporada" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.