Faunt; Terror Nacional escrita por P B Souza


Capítulo 13
Ratos no porão




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Fernando de Noronha. Pernambuco, Brasil.

13:55, sábado, 16 de agosto de 2014.

Acompanhou toda a pompa por mais de uma hora desde que zarparam enquanto bossa nova tocava em som ambiente e conversa ia e vinha entre os convidados. Ernesto viu o comitê do leilão chegar, trazendo com eles os carrinhos metálicos onde estavam os objetos que seriam leiloados para arrecadar fundos.

Ernesto tinha uma taça de champanhe na mão e, depois de Anallia deixá-lo para conversar com outros convidados, ele ficou momentaneamente sozinho. Matthew tinha, novamente, sumido. O homem ia e vinha para todos os lados, cuidando dos detalhes e sempre tentando controlar a situação, mas Ernesto ali fora pareceu ver algo se desenrolar além dos planos de Matthew para a tarde.

A costa de Fernando de Noronha estava já perdida em sua visão, eles contornavam as ilhas de São José, Ilha Rasa e Ilha Sela Gineta, quase dois quilômetros do píer de onde partiram. Além deles havia outras embarcações ao redor, todas respeitando a distância entre eles, a maioria eram pequenos navios pesqueiros transformados em navios turísticos para mergulho com a vida nativa, mas o que chamou a atenção de Ernesto foi um barco a motor que surgiu pela curva rochosa da ilha Rasa vindo do Leste.

Acompanhou a embarcação com os olhos pela proa, junto dos demais convidados que pareciam prestar atenção apenas na exibição do jogo de copos de cristal da duquesa da Baviera.

— Vamos começar por esse jogo, o primeiro lance em duzentos mil euros. — Ernesto ouviu a conversa, mas depressa voltou a olhar o barco coberto.

Era uma embarcação de transporte terra-água, para levar passageiros de um píer para um navio sem que o navio precisasse atracar, ou caso o píer não fosse fundo o bastante para o navio atracar. Mas quem falta embarcar? Se perguntava enquanto o barco se aproximava do El Horriya, contornando-o rumo a sua popa, por boreste.

O iate reformado tinha várias mudanças de sua planta original, contando desde o heliporto na proa, que na ausência do helicóptero tornava-se um deque elevado para apreciação do mar, até o salão para baile no convés coberto ou a torre de observação na chaminé, agora o navio usava propulsão moderna, dispensando o carvão e as chaminés. Ernesto contornou por boreste rumo a popa aonde ficava mais uma das modificações estruturais do El Horriya, um atracadouro para embarque em alto-mar em um convés baixo da popa.

Parado no corredor boreste, Ernesto evitou se aproximar quando viu os guardas de Matthew abrirem espaço para o barco desembarcar. Pode ver descer dois homens primeiro, ambos vestido a caráter com camisas sociais e aprumados para a ocasião, mas então um terceiro homem surgiu, empurrado para fora do barco, vestindo uma camiseta branca simples e jeans batidos.

— Mas o quê? — Ernesto surpreendeu-se. O homem sendo empurrado não tinha rosto, sua face coberta por um saco preto. Um refém. Percebeu na hora, e os homens de Matthew estavam ali, permitiram.

E por fim desceu um último homem do barco de transporte, vestindo uma túnica azul-marinho desenhada em seus ombros com fios dourados, parecia um emir sírio, robusto e bem apessoado.

Então algo lhe encostou às costas. Ernesto se virou apressado.

— O que você faz aqui? — Um dos guardas do evento questionou.

— Eu sou o representante do senhor Spizer, eu sei o que está acontecendo. — Ernesto respondeu tentando assimilar o medo e mostrar condescendência ao guarda.

— Vamos ver, não é mesmo? — O guarda não pareceu hostil em momento algum, mas tampouco soou amigável.

Ernesto se viu em um instante sendo conduzido, praticamente escoltado, para dentro do iate no convés de popa, rumo aos aposentos abaixo da linha de flutuação.

No interior, realmente no amago do iate, o El Horriya ainda parecia aquela embarcação antiga de 1890, suas paredes ali eram envelhecidas cobertas com folhas de madeira para embelezamento, as bordas detalhadas no teto e no chão com filamentos dourados, os bocais de luz sem acabamento tinham lâmpadas amarelas e os aposentos, claramente destinados ao efetivo de marinheiros que não eram mais necessários para conduzir aquela embarcação que por si só podia navegar quase que sozinha, estavam abandonados em sua maioria. E fora em um desses quartos abandonados que Ernesto foi posto.

— Eu não estou entendendo, deve ter um desentendimento...

— Cala a boca. — O guarda respondeu, saindo do quarto e fechando a porta atrás de si.

Ernesto tentou algo, mas antes que falasse ou gesticulasse, o guarda o deixou ali.

E “ali” não era um lugar bom para se estar. O quarto não passava de um corredor, com uma pequena janela de pressão para o fundo do mar onde podia ver a luz do sol refratando na água, havia um beliche fixado em um nicho na parede e do lado do beliche o armário embutido economizava o espaço, fora isso do lado contrário ao da cama havia uma mesinha com uma baqueta parafusada ao chão, e apenas.

Ernesto foi até a janela e olhou para cima, para a água e a luz. Matthew não deve tê-los avisado de quanto eu sei. Então a porta tornou-se a abrir.

— Ainda bem, já perceberam o erro...

— Cala a boca. — O guarda avançou contra Ernesto dessa vez, com um tapa em seu rosto jogou Ernesto para trás, fazendo-o recuar com o rosto enrubescendo, se colocou na parede da janela e olhou assustado o agressor.

Então outro guarda surgiu com o homem encapuzado e o da túnica.

— Quem é você? — Ernesto inqueriu ao homem de túnica se impondo, agora cometido pela raiva de ter apanhado. — Matthew sabe que eu estou aqui?

— Ernesto? — A resposta veio do homem de camiseta branca e capuz cobrindo o rosto.

O homem de túnica olhou com estranheza para sua vítima encapuzada, então para Ernesto que empalideceu como um fantasma.

— Harward?

O homem de túnica puxou o saco preto do rosto de sua vítima encapuzada e Harward Faunt foi revelado para Ernesto como um alento e uma desgraça.

— Que bom que vocês se conhecem, talvez possa elucidar... — Fahel Al-basur começara a falar, mas sua voz foi engolida pelo som de hélices por suas cabeças, lá em cima, sobrevoando o iate, um helicóptero chegava. — Mais convidados?

— Nosso ativo na costa garante. São eles. — Ryad Al-Assad respondeu para Fahel.

Harward olhou para os dois homens que haviam lhe sequestrado, então para Ernesto.

— Você não está por trás disso. Não posso acreditar...

— Não estou. — Ernesto jurou por cima da voz de Harward. — Quem são eles?

— Jahan-ko. — Fahel respondeu para Ernesto e então olhou para Harward. — Seu irmão finalmente conseguiu chegar, consegue ouvir o helicóptero senhor Faunt?

— Por favor, não continue...

— Você quer Matthew, certo? — Ernesto atropelou as palavras de Harward e passou pelo amigo ficando na frente do homem em túnica. Fahel olhou para ele com um certo apelo curioso. — Eu sei como, ele confia em mim...

— Matthew não confia nem mesmo na própria sombra. — Fahel perdeu em um instante aquela breve admiração por Ernesto, vendo que ele não possuía nenhuma vantagem a ser usada, apenas serviria de dano colateral. — Ryad.

— Sim? — O outro guarda parou ao lado de Fahel, que tirou de seu bolso uma ampola a qual Ernesto reconheceu no mesmo instante. — Sabe o que fazer!

Fahel entregou a ampola de SVM para o seu braço-direito, e Ryad deixou-os.

— Depois de incriminar Matthew, então o quê? Nos matará para garantir que sua história fique intacta? Por que não termina logo com isso? — Harward perguntou quase que demandando respostas.

— Porque no fim eu espero que pelo menos você, Harward, entenda a necessidade das minhas ações acima da minha vingança pessoal. — Fahel rolou os olhos de Harward para Ernesto. — Quando as américas forem livres o que importará quem roubou quem? Seu irmão, seu amigo, o vírus... Pretextos para um objetivo maior, apenas isso.

— Você é a revolução de um país só. — Ernesto subitamente entendeu.

Ali estava Fahel, o algoz e irmão de Matthew, o reflexo distorcido dos ideais, a outra face da moeda. Matthew quer o mundo através de sua revolução contra o terror, e você quer as américas através do terror.

— Talvez seu amigo esteja mais apto ao novo mundo do que você, senhor Faunt. — Fahel esboçou um fraco sorriso para Ernesto. — Quando tudo acabar voltarei para lhes libertar. Até lá pensem de qual lado da história ficarão, o momento chega mais rápido que se imagina, cavalheiros.

E com isso Fahel os deixou, e o guarda fechou a porta atrás de seu líder.

Ernesto e Harward ficaram ali, trancados em um quarto de tripulação, condenados ao esquecimento momentâneo, forçados ao reencontro inesperado enquanto acima deles o futuro acontecia.

— Você está junto de Matthew? — Harward perguntou se sentando no beliche, o colchão afundou até o estrado, que gemeu com o peso.

— Assim como você com este outro. — Ernesto respondeu olhando ao redor. — Não passe julgamento...

— Eu fui sequestrado, Ernesto. Não escolhi estar aqui. Fahel é um terrorista e psicopata, ele vai matar dezenas de pessoas.

Ernesto não respondeu. Se lembrou em um flash da Techboot e do central park em ruínas. Sentiu o arrepio cruzar sua espinha e então olhou para Harward buscando as palavras, mas preferiu não se incriminar, envergonhado do que fizera, embora no fundo não sentisse vergonha nenhuma do ato, apenas de ser julgado pelo ato em si.

— A gente precisa sair daqui.

— Matthew. — Ernesto respondeu por fim. — Precisamos avisar ele, ele saberá o que fazer...

— Matthew é carta fora do baralho. — Harward garantiu. — Você não entende. Fahel planejou tudo isso, os agentes infiltrados, incriminar Matthew, matar ele se for preciso, ele tem um submarino aqui do lado.

— Vamos sair daqui primeiro. — Ernesto puxou Harward pelo braço fazendo ele se levantar.

— O que você...

Sem explicar, Ernesto jogou o colchão para fora do beliche e então agarrou o estrado puxando uma das madeiras até estourar seu prego e lascar a madeira, criando um pontiagudo espeto.

— Ernesto, você... Onde...

— Você sempre foi o bom menino. — Ernesto disse olhando para Harward, vendo que o amigo não o reconhecia mais, também pudera; o quanto Ernesto havia ocultado de sua vida? — Fica atrás de mim.

— O que você vai fazer? — Harward exigiu saber. Então Ernesto olhou para trás, para o homem que cresceu junto e viu que seus olhos eram estranheza pura, eram dois desconhecidos conectados pela vaga lembrança de que um dia foram, mas não mais.

— Esse terrorista... Não é o único psicopata a bordo.


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