Capítulo 46 - Trios

No dia seguinte, tudo ocorria como de praxe. Amanheceu, todos tomaram café da manhã e aguardávamos a orientação para as próximas atividades. Quem diria que veríamos aquela casa inicialmente com 14 pessoas tornar-se um ambiente com apenas seis indivíduos? E o clima era extremamente tenso, como se uma bomba fosse explodir a qualquer instante. Mesmo assim, Natália mantinha seu lado terno e amigável.

— Sr. Alípio? - ela se aproximou dele, talvez por pena. Afinal, todos os seus colegas de grupo haviam saído, ele era a única esperança da aliança que havia formado com Aline, Giovani e Valéria - Err...o senhor está bem?

Ele apenas suspirou, tomou mais um gole da xícara de café com leite que tinha em mãos e respondeu sem muito entusiasmo.

— Ficarei bem quando tudo isso terminar.

— Hã?

— Não me subestime só porque estou na pior situação dessa casa - ele parecia ríspido - Farei o possível para sair do fundo do poço. Você não perde por esperar!

— O quê? Não, por favor, eu só queria ajudar...o senhor parece sozinho - Natália reagiu meio temerosa, com os punhos fechados no peito.

— Não me venha com essa! - ele colocou a xícara na mesa - Se tem uma coisa que aprendi nessa vida e que essa casa reforçou é que no fim das contas só se pode confiar em si mesmo.

— Não precisa agir assim - ela respondeu - Isso tudo é só um jogo! Não precisamos nos tratar como se fossemos inimigos numa guerra.

— Será que você realmente pensa assim? E quanto aos seus colegas? No fim, você precisa trair para não ser traido, não é?

— Ainda é sobre o amigo oculto? Não precisaríamos ter feito aquilo se o senhor tivesse confiado totalmente na gente.

— Mas vocês nunca confiaram em nós, desde o começo. Essa casa é assim, menina. Não se pode confiar em nada além dos contratos.

— Mas...

— Você disse que isso tudo é um jogo, mas se é assim...por acaso algum de seus amigos está disposto a abrir mão da vitória?

Natália se espantou com a pergunta. Ela comentou que era tudo um jogo, mas não queria perder. Afinal de contas, ela sabia bem o motivo de eu estar lutando!

— Não, não posso...

— Viu só? Todos querem sair ganhando.

— Mas...nós precisamos...quer dizer, o Alan precisa...

— Alan? O rapaz do seu grupo?

— S-Sim...ele está nesse jogo pelo pai dele. Imagino que ele seja a pessoa que mais precisa do dinheiro do prêmio em toda essa casa e...

— Poupe sua lábia!

— Mas é...

— Não precisa falar mais nada. Você não espera que eu acredite numa conversinha dessas só para aliviar as coisas, espera? Cada um tem seus próprios problemas...e se é assim, minha família também precisa muito do dinheiro. Tenho uma aposentadoria miserável, um de meus filhos está desempregado e ainda mora com meus netos na minha casa. Estou cheio de dívidas e problemas. Foi um milagre ter sido chamado para esse jogo. Acha que vou desistir tão fácil só porque alguém do seu grupo também quer ajudar a família? Não fale sem conhecer os motivos dos outros!

— D-Desculpe - ela parecia triste. O clima da casa era péssimo.

— Como eu disse...vou lutar até o fim. Esteja preparada!

Natália voltou para nós com uma expressão chateada.

— Puxa...eu só queria ajudar - ela comentou conosco.

— Não fique triste - disse Max - A casa está no seu clímax, é natural que todos estejam tensos. Mas precisamos manter a calma e a união mais do que nunca. Seja qual for o próximo jogo.

— Max está certo - comentei - Precisamos ficar unidos o máximo que puder. Agora somos o único trio da casa e aqueles que possuem mais créditos.

— Tem razão. Falta pouco para tudo isso acabar...e...tenho fé de que vamos sair bem.

— É assim que se fala - Max disse com um sorriso confiante - Bem, estou indo para a sala...logo, logo, Pitre deve anunciar o próximo jogo...quase sempre é de manhã.

— C-Certo - Natália olhou para Max passando e mantinha um olhar firme. Aquele olhar...ela parecia respeitá-lo bastante.

— Alan - ela me chamou.

— Sim?

— Quem afinal é o Max?

— Bem...não sei muito sobre o passado dele - respondi - Ao que parece, ele brigou com a família e mora sozinho, enquanto estuda na faculdade...mas ele não costuma falar muito sobre a própria vida.

— Sobre a vida dele...e dos sentimentos dele...

— Como assim?

— O que será que ele sente? Fico pensando...que ele devia ser uma pessoa muito sozinha

— Sim - concordei - Max é sozinho...mas...acho que depois dessa casa ele não precisa mais se sentir assim.

Ela sorri. Era verdade. Agora, Max tinha a todos nós. Em um certo momento, ele me disse que eu o fiz perceber que as pessoas podem ser boas. Quem diria que eu pudesse acrescentar algo a Max Demian. De qualquer forma, eu era uma pessoa abençoada, primeiro por um grande amigo do trabalho ter tido a iniciativa de me inscrever nessa casa...e segundo, por ter conhecido Max e recuperar a esperança de que pudesse salvar meu pai...e terceiro, por ter conhecido Natália, uma garota realmente maravilhosa. No entanto, ela parecia ter seus próprios sentimentos. E eu demorei para perceber isso.

— Err...Natália?

— Oi, Alan. Pode falar?

— Você...gosta do Max, não gosta?

Ela fica vermelha e tenta desconversar.

— B-Bem...todos nós gostamos, não?

— Eu quis dizer...mais do que como amigo

— Hã? Bem...ele não é feio e...parece ser esforçado, mas não sei se posso dizer que gosto dele assim.

— Tem certeza?

Nisso, o sinal toca e Pitre faz a convocação. Péssima hora para início do próximo jogo. Tudo bem, teria outra oportunidade de conversar com ela sobre isso, embora já tivesse certeza da resposta. Heh. Estaria mentindo se dissesse que não estava chateado com isso. Natália foi uma das poucas garotas com quem pude conversar por tanto tempo e estabeleci um laço forte com ela. Sim, eu gostava dela, mas sabia que o coração dela era de outro. Esse outro, ninguém menos que aquele a quem devia o fato de ter chegado tão longe. Fico feliz que a tenha perdido para ele. Perder? Como perder algo que você sequer tinha, não é? Mas como o leitor bem sabe, eu nunca venci, pelo menos não sozinho. Tudo bem. Agora tinha coisas mais importantes para me preocupar. Qual seria o próximo jogo?

— Parece que agora todos estão presentes - comentou Eva quando Natália e eu chegamos na sala - Por que demoraram tanto? Estavam fazendo alguma coisa que não podem contar?

Nós dois ficamos vermelhos, mas não dissemos nada. Logo, a voz de Pitre interrompeu a provocação dela. Ele apareceu no alto da escada, junto com a música circense de sempre. Finalmente, já havia me acostumado com todo aquele clima extravagante. Vamos, diga logo qual é o próximo desafio.

— Bom dia a todos! - cumprimentou ele - Espero que tenham dormido bem...uhuhuhu.

— Até quando vai perguntar a mesma coisa? Não cansa de nos torturar? - reclamou Alípio.

— Acalmem-se...logo tudo isso irá terminar! Os dez milhões estão mais próximos do que vocês pensam!

— Se é assim...o que estamos esperando? - comentou Eva - Vamos logo para a próxima etapa!

— É dessa animação que eu estou falando! Hehe! - Pitre dá vários cambalhotas pela escada e para no térreo, diante de todos nós (repito: não tentem isso em casa) - Muito bem...sem mais delongas...o jogo de hoje será um pouco diferente!

— Diferente? - perguntou Alípio

— Normalmente, nos jogos que fizemos até agora, apenas uma pessoa é eliminada, correto?

Meu coração começa a bater mais forte. Como assim? Quer dizer que agora não seria apenas uma pessoa a ser eliminada?

— Não esperavam isso, não é? UHuhuhuhu! Eu sabia. Acontece que nesse jogo...teremos três eliminados!

Todos arregalam os olhos. Como assim? Três?

— Três pessoas? Peraí..como assim? - perguntou Alipio. Ele parecia o mais apreensivo com tudo.

— Na verdade, isso acontecerá porque faremos uma pequena divisão na casa. Vocês são seis agora, certo? Nesse jogo, vocês serão divididos em duas equipes de três pessoas.A equipe perdedora será eliminada. Simples assim.

Um jogo em equipes? Agora que comecei a ficar ainda mais preocupado. Podia sentir o suor escorrendo pelo meu rosto. Isso significa...que as alianças corriam o risco de se separar? Nada bom! Nada bom mesmo!

— Uhuhuhu. O que foi? O senhor parece ter ficado tenso, Sr. Alan. Qual a surpresa em dividir a casa em equipes? A menos que vocês já tivessem uma equipe separada...uhuhuhu - ele comentou ironicamente. Óbvio que ele sabia sobre as alianças da casa! Esse jogo acabaria com tudo...dependendo de como os trios fossem configurados. O melhor cenário seria cair no mesmo grupo de Max e Natália. Se isso acontecesse...teríamos vencido! Iríamos os três para as semi-finais e poderíamos acabar o jogo ali mesmo! Mas era melhor esperar as regras de Pitre antes de contar com o ovo dentro da galinha.

— Bem, esse jogo é o que chamamos de Duelos de Trios.

— Duelos...de Trios? - repetiu Eva

— Vocês serão divididos em duas equipes de três pessoas. Dois trios. Teremos três duelos, cada um jogado por uma pessoa diferente de cada grupo. A primeira equipe que acumular duas vitórias, vence!

Droga. Isso significa que teremos que lutar sozinhos. Mesmo que eu caia com Max e Natália, terei que garantir uma vitória minha. Mas eu nunca venci nada...isso seria impossível...a menos que Natália e Max vencessem seus duelos. E eu nem sabia se seriam eles meus colegas. E se eu tivesse que lutar com eles? Jogar com Max...era mais fácil admitir a derrota logo! Possibilidades, pensamentos e negativismos tomaram a minha mente. E agora? E agora?

— E como serão esses duelos? - perguntou Yumi.

— Uma coisa de cada vez...primeiro, vamos definir as equipes. Para ser mais justo, e vocês sabem que prezamos muito pela justiça, decidimos definir as equipes de forma aleatória. Confiram na tela logo acima!

Não sei se comentei, mas havia um enorme telão (maior do que de costume) na parte de cima do saguão. O computador começa a embaralhar nomes aleatoriamente até parar de vez. As equipes foram definidas. Foram colocados três nomes no fundo vermelho (equipe vermelha) e três no azul (equipe azul)

— Muito bem...essas são as equipes! Guardem bem quem são seus aliados e a ordem em que foram sorteados.

EQUIPE VERMELHA

Primeiro: Alan

Segundo: Eva

Terceiro: Max

EQUIPE AZUL

Primeiro: Yumi

Segundo: Natália

Terceiro: Alípio

"Caí na mesma equipe do Max., mas...ao mesmo tempo é a mesma equipe da Eva!", pensei, "Em outras palavras...se vencermos, as semi-finais serão nós dois contra a Eva. Mas...e a Natália?"

— Ora, ora - Eva interrompeu meus pensamentos - Quem diria que um dia lutaríamos juntos, não é, Max Demian?

— Heh...duvido muito que a escolha dessas equipes tenha sido aleatória - é tudo que ele fala.

— Bem - Pitre continuava a explicar as regras - Pedi que prestassem atenção na ordem, porque é obrigatoriamente nessa ordem que vocês enfrentarão seus adversários. Nesse caso, os três duelos serão:

Primeiro Duelo: Alan vs. Yumi

Segundo Duelo: Eva vs. Natália

Terceiro Duelo: Max vs. Alípio

Yumi, heim? Então é com ela que vou jogar...justo com ela? Aquela garota é meio estranha...mas também estava preocupado com Natália. Ela tinha que pegar justo a Eva?

— Hmm...então finalmente vou enfrentar Max Demian no mano-a-mano? - Alípio comentou baixinho para si mesmo - Deve ser a prova de fogo para mim.

— Muito bem - Pitre continuava - Para esse jogo, todos vocês receberão 100 créditos...eles serão somados aos créditos que já possuem.

— WOW! Cem créditos? - Natália se admira.

— Sim...nesse duelos vocês se enfrentarão pelos créditos...até agora, eles serviram de proteção, como pagamento de imunidade. Mas, para as semi-finais, os créditos terão uma importância ainda maior. Vocês usarão esses créditos nos duelos. Por isso, mesmo que a mesma equipe vença os dois primeiros duelos, faremos o último duelo de qualquer maneira, afinal, não seria justo alguém ir para as semi-finais sem arriscar seus créditos.

"Entendi", pensei, "Mesmo que sua equipe vença, também é importante que você consiga créditos no seu duelo individual...porque vai precisar deles depois! Droga. Então também preciso me esforçar pensando no futuro!"

— Mantenha a calma, Alan - disse Max - Apenas faça o seu melhor.

— T-Tá - respondi.

— O que eu faço? - Yumi perguntou para Eva - Venço? Perco? O quê?

— Bem...tanto faz - ela respondeu - A escolha das equipes foi bem equilibrada...se a minha equipe vencer, acho que sou capaz de derrotar Max nas semi-finais...se vocês vencerem, bem, acho que você também ganha fácil daqueles dois. É. Acho que já podemos sentir o cheiro dos milhões!

— Sendo assim... - Pitre chamou a atenção - Peço que a equipe vermelha se dirija a parte superior esquerda da casa e que a equipe azul se dirija a parte superior direita. Iremos terminar os preparativos para o primeiro duelo!

Subi junto com Max e Eva para o campo da equipe vermelha. Nunca pensei que pudesse jogar ao lado dela. Bem, pelo menos Max estava com a gente. Agora...fico imaginando como seria o meu duelo...

— Não sei quanto a vocês, mas...eu quero vencer - disse Eva, encostando no parapeito da parte superior - Esforcem-se, tá? - ela terminou com uma piscadinha. Max não disse nada. Eu estava ansioso demais para me preocupar com qualquer provocação. Logo, logo seria o meu duelo.

— Acalme-se, Alan - disse Max, percebendo a minha inquietação - Eu repito: apenas faça o melhor que puder.

— T-Tudo bem - respondi, ainda ansioso. Após alguns minutos de oração e ansiedade, Pitre anuncia nos megafones.

— Atenção! Estamos prontos para o primeiro duelo! Participantes Alan da Silva e Yumi Oda, queiram, por favor, dirigir-se ao centro do saguão

Desci as escadas com as pernas tremendo. Yumi desceu do meu lado, olhando apenas para a frente, sem tirar as mãos dos bolsos de suas calças. No centro do saguão, havia uma pequena mesa redonda, coberta por uma toalha metade vermelha, metade azul. O criado mascarado que estava na mesa pede que eu me sente do lado vermelho. Yumi se senta do lado azul. Nisso, Pitre surge no telão, logo acima.

— Muito bem, meus queridos! Sejam bem-vindos ao primeiro duelo do dia!

Ainda mantinha minha ansiedade, mas Yumi apenas encosta na cadeira e cruza os braços numa expressão de tédio. Pitre continuou.

— E o jogo do primeiro duelo se chama... - ele faz uma pausa - ...Batata Quente!

"Batata Quente?", pensei, "Como assim?"