Training days escrita por Nati Miles


Capítulo 19
"A" conversa




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Bakugou estava jogado na cama do amigo, com o rosto coberto pelos próprios braços, já fazia uns dez minutos. Ele havia se arrependido de ir ali no momento em que Kirishima abriu a porta, mas não tinha muito o que fazer. O loiro estava sentindo que poderia surtar a qualquer momento por causa dessa paixonite idiota que não ia embora e precisava desabafar — coisa que nunca achou que fosse precisar na vida.

Kirishima apenas olhava para o amigo sem entender. Ele que foi até ali e disse que precisava conversar, mas aí só ficou ali deitado com a cara coberta e sem falar nada. Estava começando a ficar incomodado e preocupado, já pensando nos piores cenários possíveis, pois só isso seria um bom motivo para Bakugou ir ali e falar que precisa conversar.

— Então, bro... — O ruivo pigarreou, tentando começar logo essa tal conversa. Estava curioso demais também. — Sobre o que seria?

Silêncio.

— É... alguma coisa ruim?

Silêncio.

— Você tá me deixando agoniado, Kats...

— Tô com um problema — ele finalmente se manifestou.

— Ok... Isso eu tinha percebido. É tão ruim assim?

— Demais. — Ele bufou e destampou o rosto. — Envolve... outra pessoa...

— Certo... — O ruivo semicerrou os olhos. — Brigou com quem dessa vez?

— Cacete! Não é isso, Kirishima! — Bakugou esfregou as mãos no cabelo e se sentou. — É outra coisa. Eu... não sei como explicar essa porcaria...

— Aí fica difícil de eu conseguir ajudar, né! — Fez uma careta. — Só fala logo e acaba com essa minha agonia de achar que você matou alguém!

— Sério, Kirishima? — Uma expressão irritada cruzou seu rosto. Bem, talvez o amigo não estivesse tão errado em imaginar o pior e achar que ele matou alguém. — Já falei que não briguei com ninguém!

— Eu não sei, bro, eu tô perdido aqui! — Kirishima ergueu os ombros. Sua expressão dizia claramente o quão confuso e curioso ele estava.

— Tá, foda-se. — O loiro bufou irritado. Essa dificuldade em conseguir falar sobre seus sentimentos já estava irritando até a si mesmo. — Seguinte, eu me sinto um pouco... estranho, por assim dizer, há umas duas semanas. Talvez até mais... Foda-se o tempo. O importante é: eu estou surtando por dentro, a ponto de explodir esse prédio inteiro.

— E depois se ofende quando eu pergunto se matou alguém!

Bakugou fez uma expressão de tédio para o amigo, que apenas passou os dedos pela boca, num sinal de que iria ficar quietinho. Achava que seria mais fácil conversar com Kirishima, mas as palavras pareciam não sair do jeito que ele queria. Respirou fundo. Já estava aqui, iria até o final.

— Enfim! Eu só consigo pensar sobre a... pessoa. — Ele não queria já sair falando assim quem era, pois sabia que Kirishima ia começar a tentar juntar os dois. — Olhar pra ela, sonhar com ela... Tá ficando um porre já.

— Pera, pera, pera! — O ruivo abanou as mãos, assustado. — Tá dizendo que tá apaixonado?

— Tipo isso... E aí tá me atrapalhando essa merda, porque eu não consigo concentrar e... eu tô totalmente fodido.

Bakugou terminou de falar e começou a encarar as próprias mãos, que entrelaçavam os dedos nervosamente. O silêncio do Kirishima estava sendo esmagador. Esperava que o ruivo fosse rir, gritar ou até mesmo começar uma série de perguntas idiotas, mas não, ele só ficou em silêncio. Ok, aí também já era demais, né? Não é como se fosse uma coisa assim tão absurda pra nem sequer valer algum comentário. O loiro levantou o olhar novamente, irritado com a falta de tato do seu amigo em falar alguma coisa.

— Vai falar nada, caralho? — Fez um bico irritado.

— Pera, eu tô só juntando as informações. É uma garota?

— Sim. — Revirou os olhos.

— Uma garota que, pra te fazer ficar assim, deve passar muito tempo com você... — Kirishima colocou a mão no queixo, pensativo.

Merda. Merda, merda, merda. Mil vezes merda. Bakugou sabia que o amigo poderia ter dificuldades com as matérias práticas da escola ou que ele era um pouco devagar às vezes, mas ele pegava essas coisas de sentimentos no ar com uma facilidade inexplicável. E pela cara dele, estava bem próximo de conseguir descobrir quem era, fácil assim. Argh, sabia que deveria ter ficado quieto no próprio quarto, sofrendo sozinho e em silêncio.

— É a Uraraka! — Um sorriso enorme de tubarão apareceu no rosto do ruivo.

— Grita mais alto, cacete, ela não te ouviu lá do outro lado! — rosnou, irritado por ter sido descoberto com tanta facilidade.

— Cara... Como?

— E eu vou saber, caralho? Só... Sei lá, Kirishima, agora tá fazendo umas perguntas que não sei responder!

— Mas ela não gosta do Midoriya? — O ruivo inclinou a cabeça pro lado, confuso.

— É mesmo, gênio? Nem havia notado. — Bakugou esfregou a mão no cabelo, revirando os olhos em irritação. — Eu só... queria... Ah, vai se foder, Kirishima! — Ele se levantou rápido. Iria voltar pro quarto e fingir que nada disso havia acontecido.

— Não, bro, peraí! — Eijirou levantou atrás. — Senta aí de volta e vamos terminar essa conversa!

— Puta que pariu, como eu me odeio nesse momento — Katsuki resmungou e se sentou, com um bico infantil.

— Vamos ver... Você quer tentar se aproximar dela e ver se, quem sabe, ela não pode se apaixonar por você?

— É... — Ele revirou os olhos.

— Você poderia começar tentando ser gentil.

— Mais? Eu já aceitei treinar ela!

Kirishima piscou diversas vezes, como se tentasse processar que o amigo realmente falou aquilo. Ok, talvez fosse um trabalho um pouco mais difícil do que imaginava.

Muito mais. Conversa com ela direito quando ela puxar assunto, coisas assim.

— Certo... — O loiro colocou a mão no queixo, pensando que talvez realmente fosse possível fazer isso. Claro, ele poderia tentar ser mais gentil.

— E ela gosta do Midoriya, mas ele é meio lerdo e nem deve ter notado ainda.

— Agora olha só quem fala em lerdeza. — Ele arqueou a sobrancelha. — Como vai você e a Guaxinim?

— Nosso foco aqui é você, bro. — O ruivo tentou disfarçar, recebendo um estalar de língua do amigo como resposta. — Pois então, eu tô amigo da Uraraka o suficiente pra saber que ela morre de vergonha da ideia de ir se declarar assim, que ela queria que ele a notasse e viesse.

— Isso até eu sei, caralho.

— Pois então, cara! Você a notou! Use isso a seu favor. E, se quiser, pode flertar aos poucos com ela, sabe.

— Há, talvez se você admitir que gosta da guaxinim e flertar com ela também. — Ele sorriu debochado.

— Ou podemos só ficar no plano de ser gentil, né...

— Foi o que pensei.

Agora Bakugou só precisava pisar um pouquinho no seu orgulho e mudar um pouquinho quando estivesse na presença da Uraraka.

 

xxx

 

Conforme os dias passavam, Uraraka ficava mais chateada por não estar conseguindo a atenção que gostaria de Deku. Sim, ela havia conseguido fazer com que ele a notasse e a valorizasse, mas tinha a impressão que agora ele estava mais intimidado do que apaixonado por ela. Todas as conversas deles acabavam com ele a elogiando, dizendo que ela estava ficando cada dia melhor e estava até mesmo o ultrapassando. E tudo que ela sabia fazer era sorrir e agradecer, esperando pelo dia que essa conversa terminasse com uma confissão e um beijo. Somado à isso, ela mal conseguiu falar com ele essa semana, porque não conseguiu nem ficar muito tempo longe do bakusquad. Cada vez que ela fazia menção de ir almoçar com os amigos, Kirishima pedia que ela ficasse com eles e ela acabava cedendo.

Até os treinos estavam meio estranhos. Ela estava conseguindo se igualar bastante ao amigo e o placar dos dois estava começando a ficar bem acirrado, mas nem era esse o problema. Bakugou estava diferente, parecia mais solícito às perguntas que ela fazia sobre as posições e parecia menos bravo quando ela ganhava dele. Parecia loucura, mas ela jurava ter visto um brilho orgulhoso no olhar dele, só que não durou nem dois segundos e já deu espaço pra careta que ele faz por não saber perder.

A garota apenas balançou a cabeça, já começando a duvidar de sua sanidade mental. Estava tão cansada que sua cabeça estava começando a criar umas coisas muito loucas. Guardou as coisas de volta na mochila e encaminhou-se para a saída junto com Bakugou. Não parecia que iria chover igual outro dia, estava uma noite bem fresca e tranquila.

— E aí, que tal apostar uma corrida?

— Pra perder de novo, Uraraka? 

— Só se for pra você perder de novo. Sem individualidades dessa vez!

Os dois começaram a correr o mais rápido que podiam, considerando que já estavam bem cansados. Uraraka sentia um pouco de dificuldade em respirar direito, mas era questão de honra ir com aquilo até o fim. Bakugou também não estava muito atrás, sentindo que suas pernas só queriam um pouco de descanso. No fim, chegaram juntos nos dormitórios e estavam tão cansados que se jogaram no banquinho do pátio para descansar antes de entrar.

— Podemos considerar empate, né? — ela perguntou respirando pesado, jogando sua cabeça pra trás no encosto.

— Dessa vez vai passar — ele respondeu, respirando bem fundo pra tentar disfarçar quão cansado estava.

— Ótimo. — Ela sorriu e virou seu olhar para cima. Estava uma noite linda, com o céu limpo e as estrelas brilhando mais do que nunca. — Eu gosto do céu e das estrelas.

— Não são de todo mal — ele respondeu, olhando pra onde ela olhava agora.

— Assim como eu. — Ela riu alto, mas dessa vez ele nem se importou em brigar, só rolou os olhos, causando uma certa estranheza na morena.

— Agora vai falar que eu sei uma coisa sobre você e eu preciso falar uma sobre mim? — Ele a olhou com a sobrancelha arqueada e uma expressão de tédio.

— Foi você quem disse dessa vez.

— Eu gosto das estrelas também. — Ele deu de ombros, causando um leve choque na garota.

Um silêncio se instalou entre os dois. Ele tava soltando informações fácil assim? Normalmente ela tinha que ficar o atazanando até ele ceder e falar alguma coisa. Bakugou apenas fechou os olhos e quis sumir dali quando percebeu a cara que a menina o olhava. Talvez fosse ainda mais fácil se ele só desistisse de tudo e ficasse com essa paixonite escondida pra sempre ou até encontrar outra pessoa — isso se ele desse sorte de encontrar outra pessoa tão foda quanto a garota ao seu lado. A quem ele queria enganar? Nunca nessa vida que seria possível encontrar alguém como a Uraraka, ela era única. Argh, pronto, lá ia ele começar com essas babaquices de novo.

— Bakugou, olha! — A garota cortou seus pensamentos com um grito e um cutucão. — Uma estrela cadente! Faz um pedido!

Ele olhou pra cima e imaginou o que poderia pedir. Seria óbvio demais pedir que conseguisse ficar com a garota? Não importava, talvez fosse aquilo o que mais queria naquele momento. Ser herói número um parecia até mais fácil do que conseguir se aproximar da Uraraka como algo a mais.

A morena, por outro lado, não sabia o que pedir. Sempre que tinha essas oportunidades bobinhas de “faça um pedido” ela pedia a mesma coisa: ser uma ótima heroína profissional ou ficar com o Deku, uma declaração do Deku, namorar o Deku... Mas agora, não sabia ao certo só... não fazia tanto sentido. Talvez já tenha pedido tanto que agora seja a hora de só esperar. Só sabia que não conseguiu pensar em nada que pudesse pedir.

— Você pediu alguma coisa? — ela perguntou pro loiro, curiosa.

— Talvez.

— Sério? — Os olhos dela brilharam e ela se virou de lado para o encarar melhor.

— Se eu contar, não acontece. — Ele virou o rosto pro lado, disfarçando que havia ficado desconcertado.

— Touché... Acho que vou entrando, já consegui descansar e acho que consigo andar até meu quarto.

— Que exagero. — Ele revirou os olhos.

— Eu fiquei muito cansada hoje, tá? O treino foi bem pesado, mas tudo se compensa, né. — Ela sorriu e se levantou, se espreguiçando. — Boa noite, Bakugou! Até amanhã!

— Boa noite, Uraraka — ele respondeu o mais gentil que lhe fora possível, que na verdade saiu numa voz bem neutra, mas era bem melhor que o usual tom irritado. Ponto pra ele, talvez.

A morena saiu de vista e em pouco tempo já estava em seu quarto. Bakugou continuou ali por mais alguns minutos, apenas contemplando a calmaria.

 

xxx

 

No dia seguinte, tudo corria bem. Uma aula prática aqui, Midoriya indo pra enfermaria dali, Kirishima atazando o Bakugou no outro canto, o loiro encarando a Uraraka discretamente... Tudo transcorria na mais perfeita normalidade, pros padrões da sala 2-A. Até Ashido ir lá na frente da sala e chamar todo mundo pra sair.

— Um festival no sábado? — Kaminari perguntou, já empolgado com a ideia.

— Sim! E a melhor parte é que ele é aqui pertinho, naquele parque. Vão ter barracas de comidas e de brincadeiras, além de alguns fogos de artifícios, pelo que fiquei sabendo.

— Não tá fora de época pra isso? — Iida se manifestou.

— Quem liga pra isso, Iida-kun?! O importante é a gente se divertir! — Ela ergueu os braços animada. — Ah, sim, se o professor permitir, claro. O festival começa de tardezinha, mas vai até de noite, que é quando tem os fogos, então vamos precisar pedir autorização pro Aizawa-sensei para podermos ficar até tarde.

— Ah, seria tão legal! — Uraraka se manifestou com os olhos brilhando.

Depois de muita comoção na sala, o professor chegou e Mina já logo soltou a bomba em cima dele. Claro que Aizawa não gostou da ideia, mas disse que ao menos veria com o diretor sobre o que ele achava sobre isso. Isso pareceu ao menos a deixar um pouco satisfeita.

Bakugou estava até então achando meio chata essa ideia toda, mas poderia até olhar com outros olhos para essa oportunidade que a vida estava lhe dando. Apesar de não ser o mais ideal ter todo mundo da sala ali junto, talvez ele até pudesse usar esse festival idiota pra se aproximar da garota. Quem sabe falar com ela... Ok, não, isso ainda não. Seu coração veio parar na boca só com o pensamento de falar alguma coisa pra ela. Um passo de cada vez, ele teria que ir com muita calma. Só porque ele estava agonizando a cada dia que a via babando em cima do nerd maldito, não significava que precisava sair atropelando tudo e jogando tudo isso pra fora e em cima dela. Pela primeira vez na vida, ele não seria impulsivo. Porque não queria, não porque sentia as pernas bambas só de imaginar.

Uraraka estava empolgadíssima desde o momento que a Mina havia soltado essa ideia. Festivais poderiam ser românticos e, quem sabe, o empurrãozinho necessário para declarações sob os fogos de artifício? Ela estava decidida. Se Deku não falasse nada até o começo dos fogos, ela juntaria toda a coragem que tinha e iria até ele. Afinal, de que adiantava todo esse esforço em melhorar se nem ao menos conseguia chegar no garoto que gostava? Ela sorriu consigo mesma e voltou a tentar focar na aula. Mal via hora de chegar sábado. Estava com bons pressentimentos com relação ao festival e esperava estar certa.


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