Training days escrita por Nati Miles


Capítulo 17
A ficha cai




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/791225/chapter/17

Sua cabeça doía, assim como o restante do seu corpo. Uraraka fez um esforço e abriu os olhos, dando de cara com um teto branco. Virou a cabeça levemente para o lado e percebeu que aquela não era a janela do seu quarto, mas sim da enfermaria. Virou-se para o outro lado e viu a Recovery Girl fazendo algumas anotações em uma prancheta.

— Que bom que acordou, querida — ela comentou tirando os olhos da prancheta e a encarando. — Como se sente?

— Exausta. Mas estou bem.

— Não é pra menos, não é mesmo? Você se forçou mais do que deveria e seu corpo não aguentou. Um beijinho foi o suficiente, já que não tinha nenhum ferimento grave em você.

— Quer dizer que estou liberada?

— Bom, não vejo motivos para mantê-la aqui. — A senhora sorriu simpática. — Lembre-se de se alimentar corretamente, beber bastante água e descansar. Amanhã será outro dia e você estará nova em folha.

— Certo... Obrigada!

A morena tentou sorrir o mais simpática possível, mas não sabe se conseguiu. Levantou-se com ajuda da idosa e saiu devagar da enfermaria. Sentia-se a pior heroína do mundo por ter abusado de sua individualidade, só conseguia pensar em como havia conseguido essa proeza de parar na enfermaria. De novo.

Uraraka foi todo o caminho até os dormitórios perdida nos próprios pensamentos, sem prestar o mínimo de atenção ao seu redor. Sim, havia se martirizado um pouco, mas agora pensava que precisava pegar isso de incentivo e melhorar ainda mais. Isso mesmo! Se esforçaria ainda mais para ser ainda melhor e nunca mais...

— Ei! — alguém chamou a garota, que estava tão distraída que levou um susto, dando um sobressalto e colocando a mão no peito. — Tá em choque? — Ele riu irônico, arqueando a sobrancelha.

— Bakugou-kun! Eu não tinha te visto. — Ela respirou fundo e foi sentar-se ao lado dele no banco do pátio.

— Tá melhor, Cara Redonda?

— Tá preocupado, Bakugou-kun? — Ela tentou fazer uma brincadeira, mas a reação dele não foi exatamente a esperada. Sim, ele fez cara de bravo, mas seu rosto todo começou a ficar vermelho e ele só virou pro outro lado.

— Não, Bochechuda maldita — ele rosnou. — É só que você meio que desmaiou nos... meus braços...

— Eu sei… Eu preciso parar de fazer isso! Desmaiar de cansaço, ir parar na enfermaria... Coisas assim. Já é a segunda vez que eu desmaio lutando contra você.

— Pelo menos tá ganhando em alguma coisa. — Ele riu sarcástico e ela mostrou a língua.

— Eu ganho em outras coisas também, tá? — Ela fez bico e inflou as bochechas.

Dessa distância curta, era quase impossível para Bakugou não perceber quão adorável ela ficava fazendo essa cara de brava. A sobrancelha franzida, as bochechas infladas, a boca fazendo aquele biquinho fofo e infantil. Ele quase queria fazer isso mais vezes, mas ele gostava mais quando ela sorria... Ah, quando ela sorria! Parecia que o rosto inteiro dela se iluminava. Os olhos chegavam até a fechar de vez em quando e era a coisa mais adorável do mundo. Para alguns, claro. Ele não tinha reparado tanto assim.

— Aham, sei. Ganha sim. — Ele pigarreou, tentando disfarçar.

— Veremos amanhã. — Ela sorriu presunçosa. Essa garota tava mesmo pegando as manias dele.

— Veremos você apanhar, bochechuda!

— Continue com esse pensamento positivo, Bakugou-kun, que pode te fazer bem e melhorar essa sua aura negativa. Bom, eu vou indo. Deve ser o beijinho da Recovery Girl, mas ainda estou exausta. Nos vemos amanhã. Boa noite, Bakugou-kun!

— Boa noite, Cara Redonda — ele respondeu e acenou com a cabeça.

A morena apenas sorriu e voltou a fazer seu caminho de volta para o seu quarto. Era impressão sua ou Bakugou estava mais sociável ultimamente?

 

xxx

 

Surtos de raiva era a coisa mais comum de Uraraka presenciar nos treinos diários com Bakugou, mas tinha que admitir que no fundo eles eram bem engraçados. O loiro não era nem de longe um bom perdedor e a prova disso era o grito que ele havia dado e a explosão sem motivo e literal que ele havia acabado de soltar.

A morena estava certa: ela ganhava mesmo em outras coisas. E havia ganhado dele no treino de hoje. De novo. Duas vezes consecutivas, para falar a verdade.

Bakugou não sabia dizer, mas talvez aquele não fosse seu dia de sorte. Já fazia um tempo que tinha pensamentos estranhos e depois veio aquele sonho esquisito. Aí a controladora da gravidade simplesmente desmaiou de exaustão nos seus braços e desde então ele se sente... avoado. Apesar de ter visto com os próprios olhos a garota voltar andando e saudável para os dormitórios, o loiro teve dificuldades em pregar os olhos pela noite, em parte porque seu sonho de outro dia queria voltar à sua mente — acabou mesmo voltando, eventualmente — e em outra parte porque acabou se preocupando por mandar a menina pra enfermaria. De novo. No fundo, bem no fundo, se culpava um pouco.

Acordou acabado no dia seguinte, mas a vida tinha que seguir. Foi uma manhã de sábado normal, com ele estudando de manhã, ela almoçando com eles — e rindo das piadas idiotas do Kirishima e do Kaminari — e ele jogando videogame para desestressar de tarde. E aí veio o treino deles. Parecia tudo ótimo, mas ele sentia que sua cabeça ainda não estava focando ali. Isso nunca havia lhe acontecido antes. Era estranho.

E lá se foi ele pro chão pela primeira vez.

Espera, como isso tinha acontecido? Lembrava de estar pensando que precisava focar na luta e então sua cabeça começou a ir para lugares que não faziam sentido. Pensava em como Uraraka estava melhorando, aí foi para o motivo dela estar melhorando... E depois se lembra de estar sentindo mais raiva do Deku do que se lembrava de costumar sentir. E BAM.

Mas isso não importava. Eles ainda tinham bastante treino, poderia esfregar a cara dela no chão muitas vezes ainda. E iria! Com certeza tiraria aquele sorriso vitorioso e adorável daquela cara redonda e fofa. Quê? Não, não era isso que pensava exatamente. Mas foda-se, só precisava botar isso para o fundo da mente e se concentrar. A Bochechuda estava olhando pra ele com tanta determinação que ele chegava a se arrepiar. Tinha que admitir que gostava de treinar com ela.

E então ela veio com tudo que tinha. Ele conhecia aqueles movimentos, afinal foi ele quem ensinou. Desvia do soco direita, abaixa do chute e toma cuidado com a mão querendo o fazer flutuar. Há, tudo muito fácil!

— É só isso que você tem, Uraraka? — Ele riu em uma amistosa provocação.

— Não sabia que era capaz de falar meu nome, Bakugou. — Ela riu de volta. Sua voz ecoava por todo o ginásio e ele só prestou atenção que ela não utilizou o “kun”.

Era a primeira vez que ela o chamava assim, sem usar o honorífico. Ela usava até quando falava com o nerd e o palestrinha. As únicas pessoas que não ouviam os honoríficos eram as outras garotas e o idiota do Kirishima. E agora ele. Talvez ela e Kirishima tenham desenvolvido uma melhor amizade do que os dois? Talvez, afinal o loiro sabia que não era dos mais fáceis de se conviver. Não que quisesse uma amizade também. Estava tudo passando muito rápido e embaralhado pela sua cabeça, não sabia nem mais o que pensar nesse momento.

E lá se foi ele pro chão de novo.

Piscou diversas vezes antes de conseguir absorver que havia realmente perdido duas vezes seguidas. Ah, mas nem fodendo! O sangue ferveu, a raiva subiu e as explosões saíram, junto com os palavrões, óbvio. Tinha que ser a merda de um pesadelo esse treino. Não podia estar acontecendo de verdade, não era possível!

Ouviu uma risada em meio ao seu barulho e virou-se para a morena, que tentou engolir o riso, mas claro que não conseguiu. Olhou feio para ela, que não pareceu nem um pouco intimidada. Ela nunca esteve intimidada por ele, na verdade. E ele sabia e gostava disso.

— Você é um péssimo perdedor, Bakugou. — Ela ria do show de birra que ele dava.

— Vai se foder.

— Mas sério... Você tá bem? Foi fácil demais ganhar de você hoje. — Ela se aproximou, conseguindo conter a risada. Ela agora demonstrava preocupação e o loiro quis matá-la ainda mais.

— Vai tomar no seu cu, Uraraka! — ele gritou.

Qualquer pessoa normal iria apenas voltar pra trás de fininho e deixar que ele tivesse seu surto sozinho. Mas ela não era qualquer pessoa e por isso ela continuou parada na frente dele, o observando com o cenho franzido.

— Você...

— Ótimo. — Ele se jogou sentado no chão, com uma cara emburrada.

— Sei... — Uraraka estreitou os olhos na direção dele. — Bom, mudando de assunto para o bem maior... Eu e o bakusquad estávamos pensando de assistir um filme. O que acha? Eu tava pra te falar isso desde que começamos o treino, mas acabei não achando oportunidade. E eu meio que fui encarregada de te chamar e convencer a ir, porque aparentemente eu sou a única pessoa que consegue falar com você sem apanhar, segundo o Kaminari-kun.

— Que seja. — Ele deu de ombros. Até que não seria ruim passar um tempo com os amigos.

— E eu não apanho porque não sou de todo mal, né. — Ela riu e saiu correndo, pois o loiro a olhou com aquela expressão de quem iria matar alguém.

— Vai se foder, Uraraka! — ele gritou e saiu correndo atrás dela.

— Não seja malvado, Bakugou! 

Ela não acreditava que ele realmente faria algo, mas era engraçado o provocar desse jeito. Uraraka tinha que admitir para si mesma que passava tempos divertidos com Bakugou. Ele era facilmente provocável, o que a fez descobrir um lado em si que nem conhecia: ela gostava de o fazer perder a linha de propósito, só para rir da cara dele. A garota até já sabia diferenciar os sorrisos dele: macabro, sarcástico, raivoso prestes a explodir o Deku, presunçoso e sincero. O último era extremamente raro e a morena havia o visto apenas uma vez, que se lembre.

Não demoraram para chegar nos dormitórios, porque foram correndo o caminho todo. A morena ainda ria quando chegaram na sala, encontrando o restante do bakusquad esparramado ali.

— Que bom que chegaram! — Kirishima se pronunciou com um sorriso. — Vão nos acompanhar, né?

— Sim! Só preciso de um banho.

— Somos dois. Ah, e aliás... — Bakugou deu um tapa na nuca da morena, fazendo com que ela o olhasse com um bico. — Não me faz essa cara fodida, que foi muito merecido.

— Não posso discutir. — Ela deu de ombros. — Bom, eu volto em um instante!

Uraraka saiu correndo para o seu quarto, enquanto Bakugou andava de boa. Apesar do loiro não ter feito o mínimo de questão de ser rápido para não fazer os amigos ficarem esperando, os dois acabaram voltando quase juntos.

Todos se acomodaram pelo sofá e Mina deu play no filme. Tinha muita ação, lutas e sangue, mas até que Uraraka estava gostando. Kaminari tinha a capacidade de fazer piadas até nesses momentos, dizendo que o cachorro devia ser muito especial, porque o protagonista tava matando todo mundo já fazia três filmes.

— Pelo amor de Deus, Denki, só fecha a matraca. — A garota cor de rosa revirava os olhos.

— Eu até que concordo com o Kaminari-kun...

— Viu? É por isso que eu gosto de você com a gente, Uraraka-chan! Esses ogros são muito maus comigo. — O garoto exagerava no drama, fazendo a morena rir.

— Eu te protejo, Kaminari-kun! — Uraraka forçou uma pose heróica ridícula.

— Só calem a boca e assistam, caralho! — Bakugou reclamou bravo. Estavam estragando todo o filme com o falatório.

O grupo não se atreveu a dizer nem mais um “a”. O filme já estava na metade e ninguém ainda havia tido coragem de falar, o que estava fazendo o loiro ficar contente. Até ele ouvir alguém ressonando ao seu lado, o que o deixou bem indignado. Quem conseguiria dormir durante tanto barulho de tiros? Virou a cabeça pro lado e viu que todos estavam dormindo. Ótimos amigos. Mas quem estava ressonando daquele jeito era a morena, que estava bem ao seu lado.

Bakugou não pôde deixar de a observar por alguns instantes. Quem via aquela carinha angelical dormindo não imaginava o estrago que ela poderia fazer durante uma luta. Lembrava de Kaminari uma vez ter dito que ela era frágil, mas o garoto explosivo ainda não havia encontrado uma brecha sequer que a qualificasse como tal. E no fim, todos acabaram por perceber o que ele havia percebido muito tempo atrás: ela era o total oposto de frágil e muito mais do viam.

Continuou a observá-la por mais um tempo, até ela resmungar alguma coisa e se virar pro lado dele, ficando com o rosto colado em seu ombro e agarrando seu braço.

— Oe, cara redonda, tá me achando com cara de travesseiro? — ele resmungou bravo e com as bochechas coradas, que ainda bem que ninguém viu, porque estavam dormindo e as luzes estavam apagadas. — Acorda logo, inferno! — Ele cutucou as bochechas dela.

— Quê? — Ela abriu os olhos devagar, logo se dando conta do que estava fazendo e arregalando os olhos. — Ah, desculpa, Bakugou! Desculpa mesmo, eu tava muito cansada dessa semana. — Ela se arrumou no sofá rapidamente, se afastando do loiro. Uraraka olhou para o lado e percebeu que não era única que tinha dormido. — Gente, todo mundo capotou?

— Pra você ver... Vocês são os piores amigos do mundo, me chamando pra ver filme e dormindo! — Bakugou resolveu acordar o restante dos amigos na base do grito.

— Não fui eu! — Kaminari pulou no lugar, arregalando os olhos. — Quê?

— Eita, Bakugou, foi mal. — Sero tentou se desculpar, mas um bocejo o atrapalhou.

— Na próxima vez, tentem se manter acordados, idiotas. — Ele revirou os olhos, irritado.

— Talvez seja hora de todos irmos dormir — Mina comentou, observando o relógio na parede. — Está tarde, daqui a pouco dá o toque de recolher e não queremos nos encrencar.

O grupo se levantou devagar enquanto ainda ouvia Bakugou reclamar. Nenhum deles entendia ao certo qual era o exato problema em terem dormido, afinal ficaram bem quietinhos. E enquanto ainda se espreguiçavam e bocejavam, acabaram por tomar o rumo de seus respectivos quartos.

Bakugou deitou na cama e ficou encarando o teto por um bom tempo depois de ter chegado ao seu quarto. Esse era um dos seus filmes favoritos e, de alguma forma, Kaminari havia conseguido estragar. E Uraraka? A maldita precisava dormir e agarrar o braço dele? Não, isso era totalmente desnecessário e com certeza lhe renderia mais um daqueles sonhos estranhos.

Sem falar que era irritante o quanto ela havia conquistado os seus amigos e se dava bem com eles. Ela já não tinha amigos suficientes? Quer dizer, é claro que ela poderia ter mais amigos e se dar bem com outros garotos, afinal ela estava sempre com ele, o Deku, o Palestrinha e o Meio-a-Meio e isso nunca o incomodou em nada. Talvez só o Deku... Mas ela precisava ficar toda de sorrisinhos pra lá e simpatia pra cá? Quer dizer, era óbvio que ela também poderia fazer aquela cara de simpática com aquelas bochechas redondas adoráveis e dar esses sorrisos encantadores e lindos... para... as outras... pessoas...

Merda. Mil vezes merda. Cara Redonda maldita.

O loiro esfregou a mão pelo rosto nervoso, enfim se tocando do que vinha acontecendo. No fundo, ele sempre soube que era isso, mas era orgulhoso demais para admitir. Bufou alto, bravo consigo mesmo. Claro que ele tinha que começar a gostar daquela bochechuda. Mas isso não era importante, era só ficar na dele e nunca falar sobre isso pra ninguém, fingindo que estava tudo certo e na mais pura normalidade, e em pouco tempo isso acabaria por sumir.

Claro, era só um sentimento bobo e que desapareceria logo.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Vamos começar o arco final: o Bakugou xonado! Iti



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Training days" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.