O Pote Amaldiçoado escrita por Alan Brito


Capítulo 1
01 - Uma mãe raivosa queima minha biblioteca


Notas iniciais do capítulo

Segue o primeiro capítulo da fic!
Tentarei manter as postagens reguladas, pelo menos uma vez por semana.
Críticas e sugestões são muito bem vindas



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Se você está lendo isso, significa que você é igual a mim.

Se eu puder te dar um conselho, se misture o máximo que puder entre as pessoas; seja um humano normal, viva sua vida, trabalhe, case, tenha filhos e esteja sempre cercado de pessoas comuns. Não!— e eu repito – Não procure aventuras e perigos! (e quando digo aventuras e perigos, não estou falando das montanhas russas da Disney ou pular de bungjump)

Você, assim como eu, já deve ter passado por situações estranhas.

Quando eu bem pequeno, por volta dos cinco anos, eu estava a praia com minha família e eu juro que uma mulher me levou para uma parte deserta para nadar com ela. A questão é que (1) na hora eu achei uma ideia totalmente inteligente acompanhar ela, mesmo tendo sido ensinado desde sempre a não confiar em estranhos, e (2) ela irradiava azul, mar e sal. Não sei como explicar, até pelo pouco que me lembro, mas era como se a água do mar tivesse se transformado em uma mulher, e essa mulher quisesse brincar comigo.

Ninguém me viu saindo, ninguém viu mulher nenhuma e, quando fui encontrado pelos policiais, eu estava em uma dessas piscinas naturais (água do mar represada em meio a várias pedras) brincando com algas, espuma e conchas. Meus pais preocupadíssimos, mas não comigo exatamente, o maior medo era que eu fosse sequestrado e isso gerasse dor de cabeça, aparições na televisão e caos na vida deles.

Sobre meus pais, eles não são exemplos de paternidade, amor e afeição. Meu pai é dono de uma empesa de tecnologia avançada – sim, seu maior rival é o Ellon Musk – e minha mãe é uma grande atriz Hollywoodiana, o que significa que nenhum dos dois tem tempo para mim ou para família. Minha mãe costumava ser uma atriz falida e, de repente, ela foi fotografada trabalhando em uma loja de roupas e ficou famosa por ser incrivelmente bonita e sensual; na mesma época ela conheceu meu pai e os dois se casaram. Em algum momento entre a pobreza e a ascensão da minha mãe eu nasci. Muitos boatos rolam por aí que, na verdade, eu sou fruto de uma noite de amor antes do casamento dos meus pais ou uma pulada de cerca. Eu realmente não achava a segunda opção possível porque minhas mãe é realmente louca pelo meu pai, porém é consensual que eu e meu pai não temos nada em comum: ele é baixo, bombado, branco e loiro; já eu sou alto – não é fácil ter 16 anos e medir um metro e oitenta e cinco -, com cabelo preto ondulado e pele bronzeada.

Eu nunca fui a uma escola. Sendo filho de pais ricos e famosos, ambos preferiam que eu tivesse aulas em casa. Mas a realidade é que meus problemas de aprendizado pioravam quanto mais o tempo passava, não era fácil ser hiperativo e ter transtorno de déficit de atenção, o que significava que eu não prestava atenção em quase nada – vamos combinar que insetos são mais interessantes que professoras de 75 anos falando sobre Roma antiga -  e era um adolescente incontrolável. A maior parte das matérias eram uma negação, porém eu gostava de cantar, aprender a tocar instrumentos, cavalgar e nadar (essa última era uma boa desculpa para passar maior parte do tempo do meu dia na praia).

Eu tinha uma vida tediosa e monótona, até então.

Era começo de verão, o professor Silvano tentava me ensinar a tocar harpa – sinceramente, de onde minha mãe tirou que seria uma boa ideia me ensinar a tocar harpa? – e eu, apesar de ter pegado o jeito fácil, estava mais preocupado com a hora.

— Atenção jovem Heitor, você precisa focar no som das cordas para distinguir cada nota. Cada som trás uma sensação diferente na pessoa que está ouvindo. – O professor falava, mancando de um lado para o outro, enquanto mordia um pão australiano com manteiga – Na Grécia antiga...

Era minha deixa, quando ele começava a falar sobre a Grécia, não parava mais; ele divagava e se divertia com um monte de mitos antigos. Sai de fininho, largando as peças de roupa pelo chão da biblioteca dos meus pais e ficando apenas de bermuda e regata (que eu, estrategicamente coloquei por baixo da roupa para ganhar tempo).

A mansão era toda vigiada por guardas o tempo inteiro, mas eu conhecia uma ou duas passagens secretas que me levavam até o jardim do fundo e, então até a praia. Eu me espremo entre arbustos e saio por entre as cercas de metal do jardim, onde falta uma haste, e após andar uns sete minutos, meus pés encontram areia quente e úmida. Era o momento da liberdade.

Coloquei meus óculos wayfarer e um chapéu bucket igualmente preto, na tentativa de me esconder. Entenda, eu não precisava me esforçar muito para me esconder; basicamente, a maioria – se não todos – os adolescentes da Califórnia (especificamente em Santa Mônica) se vestiam igual, além de usar o mesmo corte de cabelo e ter o mesmo bronzeado (obrigado ao Sol maravilhoso).

Em pouco tempo eu já estava sentado na areia aproveitando o começo do pôr do sol e o calor que me restava. A praia estava menos cheia que de costume. Quer dizer, ela estava até que vazia. Além de mim, um grupo de adolescentes jogava vôlei a uns dez metros de mim e uma mulher brincava com uma menina, provavelmente sua filha, de seis anos na água, na minha direção.

Aproveitei para tirar os óculos e o chapéu, ajeitando meu cabelo com a mão. Quando o sol se pôs, ainda havia um resquício de luz na praia. Os adolescentes saíram em direção a rua, se divertindo e, provavelmente indo para casa. A mulher vinha e minha direção, de mãos dadas com sua filha, fugindo da água. Tudo estava calmo. A brisa oceânica enchia meus pulmões, minha boca salgava e eu ainda sentia minha pele quente.

— Com licença jovem, você mora por aqui? – Perguntou a mulher.

— Ah, moro sim... Precisa de algo? – Perguntei, olhando para cima e encarando a mulher.

— Sim, eu e minha filha estamos perdidas pela região. Você sabe para onde fica o centro da cidade?

Eu tentava olhar e decifrar o rosto da mulher, porém eu não conseguia identificar seu rosto muito bem. Esfreguei os olhos e tentei encarar de novo, porém sem sucesso. Maresia, com certeza.

— Claro, olha. Você segue até a rua principal e vira a esquerda. Mantém reto por um kilometro, vai ter uma placa indicando o centro da cidade... É bem fácil. – Dei um sorriso de lado, algo martelava na minha cabeça para que eu fosse embora.

Me levantei, batendo a areia dos meus shorts.

— Seu cheiro é gostoso, criança... – Disse a mulher me encarando.

Ok, aquilo era definitivamente um elogio estranho. Já havia recebido diversos elogios sobre minha aparência e meu perfume, mas saber que meu cheiro era gostoso me deixava perturbado. Alguém deveria avisar àquela mulher que certas coisas não se falavam em voz alta.

Fui me afastando, fingindo que não havia ouvido nada. Meus passos aceleraram quando percebi que a mulher e a filha tomaram o caminho contrário ao que eu havia falado e passaram a me seguir.

Claro, é paranoia da minha cabeça. É só uma mãe e uma filha. E elas vieram se divertir na praia nesse começo de verão. E, bem, a filha gosta de andar de quatro. Completamente normal.

Eu parei por um momento e olhei para trás.

O que?

Esfreguei o olho novamente – maldita maresia – e tentei focar no que eu estava vendo. A menina já não parecia tão menina assim. Quer dizer, se tirarmos o fato de que ela parecia um cachorro enorme, com dentes afiados, olhos vermelhos e cheiro de... enxofre? Pelo menos o vestidinho rosa estava preservado no cachorro.

Eu realmente precisava comer algo, porque alguém já me disse que a falta de açúcar causava alucinações.

Me virei e comecei a correr, não ia me arriscar decidindo entre alucinação ou realidade. Passei pela grade do jardim e tropecei nos materiais de jardinagem, caindo em cima da plantação de roseiras. Minha mãe ia me matar por ter estragado suas rosas preciosas.

Olhei ao redor, o jardim parecia calmo. Me levantei, tirando as folhas e os galhos do corpo. Um filete de sangue pingou no chão e percebi que havia cortado meu rosto com um espinho.

Com certeza tudo tinha sido coisa da minha cabeça. O sol da Califórnia era forte, eu estava sem comer e eu... Eu estava sentindo cheiro de enxofre de novo.

Olhei para o outro lado do jardim, e lá estava a mulher e seu grande cão filha de guarda raivoso. Respirei fundo e quase me engasguei com o enxofre no ar.

Certo, isso é definitivamente real.

Atrás da mulher se ergueu um par enorme de asas; seus cabelos agora eram labaredas que iluminavam o jardim, uma de suas pernas era um tanto quanto peluda e a outra parecia robótica.

— Filhote de deus, eu estou com fome. Chegou sua hora – O olho dela brilhava em vermelho vivo, enquanto seu dedo apontava na minha direção

Pof

A pedra bateu na cabeça dela e caiu no chão. Ela continuou imóvel.

Anotações mentais:

1 – Nunca confie em uma mãe perdida na praia com sua filha

2 – Lobisomens (ou lobiwomens?) são mais assustadores pessoalmente do que a gente pensa

3 – Pedras não são boas armas contra seja lá o que ela fosse

Só me restou uma coisa a se fazer nessas horas: correr.

Para minha sorte, a entrada de casa era mais perto para mim do que para ela. No momento que eu decidi correr, o cachorro decidiu correr e ela decidiu levantar voo. Eu, definitivamente não queria ficar fora para saber o que ia acontecer se eu fosse pego.

Tranquei o portão, impedindo que alguém entrasse e fui direto até a biblioteca.

— Garoto, onde você tava?

— Sem tempo professor! – Passei direto por ele, em direção a lareira.

Meus pais não tinham uma decoração medieval. Para que tanto dinheiro se eles não penduravam machados, martelos, espadas e sei lá mais o que. Peguei o atiçador da lareira, feito de cobre, quase um metro de comprimento, iria servir.

— Que cheiro é es.... Garoto! Me conta agora o que tá acontecendo – O professor Silvano me pegou pelos ombros, me chacoalhando. – Você se machucou? O que te atacou?

— Eu... Eu não sei... Era uma mulher, mas tinha asas, o cabelo pegava fogo.... Tinha uma perna peluda.... – Eu estava confuso, com medo e com o sangue fervendo.

— Merda.... Merda merda merda merda!! – O professor foi desesperado até sua mala e tirou uma espada de esgrima e uma flauta de madeira.

— Professor, acho que essa não é a melhor hora para tocar música.... – Ouvi uma batida na porta.

Silêncio.

Outra batida, acompanhada de um uivo.

— Ela tava acompanhada? – Perguntou o professor, com rosto apavorado, deixando seu chapéu cair.

— QUE PORRA É ESSA??? CHIFRES??? – Gritei caindo no chão e me afastando.

— GAROTO, PRESTA ATENÇÃO E SE ACALMA. Santo Zeus, eu vou ser empalado quando voltar pra Colina... – O homem afagou a barbicha e coçou a cabeça. – Escuta aqui, não temos muito tempo pra explicações. Você é filho de algum deus antigo... Não Deus com D maiúculo, deus com d minúsculo... É... É isso basicamente. Você foi rastreado por alguma criatura, o que é estranho, porque seu cheiro geralmente é bem encoberto...

Eu não estava entendendo nada, o que geralmente acontecia quando o professor Silvano começava a falar disparadamente.

Outra batida, e a porta caiu no chão.

— Minha nossa senhora Hera... Um cão infernal??? Por que você não me disse? – O professor se colocou na minha frente e o cheiro de enxofre invadiu o cômodo.

O cão latia e uivava, parado na nossa frente. A mulher carregava um corpo, tombado de lado; sua boca, vermelha feito sangue, mostrava que ela havia feito um lanchinho antes de invadir nossa biblioteca.

— Ei, você bode. Me dê o garoto e eu matarei você por último – Disse a mulher.

— Você sabe que essa proposta é bem ruim, né? – Professor Silvano chutou um sapato para um lado e outro sapato para o outro. Cascos.

A partir daí as coisas começaram a ficar mais estranhas ainda – se é que já não estavam estranhas o suficiente. O professor tocou sua flauta, e eu tenho certeza que era a música do Titanic, e correu em direção ao cachorro, desferindo um golpe certeiro com seu florete. Onde deveria estar um cachorro, agora era areia dourada.

— Eu subestimei você bode – A mulher abriu sua mão e uma bola de fogo de materializou.

Chamas por todos os lados, livros pegando fogo e eu me tremendo.

— Heitor! – Gritou o professor – Corra para o lado de fora, no jardim você vai encontrar Gilles, ele é meu amigo e vai te levar até um lugar seguro.

— Mas... – eu protestei, quando professor Silvano caiu no chão após um pedaço de madeira do teto acertar sua cabeça.

Corri em sua direção, havia sangue escorrendo do corte, mas ele respirava.

Ufa.

— Agora é sua vez, filhote de deus. – A mulher avançou para agarrar meu pescoço e, num ímpeto de me salvar, desferi um golpe com o atiçador em seu braço.

A mão dela caiu no chão, tremendo e soltando um líquido preto, parecia piche. Quando olhei para cima, do corte surgia outra mão. Eu estava ferrado.

Peguei o professor Silvano e, arrastando, fui descendo as escadas até a saída que dava para o jardim.

— Garoto... Use o florete... Se você a acertar, ela irá desaparecer...

Segurei o florete, mas minha mão não parava de tremer. Uma bola de fogo passou pelo meu lado esquerdo e acertou um sofá – pelo menos era um sofá feio.

Corri mais rápido e, quando achei que chegaria ao jardim, a mulher se colocou entre nós e a porta.

— Desista filhote. O velho bode não pode te ajudar e você não sabe o que está fazendo. – A mulher levantou voo e desceu em nossa direção, pronta para nos atacar.

E, quando pensei que não tinha mais saída, levantei os braços de maneira defensiva e senti algo espetando na espada que estava nas minhas mãos. Como se fosse instintivo, eu havia pegado o florete e acertado a barriga do monstro que nos ameaçava.

Abri os olhos devagar, tendo um vislumbre de sua enorme unha pronta para ferir meu rosto, mas seu corpo estava imóvel. Na minha mão escorria o mesmo líquido preto de antes, queimando minha pele, e de repente uma chuva de areia dourada inundou nossas cabeças.

— Mandou bem, novato. – Então o bode sucumbiu ao cansaço e desmaiou.


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