283 d.C

Lyanna Stark

Lyanna era capaz de escutar os sons da batalha que ocorria do lado de fora da Torre da Alegria. Há bastante tempo havia sido informada da rebelião de Robert ou a Guerra do Usurpador, como gostava de chamar. Estava na cama ensaguentada, pois não havia parado de sangrar após o parto da criança, três dias antes.

A criança havia rasgado seu ventre ao sair e a deixara com pesadelos horríveis desde o dia anterior. Sua única esperança era o retorno de Rhaegar, mas parecia que isso não mais aconteceria. Os sons do lado de fora lhe provava isso. Quem quer que estivesse lutando, não poderia ser seu amigo.

— Me ajude! - disse uma das criadas encarregadas de cuidar dela. Lyanna se sentia incrivelmente fraca e sabia que corria um suor frio por seu corpo.

— Preciso de água fervente e panos limpos - rugiu uma das mulheres ao seu redor em tom alto. Não eram muitas, geralmente três e uma desconhecida habitual que aparecia em raras ocasiões. Os olhos claros da Stark foram até o teto. Por muitas vezes havia feito amor com seu príncipe Targaryen naqueles aposentos antes de sua partida. Se fechasse seus olhos agora, poderia imaginá-lo ali ao seu lado. Lágrimas começaram a descer por seu rosto porque temia nunca mais vê-lo ou desfrutar daquele amor.

Sentia-se flutuar novamente. Os sentidos turvos e os barulhos ao seu redor se desvanecendo. Fechou os olhos por apenas alguns segundos, mas quando voltou a abri-los estava totalmente sozinha no quarto. Tudo estava silencioso. Os lençóis pareciam ter sido trocados, mas logo uma fincada de dor se fez visível em seu útero ao tentar se levantar. Voltou a sangrar e respirou fundo antes de voltar a apoiar as costas na cama. Como se sentisse o pesar de seu coração ou o estado de seu corpo, o bebê há alguns metros de si começou a chorar. Ela queria muito segurá-lo nos braços, mas era incapaz de se mover. Angústia se apossou de seu corpo e ela começou a chorar. De um modo que não fazia desde que era pequena. Seu corpo estava ficando gelado e com certa dificuldade enxugou o rosto. Uma parte de si sentia-se culpada pelo que aconteceu a seu pai e a seu irmão. Não deveria, pois o rei Louco é quem os havia condenado. Ainda assim, se nunca tivesse fugido com Rhaegar... onde estaria agora?

Ao lembrar dos momentos de genuína felicidade ao lado de Rhaegar, entretanto. Os meses que compartilharam juntos, os dias e noites ao seu lado... Lyanna sabia que se tivesse a chance de repetir seus atos, teria feito exatamente tudo do mesmo jeito, apenas para tê-lo consigo do modo como teve.

Ela ouviu passos se aproximarem do cômodo. Seu coração estava igualmente fraco como seu corpo e ela podia senti-lo tremer enquanto sua visão parecia turva. Ela temia ser Robert. Por vezes havia sonhado (tido pesadelos) com a imagem de seu noivo. Era estranho como o chamava de noivo mesmo depois de já ter se casado com Rhaegar. Enquanto dormia, imaginava ele a tirando dos braços do Targaryen e a arrastando de volta a Winterfell, lugar frio onde sepultava seu corpo. Em alguns sonhos mais perturbadores, ele a puxava pelos cabelos ou a batia. A mesma ira que viu em seus olhos numa noite em Harrenhal (quando recebeu a coroa de flores), parecia ainda mais assustadora ao fechar seus olhos.

— Ned - disse ela em tom frágil ao reconhecer o irmão. Se sentiu aliviada. A voz dele preencheu o local. Sentiu as mãos em seu rosto e ele tão feliz quanto ela mesma estava ao vê-lo. De repente o choro do bebê pareceu ter se feito ainda mais forte - Deixe-me segurá-lo. Ao menos mais uma vez - pediu dirigindo o olhar ao local onde o bebê se encontrava envolvido num pano branco. Ao ver o rostinho amassado de seu filho, novas lágrimas começaram a escorrer por seu rosto porque Lyanna sentia consigo que jamais o veria novamente - Eu estou morrendo - afirmou ao voltar seu rosto em direção ao do irmão - Posso sentir em meu corpo o cheiro e o toque da morte - confessou e por um momento quase soluçou. Estava feliz por ter dado a luz ao pequeno bebê que se aninhava aos seus braços, mas logo se sentiu tonta. Pequenos pontos negros aparecendo em sua visão. Ela foi amparada pelo irmão, que segurou o bebê contra o próprio corpo e ajudou ela a se deitar na cama.

— Os boatos sobre Rhaegar ter me raptado... - começou a dizer e sentia sua mente delirar. Sussurros e vozes ao seu redor, embora o ambiente estivesse em silêncio. Pediu aos deuses e espíritos que lhe dessem tempo o suficiente para falar com o irmão - Eu o amo - disse em tom alto, tentando fazer sua voz soar acima dos sons que ouvia. Fechou os olhos – O nome do bebê é Aegon, Aegon Targaryen. Assim como um dia chamaram Aegon, O Conquistador...O príncipe-que-foi-prometido...Rhaegar acreditava que seria nosso filho e... Rhaegar...Onde está Rhaegar?

— Não tente falar. Está fraca e é melhor esperar as criadas voltarem. Elas prometeram cuidar de você - afirmou ele, mas sua voz parecia distante

— Não irei sobreviver e Rhaegar... - começou e não sabia sobre o que estava falando. Se perdeu em sua própria mente, buscando algo que fizesse sentido, então ouviu o chiado do bebê novamente. Isso a deu forças para abrir os olhos de novo - Cuide de meu filho. O proteja - pediu e num gesto desesperado se viu agarrar na mão solta do irmão que estava sobre a cama - Você tem que prometer - pediu e viu os olhos castanhos do mais novo nublados com lágrimas não derramadas.

— Sabe que Robert não vai... Ele não vai - disse tentando forçar a voz a sair, mas acabou fechando os olhos novamente.

— Lyanna... - disse ele e ela pensou consigo que havia algo mais a dizer. Queria dizer a ele tantas coisas. Em especial, queria contar que...

Eddard Stark

Com cuidado para não machucar a criança, voltei a colocar no local em que estava. Passei as mãos pelos ombros de minha irmã e apoiei a testa em seu ombro na expectativa de ouvir seu coração bater audível. Esperei por sua respiração enquanto sentia as lágrimas correrem por meu rosto. Homens de honra não expõem suas lágrimas em público, mas no vazio daquele quarto eu chorei. Havia perdido meu pai e meu irmão num único dia sabendo que tinham sido assassinados de maneira cruel. Agora Lyanna...

Um golpe fatal em suas esperanças! Olhava o corpo pálido. A testa ainda brilhante pelo suor e os lábios secos. O corpo de sua irmã agora padecia e ele pediu aos Deuses Antigos por força. A esperança de que sua irmã estivesse viva em algum lugar. A expectativa de que pudesse salvá-la era o que lhe daria conforto. Agora, pelo pouco que ouvira ela dizer, sabia que a rebelião provocada por seu amigo era baseada em uma mentira. Uma parte de si duvidara diversas vezes que a irmã tivesse sido levada a força. Pensava consigo que ela sabia lutar, mas conjecturou consigo que ela não seria pareo aos Guardas Reais. Agora, entretanto, se sentia muito tolo. Havia ajudado a matar o homem que poderia ter sido seu cunhado. O que ele faria com a criança?

Não poderia assumi-lo como filho de Lyanna sem desmentir os rumores de estupro e isso deixaria o governo de Robert fragilizado. Além disso, havia conhecido o ódio do amigo e sua face mais cruel ao ver o modo envergonhado com o qual olhava os corpos das crianças mortas de Elia Martell e do falecido príncipe – dragão. Ned conhecia Robert o suficiente para captar a satisfação que ele tinha medo de demonstrar.

Desperto pela gritaria da criança que parecia sentir a falta da mãe, Ned juntou-se ao pequeno. Aninhou-o e tentou consolar sua dor a dele, balançando-o enquanto enxugava as próprias lágrimas. Ao olhar para a pele clara e reparar nos cabelos escuros e ondulados como os de Lyanna, sabia o que faria.

Daquele dia em diante, o garoto em seus braços seria nomeado Jon Snow, porque Snow era o sobrenome dado a todos os bastardos do Norte desde os primeiros registros do rei Tohren. Ele seria criado entre os filhos que tivesse com Catelyn Tully. Não teria mãe, mas poderia ter um pai ao ser criado pelo tio. Poderia ser criado no lar dos lobos e com uma família. Dentro de um castelo e seguro. Bem alimentado e cuidado. Rezava apenas aos Deuses para que Robert nunca o descobrisse.