A Quinta Exceção escrita por Penedo


Capítulo 2
Adaptação




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Alvo acordou naquela manhã com a incômoda mas conhecida sensação de ressaca após um dia complicado. A luz fraca que entrava pelas cortinas do dossel deixava evidente o verde do tecido desenhado com o símbolo da casa repetidas vezes, e, percebendo que não tinha muito o que fazer, ele se levantou.

O quarto parecia um pouco mais nítido agora, ele só não entendia muito como, visto que os archotes não pareciam ter chamas mais vivas que na noite anterior. A única mudança foi vista nas janelas, que agora pareciam emitir uma leve luminosidade, embora ele não conseguisse enxergar nada além de um tom denso azul-esverdeado.

Aproveitando que os colegas de casa ainda não tinham acordado, Alvo se arrumou em poucos minutos, registrando a mudança das gravatas (agora verdes com pequenas listras prateadas intercaladas) e das vestes, agora com um brasão bem bordado sobre o lado esquerdo da túnica, com uma serpente prata enrolada no escudo (trabalho noturno dos elfos domésticos). "Pelo menos é bonito" ele pensou, tentando se convencer de que não sabia o que significava.

Quando saiu pela porta e desceu pela escada em espiral até o Salão Comunal, Alvo finalmente contemplou o lugar.

Era um cômodo grande, em formato retangular com as extremidades menores abauladas. O centro era rebaixado, dando uma aparência de anfiteatro com uns três degraus circundando todo o espaço e contendo elegantes sofás de um couro verde escuro lustroso, dispostos em todos os lados menos no próximo à entrada pela parede falsa, onde ficava uma lareira de mármore escuro cravejada com um brasão muito bem esculpido no meio. Toda a estrutura era escura, e as paredes eram uma mescla de colunas com formações rochosas, como se a instalação tivesse sido um acaso da erosão natural com toques de interferência humana. Tapeçarias cobriam alguns cantos e vários castiçais traziam cores quentes para a sala, com mesas e pufes na periferia. Mas a maior parte da luz não vinha do fogo, e Alvo então entendeu o que tinha visto no dormitório.

Distribuídas em todas as paredes, estavam grandes janelas ornamentadas, de vidro muito limpo, que davam não para o céu, mas para o fundo do Lago Negro. Agora, com o sol já tendo nascido, a água emitia uma luz azul-esverdeada com finos raios bruxuleando pra dentro do salão. O campo de visão não ia muito além de alguns metros, o lago não era muito cristalino, mas em volta de toda a sala era possível ver algas marinhas de diferentes tamanhos e formatos, pequenos cardumes de peixes cinzas e, em um momento, uma lula gigante que cortou as janelas como os seres dos quadros do castelo, parecendo pular de uma pintura pra outra. Era como se a sede da Sonserina fosse um aquário invertido gigante.

Alvo parou em um dos cantos e ficou só olhando, encantado. Por minutos se esqueceu que não deveria se sentir tão confortável naquele lugar, quase uma armadilha para o seu sobrenome. Alguns alunos de outras séries já estavam no salão, aparentemente acostumados com o efeito e não dando muita atenção. Ele olhou pro relógio de prata em cima do brasão na lareira e viu que já poderia ir tomar café.

No Salão Principal, poucas pessoas tomavam café nas mesas, somente a dos professores completa. Alvo se sentou e começou a mordiscar uma torrada com manteiga, distraído.

— Você não vai ficar me evitando não, né? — disse Rosa Weasley, surgindo quase que por aparatação, com uma expressão apreensiva.

— Bom dia, mas eu realmente prefiro não confraternizar com gente da sua casa... — respondeu Alvo, cínico, enquanto passava um pouco de geleia de amora sobre outra torrada.

— É sério! — ela disse rindo, ao mesmo tempo que se sentava e o encarava com as sobrancelhas um pouco tortas, como se ele tivesse recebido o diganóstico de varíola de dragão — Você tá bem?

— Defina "bem" — indagou Alvo antes de tomar um gole do cálice de suco de abóbora enquanto vigiava os portões abertos do Salão, por onde passavam cada vez mais alunos sonolentos.

— Eu acho que não preciso dizer que não me importo, de verdade. — ela afirmou, ignorando-o e enfatizando o fim da frase — Mas eu continuo preocupada, sei que você ouviu o que meu pai e os outros disseram, e não quero que você se sinta deslocado ou coisa parecida.

— Isso vai depender menos de mim do que dos outros, não é? — ele pontuou, os olhos verdes fitando os castanhos pela primeira vez.

— Duvido que tio Harry fosse deixar isso acontecer. — ela o cortou, de imediato — E você nem olhou pra mesa da Grifinória ontem depois de tirar o chapéu da cabeça! — Rosa continuou, com um leve tom de reprimenda — Não dá pra querer que os outros continuem agindo normalmente se você não fizer o mesmo.

— Eu não ia fingir que você não existe, calma. — contrapôs Alvo enquanto encolhia os ombros, percebendo o Salão se enchendo e sentindo os olhares — Só estava..., ah..., pensando em muitas coisas.

— Imagino... — completou, bondosa — Nossos pais devem responder daqui a pouco.

Rosa olhou para as janelas pouco abaixo do teto encantado, que mostrava um sol parcialmente visível entre muitas nuvens e trechos de céu azul desbotado, com uma certa expectativa pela chegada do correio.

— Você falou como se tivesse certeza de que eu escrevi pra eles.

— Ah, bem..., achei que tivesse acordado tão cedo pra ir ao Corujal — ela respondeu, sem graça — Mas esse silêncio é justamente o que você acabou de dizer que não faria.

— Eu só não sei o que dizer, e de qualquer for...

Nesse momento alguns alunos da Sonserina sentaram perto deles e olharam para a ruiva como se ela fosse um explosivim particularmente grotesco, o que a deixou nervosa e a fez levantar-se, pedindo desculpas com os olhos e dizendo pra se falarem mais tarde. Alvo acenou, irritado com os colegas mas ao mesmo tempo se questionando se ela teria infringido alguma regra ao sentar em uma mesa de outra casa.

O Salão agora estava lotado, e Alvo apenas esperou a revoada de centenas de corujas, de diversas cores e tamanhos entrando pelo topo das paredes (milagrosamente não batendo umas nas outras), deixar as habituais cartas e encomendas. Quando teve certeza de que não tinha recebido nada, o que o deixou ao mesmo tempo aliviado e incomodado, ele se levantou e saiu o rápido possível.

Alvo seguiu andando para a Grande Escadaria, onde andou bem devagar para reter os detalhes dos quadros de múltiplos tamanhos, molduras e pinturas que enfeitavam as paredes até um teto que ele não conseguia ver, de tão alto. Subiu dois lances e chegou aos corredores do 2º andar, por onde quase se perdeu até chegar a uma porta de madeira onde já se encontravam alguns estudantes.

Sua primeira aula seria a de Feitiços com o Prof. Flitwick, um homem baixinho com um farto bigode e feições gentis que já esperava em cima de uma bancada na ponta da sala. Era um espaço não muito grande, retangular com uma única grande janela no lado oposto, duas bancadas longas com cadeiras nas duas paredes maiores e um espaço vazio no meio, para as aulas práticas. Logo os alunos da Corvinal e Sonserina começaram a se acomodar.

— Bom dia a todos! — disse o Prof. Flitwick visivelmente animado — A disciplina de Feitiços fornecerá alguns dos conhecimentos em magia mais elementares dentre tudo que verão ao longo da estadia de vocês, independentemente do que venham a escolher em termos de carreira do 5º ano para frente. Hoje começaremos com o Feitiço da Levitação, e ao longo das próximas duas semanas veremos variações e diferentes tipos de aplicação.

A parte teórica foi bem rápida, pouco tiveram o que anotar nos pergaminhos, e logo todos estavam brandindo varinhas e repetindo Wingardium Leviosa freneticamente.

— Muito bem Sr. Potter! 10 pontos para Grif... Sonserina! — disse o baixinho com cara de quem se desculpa, fazendo algumas pessoas rirem e Alvo corar depois de ter sido o primeiro da turma a fazer a própria pena subir 2 metros e pairar no ar por uns segundos antes de cair.

— Se importa de mostrar como você fez o movimento?

Alvo se virou e deu de cara com Escórpio olhando-o compenetrado. Ele ficou desconcertado por um instante mas, vendo que outros alunos também prestavam atenção, esperou o professor se virar para ajudar os estudantes da Corvinal e começou a explicar:

— Quando forem, eh..., fazer a sacudida depois do movimento circular, façam com uma velocidade maior — ele demonstrou sem verbalizar a fórmula — como se estivessem rascunhando no ar, e sem preencher todo o diâmetro do círculo.

Eles começaram a pôr as dicas em prática e logo algumas penas começaram a, pelo menos, vibrar. Dois minutos mais tarde, Escórpio conseguiu levitar a própria pena na mesma altura de Alvo antes, ao que sorriu abertamente e encostou a mão no ombro do moreno, apertando com carinho.

— Valeu Alvo.

Alvo se sentiu um pouco estranho com o contato físico, porém menos nervoso do que antes. Murmurou "sem problemas" e se voltou para a frente, a tempo de ver o professor seguir falando sobre como estabilizar o objeto por mais tempo em suspensão.

A aula seguinte foi de História da Magia, com o Prof. Binns, e todas as promessas a respeito do evento mais empolgante da matéria ser o surgimento do fantasma através do quadro negro se cumpriram. Alvo, que já tinha acordado mais cedo do que o necessário, não resistiu ao cochilo.

Não ficando muito tempo no Salão depois de almoçar, o menino foi balançando seus cabelos bagunçados correndo para as Masmorras. Chegando no Salão Comunal, Alvo deixou sua mochila no dormitório e tirou a túnica, colocando-a num suporte do dossel de sua cama (as temperaturas ainda estavam amenas em pleno início de setembro).

Alvo voltou para a sala e estava prestes a passar pela parede falsa ao lado da lareira quando dois alunos entraram, dentre eles Escórpio, que esbarrou levemente.

— Nossa, perdão! — o louro disse segurando o moreno que foi um pouco empurrado para trás

— Tudo bem, eu estava andando rápido — respondeu Alvo, tentando ser displicente mas já retomando o caminho

— Ei! Espera — chamou Escórpio, e Alvo virou, ajeitando os óculos sobre o nariz — Eu e o Louis — ele apontou para um menino negro de pele clara e olhos claros com cabelos castanhos cacheados, que acenou simpaticamente — estamos indo jogar Snap Explosivo no Pátio de Entrada. Quer ir?

— Ah... — Alvo se sentiu estranho e aquecido ao mesmo tempo, mas respondeu - Valeu, de verdade, mas eu tenho que ir na Biblioteca, não estava muito acordado na última aula

Ele não esperou o mais alto responder e já saiu em direção ao andar térreo do castelo. Por mais que a desatenção na aula do Prof. Binns fosse verdadeira, ele não pretendia realmente estudar agora. Ia aproveitar a período da tarde livre pra ficar nos jardins aproveitando o clima e a calma, de preferência sozinho. Foi seguindo por corredores do outro lado da Escola até conseguir chegar no prédio da Torre do Relógio, por onde seguiu passando pela ponte que levava até os jardins, o Corujal e a Cabana de Hagrid. Andando pelo relevo, ele achou um trecho com algumas bétulas em que se sentou confortável na sombra, com vista para a Cabana, a Floresta Proibida e, mais distante, o Salgueiro Lutador.

Era o primeiro momento a sós desde a seleção, e ele sabia que não conseguiria pensar em outra coisa. De todos os possíveis problemas gerados por não ser da Grifinória, o que mais o preocupava, caso fosse evidente, era não se sentir tão surpreso.

Alvo temia não ir pra Grifinória, mas não era como se achasse que pertencia à casa de seus pais. Alvo sempre sentiu que era diferente, não conseguia se enxergar nos cânticos sobre coragem e notável destreza, e não se sentia essencialmente incomodado com isso, ou pelo menos não se sentiria se não tivesse crescido sendo alimentado por ideais maniqueístas sobre as casas de Hogwarts. Ele alimentava esperanças de que, pelo menos, entraria para a Corvinal ou Lufa-Lufa. A casa do Texugo amarelo parecia uma boa opção, nunca se sentiu muito inteligente ou sedento por conhecimento, mas era uma boa pessoa, certo?

Quanto mais refletia, mais esse questionamento retornava. Se era uma boa pessoa, como fora parar no lugar onde quase todos os bruxos das Trevas surgiram, e, afinal, o que tinha naquele lugar para produzir essa sina? Alvo não conseguia não se sentir perturbado por viver entre os que, duas décadas antes, foram os principais críticos de seu pai na Segunda Guerra Bruxa. Não apenas críticos, mas gente que fez questão de amplificar os boatos de insanidade do bruxo quando ele alegava o retorno do temido Lord Voldemort. Homem que, por sinal, era não apenas da casa (como quase todos os seus seguidores), como herdeiro vivo de Salazar Slytherin, que tinha uma mentalidade co-responsável pelo preconceito contra nascidos-trouxas na comunidade bruxa contemporânea. Havia dúvidas de que era uma casa, no mínimo, questionável?

Pequenas pedras e galhos secos pairavam no ar aqui e ali, enquanto Alvo treinava o Feitiço da Levitação distraidamente, chegando à conclusão de que não escreveria aos pais. Não sabia o que dizer, e não queria acabar assumindo um tom defensivo na carta, seria quase o mesmo que fornecer a munição pro possível desagrado deles. Ele não achava que o pai tinha mentido antes de deixá-lo embarcar no trem, não era como se fosse ser deserdado, mas também acreditava que parte da tranquilidade dele era oriunda da crença de que, pelo menos, para a Sonserina o seu filho mais novo não iria.

Fechando os olhos e rindo baixo com escárnio de si mesmo, Alvo mal ouviu o som de vestes farfalhando devagar sobre as folhas no chão próximo, e levou um leve susto quando os abriu e viu um menino parecido com ele, porém mais alto e sem os olhos ou as esmeraldas cravejadas no rosto. O brasão com um leão vermelho e detalhes dourados reluzindo no sol explicitando mais do que nunca a diferença entre eles.

— Eu sabia que você ia aparecer por aqui quando tivesse tempo livre — disse James levantando um pouco os robes para se sentar, encostando o dorso na mesma bétula que Alvo, mas sem fazer contato.

— E você também está sem aulas agora? — perguntou Alvo, curioso com a coincidência mas também ganhando tempo para pensar na iminente, e não tão desejada, conversa.

— Não, eu só fugi mesmo — disse James rindo descarado, o que acabou fazendo o irmão rir também — Eh..., então..., como está na nobre casa da Sonserina?

— Melhor impossível — respondeu Alvo rindo, mas dessa vez com amargura — Olha James, se você veio só tripudiar eu sinceramente...

— Por que você tem tanta certeza de que eu faria isso? — cortou James, com uma voz educada mas incisiva.

Alvo ponderou, um pouco espantado pela pergunta.

— É tão surpreendente assim eu achar que faria? — ele devolveu com a mesma incisão

— Eu sei que eu brinco, Al, talvez mais do que você tolere... — ele fez em mea culpa, mas prosseguiu — Talvez eu zoasse caso você fosse pra Grifinória, diria sempre que tinha havido algum engano, e arrumaria algo pra falar se tivesse ido pras outras duas — ele concordou, levantando as sobrancelhas e virando um pouco a cabeça como quem não nega — Mas, estando na Sonserina..., bom, eu não vou mentir e dizer que não fiquei um pouco chocado ontem à noite, mas eu sei que não foi nem um pouco tanto quanto você deve ter ficado...

Ele parou, e Alvo resolveu esperar mais um pouco.

— O que eu quero deixar claro é que no fundo eu não me importo, e eu não quero que você ache que eu me importo. — ele finalizou.

Alvo agradeceu pela posição em que eles estavam sentados, impedindo James de ver sua expressão ligeiramente boquiaberta. Ele nunca tinha ouvido uma combinação tão longa de palavras saídas da boca do irmão que não contivessem alguma implicância com ele. Aliás, não se lembrava dele ter falado sério com ele pra nada além de brigar quando eram mais novos. Era difícil registrar que a faceta mais delicada do parente se mostrasse no momento em que a distinção entre os dois se tonara mais clara do que nunca.

— Eh, obrigado, eu acho... — Alvo enfim falou, ciente de que estava corando.

— Agora..., eu só espero que você não ache que eu vou maneirar no Quadribol por sua causa — disse James com a voz risonha e o jeito malicioso, que Alvo tanto reconhecia, completamente restaurado. Com a diferença de que agora ele sorria também.

O resto da semana seguiu o mais normalmente que Alvo poderia esperar. As aulas de Poções foram agradáveis, embora ele pudesse dispensar a bajulação minuciosa e ao mesmo tempo obsessiva do Prof. Slughorn, que tecia comentários esparsos sobre a certeza de que Alvo seria um exímio preparador de poções, devido ao talento de seu pai e sua avó. Como se não bastasse, o professor cujas feições lembravam um leão marinho (agora mais envelhecido) deixou muito claro como estava feliz com a presença de um Potter em sua casa, da qual era chefe. Escórpio deu um discreto riso abaixando a cabeça nesse momento, não passando despercebido por Alvo, que não soube como interpretar.

As aulas de Herbologia foram interessantes e agradáveis. A temperatura das Estufas era um pouco alta por conta do sol sobre as placas de vidro, mas o Prof. Longbottom permitia que os alunos despissem as túnicas enquanto estivessem trabalhando com as plantas mágicas (embora as do primeiro ano não oferecessem qualquer perigo). Alvo se sentiu contente ao perceber que seu padrinho não alardeava sua presença nas aulas, ao mesmo tempo em que demonstrava manter a mesma relação doce nas entradas e saídas. O menino pensou ter visto o professor faiscar os olhos sobre seu brasão serpentino por um breve instante, mas o que quer que ele tenha pensado, não deixou transparecer.

A aula de Transfiguração foi, de longe, a favorita de Alvo. Ocorria em uma sala de pé direito alto e mármore muito branco, com carteiras tradicionais e várias gaiolas de ferro de diferentes tamanhos, algumas globosas pendendo, com aves e répteis. O cômodo era muito iluminado pela cúpula esticada no teto.

— A disciplina de Transfiguração é uma das mais úteis e mais complexas que vocês aprenderão em Hogwarts. Requer uma precisão teórico-prática de alta performance e é uma habilidade pertinente a diversas profissões, desde Curandeiros até Aurores, o que faz com que seja severamente cobrada em novas avaliações. Eu não tenho muita pretensão que a maioria de vocês seja capaz de executar os feitiços com perfeição só com as aulas, então ponham em mente que precisarão praticar fora de sala. — disse de uma vez a Profª Ghazawwi.

Uma mulher alta e esbelta, com pele em tom oliva, olhos de pupilas muito negras assim como seus cabelos compridos, trançados até a altura do quadril. Usava vestes azul-marinho (em um belo contraste com a pele) que pareciam uma mistura de sobretudo com vestido, o topo com ombreiras que marcavam uma postura séria.

Ela logo começou a usar a varinha para desenhar um quadro com instruções sobre a Transformação Objetiva e suas aplicações. Da metade da aula para frente, iniciou a rodada prática com a modalidade mais simples: transfiguração entre objetos de tamanho e formatos similares.

— Eu já sinto falta da aula de Feitiços... — murmurou Louis Hall, o menino de cabelos cacheados que jogara com Escórpio na segunda-feira, enquanto tentava apagar o fogo que ateou sem querer ao palito de fósforo que deveria transformar em alfinete.

Alvo sempre teve curiosidade pelo que viria a aprender em transfiguração. As poucas demonstrações que viu de objetos virando outros totalmente diferentes foram as formas de magia mais curiosas que presenciou. Adorava assistir a tia Hermione mudando a decoração da casa dos primos sempre que enjoava de alguma coisa. Manteve especial foco e teve a grata surpresa de ver o fósforo se alongar e afinar, adquirindo um aspecto cromado, na primeira tentativa.

— Excelente Sr. Potter, 10 pontos para Sonserina. — a voz clara e grave da Profª Ghazawwi ressoou sem exclamação pela sala, talvez no momento em que Alvo mais se sentiu pertencente à Escola e confiante de seu valor — Mais algumas tentativas e acredito que consiga adicionar o furo de passagem do fio, é de fato um detalhe difícil.

Escórpio assobiou em duas notas. Alvo o olhou e ele estava sorrindo, com a boca fechada. Não soube dizer se em aprovação pelos pontos angariados para a casa ou pela conquista em si, mas ele sorriu de volta.

Com a classe dispensada, Alvo saiu pela porte e foi logo para o Pátio de Transfiguração bem em frente, mais confortável e arejado que o de Entrada, ele se sentou em um dos bancos e contemplou o espaço com um gramado muito verde, algumas árvores e, bem no meio, uma grande esfera armilar metálica em cima de um palanque de pedra quadrado. Rosa, que teria a mesma aula em seguida, se sentou com ele durante o intervalo.

— Eu queria dizer que já estou com saudade dos meus pais, do Hugo, de casa no geral — começou a ruiva, com um ar cômico — Mas a verdade é que aqui é incrível, nunca imaginei que fosse gostar tanto de pensar em deveres de casa.

— Todo mundo sempre pensou que você gostaria, Rosa — comentou Alvo rindo, sentindo uma leve brisa

— Você parece mais animado.

— Sim... — ele disse com simplicidade — Não esperava que James soubesse se comportar como um pessoa séria — ele completou, saudoso. Desde o início da semana ele de fato tinha melhorado de humor.

A aula de Defesa Contra As Artes Das Trevas, todavia, pouco fez pra sustentar o bem-estar.

Uma das matérias mais chamativas, as primeiras aulas foram puramente teóricas e nada se falou além de comportamentos de auto-preservação. Os que esperavam já aprenderem feitiços defensivos dos mais básicos, Alvo entre eles, se contentaram em ficar sentados gastando as penas e tinteiros com anotações monótonas do Prof. Daugherty. O docente era um homem de estatura mediana, na provável quarta década de vida e sotaque irlandês, apresentando muito pouca didática.

A semana logo chegou ao fim. Alvo e Rosa chegaram a visitar Hagrid em sua cabana num fim de tarde. O meio-gigante não comentou nada a respeito da seleção do filho de seu grande amigo para a Sonserina, embora ele percebesse as olhadas furtivas de Hagrid para seu distintivo (e os gaguejos subsequentes, antes que ele conseguisse retomar o raciocínio perdido).

— Ele vai se acostumar, e ele te tratou da mesma forma, relaxa — afirmou Rosa quando voltavam ao Castelo.

Alvo se permitiu acordar um pouco mais tarde que o normal no sábado de manhã, chegando ao Salão Principal ainda com o rosto um pouco amarrotado. Ele já tinha se acostumado a não receber cartas, e o nervosismo diante da chegada das corujas diminuiu ao longo da semana, enquanto ele ignorava a vozinha dentro de sua cabeça que o impelia a escrever para seus pais.

Nesse contexto, Alvo nem levantou os olhos para a chegada do correio enquanto espiava o Profeta Diário de um aluno ao seu lado e cortava um pedaço de linguiça com ovos fritos, até que uma coruja-das-torres bem marrom pousou com estrépito em cima de uma mantegueira. Bem na sua frente. Ela trazia um embrulho bem protegido pela garra e um envelope amarrado na outra perna.

Indo de 0 a 100 batimentos, Alvo liberou a ave para o Corujal e abriu o pedaço de papel endereçado a ele.

E escrito por seu pai.


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Notas finais do capítulo

Agradeço os comentários do primeiro capítulo e peço a todos que estejam lendo que façam o mesmo. As visualizações puras não me dizem se as pessoas estão lendo e gostando ou não.