A Quinta Exceção escrita por Penedo


Capítulo 1
A Seleção




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O Expresso de Hogwarts era, mesmo para seus passageiros veteranos, um monumento móvel bastante imponente. O trem predominantemente vermelho e preto tinha acabado de deixar a Plataforma 9 3/4 da Estação King's Cross no nordeste do Centro de Londres, com seus inúmeros vagões necessários ao transporte de quase mil jovens estudantes, todos seguindo para o mesmo destino.

Finalmente encontrando uma cabine vazia nos vagões dos novos ingressantes, Alvo Potter alojou dificultosamente sua mala, que por sinal tinha mais da metade de sua altura, num dos compartimentos superiores, deixou as cortinas para o corredor entreabertas e sentou-se de frente para uma menina de mesma estatura, com fartos e ondulados cabelos ruivos, olhos castanhos e uma leve quantidade de sardas na parte superior das bochechas rosadas: Rosa Weasley, sua prima de 1º grau.

— A gente só deve chegar quando anoitecer, pelo que meus pais disseram — comentou Rosa com um tom pretensamente equilibrado mas pouco eficaz na tentativa de esconder o entusiasmo. — Eu fiquei meio preocupada quando soube que nossas aulas começariam amanhã, achei que haveria uma adaptação pelo tamanho do castelo e ser nosso primeiro ano, mas ao mesmo tempo acho que não aguentaria não começar a praticar o que quer que pudéssemos — continuou, ansiosa.

— Você fala como se já não tivesse começado a ler os livros que compramos — respondeu Alvo, risonho. — há três semanas — acrescentou.

Rosa, embora tão semelhante fisicamente com seu pai, de fato herdou boa parte da capacidade intelectual e gosto pelo saber de sua mãe, como o próprio pontuou momentos antes de embarcarem.

— Você ouviu o que meu pai disse! — ela exclamou, divertida. — Parece que preciso provar minha descendência competindo com o filho dos Malfoy.

Alvo de fato estava próximo quando Rony Weasley demonstrou leve hostilidade à aparição de Escórpio Malfoy na plataforma, mas pouco absorveu da cena, dada sua crescente preocupação com a seleção das casas que aconteceria dali a algumas horas, alimentada pelo irmão mais velho e, diga-se de passagem, pelo tio. Ainda que surpreso pela confidência feita por seu pai, Alvo não acreditava que teria o mesmo ímpeto, ou mesmo a vontade, para discordar da decisão do Chapéu Seletor, o que não diminuía o seu nervosismo. Conseguia se enxergar, nitidamente, sofrendo calado.

O trem agora se encontrava suficientemente distante de Londres para não conseguirem ver nada além de campos verdejantes e pequenos relevos através da grande janela da cabine, uma paisagem chamativa que só foi interrompida pelo som de movimentação nos corredores e a alta voz de uma bruxa mais velha e baixinha anunciando a passagem do carrinho de doces. Alvo e Rosa logo dispuseram alguns sicles de prata e estavam apenas começando a abrir pacotes de sapos de chocolate quando a porta da cabine se abriu.

— E aí Al, já se acalmou? — disse James Potter com um quê de inocente curiosidade na voz, traído por seu sorriso ligeiramente malicioso.

James era o irmão mais velho de Alvo, indo agora para seu terceiro ano letivo em Hogwarts. Um menino já um pouco mais alto, com os mesmos cabelos negros despenteados e elevados no topo da cabeça que seu irmão igualmente branco, embora sem óculos e sem os olhos verdes brilhantes que tornavam o caçula sensacionalmente parecido com seu pai. Vinha mastigando uma varinha de alcaçuz acompanhado de Fred Weasley, um menino mais alto do 4º ano de cabelos ruivos (outro dos vários primos), e Harper Thomas, um menino negro de cabelos castanho-escuros crespos e curtos (colega de dormitório de James).

— Não liga pra ele Al — comentou Fred, com uma expressão brincalhona e carinhosa. —, tio Harry te avisou pra não se deixar ser estressado por ele, e mesmo que você vá pra Sonserina acho que só o tio Rony pararia de falar contigo.

— Não abusa Fred — interpelou Rosa, rindo junto de James e Harper, enquanto Alvo soltava um sorriso amarelo e rezava que não parecesse ter acreditado nas palavras do mais velho — Papai só fala essas coisas brincando, Al — ela completou, olhando firme para ele.

Alvo deu de ombros como quem mantém o clima descontraído e retirou a figurinha da caixa de chocolates, mas quando foi aproximar o doce da boca...

Accio!

O doce em formato de anfíbio saiu voando de sua mão como que atraído por uma forte força magnética, indo parar diretamente na mão estendida de um James exultante, cuja outra mão apontava uma varinha em direção ao irmão mais novo.

— Eu só vou aprender Feitiços Convocatórios esse ano! — exclamou Fred, observando com leve surpresa enquanto James guardava a varinha no bolso frontal e ria mordendo a cabeça do sapo.

— Papai me ensinou em alguns dias nas férias, me emprestou o Padrão de Feitiços 4ª série pra me ajudar — respondeu James enquanto fechava a porta da cabine e piscava de um jeito maroto para Alvo, andando pelo corredor em seguida.

— Não liga pra ele, é só implicância

— Eu sei... — disse Alvo num meio sorriso pouco convincente, sentindo que na verdade sabia mais do que ela.

Alvo sempre teve uma relação complexa com James. Por mais que não duvidasse do apreço que sentia pelo irmão, ele sentia que não absorvia a questão de ser "filho d'O-Menino-Que-Sobreviveu" da mesma forma. Em parte por ser o menos empolgante, na concepção dele, dos filhos. Não sendo nem o primogênito nem a única filha, Alvo há um tempo cultivava a estranha percepção de que não tinha muito a oferecer rodeado de figuras sabidamente famosas e suas proles expansivas. A situação ficava ainda mais alarmante quando se punha em pauta as personalidades e características de cada um. James era excessivamente simpático, divertido, bem-humorado, proativo, um versão mais velha e explosiva de um Alvo educado porém tímido, levemente obtuso para ironias e introspectivo. James entrou no time de quadribol da Grifinória em seu segundo ano, sendo, de acordo com testemunhas, um apanhador quase tão inspirado quanto seu pai fora. Alvo montava vassouras com tanta destreza quanto sua tia Hermione. James era uma versão viva e repaginada dos homens que, já falecidos, doaram seus primeiros nomes para o garoto, tendo sido apadrinhado pelos dois melhores amigos de seus pais.

Alvo pensava nisso enquanto olhava para a janela mostrando uma vista gradualmente mais montanhosa e um sol produtor de sombras enviesadas, girando a figurinha de Alvo Percival Wulfrico Brian Dumbledore em suas pequenas mãos. Alvo já tinha várias dessa em casa, mas sempre acabava relendo a pequena descrição do bruxo mais poderoso de sua geração, mencionando grandes feitos como a descoberta dos 12 usos do sangue de dragão e seu famoso duelo contra Gerard Grindelwald. Se comparar a James era algo que recorrentemente o fazia comparar seus "padroeiros" nominais, e, dessa forma, se entristecer pela quase injusta cobrança que fazia a si mesmo. Alvo recebeu o nome de uma lenda do mundo bruxo, um homem considerado genial por praticamente qualquer pessoa versada em magia no século XXI, e, como se não bastasse, um mentor para seu pai, tendo sido essencial em ambas as guerras bruxas contra Você-Sabe-Quem. Como eu chegarei perto de competir com isso? Ele pensava.

Como se não bastasse, Alvo herdou também o nome de Severo Snape. Seu pai nunca detalhou muito os acontecimentos de seus anos em Hogwarts, o que era compensado pelo tio Rony, sempre interessado em narrar com muitas nuances e descrições os episódios mais conturbados, a despeito das reprovações de sua esposa. Unindo isso às menções costumeiras dos acontecimentos de quase 20 anos antes no Profeta Diário e em outras conversas, Alvo sabia o suficiente para concluir que o dono de seu segundo nome era tão difícil quanto a palavra compreende ser. Pra não mencionar a insegurança por seu pai ter lhe batizado como uma pessoa odiada por ele até o último suspiro da mesma. "E ele quis me dizer que estava tudo bem não ir para a Grifinória por causa dele?".

Com um leve amargor e um certo frio na barriga, Alvo acabou adormecendo.

— Acorda Al, o trem está desacelerando — disse uma Rosa fazendo força pra conseguir retirar a bagagem do compartimento sem deixá-la cair com tudo no chão, enquanto Alvo continuava com os olhos fechados e a testa apoiada no vidro já embaçado. — Alvo!

Alvo levou um susto e levantou de imediato, não se acalmando ao perceber que Rosa já usava as vestes tradicionais de Hogwarts.

— Ainda dá tempo, só devemos desembarcar um pouco depois da parada — ela o tranquilizou enquanto ajeitava a franja cor de fogo e puxava a mala para fora da cabine. — Te vejo daqui a pouco.

Sozinho na cabine, Alvo abriu a própria mala e retirou as peças de roupa que tanto ansiava quanto temia. Vestiu a camisa branca, súeter e calça pretos, sapatos pretos e colocou o sobretudo semelhante a uma túnica mais grossa, embora ainda com certa maleabilidade, fechando-o com os dois botões na altura do peito. Puxou a gravata e tentou fazer um nó decente enquanto olhava para fora do trem. A noite já chegara, o sono sem sonhos o impediu de ver o pôr do sol e agora só conseguia enxergar algumas árvores indo para trás conforme o trem andava, cada vez mais devagar, e um breu acima das copas.

Não conseguindo lá muitos resultados com a gravata (sua mãe sempre a arrumava com um aceno da varinha, quando tinham que ir a algum evento do Ministério ou outras ocasiões formais), Alvo puxou a pesada bagagem, ajustou os óculos sobre o nariz e se juntou à massa de crianças em torno de seus 11 anos no corredor da locomotiva, todas com vestes negras idênticas e a maioria com a ansiedade estampada nas faces, por vezes entremeada de medo.

15 minutos mais tarde, se dirigiu à grande porta do vagão em que se encontrava e desceu, junto com Rosa, em uma plataforma aberta, coberta apenas por alguns suportes de vidro e iluminada por lampiões em pedestais de 3 metros de altura. Não demorou muito para todos ouvirem uma voz que cobriu todos as falas excitadas.

— Alunos do primeiro ano, comigo! — exclamou um homem cuja estatura quase atingia o topo dos lampiões, não sendo menos impressionante em largura. Ele seria desproporcionalmente alto com a maioria dos homens adultos, o que o fazia parecer um gigante de cabelos e barba desgrenhados segurando ele próprio um lampião em sua mão. A maioria dos ingressantes se assustou, mas Rosa e Alvo logo se apressaram para ficar do seu lado, sorrindo com a familiaridade.

— Ver vocês neste lugar com essas roupas... — disse Rúbeo Hagrid retribuindo o sorriso, os olhos ficando marejados por um instante. — Quase não acredito que se passou tanto tempo, mas teremos hora pra isso. Me acompanhem! - disse ele elevando novamente a voz, sendo então seguido por mais de 100 cabeças que não chegavam ao seu quadril.

Os alunos mais novos foram acompanhando o comprimento do Expresso, separando-se do restante que caminhava para a outra ponta da plataforma, na entrada da aldeia bruxa de Hogsmeade, onde deveriam estar as carruagens puxadas por Testrálios até o castelo.

Ao fim do trajeto, chegaram em um trecho em que parte da floresta ao redor parecia se aproximar do caminho, agora rochoso. Foram caminhando devagar, e, conforme as árvores rareavam, a luz da lua parecia iluminar de forma mais ampla o caminho visível apenas pelo lampião carregado pelo meio-gigante. De repente, os que estavam mais à frente arregalaram os olhos e suspiraram, o que foi imitado por outros alunos e mais outros, até todos estarem na beira de um cais, embasbacados com a visão do Lago Negro e do castelo que emergia do penhasco no lado oposto da massa d´água.

Alvo, Rosa e boa parte das crianças ali presente foram criados por bruxos, cresceram sob a expectativa de irem para Hogwarts e viram algumas fotos da Escola no Profeta Diário ou em suas casas, mas ainda assim não puderem deixar de se juntar aos nascidos trouxas e contemplar, assombrados, o impactante castelo milenar que os encarava, com suas múltiplas torres e torrinhas, passarelas, pontes e centenas de janelas, pequenas àquela distância, que brilhavam com uma luz quente. Isso sem contar o resto da propriedade, não visível pela própria dimensão da fachada e pela escuridão.

Hagrid os organizou em filas e os conduziu, 4 alunos por vez, para barquinhos de madeira paralelos à margem, cada um iluminado com um lampião na proa. Alvo se sentou ao lado de um com Rosa, e mal outros dois meninos se aprumaram no assento de madeira o barco começou a deslizar sobre as águas, sozinho, em direção à outra margem. Os dois até tentavam ser discretos, mas não conseguiam não olhar repetidas vezes para Alvo.

Alvo não queria fingir displicência, ou agir como se não houvesse a menor questão em ser foco de atenções, mas a verdade é que ele estava acostumado. Não se lembrava da última vez que esteve em um ambiente com pessoas sem ser da família que não ficassem fitando o filho do famoso Harry Potter. Hogwarts não tinha motivos para oferecer uma experiência diferente, ainda mais com possíveis filhos de bruxos que o conheceram em sua época de escola, e de fato as expectativas estavam sendo cumpridas. Os olhares dos meninos eram repetidos pelos de todas as crianças nos barcos mais próximos, o que só não era tão perceptível pela pouca luz.

Depois de alguns minutos, então, Alvo atracou no Ancoradouro, que mais parecia uma casa com muito vidro nas paredes e duas pequenas torres nos vértices da parte mais alta. Aos poucos todos foram saindo das embarcações e se aglomerando no cais, do lado de fora do ancoradouro. O último a chegar foi Hagrid, que ocupou sozinho o último barco, e logo estavam seguindo-o por uma fina e sinuosa escadaria ao longo do penhasco, iluminada por alguns archotes. Só conseguiam ver uma parte do Pátio de Entrada e parte de uma estrutura retangular cheia de vitrais, pela inclinação, mas conforme foram subindo (e ofegando com o esforço), os contornos do castelo foram ficando mais nítidos em contraste com o céu azul petróleo salpicado de estrelas, com algumas nuvens e a lua, meio escondida em uma delas.

Logo estavam todos organizados no Pátio de entrada, ladeados por corredores com coberturas sustentadas por colunas entrelaçadas em rebuscados detalhes em pedra. Hagrid os indicou a entrar pelas imensas portas na ponta do Pátio, e logo eles estavam no Saguão de Entrada.

O Saguão tinha muitas estátuas nas paredes. À direita, um arco abria caminho para a Grande Escadaria, e, à esquerda, quatro grandes ampulhetas de vidro com bases de madeira, cada um contendo uma grande quantidade de pedras preciosas no bulbo superior.

— Mamãe falou que é assim que eles deixam evidente quantos pontos cada casa tem ao longo do ano — cochichou Rosa animada para Alvo. — Aquela com rubis é a da Grifinória, A com safiras é a da Corvinal, a com...

Naquele momento, porém, Alvo não recebeu todas as curiosidades, pois Rosa foi interrompida por uma fresta que se abriu do grande portão dourado bem na frente de onde estavam. Dela, saiu um homem da idade de seus pais, de cabelos castanhos bem penteados, olhos grandes e bondosos, uma barba por fazer e usando vestes em tons pastel, com um cardigan abotoado em baixo de uma capa cor de café.

— Bem, Bem-vindos a Hogwarts, acho que é bom começar por aqui... — disse Neville Longbottom com um sorriso sincero enquanto esfregava as mãos com certo nervosismo. — A maioria de vocês sabe como é a primeira noite, mas para os que não sabem, basicamente teremos a cerimônia de seleção das casas, onde cada um de vocês irá ser delegado a uma das quatro casas da Escola, onde encontrarão o lar em que vão permanecer até o último ano de suas estadias. Teremos o banquete de boas vindas e os monitores os acompanharão até os salões comunais de cada casa. Então, é, acho que era isso por agora... — Neville olhou para algum ponto indefinido no ar e franziu a testa como se checasse uma lista mental, até que baixou o rosto e seu olhar pairou diretamente sobre Alvo, para quem ele não resistiu liberar um sorriso de canto de boca e uma piscadela, logo recompondo a postura e pedindo para os alunos fazerem uma fila única atrás dele.

Alvo não pode deixar de se sentir, por um momento, protegido. Sempre gostou muito de seu padrinho, e se por um lado ele se irritava pelas piadas de James por ter sido batizado pelo melhor amigo do pai deles, por outro ficava muito contente por se identificar de fato com Neville, que sempre lhe transmitia carinho de uma forma tímida e cuidadosa, o que ele entendia e apreciava muito.

Ele não manteve essa linha de pensamentos por mais que alguns segundos, pois logo as abas do portão dourado se abriram e seu queixo caiu no chão. O Salão Principal era tão desconcertante quanto a primeira visão do castelo em si. Quatro longas mesas de madeira seguiam o comprimento do cômodo cujo pé direito era quase o mesmo da Estação de King's Cross. Castiçais pendiam em todas as paredes, abaixo de armações curvas de madeira que, ele pressupunha, se encontravam no teto. Contudo, não era o teto o que Alvo e todos no recinto viam quando olhavam para cima, mas uma perfeita reprodução do céu lá fora, escuro, cheio de estrelas e nuvens próximas à Lua. Seu pai o tinha descrito uma vez, mas nunca poderia imaginar algo tão bonito. Em meia altura, centenas de velas brancas acesas flutuavam graciosas, iluminando todo o salão.

Alvo foi andando e se aproximando da outra ponta, onde ficava uma mesa perpendicular às mesas das casas, onde estavam todos os professores, exceto o Prof. Longbottom. Na cadeira mais alta e esplendorosa, no meio, a diretora Minerva McGonagall. Uma mulher idosa com vestes verde esmeralda e um chapéu cônico com duas penas verdes, a ex-professora de Transfiguração evocava uma aura de rispidez, e Alvo só não desviou o olhar por saber que ela tinha grande apreço por seu pai.

O Prof. Longbottom fez um aceno com a varinha e um banquinho velho de madeira veio voando até 2 metros à frente do último aluno de primeiro ano, com um chapéu cônico surrado apoiado no banco.

O banco mal se estabilizou, um rasgo na base do chapéu se abriu como uma boca e logo o Chapéu Seletor iniciou sua canção inaugural, na qual entoava de forma poética as características definidoras das quatro casas, características essas que Alvo já estava cansado de ouvir, principalmente sobre a coragem da Grifinória que seu irmão não perdia uma oportunidade de esfregar em baixo de seu nariz, questionando se ele era digno de tal honra e outras coisas (até que Gina Weasley aparecesse e o calasse com apenas um olhar).

Divagando sobre essas memórias, Alvo só percebeu que a cerimônia já tinha se iniciado depois do terceiro menino sair correndo do banquinho para a mesa da Lufa-Lufa, com uma salva de palmas da mesma. Sabendo que seria um dos últimos pela posição na fila, Alvo começou a ter toda a ansiedade esquecida pelo deslumbramento com o lugar acumulada naqueles minutos, mal processando os nomes dos colegas já selecionados, até que...

— Rosa Weasley!

Sua prima, dois meninos à frente, foi andando para o banco com uma cara que também transparecia temor, balançando os cabelos vermelho-alaranjados nas costas. O Chapéu pareceu dar uma leve entortada à esquerda, como se ponderasse, até que entoou:

— Grifinória!

Ela foi saltitante para a mesa com gravatas vermelho-douradas, com um sorriso solar, que foi capengamente retribuído no rosto de Alvo, contente pela felicidade que irradiava da amiga porém muito consciente do pressão que acabara de triplicar.

Os dois meninos seguintes passaram como num estalo e, mal o último sentava na mesa da Corvinal, o Prof. Longbottom consultou o pergaminho flutuando em sua frente e convocou:

— Alvo Potter!

Bastou ele caminhar em direção ao banquinho para rever seu conforto com as atenções. O silêncio que se fez no Salão foi quase palpável, e Alvo se sentou tentando combater uma tremedeira na mão direita. O Prof. Longbottom deixou o Chapéu Seletor pender sobre sua cabeça e tampar os olhos de Alvo, mas não antes que ele pudesse registrar a atenção com a qual cada par de olhos parecia dedicar a ele.

"Eu estava curioso para a sua chegada, Sr. Potter" ele ouviu uma voz ecoar, parecendo estar dentro da sua cabeça. "E não posso deixar de reparar como a genética me passa, novamente, a impressão de ser incapaz de prever o que se passará dentro dessas cabeças que tenho que ler..."

"Eu entendo seu pesar, ah, como entendo, mas acho que você mesmo já se respondeu quando pensou no que seu pai te confidenciou mais cedo" os batimentos cardíacos pareciam tão altos que Alvo se espantava de sentir tanta clareza na misteriosa voz. "Não mudei realmente minha opinião nesses anos, e não quero ir contra minha interpretação novamente, se você não fizer nenhuma objeção..."

Alvo já tinha entendido, embora não tivesse terminado de processar o que ouviu, e o sentimento que conseguiu identificar foi de resignação, antes de confirmar que não iria contrariar o objeto que um dia pendeu sob a cabeça de Godric Gryffindor.

— Sonserina!

O som dos aplausos quase pareceu ter a mesma intensidade dos demais. As palmas esparsas da mesa do extremo direito, com alunos boquiabertos de gravatas verde-prateadas, se juntaram às de alguns alunos grifinórios da mesa do extremo esquerdo, que começaram a parabenizá-lo como num reflexo, antes de realmente assimilarem o que foi dito pelo chapéu. O som ainda foi entremeado por murmúrios e sussurros que preencheram o Salão como as velas que agora lembravam Alvo mais um velório do que qualquer outra coisa.

Ele não conseguiu correr para a mesa como Rosa, mas não achou que andar devagar traria alguma chance de reverter o acontecido, então juntou toda a dignidade que conseguiu e se dirigiu com agilidade para a parte onde estavam os novos sonserinos, que ele esperava que fossem capazes de encará-lo de forma menos descarada que os veteranos. Uma menina ainda espantada deu espaço para que ele se encaixasse, depois de outro aluno a cutucar.

Alvo permaneceu alguns minutos fitando os talheres e pratos dourados dispostos na mesa, fazendo um esforço hercúleo para não buscar os olhos de ninguém da mesa da Grifinória, até que...

— Escórpio Malfoy!

Como que desperto por um choque elétrico, Alvo se viu olhando atento para o menino que se encaminhava ao banco, fingindo não perceber os olhos, inclusive do garoto sentado à sua frente, ainda voltados pra sua figura, como se a seleção já tivesse acabado. Era um menino um pouco mais alto que ele, dava pra perceber, de traços finos e olhos claros em um tom indefinido de azul puxado pro branco, cabelos muito claros louro-acinzentados (perfeitamente alinhados divididos por uma risca lateral com a franja caindo pelo outro lado) e uma expressão indecifrável.

O louro ficou um tempo com o chapéu sobre a cabeça, e chegou a tremer os lábios como se achasse algo engraçado. Nesse intervalo minúsculo, Alvo conseguiu piorar seu estado de espírito ao pensar na possibilidade de, para completar, ter de ver o filho do antigo rival (e Comensal da Morte, se é que podemos realmente considerar) ir para a Grifinória, mas isso durou pouco:

— Sonserina!

Sem saber o que pensar sobre isso, Escórpio pelo menos se aliviou em ver os aplausos voltarem a ter o timbre normal e as pessoas do salão parecerem voltar, aos poucos, a conseguirem focar alguma coisa que não sua própria cara. Talvez ainda desse pra ouvir seu sobrenome em uma fala ou outra mas com otim...

— Com licença? — disse, educadamente, uma voz suave.

Alvo se virou assustado, se deparando com Escórpio em pé, entre ele e outro garoto à sua esquerda, o fitando com calma. Ele balançou a cabeça com um pouco mais de convicção do que seria apropriado e começou a se mexer para abrir espaço à mesa, dividido entre a curiosidade e incredulidade.

— Prazer, Escórpio, acho que meu pai conhece o seu. — ele disse estendendo a mão com a palma virada para cima e olhando-o diretamente. Seu rosto tinha um meio sorriso gentil, mas os olhos e o tom de voz deixaram clara uma intenção de fazer uma piada.

Pasmo, Alvo só conseguiu dar uma risada nervosa (na qual a voz falhou) e pegar a mão do outro parar concretizar o cumprimento, fazendo isso com visível hesitação. Escórpio compensou apertando com firmeza, mas sem força o suficiente para gerar a impressão de querer machucar.

Ainda aturdido, ele percebeu o fim da seleção com o repetino silêncio e olhou para a frente, vendo a Profª McGonagall se levantando e dizendo "Bem-vindos. Darei instruções inéditas aos alunos do primeiro ano e as sedimentarei aos demais, mas só após o banquete". Mal terminou de pronunciar a última palavra, os espaços vazios entre os pratos perto de Alvo, e em todo o resto do Salão, foram preenchidos com travessas das mais variadas comidas.

Alvo não sentia tanta fome, mas comeu para garantir a si que estava sentindo alguma coisa, embora continuasse alheio às conversas, risadas e vozes altas que giravam no ar. Por duas vezes teve a sensação de seu vizinho louro estar olhando para ele, mas quando ia checar, o outro se virava para o prato ou continuava uma conversa. Não tardou cada prato ser magicamente limpo e cada pedaço de comida parecer se desmaterializar. Alvo não prestou atenção nos avisos da Profª McGonagall. Já os conhecia, e, ao mesmo tempo, receava olhar para ela e acabar recebendo um olhar de volta.

Quando viu, já estava de pé, junto do resto da mesa da Sonserina, ouvindo as instruções do monitor sobre como chegar no Salão Comunal e a senha atual, "Visgo-do-Diabo". Seguindo-o para forma do Salão Principal, Alvo e os demais passaram pelo Saguão, pelo Pátio de Entrada e continuaram pela parte externa do castelo, indo pelo caminho oposto ao da escadaria que vinha do Ancoradouro. Andaram pela Passarela Principal, registrando o que seria uma visão ainda mais incrível do castelo e, do outro lado, do Lago Negro, caso não estivesse de noite, até chegar à outro recinto amplo e seguirem para uma porta no canto esquerdo. Desceram por uma escada estreita em espiral, dando pra sentir uma queda na temperatura (que ficaria ainda mais acentuada nos próximos meses) conforme chegavam às Masmorras.

Zigue-zaguearam por alguns corredores até chegar em uma parede ladeada por archotes com chamas esverdeadas, na qual não se via nada. O monitor disse a senha para a parede e pediu para que os meninos a atravessassem como fizeram na Plataforma 9 3/4.

Do outro lado, Alvo simplesmente passou como um vulto pelo Salão Comunal, sem realmente registrar nada do ambiente, buscou a escada espiral e seguiu para o dormitório do primeiro ano. Seu pai lhe descreveu o do Salão da Grifinória como um quarto circular, e ele ficou surpreso por perceber o dali como igual. As camas de dossel tinham um aspecto elegante, com toda a parte de madeira sendo um mogno bem escuro, ao passo em que os lençóis eram muito brancos e as cortinas verdes, com serpentes bordadas na malha.

Em poucos minutos Alvo se despiu, arrumou a mala e colocou os pijamas. Estava prestes a se deitar sozinho quando finalmente algumas pessoas passaram pela porta. Ele afofou o travesseiro, ajeitou os óculos e se deitou, querendo ficar confortável mas ainda estranhamente consciente da presença das outras pessoas se acomodando e escolhendo as camas. Olhou para as paredes e viu que haviam janelas, o que não fazia sentido, já que as Masmorras são subterrâneas, embora desse pra perceber que havia vidro ali, e nada pintado de preto. Não conseguindo enxergar nada além, ele estava puxando as cortinas para tentar caçar o sono quando Escórpio parou ao seu lado e falou:

— Se incomoda se eu ficar nessa cama? — ele apontou para o dossel vizinho.

— Eh, de maneira alguma. — respondeu Alvo acenando com a cabeça, com uma formalidade que não era sua impregnada na voz, mas não sem antes hesitar um pouco com a forma como o menino o fitava sem desviar os olhos.
Ele sentiu o movimento do colega de quarto se repousando na cama, enquanto os outros paravam de falar. Sentindo ondas de cansaço chegarem, ele retirou os óculos e os depositou na mesinha de cabeceira. Não sem antes pensar "Amanhã tem correio-coruja. Inferno."


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Notas finais do capítulo

Se você ler e gostar desse primeiro capítulo, eu agradecerei muito se puder deixar um comentário. É o que mais me estimulará a continuar.



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