Caixa. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 6
Uma pausa romântica.




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Beijo na chuva é um clichê irrealista e superestimado.

Ou é o que Josh sempre achou. Ninguém era idiota o bastante pra ficar no meio da chuva por um beijo, por mais apaixonados que estivessem. Era só andar dois metros e arrumar um teto sobre as cabeças antes de começar a pegação, simples assim.

Ele mudou de ideia aos 16, quando ele mesmo protagonizou uma dessas cenas clichês. Foi meio ridículo, na verdade, maquiagem arruinada, chapinha desfeita (tanto a dela quanto a dele) e um belo resfriado para os dois depois. Isso os filmes não mostravam! Mesmo assim, rendeu uma bela e hilária história, ainda mais a parte de que Júlia (sua namorada) parecia uma pintura de Romero Brito com a maquiagem escorrendo pelo rosto.

Ela dizia que odiava ele dizer essa parte, mas não conseguia esconder o riso frouxo com a comparação.

Essa não foi a única parte ridiculamente clichê do relacionamento deles.

No primeiro encontro, eles pediram exatamente o mesmo prato ao mesmo tempo e riram da coincidência. Estranhamente, seus gostos não coincidiam assim em muita coisa, mas pra comida era quase como se fossem a mesma pessoa. (E olha que é difícil achar outra pessoa que goste de pizza quatro queijos com alho e abacaxi... No fim da noite, os dois tiveram um beijo de sabor bem interessante)

Quando foram a um parque de diversões, ele ganhou um ursinho pra ela no jogo das argolas e ela acertou três alvos nos dardos e deu para ele um jogo pega-varetas. Até aí tudo normal, muitos casais fazem isso... Mas a roda gigante pifou com eles no topo e os dois curtiram a vista majestosa da cidade e a luz do luar por quinze minutos, até acharem e consertarem o problema.

Quais as chances?

Claro, não era um relacionamento perfeito. As histórias improváveis e engraçadas aconteciam bem de vez em quando e, no resto dos dias, havia brigas, confusão, desentendimento, cansaço, rotina... Mas depois passava. Eles ficavam bem.

Às vezes ocorria a Josh que a vida deles tinha momentos clichês porque eles eram pessoas clichês. Se não fossem, ele não teria se declarado pra ela com um vídeo público no YouTube quatro dias depois da primeira briga séria; ela não teria subido nos saltos mais altos que encontrou e tentado parecer sexy no aniversário de namoro, só pra tropeçar e quase cair de cara no chão (como se ela precisasse de saltos pra ser atraente...); ele não a teria pedido em casamento se ajoelhando no meio de um restaurante em meio a olharem curiosos e até alguns aplausos de estranhos; e ela não teria aceitado o pedido.

“Temos que limpar essa zona” Júlia sorriu e passou um dedo sujo de farinha na bochecha dele, deixando um rastro branco “Ainda bem que é domingo, vamos levar a tarde toda”

“Pois é” Josh se viu sorrindo.

Porque é claro que, para continuar a tradição de momentos fofos mas idiotas, eles tinham que fazer uma bela guerra de comida enquanto assavam um bolo para o lanche.

O resultado na batalha foi farinha no chão, bancada, pia e nos cabelos deles; massa de bolo no chão e nas roupas (e um pouco nos cabelos... Mas praticamente tudo tinha grudado no cabelo); cascas de ovos sobre a mesa; manteiga no chão só esperando alguém tropeçar e mais outras coisas que levariam horas e horas pra limpar.

Essa é outra parte que nunca mostram nos filmes, a chatice de se limpar toda aquela bagunça e a frustração de lavar o cabelo três vezes e ainda sentir manteiga nele.

Mas foi divertido... Ver a cara de sua incrível esposa quando ele sujou a ponta do nariz dela com massa de bolo crua valeu a pena a retaliação de ter um punhado de farinha jogado em si. Agora era respirar fundo e aturar as duas horas de limpeza...

Seu celular tocou.

“Ah, você não pensa que vai escapar fácil assim da faxina, pensa?” Júlia pôs as mãos nos quadris, mas o tom de diversão permanecia.

“Pode ser importante. Volto logo” Respondeu e lhe beijou a bochecha cheia de farinha.

“É bom mesmo, porque eu não vou começar a limpeza sem você. Metade dessa bagunça é sua!”

Entendido, amor” Fez uma reverência de brincadeira e correu para pegar o celular antes que parasse de tocar, sem se importar em sujá-lo no processo e tendo dificuldade em deslizar a tela com os dedos escorregadios pela manteiga.

A foto de Kelly apareceu na tela. Era um pouco estranho, eles não se falavam direito há uns meses e, na última vez que se viram, foi porque Josh ofereceu seu apoio quando o irmão dela sumiu. E isso já tinha uns dias.

“Alô?” O tom leve deixou a voz de Josh, substituído por relutância. Não que fosse estranho Kelly ligar, eles eram amigos depois de tudo, mas não tão próximos mais. E o momento da ligação parecia estranho. Algo não encaixava.

“Alô?” A voz masculina do outro lado com certeza não era Kelly “Joshua?”

Só uma pessoa que ele conhecia, além de sua mãe, o chamava pelo nome todo. Mas era difícil de acreditar.

“Dan?”

“É... Olha, não dá pra explicar agora, eu” a voz dele estava trêmula e ele parecia sem fôlego “O celular vai descarregar. A Kelly se machucou. Muito. Estamos na estrada de terra perto do acampamento há umas três cidades. Eu não posso chamar mais ninguém. Aquele, qual o nome mesmo, Acampamento Wild Fun ou algo assim. Fechou há tempos. É só pegar a autoestrada e virar na estrada abandonada” Ele não falava coisa com coisa direito “Vem logo, eu— “E a ligação cortou.

A bateria deve ter acabado, pensou, imóvel, sem saber o que fazer, toda a diversão do dia drenada de si.

Como uma comédia romântica vira um filme de terror tão rápido?

“Josh?” Júlia veio, estranhando a demora “Quem era? Você parece assustado”

“Eu... Não sei. Era o Dan, irmão da Kelly. Era queria ajuda... Eu...” Largou o celular sobre o sofá e limpou os dedos na blusa, o pegando de novo “Preciso checar uma coisa” Abriu o Google Maps.

A descrição foi confusa, mas ele achava que dava pra achar. Será que devia chamar a polícia? Uma ambulância? Por que Dan ligou pra ele e não pra literalmente qualquer autoridade competente? Ele era culpado?

“Querido?”

“Então...” Respirou fundo, sem acreditar no que ia fazer “O que você diria se eu te chamasse pra viagem mais louca, estranha e insensata da sua vida?”

“Eu diria pra me contar os detalhes no caminho” Ela sorriu, chave do carro já em mãos e limpeza da cozinha esquecida.

Josh se lembrou por que amava essa mulher.

 


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